A agenda oculta:
o novo Pearl Harbor

por John Pilger [*]

O neofascismo precisava de um catalizador. A ameaça colocada pelo terrorismo dos EUA à segurança das nações e da pessoas foi enfatizada com pormenores proféticos num documento escrito há mais de dois anos e só agora revelado. Os que os EUA precisam para dominar uma grande parte da humanidade e dos recursos do planeta, dizia-se ali, é "algum facto catastrófico e catalizador, como um novo Pearl Harbor", descrito como "a oportunidade de todos os tempos". Os extremistas que, desde então, exploraram o 11 de Setembro vêm da era de Ronald Reagan, quando foram criados grupos de extrema direita e think-tanks para vingar a derrota americana no Vietname. Na década de 1990 houve um acrescento à agenda: para justificar negação de um "dividendo da paz" após a guerra fria. Criou-se o Projecto para um Novo Século Americano (The Project for the New American Century) , elaborado pelo American Enterprise Instituto, pelo Hudson Institute e outras instituições que a seguir fundiram as ambições da administração Reagan com as do actual regime de Bush.

Um dos "pensadores" de George W. Bush é Richard Perle. Entrevistei-o quando assessorava Ronald Reagan. Quando falou acerca da "guerra total" considerei-o, erradamente, como louco. Recentemente ele utilizou outra vez essa expressão para descrever a "guerra contra o terror" dos EUA. "Sem etapas", afirmou. "Isto é a guerra total. Estamos a combater contra uma diversidade de inimigos. Há muitíssimos por aí afora. Toda essa falação de que primeiro vamos tratar do Afeganistão, e a seguir do Iraque... é o modo errado de enfrentar o problema. Simplesmente, se deixarmos que nossa visão do mundo se desenvolva e possamos compreende-la totalmente não tentarmos estropiá-la como uma diplomacia de espertezas, aí sim travaremos uma guerra total... nossos filhos entoarão grandes canções sobre nós daqui a alguns anos".

Perle é um dos fundados do Projecto para um Novo Século Americano (PNAC, na sigla em inglês). Alguns dos outros fundados são Dick Cheney, actual vice-presidente, Donald Rumsfeld, secretário da Defesa; Paul Wolfowitz, subsecretário da Defesa; I. Lewis Libby, chefe de pessoal de Cheney; William J. Bennett, secretário da Educação no governo Reagan; e Zalmay Khalilzad, embaixador de Bush no Afeganistão. Eles são os modernos patrocinadores do terrorismo dos EUA. O relatório original do PNAC, " Rebuilding America's Defenses: strategy, forces and resources for a new century" era um plano geral dos objectivos dos EUA. Há dois anos atrás recomendou um aumento das despesas em armamento de 48 mil milhões de dólares a fim de que Washington pudesse "travar e ganhar múltiplas guerra simultâneas importantes". Isto verificou-se. Dizia que os EUA deveriam desenvolver armas nucleares "destruidoras de bunkers" e fazer da "guerra das galáxias" uma prioridade nacional. Isto aconteceu. Dizia que, no caso de Bush tomar o poder, o Iraque deveria ser um objectivo. E assim ocorreu.

Quanto às "armas de destruição em massa" do Iraque, tais palavras foram postas de lado como as desculpas convenientes que são. "Ainda que o conflito não resolvido com o Iraque contribua para a justificação imediata", assinala o referido relatório, "a necessidade de uma presença militaqr importante dos EUA no Golfo transcende a questão do regime de Sadam Hussein". Como foi aplicada esta impressionante estratégia? Uma série de artigos em The Washington Post , escritos em conjunto por Bob Woodward, do caso Watergate, e baseados em longos entrevistas com funcionários da administração Bush, revela como foram manipulados os factos ocorridos no 11 de Setembro de 2001.

Na manhã de 12 de Setembro de 2001, sem evidência alguma de quem seriam os sequestradores, Rumsfeld exigiu que os EUA atacassem o Iraque. Segundo Woodward, Rumsfeld declarou numa reunião do Gabinete que o Iraque deveria ser um "objectivo principal de primeira linha na guerra contra o terrorismo". O Iraque foi perdoado apenas temporariamente só porque Colin Powell, secretário de Estado, convenceu George W. Bush de que "a opinião pública tem de estar preparada antes para ser possível uma acção contra o Iraque". Escolheu-se o Afeganistão como a opção mais suave. Se as estimativas de Jonathan Steele no jornal britânico "The Guardian" estiverem correctas, uns 20 mil afegãos pagaram o preço deste debate com as suas vidas.

Na Time , mais uma vez, o 11 de Setembro foi descrito como uma "oportunidade". No New Yorker de Abril último, o repórter investigador Nicholas Lemann escreveu que a principal conselheira senior de Bush, Condoleezza Rice, disse-lhe que ela havia convocado membros seniors do National Security Council e pediu-lhes "para pensar sobre 'como capitalizar sobre estas oportunidades' ", as quais foram por elas comparadas às de "1945 a 1947": o começo da guerra fria.

Desde o 11 de Setembro, os EUA estabeleceram bases junto aos portões de todas as grandes fontes de combustíveis fósseis, especialmente na Ásia central. A companhia de petróleo Unocal está para construir um oleoduto através do Afeganistão. Bush mandou às favas do Protocolo de Quioto sobre emissões de gases com efeito estufa, as disposições sobre crimes de guerra do Tribunal Penal Internacional e tratado de mísseis anti-balísticos (ABM). Ele afirmou que utilizará armas nucleares contra Estados não-nucleares "se necessário". Sob a cobertura da propaganda de alegada armas de destruição em massa do Iraque, o regime Bush está a desenvover novas armas de destruição em massa que minam tratados internacionais sobre guerra biológica e química.

No Los Angeles Times , o analista militar William Arkin descreve um conjunto de armas secretas actividas por Donald Rumsfeld, semelhantes àquelas executadas por Richard Nixon e Henry Kissinger e que o Congresso declarou fora da lei. Estas "actividades de apoio de super-inteligência" reunirão "a CIA e acções militares encobertas, guerra de informação, e engano". Segundo um documento classificado preparado por Rumsfeld, a nova organização, conhecida pela sua alcunha orwelliana como Proactive Pre-emptive Operations Group, ou P2OG, provocará ataques terroristas os quais por sua vez exigirão "contra-ataques" dos Estados Unidos a países que "abrigam os terroristas".

Por outras palavras, pessoas inocentes serão assassinadas pelos Estados Unidos. Isto é uma reminiscência da Operation Northwoods, o plano apresentado ao presidente Kennedy pelos seus chefes militares para uma falsa campanha terrorista – completa, com bombardeamentos, sequestros, choques de aviões e americanos assassinados – como justificação para uma invasão de Cuba. Kennedy rejeitou-a. Ele foi assassinado poucos meses depois.

Agora Rumsfeld ressuscitou a Northwoods, mas com recursos inconcebíveis em 1963 e sem qualquer rival global a obrigar à cautela. Você tem de ter em mente que isto não é fantasia --- este homens realmente perigosos, tais como Perle, Rumsfeld e Cheney, têm poder. A linha que está a correr através das suas ruminações é a importância dos media: "a tarefa priorizada de trazer a bordo jornalistas de reputação que aceitem nossa posição".

"Nossa posição", aqui, é a expressão código para mentir. Certamente, como jornalista, nunca conheceu mentiras oficiais mais penetrante do que as de hoje. Podemos rir das tolices vazias de Tony Blair no "dossier do Iraque" e da mentira inepta de Jack Straw de que o Iraque desenvolveu uma bomba nuclear (a qual os seus apaniguados correram a "explicar"). Mas mentiras mais insidiosas, justificando um ataque não provocado ao Iraque e ligando-o a supostos terroristas que, disseram, estariam a espreitar em toda estação do metro, são rotineiramente apresentados como notícias. Mas elas não são notícias. Elas são propaganda negra.

Esta corrupção tornas os jornalistas e radialistas meros bonecos ventríloquos Um ataque a um país de 22 milhões de pessoas sofridas é discutido pelos comentadores liberais como se fosse um assunto de seminário académico, no qual as peças podem ser postas num mapa, como os velhos imperialistas costumavam fazer.

A questão primária para estes humanitários não é a brutalidade da moderna dominação imperial, mas quão "mau" é Saddam Hussein. Não há qualquer admissão de que a sua decisão de se juntar ao partido da guerra sele mais uma vez o destino de talvez milhares de iraquianos inocentes condenados a esperar no corredor da morte internacional montado pelos Estados Unidos. O seu duplo pensamento não funcionará. Não se pode apoiar pirataria assassina em nome do humanitarianismo. Além disso, os extremos do fundamentalismo americano que agora enfrentamos estão a fitar-nos, para aqueles que têm bom coração e senso para reconhece-lo.

[*] Jornalista e cineastra australiano.

O original encontra-se em Jihad Unspun .


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

16/Abr/03