por Louis Project
Tradução de Pedro Glória
The New Imperialism: Crisis and Contradictions in North/South Relations
(Zed Books, 2000), de Robert Biel,
é tudo o que
"Império" de Hardt-Negri não é.
Começando com a premissa de que tal coisa, o imperialismo, existe
em oposição a um nebuloso conceito de Império Biel
apresenta dados que corroboram a sua argumentação e que
estão ostensivamente ausentes do livro de Hardt-Negri. E termina com a
adopção de iniciativas locais pré-capitalistas, que
são descuradas por Hardt-Negri em favor de um tipo de
globalização homogeneizante e benigna que, para os
críticos, se assemelha à versão de esquerda de "Lexus
and the Olive Tree" de Thomas Friedman.
Para os marxistas enraizados no activismo de massas, pode ser surpreendente que
alguns dos seus irmãos académicos neguem a existência do
imperialismo ou, pior, saúdem a sua existência através de
ilusões neo-kautskyistas
[1]
. O falecido Bill Warren foi o exemplo
mais notável. Principiando por uma apreciação não
dialéctica do Manifesto Comunista, eles assumem que pelo facto de Marx
ter escrito que "A burguesia não pode existir sem uma radical e
constante evolução dos instrumentos de produção, e
desse modo das relações de produção, e com elas
todas as relações da sociedade", é necessário
permanecer com a burguesia contra qualquer iniciativa que possa impedir esse
processo. Entre a multinacional que procura "modernizar" a
agricultura no México a fim de aumentar as exportações de
flores ou alfaces, por exemplo, e o camponês maia tentando preservar a
sua agricultura de subsistência tradicional com base no milho, eles
poderão escolher a primeira.
Apesar de hoje em dia serem encaradas como exageradas, as ideias de Warren
ainda ecoam nos meios académicos. Ainda se podiam ler tais disparates
na edição especial sobre Lenin publicada no Outono de 1995 por
"Science and Society", no artigo de John Willoghby "Evaluating
the Leninist theory of Imperialism". Ali podemos descobrir que o terceiro
mundo sofreria não dos efeitos da penetração capitalista,
mas exactamente do seu oposto:
"O argumento original de Lenin parecia relacionar exploração
com estagnação o que implica que um país só
se poderia desenvolver rompendo com os circuitos de acumulação de
capital. Samir Amin partilha da mesma opinião, mas um estudo
aprofundado dos dados sugere que esse países do terceiro mundo enredados
nos circuitos de capitais são os mais dinâmicos. É uma
anedota comum em círculos dos especialistas em desenvolvimento que os
países mais pobres gostam de ser explorados através de uma
infusão de capitais do Norte. Mais a sério, a maioria dos
países que propositadamente se isolaram da economia mundial, ou foram
isolados pela acção imperial, sofreram desastrosamente.
"O espaço não permite um desenvolvimento deste ponto. No
entanto economistas radicais apercebem-se cada vez mais que não é
verdade que a acumulação global de capitais deva encurralar o
terceiro mundo numa posição de permanente subdesenvolvimento
económico. Ao nível da teoria abstracta da expansão e
exploração do capital, não é possível
defender a inevitável necessidade da divisão Norte e Sul".
(Jim Blaut respondeu a Willoughby na edição 1997 S&S, que pode
ser lida em:
http://www.columbia.edu/~inp3/mydocs/blaut/imperialism.htm
)
Com aparente pouco interesse em permanecer ao corrente da moda
académica, Robert Biel descreve-se abertamente como dependente da
tradição teórica. A sua escola emergiu nos anos 50 como
resultado da tentativa de aplicação dos pontos de vista de Baran
e Sweezy sobre o capital monopolista ao terceiro mundo. A frase de
André Gunder Frank "o desenvolvimento do subdesenvolvimento"
registou esta abordagem de forma sucinta. A maior parte dos teóricos da
dependência, incluindo Frank, há muito se transformaram em
teóricos dos sistemas mundiais. Este é um nível muito
elevado, quase olímpico, de compreensão da história
mundial que postula a emergência e a queda de potências num sentido
quase viconiano. Tentativas de sair do carrossel da história, tais como
a revolução cubana, são ridicularizadas como
exercícios de futilidade.
Para Biel, o mundo capitalista pode ter apenas um tipo de vencedores:
"As condições para a forma do desenvolvimento que perpetua a
pobreza são internacionais. A perspectiva da dependência (que
é uma critica radical à teoria do desenvolvimento dominante)
evidencia estas condições introduzindo uma ideia perigosa:
não é apenas porque existe um conjunto de países no mundo
que são pobres. As duas estão organicamente ligadas, ou seja,
uma parte é pobre "porque" a outra é rica. A
relação é parcialmente histórica porque o
colonialismo e o tráfico de escravos ajudou a construir o capitalismo, e
isto proporcionou as condições para formas posteriores de
dependência mas a ligação entre desenvolvimento e
subdesenvolvimento também é um processo que continua hoje em dia.
Como Amin salientou, no que será provavelmente a mais simples ideia da
teoria da dependência, a tendência para a
pauperização a pobreza aguda que é tanto a base
como o produto da acumulação de capital, e portanto do
'crescimento' foi transplantada para a periferia."
Como se poderia desejar e esperar, qualquer livro com o título "O
novo imperialismo"
[2]
deveria actualizar tanto Lenin como a teoria da
dependência, às características globais do presente.
Argumentos de que Lenin não é actual podem ter algum fundamento
desde que se assuma que o seu panfleto de 1916 foi gravado em granito ao
invés de ter sido escrito com caneta e papel. Biel torna claro que
Lenin não é uma divindade: "O capitalismo de hoje, dominado
pela especulação financeira, o mercado de futuros, e tudo o
resto, tornou-se parasitário de uma maneira que Lenin dificilmente teria
imaginado, confirmando claramente o seu argumento de que estas são
características do capitalismo maduro, de que nunca se livrará.
Neste sentido, ainda é correcto encarar o imperialismo como "a fase
superior do capitalismo". Mas apesar disto, é importante
reconhecer que o imperialismo ainda pode experimentar alterações
em grande escala à medida que adquire novos regimes de
acumulação que lhe permitem ser parasitários de novas
maneiras."
Partindo desta premissa, os estudos de Biel proporcionam os dados que
mostram as novas formas parasitárias do imperialismo.
Isto inclui, entre outras coisas, um olhar aprofundado ao imperialismo
ecológico. Envolve também uma completa e devastadora
refutação do "milagre" dos tigres asiáticos.
Para o Sul, dentre os mais sérios problemas ecológicos,
encontra-se o da fertilidade dos solos. Em África, hoje, onde dezenas
de milhões de seres humanos enfrentam a fome, o Ocidente oferece a
agricultura geneticamente modificada como uma panaceia. Quando os lideres
africanos questionam tal ajuda, são considerados como insensatos do
ponto de vista científico. Produzir alimentos baratos em
condições ambientais sustentáveis deve ser uma
condição
sine qua non
para a África e o resto do Sul.
Biel dá-nos algumas estatísticas esclarecedoras. Usando o
rácio entre o conteúdo calórico das colheitas e as
calorias usadas no processo da sua produção, colheitas
tradicionais como a mandioca podem produzir relações
produtos/insumos
(output/input)
da ordem de 60 para 1. Mas o modelo de agricultura industrial que está
a ser impingido ao Sul dista muito deste rácio. De facto, na
indústria alimentar americana, que depende fortemente de enormes inputs
em energia, desde fertilizantes, combustíveis para maquinaria,
processamento, embalagem, transporte, refrigeração,
cocção, etc o rácio do output calorífico em 1940
era apenas de 1 para 5. Durante os anos 70 deteriorou-se de 1 para 10.
Utilizado como substituto de substâncias orgânicas, os
fertilizantes químicos resumem a lei dos rendimentos decrescentes. A
Holanda hoje em dia usa cerca de 300 quilos por acre. O Japão consome
mais fertilizante do que toda a América Latina! Quando proclamam os
benefícios da Revolução Verde, os ideólogos da
modernização tendem a esconder estes custos debaixo do tapete.
Biel adianta, "recursos como os fosfatos ou o petróleo são
obtidos a um custo irreal (não reflectindo nem o valor pleno das rendas
nem o trabalho usado para extraí-los) a fim de fazerem a agricultura
"parecer" mais eficiente".
Um outro exemplo, relativo à indústria da carne, pode ser
descrito como o 'imperialismo das proteínas'. Biel escreve:
"Os animais consomem 10 vezes mais proteínas vegetais do que as
proteínas cárnicas que produzem (21 vezes no caso da carne de
vaca). Cereal convertido em carne perde 75-90 por cento das suas calorias e
65-90 por cento das suas proteínas. De acordo com números da FAO
para 1978, a alimentação animal representou 36 por cento do
consumo mundial de cereais e 61 por cento do consumo mundial de milho. O
défice total de cereal dos países da região de Sahel
[3]
durante o período de fome de 1973 foi de 1 milhão de toneladas,
apenas 0,25 por cento da quantidade de cereais que alimentava os animais dos
países industrializados no mesmo ano. Uma parte significativa da
alimentação animal assume a forma de proteínas de alta
qualidade importadas do sul (farinha de peixe, sementes oleaginosas, etc)".
Comparando isto com o ponto de vista de Hardt e Negri sobre a indústria
da carne descrito abaixo, que está um tanto carente do ponto de vista
ecológico, devemos perguntar por que será que
"Império" tornou-se rapidamente num best-seller. Podemos
supor que isso é a confirmação de um número do
circo de Barnum de um modo perverso.
Para Hardt e Negri, todos os povos tornaram-se a multidão global.
"Não paro de pensar nos trabalhadores de Macdonald's de todo o
mundo", diz Hardt, "que usam um emblema dizendo 'Servir sorrindo'
". Mas existem conflitos dentro dessa 'multidão', diz Hardt, que
vão além do seu sorriso servil para com o Império.
(Guardian, 15/Jul01)
Com o entulho fumegante que por todo o mundo resulta do 'desenvolvimento'
capitalista, desde Buenos Aires a Istambul, hoje em dia é um pouco mais
difícil defender o ponto de vista de Bill Warren. O
último suspiro da teoria da modernização, tanto
directamente da própria fonte como de Paul O'neil ou ainda de
assemelhados entre académicos marxistas com o peculiar volteio
próprio dos kautskyianos, centrou-se no modelo dos Tigres
Asiáticos. Tomando o touro pelos cornos, Biel demonstra simultaneamente
a natureza excepcional deste modelo e porque ele acabou por fracassar nos seus
próprios termos.
A sua análise das limitações dos Tigres Asiáticos
ou 'PRIs' (países recentemente industrializados) está no
capítulo dez, e vale a pena considerá-la com um certo pormenor.
Durante a florescência inicial de entusiasmo com os PRI's, foi
apresentada uma espécie de escala rolante em estágios. A Coreia
do Sul estava no topo, e outros, como a Indonésia e a Malásia,
estavam em ascensão. À medida que iam deixando vagos os seus
lugares nessa escada, outros países menos desenvolvidos ocupariam os
seus lugares. A visão implícita era que a Coreia do Sul acabaria
por ser tão próspera como os EUA, com todos os aspirantes a
Tigres, quer na Ásia ou até mesmo na África, entrariam no
caminho ascendente.
O que faltava a este cenário cor-de-rosa era o factor do endividamento
crescente por parte de países como a Coreia o Sul. Visto em
retrospectiva, agora é óbvio que os empréstimos internos
na Coreia do Sul estavam fortemente dependentes de capitais externos. Biel
salienta que "os bancos internos sentiam-se livres para emprestarem
dinheiro porque sabiam que fundos externos cobririam a brecha. Tornou-se claro
que as economias periféricas são capazes de se expandirem somente
enquanto absorverem capitais externos. No fim de 1997 a Coreia do Sul
descobriu que tinha uma dívida externa de US$ 110 mil milhões, a
qual servia de suporte para uma dívida interna acumulada das companhias
coreanas que montava a espantosos US$323 mil milhões".
Outro ponto fraco do modelo dos Tigres Asiáticos advinha do facto de
lhes faltar autonomia tecnológica real. Biel afirma,
"restrições contra as exportações
asiáticas acentuaram-se na Europa no período de 1985-1988, e uma
guerra de preços de computadores, lançada pelas grandes
companhias americanas em 1991, provocou uma onda de falências na Coreia e
em Formosa. A companhia coreana que ganhou o galardão de maior
exportador de computadores em 1990 entrou em falência no ano
seguinte!"
Tal como o colapso actual da bolsa americana, o prolongado crescimento das
economias-tigre asiáticas pode ser atribuído à mania
especulativa. O crédito fluiu para a região enquanto altas taxas
de retorno puderam ser asseguradas. Uma vez desaparecida essa perspectiva, a
bolha rebentou. Biel estimou que no fim de 1990 apenas 2,5 por cento das
transacções de divisas externas na região tinha alguma
relação com a economia real (compra de bens, investimento, etc.).
Em contraste, em 1975 cerca de 80 por cento do capital fluía para a
economia real.
Como propôs Biel, na parte inicial do seu livro, "As
condições para a forma do desenvolvimento que perpetua a pobreza
são internacionais". Os meios pelos quais a dependência se
manifesta revestem-se das mais variadas formas, mas todas elas deixam os
países periféricos menos desenvolvidos e pior do que estavam
antes. No que respeita aos tigres asiáticos, o golpe de
misericórdia veio embrulhado em manipulações de divisas.
Atrelados como estavam ao dólar americano, as desvalorizadas divisas dos
PRI's tornaram possível às multinacionais do Ocidente comprarem
empresas locais a preços de saldo.
Se Hardt e Negri estão tão ansiosos por repudiar lutas
localizadas que possam "facilmente evoluir num primitivismo que fixa e
romanceia as relações sociais e as suas identidades", Biel
demonstra por seu lado uma profunda compaixão pelos camponeses
empurrados para tais lutas, e percebe a razão porque o seu
"primitivismo" pode ter como base racional a necessidade da
sobrevivência.
A suposição implícita em Hardt-Negri, Bill Warren, John
Willoughby e outros é a de que a agricultura pré-capitalista
precisa de ser varrida como as teias de aranha. Num primeiro relance, a
hostilidade para com "constantes" e "românticas
relações sociais" pareceria ser uma convicção
central de Karl Marx, se se tomar o Manifesto Comunista seriamente ainda que
não de todo dialecticamente: "A burguesia subjugou o país
à lei das cidades. Criou enormes cidades, aumentou extraordinariamente
a população urbana quando comparada com o campo, e assim resgatou
uma parte considerável da população da estupidez da vida
do campo".
Contudo, é por demais evidente que existe menos estupidez na vida do
campo do que parece, ao menos no que concerne à produção
de alimentos, uma necessidade da vida. Biel destaca:
"Tem sido cada vez mais reconhecido pelo público que pessoas comuns
podem possuir conhecimentos científicos de enorme importância.
Além de reflectir uma admiração genuína por
iniciativas básicas, isto mostra que muitos especialistas acreditam que
o desenvolvimento prevalecente da agricultura irá desembocar num beco
sem saída se não se tomar em conta algo deste conhecimento
tradicional. Parte do que é necessário, dizem as pessoas,
é uma reavaliação de práticas antigas, por exemplo
o uso de sistemas de sementeira
[NT]
. Na América pré-colonial
isto permitiu que terras marginais fossem cultivadas muito efectivamente, ao
passo que na África a área da actual Tanzânia
convencionalmente considerada como tendo sido árida e estagnada
anteriormente ao colonialismo possuía, de facto, um sistema
próspero que, usando uma combinação de regos paralelos
cruzados com regos diagonais, permitiu que campos muito inclinados fossem
cultivados. Mas ainda mais importante do que a reavaliação
histórica é examinar atentamente as praticas
contemporâneas. Todos os sistemas tradicionais têm elementos de
agricultura sustentável que pode ser vista no equilíbrio entre o
gado e o cultivo de plantas que devolvem nutrientes ao solo, no uso de culturas
misturadas ao invés da monocultura, e assim por diante".
Biel não defende um regresso ao passado. Ele é um intransigente
defensor de que as mulheres devem desfrutar dos mesmos direitos dos homens.
Mas deve existir uma vontade por parte do movimento revolucionário para
se enraizar no sector rural e no "sector informal" urbano que hoje
está a traçar uma linha de demarcação contra o
imperialismo. Embora isto possa não coincidir de forma imediata com os
tradicionais batalhões do trabalho organizado, é aí que o
combate está a ser conduzido nos termos mais agudos.
Para participar com êxito nas lutas que Biel chama "sociedade
não oficial", será necessária abordá-las com
um respeito que o marxismo nem sempre teve. Felizmente, existem
excepções à regra, como ele aponta nas conclusões
do seu livro:
"Lenin, nos seus últimos anos, defendeu vigorosamente a
independência das organizações dos trabalhadores 'dentro'
do estado socialista. Isto tem implicações interessantes para os
movimentos de massas. Enquanto qualquer movimento para estabelecer uma
alternativa de poder necessariamente retirará a sua força das
novas lutas de massas, também é claro que os movimentos sociais
terão de manter uma identidade distinta. O que é
necessário são novas relações entre a sociedade
oficial e não oficial numa base diferente. A longo prazo, o
relacionamento de superioridade seria revertido, com o mundo não oficial
a dominar, mas em termos imediatos manteria a máquina do estado sob
controlo. Como regra geral o importante é que os fundamentos do
desenvolvimento sócio-económico surjam da base. A fonte de novas
ideias e de novas práticas deve surgir da iniciativa das massas, de
movimentos sociais reais. E isto deve continuar sob uma nova ordem
social".
NOTAS
[1] Karl Kautsky (1854-1938).
Consultar
http://www.marxists.org/glossary/people/k/a.htm#kautsky-karl
[2] "The New Imperialism"
[3] Uma região semi-árida no centro de África
abaixo do deserto do Sahara. Desde 1960 tem sido afectada por períodos
extensos de seca.
NT
O texto original usa o termo
ridging
. Pode ser consultado um artigo sobre este sistema em
http://www.ag.uiuc.edu/~vista/abstracts/aridging.html
O original desta resenha encontra-se em
http://www.marxmail.org
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info