Monsters, Inc.

por Chris Floyd [*]

O grande feiticeiro, líder dos Sábios, outrora conhecido em todo o mundo como uma força do bem, tornou-se amargo, temeroso — e ambicioso. Macaqueando os modos do mal que ele outrora combateu — brutalidade, dominação, avareza, terror — ele desceu ao seu laboratório secreto onde, com a magia negra da alquimia e da tecnologia satânica, engendrou uma raça de guerreiros mutantes, "corpos de ferro e vontades de ferro": combatentes ferozes que podem atacar noite e dia, sem descanso, com um espírito de combate que se mantém elevado graças aos lampejos da varinha do feiticeiro.

Uma cena de "O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkein, onde o corrupto feiticeiro Saruman molda o seu monstruoso Uruk-Hai para travar uma cruel e impiedosa guerra de dominação? Não, infelizmente trata-se de um esquema muito real que agora está a ser prosseguido pelo Pentágono, cujos feiticeiros da droga e manipuladores genéticos trabalham na criação do "Desempenho Extendido do combatente em guerra" ("Extended Performance War Fighter") , relatam o Daily Telegraph e o Christian Science Monitor.

O sinistro amo do Pentágono, Donald Rumsfeld, está a despejar biliões de dólares de impostos nos fornos de investigação de laboratórios federais e universidades privadas de toda a terra num esforço de grande alcance para desovar "super soldados", movidos por drogas e "cérebros electromagnéticos assassinos" que possam combater sem cessar dias a fio. O trabalho é dirigido pela Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) — sim, a mesma instituição que agora labora sob a tutela do condenado terrorista-conspirador John Poindexter na construção da rede "Conhecimento total da informação" ("Total Information Awareness") que permitirá ao governo monitorar os registos electrónicos e as comunicações de todos os cidadãos.

Os programas de "estimulação do combatente em guerra" do DARPA — uma aceleração dos bio-consertos que se desenvolve há vários anos — implicarão injectar homens e mulheres jovens com preparações hormonais, neurológicas e genéticas; implantar microchips e eléctrodos nos seus corpos a fim de controlar os seus órgãos internos e as suas funções cerebrais; e aplicar-lhes drogas que amorteçam algumas das suas tendências humanas normais: a necessidade de sono, o medo da morte, a relutância em matar seres humanos.

A investigação é "muito agressiva e de ampla abertura", diz o almirante Stephen Baker do Center for Defense Information. Na verdade, o Comando de Operações Especiais dos EUA pretende a criação de pessoal com "corpos de ferro e vontade de ferro" que possam "resistir aos efeitos mentais e psicológicos da privação do sono" graças a "substâncias ergogénicas" para "administrar" a "tensão ambiental e mental induzida" pelo campo de batalha. Com corpos espremidos, cérebros envolvidos em nevoeiros Prozacianos, os combatentes guerreiros aperfeiçoados podem agitar-se cruel e implacavelmente rumo à dominação.

A palavra "criação" não é apenas retórica fantástica. Algumas das investigações agora em curso envolvem realmente a alteração do código genético dos soldados, modificando pedaços (bits) de DNA para moldar um novo tipo de espécime humano, alguém que funciona como uma máquina, matando incansavelmente durante dias e noites a fio. Estas mutações "revolucionarão a ordem de batalha actual" e garantirão "dominância operacional ao longo de todo o espectro de potenciais empregos militares dos EUA", entusiasmam-se os feiticeiros do DARPA.

Naturalmente, o Pentágono não está a contar com tecnologia de ciência ficção para elevar as habilidades físicas dos seus combatentes; os "aditivos" padrão já fora de moda há muito que são despejados pelas goelas abaixo dos soldados. Exemplo: o uso de anfetaminas para pilotos foi generalizado durante décadas; durante a primeira guerra Bush-Saddam, todos os esquadrões eram trabalhados com este material. A ingestão de estimulantes é não só oficialmente aprovada como também activamente encorajada, e mesmo implicitamente obrigatória — a carreira pode ser prejudicada se o piloto recusar drogar-se.

Os resultados desta generalização da dopagem foram vistos claramente na nova fronteira imperial do Afeganistão, na última Primavera, quando dois pilotos americanos — excitados com estimulantes — mataram quatro aliados canadianos com "fogo amigo" num raid de bombardeamento. Os pilotos, agora a enfrentar acusações legais, dizem que a Força Aérea os pressionou a tomar drogas que alteravam a mente antes do voo fatal.

Mas pequenas falhas como essa são inevitáveis em qualquer grande empreendimento científico, e a DARPA permanece irredutível no seu arrojado empreendimento para "chegar aos limites do input/output humano", avançar o "relacionamento simbiótico entre homem e máquina" e adaptar a "tecnologia farmacêutica" para "reforçar o combatente e seus superiores", como declararam cientistas militares numa conferência patrocinada pelo Pentágono sobre a guerra futura.

O que acontece às exaustas cascas deste soldados "de ferro" depois de as suas mentes e corpos terem sido comidos por modificações inexoráveis e trabalhos incessantes não faz parte, naturalmente, das preocupações do Regime Bush. Ainda agora, a Casa Branca está a cortar nos benefícios de saúde dos militares veteranos — chegando até mesmo a ordenar a hospitais de veteranos que não anunciem os seus serviços disponíveis, a fim de que os soldados com problemas não tentem exigir realmente o prometido apoio que o seu governo lhes dava. Para homens como Bush — filhos protegidos do privilégio que ficam em segurança, fora de guerras, no luxo apodrecido de bebedeiras — tais promessas são apenas tácticas para sugar, destinadas a persuadir soldados decentes a actuarem como assassinos contratados do império, descartando-se deles quando não são mais necessários.

Como isto é estranho: Aqueles que querem transformar os soldados americanos em seres sem mente, em mutantes apodrecidos com drogas a fim de enviá-los para matar e morrer em distantes guerras imperiais de conquista são vistos como patriotas, líderes nobres, cumprindo a vontade de Deus, ao passo que aqueles que tratam estes homens e mulheres bons com honra e respeito — desejando que os seus talentos e dedicação sejam aplicados unicamente na defesa do seu próprio grande país e que não sejam espremidos ao serviço de uma elite voraz e rapinante — são denunciados como "traidores", "agitadores anti-americanos", "aliados do terrorismo".

Mas esta é a inversão de valores — a sabedoria desencaminhada posta em prática — que agora rege a Washington de Bush, e os escaldantes cadinhos de guerra do Pentágono.

[*] Jornalista do Moscow Times. © Chris Floyd, The Moscow Times 2003. For fair use only/ pour usage équitable seulement. Tradução de J. Figueiredo.

O original deste artigo encontra-se em
http://www.tmtmetropolis.ru/stories/2003/01/10/120.html


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14/Jan/03