Onde estão todas aquelas armas de destruição maciça que foram o pretexto para esta guerra?

por Michael Moore

7 de Abril 2003

Caros amigos,

Michael Moore Parece que a administração Bush irá conseguir colonizar o Iraque dentro dos próximos dias. Este é um erro de uma dimensão tal que iremos pagar caro por ele durante anos. Não valeu a vida de um único jovem norte-americano fardado, quanto mais a de milhares de iraquianos que morreram, e para todos eles seguem as minhas sinceras condolências e orações.

Então, onde é que estão todas aquelas armas de destruição maciça que foram o pretexto para esta guerra? Ahá! Há muito a dizer sobre tudo isto, mas vou guardá-lo para mais tarde.

O meu maior receio neste momento é que todos vocês – a maioria dos norte-americanos que desde o começo se opõe a esta guerra – guardem silêncio ou sejam intimidados por aquilo que será apresentado como uma grande vitória militar. Agora, mais do que nunca, as vozes da paz e da verdade devem fazer-se ouvir. Tenho recebido muita correspondência de gente que se sente completamente desesperada, que acredita que as suas vozes foram abafadas pelo rufar dos tambores e pelas bombas do falso patriotismo. Há quem tenha medo de sofrer retaliações no trabalho, na escola ou nos seus locais de residência por se terem manifestado claramente em favor da paz. Foi-lhes dito vezes sem conta que não é “apropriado” protestar depois de o país ter entrado em guerra, e que o seu único dever agora é o de “apoiar as tropas."

Posso partilhar convosco aquilo que tem sido a minha experiência depois de ter usado o meu tempo no palco dos Óscares, há duas semanas, para me manifestar contra Bush e contra esta guerra? Espero que, ao lerem o que lhes vou contar, se sintam um pouco mais encorajados a exprimir-se em qualquer fórum a que tenham acesso.

Quando "Bowling for Columbine" foi anunciado como o vencedor do Óscar para melhor documentário na cerimónia de entrega dos Óscares da Academia, o público presente aplaudiu de pé. Foi um grande momento, algo que jamais esquecerei. Eles aplaudiam de pé um filme onde se proclama que nós, norte-americanos, somos um povo unicamente violento, que usa poderosos arsenais armazenados para se matar entre si, e para usá-lo também contra muitos outros países por esse mundo fora. Eles aplaudiam um filme onde se mostra que George W. Bush usa medos fictícios para amedrontar o povo de forma a que este lhe dê aquilo que ele quer. E eles prestavam homenagem a um filme que proclama o seguinte: a primeira guerra do Golfo foi uma tentativa para reinstalar o ditador do Koweit; Saddam Hussein foi equipado com armamentos dos Estados Unidos; e o governo norte-americano é responsável pelas mortes de meio milhão de crianças iraquianas durante a última década, através de sanções e de bombardeamentos. Foi esse o filme que eles aplaudiam, foi esse o filme no qual eles votaram, e foi isso que decidi não ignorar no meu discurso de agradecimento.

Então, eu disse o seguinte, no palco dos Óscares:

“Em nome dos nossos produtores Kathleen Glynn e Michael Donovan (do Canadá), eu gostaria de agradecer à Academia por este prémio. Eu convidei os outros nomeados para Melhor Documentário a subiram ao palco comigo. Eles estão aqui em solidariedade, porque nós gostamos de não-ficção. Nós gostamos de não-ficção porque vivemos em tempos fictícios. Vivemos num tempo onde resultados eleitorais fictícios nos deram um presidente fictício. Travamos agora uma guerra por razões fictícias. Seja pela ficção da fita isoladora contra ataques químicos imaginários ou pelos fictícios “alertas laranja”, nós estamos contra esta guerra, Sr. Bush. Tenha vergonha, Sr. Bush, tenha vergonha. E, sempre que conseguir reunir as vozes do Papa e das Dixie Chicks contra si, saiba que é altura de se ir embora”.

A meio de meu discurso, algumas pessoas na audiência começaram a aplaudir. Isso imediatamente estimulou um outro grupo de pessoas nos balcões superiores, que começaram a apupar. Então, aqueles que me apoiavam começaram a tentar gritar mais alto que os outros. O Los Angeles Times publicou que o director do espectáculo começou a berrar “Música! Música!”, para a orquestra, por forma a me interromper. A orquestra começou a tocar e meu tempo acabou. (Para mais informações sobre o porquê da minha intervenção, leia o artigo que escrevi para o L.A. Times, para além de outras reacções vindas de todo o país, no meu website www.michaelmoore.com ).

No dia seguinte – e nas duas semanas que desde então decorreram – os analistas de direita e os locutores da rádio sensacionalista não pararam de pedir a minha cabeça. Enfim, será que toda esta controvérsia me feriu? Terão conseguido silenciar-me?

Bom, veja a minha “Revolta no Óscar”:

-- No dia seguinte ao meu discurso contra Bush e a guerra na cerimónia de entrega dos Óscares, a afluência aos cinemas pelo país fora para ver “Bowling for Columbine” subiu 110% (fonte: Daily Variety/BoxOfficeMojo.Com). No fim de semana seguinte, a receita bruta subiu uns incríveis 73% (Variety). É neste momento o lançamento cinematográfico há mais tempo em exibição nos Estados Unidos – 26 semanas consecutivas, e continua em cartaz. O número de cinemas exibindo o filme desde a cerimónia dos Óscares AUMENTOU e conseguiu superar o recorde anterior de bilheteira para um documentário em cerca de 300%.

-- Ontem (6 de abril), “Homens Brancos Estúpidos” voltou ao primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos do New York Times. Esta é a quinquagésima semana do meu livro na lista, oito das quais em primeiro lugar, e isto marca também o seu quarto regresso à posição cimeira, algo que praticamente nunca acontece.

-- Na semana seguinte aos Óscares, o meu website estava a ter de 10 a 20 milhões de visitas POR DIA (houve um dia em que até tivemos mais visitas do que a Casa Branca!). A correspondência tem sido esmagadoramente positiva e de apoio (e as mensagens de ódio têm sido hilariantes!).

-- Nos dois dias que se seguiram aos Óscares, houve mais gente a encomendar o vídeo de “Bowling for Columbine” na Amazon.com do que o vídeo de “Chicago”, vencedor do Óscar para Melhor Filme.

-- Na semana passada, obtive financiamento para o meu próximo documentário, para além de me ter sido oferecido um espaço na televisão para filmar uma versão actualizada de “TV Nation”/”The Awful Truth”.

Estou a contar-vos tudo isto porque tenciono contrapor uma mensagem que nos é transmitida a toda a hora – a de que quem se arriscar a expressar claramente as suas opiniões políticas em público acaba por arrepender-se. Irá ser afectado de uma forma ou de outra, em geral financeiramente. Você pode ser despedido. Outros potenciais empregadores podem não querer contratá-lo. Poderá perder os seus amigos. E assim por diante.

Vejam o exemplo das Dixie Chicks. Estou certo de que, a esta altura, já todos ouviram falar do caso: por causa da vocalista do grupo ter declarado que se sentia envergonhada de ser do mesmo estado de Bush (Texas), as vendas dos seus CDs teriam caído e as estações de rádio de música country estariam a boicotar os seus trabalhos. Porém, a verdade é que as suas vendas NÃO caíram. Esta semana, após todos os ataques, o seu álbum ainda está em primeiro lugar nas vendas de música country e, de acordo com a revista Entertainment Weekly, elas permaneceram nas tabelas de música pop durante toda esta controvérsia, tendo até SUBIDO de número seis para número quatro. Frank Rich, colunista do New York Times, explicou que tentou em vão encontrar bilhetes para QUALQUER dos próximos concertos das Dixie Chicks, mas que não foi possível, por se encontrarem todos esgotados. (Para ler a coluna de Rich do Times de 6 de Abril, "Bowling for Kennebunkport," siga este URL: http://www.michaelmoore.com/articles/index.php?article=20030406-nytimes. Ele explica tudo com grande clareza e fala ainda do meu próximo filme, e do impacto que este poderá vir a ter). A sua canção "Travelin' Soldier" (uma bonita balada contra a guerra) foi a música mais pedida pela internet na semana passada. Elas não foram afectadas, de maneira nenhuma – mas não é isso que a imprensa quer fazer crer. E porquê? Porque agora não existe nada mais importante do que manter as vozes dissonantes – e todas aquelas que têm a coragem de fazer perguntas – SILENCIADAS. E que melhor maneira do que tentar derrubar um par de artistas famosos com um saco de mentiras para que a mensagem chegue ao Zé-Povinho alto e bom som: “Ena pá, se eles fizeram isto às Dixie Chicks e ao Michael Moore, o que é que eles não me farão a mim?” Em outras palavras, cala-te!

E isto, meus amigos, é o ponto fulcral do filme pelo qual acabo de ganhar um Óscar – como os que detêm o poder usam o MEDO para manipular o público na direcção que lhes convém.

Bom, a boa notícia – se é que podem haver boas notícias esta semana – é que não apenas nem eu nem outros fomos silenciados, mas também que milhões de norte-americanos que pensam como nós se nos juntaram. Não deixem que falsos patriotas vos intimidem determinando qual irá ser a ordem do dia ou os termos do debate. Não se sintam derrotados por sondagens de opinião que mostram que 70% do público está a favor da guerra. Lembrem-se que esses norte-americanos sondados são os mesmos norte-americanos cujos filhos (ou os filhos dos seus vizinhos) foram mandados para o Iraque. Eles têm medo pelas tropas e estão a ser atemorizados para apoiarem uma guerra que não queriam – e querem ainda menos ver os seus amigos, família ou vizinhos regressarem num caixão. Todos nós queremos que as tropas regressem a casa vivas, e essas famílias precisam de saber disso.

Infelizmente, Bush e companhia ainda não acabaram o serviço. Esta invasão e esta conquista vão encorajá-los a repetir a dose em outros lugares. O verdadeiro propósito desta guerra era dizer ao resto do mundo: “Não se metam com o Texas – se vocês têm aquilo que nós queremos, nós vamos aí buscá-lo!” Esta não é altura para que nós, que acreditamos nuns EUA pacíficos, nos silenciemos. Façam ouvir as vossas vozes. Apesar do que eles fizeram, este ainda é o nosso país.

Cordialmente,
            Michael Moore

O original desta carta encontra-se em www.michaelmoore.com
e em http://globalresearch.ca/articles/MOO304A.html
Tradução de Paulo Oliveira.


Esta carta encontra-se em http://resistir.info .

12/Abr/03