Os erros do Vietnam repetem-se no Iraque
O presidente dos Estados Unidos decide declarar a guerra a uma
nação dirigida por um ditador que é apoiado por um regime
unipartidário. O referido ditador fez guerra aos seus vizinhos. O
presidente determina então que isto representa uma ameaça aos
Estados Unidos.
Na sua campanha para presidente não mostra sinal algum de pretender
declarar a guerra. Na realidade, desaprova estender demasiado o poder militar
norte-americano e afirma que outras nações devem fazer mais.
Contudo, para surpresa do público norte-americano, os próprios
assessores do Pentágono já haviam preparado um plano para travar
a guerra. Tudo o que procuram é um pretexto.
Com base em dados de inteligência incompletos, transmite-se ao Congresso
e ao povo norte-americano informação cuidadosamente seleccionada.
O presidente apresenta-se diante das câmaras da TV para demonstrar a
tese sobre a guerra, utilizando como motivo principal um incidente que nunca
aconteceu. O Congresso compra o isco anzol, cordel e chumbo e
aprova uma resolução que autoriza o presidente a empregar
"todos os meios necessários" para levar adiante a guerra.
Começa-se a guerra com um ataque aéreo e terrestre. A
princípio havia optimismo. O presidente e o arrogante e seguro de si
mesmo secretário da Defesa dizem que estamos a ganhar. Na realidade, o
secretário da Defesa promete que as tropas estarão em casa dentro
em breve.
Contudo, no terreno, a verdade enfrentada pelos efectivos na guerra é
diferente do plano político que os levou para lá. Enfrentam uma
grande oposição do inimigo. São surpreendidos pelos
ataques terroristas, os assassinatos em aldeias, as inúmeras baixas e um
crescente sentimento anti-americano. Vêm-se atolados numa guerra de
guerrilha, incapazes de avançar e sim poderem retirar-se do combate
porque não há aliados que os cubram.
Não há plano B. Não existe estratégia de
saída. Deteriora-se a moral militar. Diminui a popularidade do
presidente e o povo norte-americano sente-se cada vez mais frustrado pelo custo
em sangue e em recursos despejados numa guerra que nunca termina.
Soa familiar? A mim também.
O presidente era Lyndon Johnson. O arrogante e seguro de si mesmo
secretário da Defesa era Robert McNamara. A resolução do
Congresso era a do Golfo de Tonquim. A guerra era aquela em que estiveram
envolvidos os senadores norte-americanos John Kerry, Chuck Hagel, John McCain e
eu, juntamente com 3,5 milhões de norte-americanos da nossa
geração. Foi o cenário da guerra mais prolongada dos
Estados Unidos. Foi também o cenário do resultado mais
frustrante de qualquer guerra que já travada por esta
nação.
Desgraçadamente, as pessoas que manobraram a maquinaria destinada a
levar a cabo a guerra contra o Iraque nunca prestaram serviço no
Vietnam. Nem o presidente, nem o vice-presidente, nem o secretário da
Defesa, nem o subsecretário da Defesa. Muito deficientes. Devem ter
aprendido algumas lições:
Não subestimar o inimigo. O inimigo emprega sempre uma alternativa
que você não pode controlar. Sempre tem a alternativa de morrer.
Isto é particularmente certo se você trata com verdadeiros
militantes e guerrilheiros que lutam pela sua versão da realidade, seja
política ou religiosa. Eles são aqueles que Tom Friedman, do New
York Times, denomina os "não contíveis". Se esses
não contíveis estão no seu país, poderão
aguardar até você volte para casa.
Se o inimigo adoptar a estratégia do "morde e foge"
concebida para causar-lhe o máximo de baixas, você pode ganhar
qualquer batalha, mas (como disse certa vez Walter Lippman acerca do Vietnam)
você não pode ganhar a guerra.
Se você adoptar uma estratégia não só de ataques
preventivos como também de guerra preventiva, tem de enfrentar as
consequências. Deve planeá-la melhor e ter uma estratégia
de saída, uma vez que não pode permanecer ali indefinidamente, a
menos que triunfe nos 51 estados.
Mas se permanecer durante um período prolongado de tempo, converte-se
num ocupante e não num libertador. Isso põe o inimigo contra si.
Se você adoptar a estratégia da guerra preventiva, sua
inteligência não deve ser apenas "muito boa", como disse
o presidente, deve ser "a prova de bala", segundo afirmou o
secretário da Defesa, Donald Rumsfeld o que não sucedeu
contra Saddam Hussein. Menos do que isso retira-lhe credibilidade.
Se você quer saber o que acontece realmente na guerra, pergunte
às tropas que estão no terreno, não aos que traçam
a política em Washington.
Numa democracia, ao invés de ser a verdade a primeira baixa na guerra,
deve a primeira causa da mesma. Esta é a única forma pela qual o
Congresso e o povo norte-americano podem avançar. Quando a
credibilidade é forçada, o apoio à guerra e às
tropas vão ladeira abaixo. A perda contínua de credibilidade
mina a moral das tropas, torna os meios de comunicação mais
receosos, o público torna-se mais incrédulo e submete o Congresso
a audiências e investigações.
Ao invés de aprender com as lições do Vietnam, onde tudo
isso aconteceu, o presidente, o vice-presidente, o secretário e o
subsecretário da Defesa conduziram este país a um desastre no
deserto.
Atacaram um país que não nos havia atacado e fizeram-no com base
em dados de inteligência incompletos, falsificados e altamente
questionáveis.
Um exemplo chave foi a mentira apresentada pela Casa Branca no discurso do
presidente sobre o estado da União. Estes funcionários
sobredimensionaram os efectivos norte-americanos, incluindo a Guarda Nacional e
a Reserva, e expandiram ao extremo o Exército norte-americano.
Uma quarta parte das tropas está comprometida com o teatro de
operações da guerra no Iraque, a maioria delas está
atolada em Bagdad. A moral está a decair e as baixas continuam a
aumentar.
Além do custo em vidas humanas, a guerra está avaliada em mil
milhões de dólares por semana, somando-se a isto o peso de uma
economia já deprimida.
O presidente declarou que "o combate principal havia terminado" e
assim enviou uma mensagem a cada terrorista: "Atenham-se às
consequências". Em resultado, perdeu mais efectivos na guerra que o
seu pai e ainda não se percebe o fim.
Os comandantes das Forças Armadas ficaram com os prolongados turnos de
serviço de militares e mulheres aos quais fora dito há tempos que
marchariam de volta para as suas casas. Continuamos a manter as forças
norte-americanas no terreno, onde se converteram em alvos muito fáceis
para cada terrorista do Médio Oriente.
Benvindo ao Vietnam, senhor presidente. Sinto que não tenha vindo
quando teve a oportunidade.
[*]
Ex-senador norte-americano que presidiu a
Associação dos Veteranos durante a administração
Carter. É professor da Universidade de Washington.
O original encontra-se em
The Atlanta Journal-Constitution
, 18/Set/2003.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|