EUA: insolvente e a afundar-se cada vez mais
Ainda que escrito numa óptica conservadora e individualista, o presente
texto confirma o estado de descalabro da economia dos EUA e dos principais
países capitalistas desenvolvidos. Ele corrobora o que diferentes
analistas e sob diferentes ópticas (como
Jorge Beinstein
, o
GEAB
, etc)
têm afirmado reiteradamente: a crise actual é
sistémica e
já inelutável. O actual endividamento e
financiarização do mundo é a resposta do capitalismo
à sua dificuldade em continuar o processo de acumulação
por meio de actividades produtivas. Há que transcender este sistema.
resistir.info
O processo orçamental dos EUA está totalmente fora de controle.
Em consequência, o seu futuro fiscal é especialmente negro.
Tudo o que alguém tem a fazer é retroceder dois passos, ignorando
inteiramente as querelas orçamentais sem significado actualmente a
decorrer em Washington, para ver que a situação fiscal do governo
federal está um pandemónio completo. De facto, tal como as coisas
se posicionam em termos de despesas e receitas, o governo dos EUA está
insolvente os seus passivos excedem amplamente os seus activos na base
do valor actualizado líquido.
Sim, Obama acaba de apresentar um plano que apela ao corte de uns US$4
milhões de milhões
(trillion),
acréscimos incrementais do défice ao longo dos próximos
12 anos, mas isto meramente obscurece o facto de que no entanto o défice
ainda crescerá num montante especialmente vultuoso. Planos de ambos os
partidos apelam ao acréscimo de mais dívida mas a um ritmo mais
lento. É verdade, isso é uma espécie de progresso. Mas
não o tipo de progresso que você queira trazer para casa.
Para qualquer um que seja mesmo um estudioso superficial de história ou
tenha prestado a mais ligeira atenção do que transpirou quanto
à Grécia, Irlanda, Portugal e outros países com uma
tendência desenfreada a gastar mais do que tem, é claro qual
será a progressão dos acontecimentos para os EUA.
Primeiro haverá uma crise fiscal/de financiamento que terá origem
no mercado de títulos, especialmente no mercado de Títulos do
Tesouro dos EUA. As taxas de juro dispararão e ou a austeridade
será imposta sobre os Estados Unidos de um modo especialmente
desagradável e draconiano (o mercado de títulos é
especialmente impiedoso), ou será auto-imposto (não muito
provável). As minhas estimativas indicam que este processo terá
início antes do fim de 2012.
A seguir, se os EUA deixarem de atender aos decretos do mercado de
títulos e tentarem manter despesas face à elevação
de taxas de juro ou sair da perturbação através da
impressão [de moeda], aumentam os riscos de que o US dólar sofra
um grande declínio. Digamos que este processo começará um
ano após o arranque da crise fiscal.
Assim é e não há alternativa. Uma crise fiscal
possivelmente (provavelmente?) seguida por uma crise da divisa e tudo
iniciado por uma crise de liderança.
Quanto tempo demorará para que os mercados acordem para esta
progressão simples é objecto de conjecturas. Aqui temos de
recorrer a uma máxima simples que nos tem servido muito bem: Qualquer
coisa que seja insustentável um dia terá de cessar.
No ano passado, os EUA não eram os únicos com agruras fiscais e
económicas.
Este ano, os EUA distinguiram-se por serem a única economia
avançada a aumentar o seu défice de base em 2011, segundo o FMI.
De modo bastante incisivo, recentemente o FMI esteve próximo de uma
ruptura ao destacar que os EUA está a caminhar na direcção
errada do ponto de vista fiscal (e por extensão do monetário) e a
arriscar-se a uma crise sistémica por prosseguir um caminho
insustentável.
Em 20 de Março, John Lipsky do FMI pronunciou palavras duras (num
fórum em Pequim, deve-se notar):
Lipsky afirma que dívida de países avançados provoca o risco de crise futura quando os rendimentos começarem a subir
O fardo crescente da dívida dos países mais desenvolvidos do
mundo, que se encaminham este ano para o recorde pós II Guerra Mundial,
é insustentável e traz o risco de uma futura crise fiscal, disse
John Lipsky do Fundo Monetário Internacional.
Este ano rácio médio da dívida pública de
países avançados excederá 100 por cento do seu produto
interno bruto pela primeira vez desde a guerra, disse hoje Lipsky, primeiro
vice-director do FMI, num discurso num fórum em Pequim.
"As consequências fiscais da crise recente devem ser tratadas antes
que comecem a impedir a recuperação e criem novos riscos",
disse Lipsky. "O desafio central é prevenir uma potencial crise
fiscal futuro, enquanto, ao mesmo tempo, criar empregos e apoiar a
coesão social".
Estou de pleno acordo com a avaliação de que os EUA estão
a acrescentar, não a subtrair, os riscos financeiros e fiscais que
enfrentamos. Tais são os "prémios" de tentar sustentar
o insustentável em defesa de um status quo que precisa sair da
inactividade, uma curiosidade interessante de um tempo ultrapassado.
Já provámos que há um limite para quanta dívida
destrutiva e não produtiva pode ser acumulada, mas os EUA estão
agora quase isolados nas suas vãs tentativas de ressuscitar aquele
modelo para um último lançamento.
O ASSOMAR DA CRISE DA DÍVIDA
O FMI tem alguns dados firmes para apoiar as suas preocupações e
recentemente divulgou um relatório no qual apresentou uma tabela que
contém toda a essência da situação difícil de
"crescer ou morrer" que confronta não só os EUA como
todo o mundo desenvolvido.
Há um certo número de coisas a dissecar na tabela, de modo que
vamos considerá-las uma por uma.
A primeira é que as necessidades totais de financiamento para os
governos soberanos (apenas) da maior parte das chamadas "economias
avançadas" expandiu-se entre 2010 e 2011 de 25,8% do PIB para 27,0%
do PIB (círculos verdes). Isto significa que mesmo com a alegada
recuperação a vigorar plenamente uma miragem
estatística sob muitos aspectos o financiamento da dívida
terá de crescer mais, não menos.
É tão grande que convém repetir: As necessidades de
financiamento bruto dos EUA e do Japão sõ de 28,8% e 55,8% do PIB
de 2011, respectivamente. Trata-se de montantes estarrecedores e eles têm
apenas, como seria de prever em qualquer quadro conceptual decente que
combinasse liderança franca e dinheiro baseado na dívida com
declínio líquido de energia, de tornar-se maiores passados uns
poucos anos.
Concentrando um pouco a atenção, notaremos que três
países ostentam défices fiscais além de 10% do PIB
(Japão, Estados Unidos e Irlanda), enquanto o Reino Unido estão
pouco atrás com um défice de 8,6% (ver quadrados de cor vermelho
e laranja).
Como é que alguém permite tão impressionantes necessidades
de tomada de empréstimos a taxas razoáveis sem a promessa
explícita de que o crescimento retornará em breve? É
impossível, pelo menos por muito tempo. Quem comprará toda aquela
dívida a taxas ridiculamente baixas?
Os participantes autónomos do mercado já chegaram a uma
conclusão, como evidenciado por Bill Grosse, da PIMCO, e outros, ao
venderem todos os seus haveres em Títulos do Tesouro e começarem
mesmo a vender a descoberto
(to short)
toda a porcaria. Eles estão a apostar em que a resposta é
"apenas os bancos centrais e o seu tempo está a acabar".
Logo a seguir ao relatório que produziu a tabela acima (dentre muitas
outras, algumas igualmente perturbantes) o FMI avançou com uma campanha
de RP para pressionar:
FMI: Os EUA devem cortar a dívida maciçamente
12/Abril/2011
O Fundo Monetário Internacional incitou os Estados Unidos a
esboçarem medidas críveis para reduzir seu défice
orçamental, pressionando a Casa Branca a pormenorizar planos para
reduzir os níveis recorde da dívida.
O FMI disse que enquanto a maior parte das economias avançadas estava a
dar passos para controlar fossos orçamentais, duas das maiores economias
do mundo Japão e Estados Unidos atrasaram a
acção para cuidar das suas recuperações.
O facto de o FMI ter decidido dizer que falta um guarda-roupa crível ao
imperador diz-nos muito acerca de onde estamos na curva desta história
(Pista: próximo do fim).
Nossa tarefa é entender como parecerá o fim do jogo.
Conclusão
Os EUA estão num caminho fiscalmente insustentável e
desperdiçaram quase totalmente a oportunidade que esta crise representou
para por a sua casa em ordem.
Obama, e seja quem for que se sente a seguir no gabinete oval, tem a tarefa
imensamente difícil de explicar a pessoas comuns porque o aperto de
cinto que está para vir aplica-se a eles e não aos bancos que
criaram a confusão (e estão febrilmente a receberem bónus
recordes em resultado).
Dado este constrangimento, e a paralisia geral de lógica que agora se
apossa de Washington, podemos quase certamente esperar que a
resolução do jogo de muitas décadas do kick-the-can
[1]
será uma crise. O FMI pronunciou em tom muito medido e seco, se
não aborrecido, a recitação dos riscos envolvidos.
Admito alguma afinidade com a sua avaliação, com o risco de
deixar minha guarda descoberta, porque eles finalmente conformaram seus pontos
de vista ao que tenho estado a escrever durante anos. O dinheiro baseado na
dívida está em apuros. Ele é maldito se o tivermos e
maldito se não o tivermos.
O único caminho de saída é aceitar a ideia de que os
padrões de vida têm de cair para atenderem os excessos anteriores,
uma admissão que "peritos" concordam ser politicamente
impossível nos EUA neste momento.
Mas as condições e os riscos permanecem, pouco importando o que
peritos pensem ser factível.
A tarefa de qualquer mercado em baixa
(bear market)
primário e estamos na mãe de todos eles é
destruir riqueza.
Sua tarefa é preservar riqueza. Mas aperte o cinto; vai ser uma
cavalgada árdua.
Meu conselho geral para o que vem aí permanece: Converta seu dinheiro
fiduciário
(fiat money)
em coisas úteis. É verdade que o ouro não rende qualquer
juro, mas nestes dias tão pouco o faz o dinheiro no banco e o ouro
não pode ser desvalorizado pela política monetária
temerária. De modo que possuir metais preciosos para a
preservação do poder de compra deveria ser uma parte fundamental
dos seus planos. E se bem que a curto prazo haja risco real de uma
deflação nas commodities
à medida que o Fed pressiona com a aproximação do fim da
facilidade quantitativa
(quantitative easing),
meu conselho geral é que compre agora qualquer coisa que possa precisar
no próximo ano. Isso porque você a utilizará de qualquer
forma e é previsível que compre um bocado mais barato do que
posteriormente.
Desfrute a vida, ame a sua família e note que o Sol ainda se levanta,
que os pássaros ainda cantam e que todas as nossas fraquezas humanas
acabarão finalmente por se resolver por si mesmas. Chegámos a um
ponto peculiar na história em que a atitude é um elemento
tangível da sua futura riqueza e o papel-moeda tornou-se como que um
nevoeiro numa manhã cálida.
Faça o que quiser. Meu desejo é que desfrute a vida.
[1]
kick-the-can
: jogo infantil.
[*]
Autor de
Crash Course
.
O original encontra-se em
www.chrismartenson.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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