Ladrões

por Chris Floyd [*]

. Quando perguntaram ao fora-da-lei Willie Sutton porque roubava bancos, ele respondeu de forma directa: "É lá que está o dinheiro".

É claro que é fisicamente — para não dizer politicamente — impossível para os quadros corruptos do regime Bush dar uma resposta directa seja ao que for, mas se eles pudessem ser forçados a confessar a verdade por trás da conquista do Iraque, as suas respostas seriam idênticas à de Sutton. Pois apesar de os quadros — e os comentadores dos media — terem vomitado uma tempestade de pó acerca de grandiosas "razões" morais, estratégicas e ideológicas para a guerra, cada semana que passa traz novas provas de que toda a ração assassina reduz-se a apenas uma coisa: o saque. "Sigam o dinheiro — obedeçam à sabedoria suttoniana do Garganta Funda — esta é definitivamente a chave para penetrar nos sujos mistérios do culto da carga [NT] bushista.

Vamos começar por seguir o dinheiro desde a pilha cada vez maior de cadáveres no Iraque até os sedosos bolsos de Dick Cheney. Este mês a grande imprensa americana acordou para o facto há muito estabelecido de que Cheney ainda está a receber da sua antiga firma Halliburton montes de subornos em "compensações adiadas". Acontece que está firma é exactamente aquela que mais se locupleta na manjedoura iraquiana. Estas "revelações" provocaram no rosto sombrio do vice-presidente um ciclo furioso de negaças: os termos do negócio haviam sido ajustados antes da posse, ele dará todo o dinheiro a obras de caridade, sua probidade é impecável, blá, blá, blá — a novela habitual, toda ela engolida, como de costume, pelos media.

Tão atrevida foi a sua defesa que na semana passada apaniguados bushistas pediram aos críticos que emitissem uma desculpa formal ao pobre e caluniado multimilionário especulador da guerra (e antigo parceiro de negócios de Saddam Hussein). Mas mesmo aceitando a absurda suposição de que Cheney estava realmente a contar a verdade acerca deste arranjo particular — que envolve apenas uma fatia de umas poucas centenas de milhares de dólares, apesar de tudo — o facto é que a Halliburton está a utilizar uma porta traseira para encher os cofres do seu antigo chefe com milhões em dinheiro sangrento sugado directamente dos cadáveres de soldados americanos e de civis iraquianos.

Este arranjo lucrativo, oculto da visão pública, foi descoberto na semana passada pela investigadora Maggie Burns do Progressive Populist . Enquanto os mandarins dos media estavam a engolir sabão, Burns cometeu o acto cada vez mais raro em jornalismo de verificar os formulários financeiros públicos (financial disclosure forms) de Cheney. Estes mostram que Cheney tem um mínimo de US$ 18 milhões investidos em The Vanguard Group, um importante fundo de investimentos. (Considerando as apresentações deliberadamente vagas dos formulários 'disclosure', este pé-de-meia poderia ser tão elevado como US$ 87 milhões. Meros mortais como nós não estão destinados a saber isso).

Acontece que a Vanguard é o 10º maior accionista na — ah, você já adivinhou! — Halliburton. O fundo possui 7,6 milhões de acções naquela firma, cujo valor é cerca de US$ 176 milhões. Assim, qualquer contrato governamental que incha a Halliburton na verdade despeja os lucros da guerra directamente dentro das avultadas contas bancárias de Cheney. Nenhuma quantidade de sabão pode lavar tal facto. Enquanto isso, cinco dos outros 10 accionistas principais na Halliburton têm grandes quantias guardadas junto aos nossos velhos amigos do Carlyle Group, onde George Bush Senior se abriga como um valioso apostador corporativo (e antigo parceiro de negócios de bin Laden). Assim, os cofres da família Bush definitivamente não ficam esquecidos quando a Halliburton vai à guerra.

Mas vamos ser justos. Depois de aquecer-se entremeando-se com a Halliburton, com a Bechtel e com outras firmas abençoadas por Bush com contractos sem concurso de mil milhões de dólares, o Regime anunciou que estava a "abrir" a competição para o porco da guerra. As novas regras dão aos potenciais empreiteiros prazos de até três dias — ou mesmo, por vezes, até mesmo sete dias inteiros! — a fim de prepararem propostas para grandes projectos que totalizam centenas de milhões de dólares, relata The New York Times.

Muito estranhamente, a maior parte das companhias que ainda não estão no terreno iraquiano estão a achar difícil preencher estes esplêndidos prazos finais. "Oh, sua companhia não consegue apresentar proposta para reconstruir toda a infraestrutura rodoviária nacional do Iraque em apenas três dias? É pena, imagine que teremos então de entregar isto à Bechtel. Aqui vai mais uma, Bechtel — e a propósito, obrigado pelo cheque para a campanha, amigo! Vejo-o este fim de semana lá no rancho!".

Agora este sistema de favoritismo do conquistador está a tornar-se global. Num lance desesperado para obterem alguma ajuda externa para limpar a atroz confusão empapada em sangue em que se meteram, na semana passada os bushistas tramaram um negócio com a ONU que permitiria a países estrangeiros contribuir para a pilhagem — desculpe, para a reconstrução — do Iraque que canalizasse o dinheiro para a suas próprias firmas politicamente favorecidas, relata The Guardian. Naturalmente, a junta de ocupação bushista "coordenará" a mastigação nesta nova manjedoura, de forma a assegurar que os vanguardianos da Casa Branca obtenham a sua fatia. Aqui está, finalmente, uma forma de internacionalismo que Bush pode abraçar!

Mas os amados negócios ficam mais doces ainda para devoradores internos como a Halliburton. Primeiro, a maior parte do porco está a ser concedida em contratos "cost-plus", com os lucros de uma companhia ligados às "despesas" do projecto. Quanto mais custos eles apresentarem, maiores serão os lucros: é um sinal verde para as ultrapassagens, e uma licença para saquear a tesouraria pública.

Mas isto não é tudo. Os lucros destas fraudes (scams) estão a ser mantidos secretos — não só dos tolos habituais, o povo americano, mas também da supervisão do Congresso, que está constitucionalmente mandatado para tal, relata o Seattle Times.

Negócios secretos com amigos e patronos, lucros secretos que não podem ser detectados, fundos mútuos para lavar o dinheiro — e um monte de carne de canhão para cometer os assassínios (wetwork) e aguentar as consequências: Bush transformou a América num covil de ladrões.
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[NT] Alusão a uma religião da Melanésia que apregoa a vinda de uma era abençoada após a chegada de uma "carga" de bens com origem sobrenatural.

Referências:
White House Disclosures Lead to Halliburton
Progressive Populist, Nov. 1, 2003 issue

Companies Get Few Days to Offer Bids for Iraq Work
New York Times, Oct. 19, 2003

Profits Not Revealed in Rebuilding Contracts
Seattle Times, Oct. 18, 2003

Senate Won't Oblige Cheney to Refuse Halliburton Money
Casper Star Tribune, Oct. 18, 2003

Divvying Up the Iraqi Pie
Alternet.org, Oct. 7, 2003

Richard Cheney Public Financial Disclosure Form
U.S. Government

Major Stockholders, Halliburton Corporation
Yahoo Finance.com, Oct. 22, 2003

Slaves of the Foreigners
Der Spiegel, October 6, 2003

Bremer Fought to Weaken Iraqi Oil Watchdog
Reuters, Oct. 17, 2003

US Allows Wider Say on Funds for Rebuilding
The Guardian, Oct. 21, 2003

The Emperor Has No Clothes
Sen. Robert Byrd, Senate floor remarks, Oct. 17, 2003

Halliburton Overcharges US Taxpayers While Selling Oil to Iraqis
San Francisco Chronicle, Oct. 22, 2003

Bush's Golden Triangle
Village Voice, Oct. 15, 2003

Yes, Bush Lied
World Net Daily, Oct. 6, 2003

The privatization of War and Peace
Yahoo.com, Oct. 21, 2003

The New Great Game
Common Dreams, Oct. 20, 2003

Bush Campaign Raises a Record $49.5 Million
Washington Post, Oct. 14, 2003

[*] Jornalista.

O original encontra-se em
http://www.tmtmetropolis.ru/metropolis/stories/2003/10/24/120.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

30/Out/03