A guerra infinita e as suas raízes
Grande parte da polémica resistência à assim chamada
Guerra ao terrorismo tem sido baseada na ética e na
moralidade. E a dimensão moral da guerra é importante. Mas
devemos adoptar um olhar mais crítico em relação a esta
guerra, para o que está a motivá-la e para os seus
prováveis desenvolvimentos. Podemos elevar o grau de resistência
moral
à guerra, mas se fracassarmos na detecção das suas causas
reais
não poderemos montar uma efectiva resistência política, que
tem de ser uma resposta efectiva às forças motrizes que
estão por trás da mesma.
Aqui enfatizaremos a dinâmica entre a classe dominante americana e a sua
junta governante que capturou o poder e está sob muitos aspectos
fora de controle numa circunstância histórica adversa que
provavelmente não será corrigível, e não pode,
portanto, garantir a sobrevivência do imperialismo dos EUA. Temos de
estudar esta dinâmica concretamente a fim de compreendê-la.
É importante
ab initio
não considerar o big business (por vezes
referido como o capital) como dividido em sectores discretos, cada
um deles com a sua própria base estática e a sua ideologia
própria. O conceito de o capital estar dividido em sectores
estáticos pode ser utilizável para o curto prazo a fim de
efectuar uma análise circunstancial, mas é basicamente
mecânico. O capital é um processo dinâmico e cíclico
de acumulação via valorização
[1]
e reprodução sistémica. Ele tem de estabilizar e
reproduzir-se como um sistema, e ainda tem de crescer. Esta
necessidade simultânea de equilíbrio e desequilíbrio
é um dos paradoxos centrais do imperialismo. O capital total em
qualquer instante é um conjunto de somas de dinheiro, mas está em
fluxo, mudando de formas através do processo de
produção/reprodução, primeiro capital produtivo, a
seguir bens e serviços, a seguir redistribuído entre juros e
rendas, a seguir capital financeiro, etc.
O capital tem uma natureza temporária. Neste processo, os
patrões do sistema, directores-executivos, etc, são como uma
troupe a actuar, com os seus membros a exercerem diferentes papeis. A
noção de que eles estão divididos em sectores é
ilusória portanto, porque nenhuma fracção do capital
existe independentemente em qualquer sector. Uma crise de
acumulação
[2]
não é uma crise discreta limitada a
um sector de capital. É geral. E quanto mais elevado o
grau de integração internacional e racionalização
da classe capitalista, especialmente com um complexa interdependência
técnica, mais generalizadas são as crises de
acumulação. Qualquer coisa a afectar um sector
afecta necessariamente todos os sectores.
Não podemos conhecer todos os aspectos desta dialéctica, mas
podemos focar alguns dos seus aspectos chave, mantendo em mente as
limitações deste enfoque, que, penso, lançarão
alguma luz sobre a nossa situação. Assim, analisarei o
petróleo, a moeda e o papel em desenvolvimento dos militares dos EUA com
os seus dilemas. Se podemos certamente reconhecer que a moeda e os militares
são constantes de forma abstracta e não um sector do capital, o
petróleo à primeira vista aparece como um sector definido. Mas
isto, também, é ilusório. O petróleo não
é um sector separado, não só pelas razões acima
citadas, como também porque o petróleo não é uma
mera mercadoria.
O petróleo é a forma de um ciclo mais profundo de realidade
material mas os teóricos radicais concentram-se no abstracto na
relação da mercadoria e da vasta arquitectura social que
desdobram diante daquele enigma. Ele é a corporificação
de leis físicas inelutáveis relacionadas com a energia e a
matéria, e são estas leis, em conjunto com as leis do movimento
social, que estão a ameaçar-nos, não apenas como uma
sociedade mas como uma espécie. O petróleo é uma forma de
energia super-concentrada, originada pela energia solar há centenas de
milhões de anos em condições biológicas e
geológicas que não podem ser reproduzidas. A nossa
espécie usou mais da metade do petróleo recuperável em
aproximadamente 100 anos.
A produção mundial de petróleo está provavelmente a
atingir o pico exactamente agora
[3]
[NT]
, enquanto a população
continua a aumentar e a procura de uma infra-estrutura económica mundial
em desmoronamento continua em ritmo acelerado. Dois factores podem
proporcionar um adiamento transitório deste evento. Primeiro,
avanços tecnológicos como a recuperação
avançada sísmica em 3-D, técnicas de ressonância
nuclear-magnética, perfuração horizontal e assim por
diante. E, em segundo lugar, uma depressão em escala mundial, que
diminuiria radicalmente a procura
[4]
. Não é difícil
imaginar algumas das consequências a longo prazo do fim da era do
petróleo barato, mesmo utilizando modelos input-output nos
neomaltusianos.
[5]
(Thomas Malthus [1766-1834] foi um economista inglês
que se tornou famoso com o seu livro Essay on Population. Ele
afirmou que a população aumentava mais rapidamente do que os
meios de subsistência humana. Os factos contradizem isto. Os
neo-maltusianos alteraram um pouco o conceito de Malthus, pois afirmam que a
população ultrapassará os meios de
subsistência existentes, pois terra arável, água e
combustíveis fósseis são esgotáveis. Parece haver
alguma validade nisto. Mas o seu modelo é baseado em simples
cálculos input-output que assume uma trajectória da
população humana baseada numa lista estática de
variáveis, sem levar em conta as características dos sistemas
sociais. Isto implica, portanto, uma espécie de determinismo
genético que pode facilmente transformar-se em racismo).
Mas devemos levar em conta as relações sociais da energia, e a
teoria do valor.
[6]
Não é o limite físico finito do
petróleo que importa agora. Importa sim o que é finito no
contexto daquilo que é economicamente essencial. Terá o
petróleo algum substituto perfeito? Nesta conjuntura, a resposta
é um inequívoco não. Qual é o valor do
petróleo em termos de incorporação de tempo de trabalho
socialmente necessário? Por outras palavras, pode o valor do
petróleo elevar-se bastante rapidamente para toda a economia ser
contida? A resposta é um categórico sim.
O petróleo não tem substituto perfeito. Nem células
solares fotovoltaicas, nem carvão, nem plutonio podem movimentar
camiões ou aviões. Há substitutos teóricos, mas
nem um apresenta qualquer perspectivas a curto prazo de se vir a desenvolver.
É o sangue vital de todo o sistema capitalista global, e assim foi
durante 100 anos. Se os preços do petróleo forem para
além de um preço operacional de não retorno, supostamente,
a economia certamente será contida, muito provavelmente ao ponto do
colapso
[7]
. Imaginem-se as consequências hoje, por exemplo, se os
preços do petróleo saltassem apenas uns 50 por cento. Mas se as
melhores previsões forem correctas, e estamos a entrar na era da
produção pós-pico, um firme e acelerado aumento no
preço do petróleo é inevitável, e para breve.
Assim, o próprio capitalismo, totalmente dependente desta única
substância finita, é confrontado com uma muito real e muito
ameaçadora crise de energia. A mudança progressiva está
agora a produzir um salto abrupto. Ainda não podemos perceber isto como
tal, pois os capitalistas dos EUA são adeptos da
mercantilização do intelecto das massas, e fazem suas
afirmações aparecerem como justas e nobres, como podemos ver na
omnipresente apresentação de bandeiras americanas.
Desde 1973, a todo choque petrolífero tem correspondido ou tem-se
seguido uma guerra. Para entender porque, temos de levar em conta a estrutura
concreta e actual do sistema capitalista mundial.
O EUA são agora inequivocamente hegemónicas. As forças
armadas dos EUA controlam todas as grandes passagens marítimas, e
encadearam o mundo com bases militares
[8]
. As forças dos EUA
são a polícia internacional dos Estados do Golfo, onde, a
propósito, as corporações imperialistas extraem o
petróleo e pagam rendas a regimes clientes.
Tais rendas têm de ser suficientes para impedir que as
populações nativas se tornem irrequietas, e para restaurar
continuamente o seu capital de base. Um barril de petróleo custando
entre US$ 25 e US$ 30 é suficiente para manter os principais Estados da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) calmos (contudo, há uma desvalorização do
dólar em andamento), mesmo que isto provoque tensão entre aqueles
Estados não-OPEP cujos custos de recuperação são
mais elevados do que, digamos, a Arábia Saudita ou o Iraque anterior
à invasão.
[9]
Os EUA pagam pelo óleo abaixo do preço do mercado por pelo menos
três razões. Uma é que os EUA ofereceram caças
F-16, mísseis Stinger, e outras coisas àqueles regimes clientes,
assim como capitalizam sua extracção de petróleo. Dois
é que os EUA, através de alguns estratagemas, desde o
princípio da década de 70 convenceram aqueles Estados a
investirem os seus lucros em instrumentos financeiros dos EUA.
[10]
Se os
sauditas tentassem efectuar acções contra a economia dos EUA, por
exemplo, estariam a arruinar-se a si próprios, pois investiram a maior
parte dos seus activos em títulos americanos. Três é
porque os EUA controlam o ar, a terra e os estreitos marítimos e
estão prontos a desenvolver um devastador poder militar na
região. Assim, os EUA estão a ter o seu petróleo
subsidiado, num certo sentido, pagando menos do que o valor de mercado, como
uma forma de tributo imperial.
Como o petróleo é denominado em dólares aos quais
posso agora chamar petrodólares desde que os EUA
abandonaram o padrão ouro e todas as suas taxas de câmbio fixas
para divisas que lhe estavam associadas, em 1971,
[11]
foram capazes de dominar
não só o mundo em desenvolvimento como também os seus
competidores capitalistas chave. Outras nações devem pagar as
suas contas de energia em (petro)dólares, a uma taxa mais elevada do que
os EUA, e aqueles dólares retornam para casa (via Arábia Saudita
et al.) para investir em títulos do Tesouro e em imobiliário.
Em 1973 a administração Nixon desvalorizou o dólar, nessa
altura firmemente estabelecido como a divisa do comércio internacional
por ser o petrodólar, e limpou as suas próprias dívidas
para com os seus competidores capitalistas europeus e asiáticos.
Os petrodólares americanos foram então reciclados através
de bancos americanos, os quais emprestaram-nos a latino-americanos e africanos,
ainda cambaleantes do último choque petrolífero, que então
solicitaram empréstimos de petrodólares para pagarem as suas
próprias contas de energia. O crescimento económico estagnou e
voltou atrás na África e América Latina desde
então. Este é o método pelo qual os EUA foram capazes de
transferir o fardo da sua própria crise de acumulação
pós-Vietname para os ombros de outros, e de transferir o modelo de
manutenção da sua hegemonia de regimes clientes semi-fascistas
para a peonagem da dívida com o ajustamento estrutural sob
governos nominalmente democráticos.
O imperialismo americano é em última instância o
imperialismo do petrodólar. Quando a América Latina, a
África e agora a Ásia deslizam à beira do abismo, os
americanos duplicaram a sua frota de veículos.
[12]
O resto do mundo
está, dessa forma, a sofrer directamente o fardo do nosso alto modo de
vida.
Assim, se este sistema principia a descosturar, como já começou,
e o povo americano verificar que o seu padrão de vida sofre uma queda
súbita, o regime político dos EUA enfrentará uma crise
política de longe mais grave do que a crise de legitimidade ultrapassada
oportunisticamente através dos acontecimentos do 11 de Setembro.
O capital entende muito claramente o que está em jogo, e deve tomar
grandes cuidados para assegurar que nós não o entendamos.
Contudo, a classe dominante não consegue apreender as
implicações da "teoria do valor", isto é, as
próprias leis que dão ao capitalismo o seu carácter. A
monopolização global que está a verificar-se agora
é uma tentativa de escapar àquelas leis. O simples facto de a
actual monopolização estar superaquecida é uma
indicação de que o processo competitivo está exaurido.
Revelações recentes acerca dos escândalos da
"contabilidade criativa" entre as maiores transnacionais constituem
evidência de tentativas de escapar àquelas leis através de
fraudes maciças.
A desvalorização estratégica e a inauguração
do regime neoliberal no princípio da década de 1970 já era
uma resposta à crise generalizada de lucros, uma crise relacionada com a
composição orgânica do capital, e mesmo o petrodólar
foi uma medida de defesa. Esta medida de defesa agora também pode estar
exaurida.
O consumo mundial de óleo agora é cerca de 75 milhões de
barris por dia. Por volta de 2010 espera-se que ele aumente para 100
milhões de barris por dia.
[13]
Este óleo é produzido por
dois grupos principais, digamos, para fins de análise, OPEP e
não-OPEP (NOPEP). A OPEP está concentrada sobretudo na
região do Golfo Pérsico. A NOPEP está no Atlântico
Norte, América do Norte, México, China, Nigéria e outros
tantos. Isto não conta toda a história, entretanto. Os Estados
do Golfo não vão atingir o pico da produção
até 2012, e metade do remanescente mundial de petróleo facilmente
extraível está ali.
[14]
A produção mundial
está a atingir o pico exactamente agora. Mas a produção
mundial é uma média. Os NOPEP atingiram o pico vários
anos atrás e agora estão em declínio permanente.
Assim, a OPEP está a tornar-se mais forte, e a NOPEP a tornar-se mais
fraca.
A Arábia Saudita, um país OPEP, tem a maior reserva, com o Iraque
a seguir e a região do Mar Cáspio num teórico terceiro
lugar (mas isto é muito duvidoso
[15]
). Os EUA tem estado, durante
anos, a tentar assegurar o domínio do OPEP, e eles conseguiram isso em
certa medida através do suporte a sauditas e outros corruptos por meio
daqueles supracitados investimentos. Uma vez que a produção da
OPEP ainda está a crescer e a dos NOPEP está num declínio
irreversível e permanente, a OPEP está a adquirir
dominância no mercado global do petróleo. O momento em que a OPEP
obtiver a dominação definitiva dos mercados mundiais é
chamado por alguns de "ponto de viragem"
(crossover event)
[16]
.
As melhores previsões são de que o "ponto de viragem"
acontecerá por volta de 2011
[17]
. Isto é certamente
compreendido pela actual administração Bush, que é
fortemente povoada por membros da oligarquia petroleira.
Se forças hostis ao imperialismo dos EUA conseguissem (de alguma forma)
controlar os Estados do Golfo e o seu petróleo, eles efectivamente
controlariam o sangue vital de todo o sistema económico global. A
hegemonia dos EUA entraria em colapso num instante histórico. Comparado
a este cenário, o 11 de Setembro foi um passeio no parque. E a classe
dirigente dos EUA, especialmente a actual administração
petro-oligárquica, sabe disto.
Uma vez que a produção mundial de petróleo comece a
declinar, em média, os EUA como o maior utilizador final necessita
descobrir como compensar estas perdas apoiando-se na produção
NOPEP. Sua solução, pelo que podemos ver, pode ser abrir o
Cáspio e acelerar a extracção dos Estados do Golfo,
particularmente da Arábia Saudita e do Iraque. Mas os cenários
mais optimistas são que todas as três regiões somadas podem
produzir uns 15 milhões de barris por dia adicionais. Dado que os nosso
extrapolado apetite chegará a 25 milhões de barris por dia dentro
de nove anos, contanto que não haja qualquer colapso económico
que corte a procura, os EUA continuam num dilema.
Complicando este dilema está o facto de que simplesmente para conseguir
que aquele petróleo adicional esteja fora do solo e no mercado
exigirá um investimento adicional de US$ 1 trilião na
região a ser efectuado por alguém.
[18]
Quem arcará com este fardo? Os povos colonizados, naturalmente, fora e
dentro dos EUA através da dominação do petrodólar.
Este é, quase certamente, o plano da junta de Bush. O problema
permanente, entretanto, é a massa dos povos daqueles países, que
estão muitas vezes militantemente radicalizados contra os arrogantes
saqueadores estrangeiros. Isto coloca os imperialistas outras vez nos cornos
de um dilema.
A escalada da resistência palestina ao sionismo
[19]
e a resposta
para-fascista dos israelenses àquela resistência, constitui uma
ameaça à estabilidade dos regimes clientes dos EUA na
região, assim como reduz o padrão de vida das massas nos Estados
do Golfo. Estes regimes são corruptos e autocráticos, e eles
próprios estão presos numa teia de dilemas. E é deles que
depende o US dólar, e do domínio
(seignorage)
do US dólar que depende a hegemonia dos EUA.
Esta crise de energia é agora, além disso, combinada com uma
crise de superprodução à escala mundial, sentida inclusive
nos Estados Unidos. E a actual administração está a optar
pela guerra, uma guerra muito cara, com a finalidade de estender e consolidar
aquela hegemonia, a qual mais uma vez submeterá a tensões a
economia interna dos EUA. No momento em que isto é escrito, 48 do 50
estados estão a experimentar severos cortes orçamentais, e o
governo federal está ameaçado de incumprimento
(default)
.
Trata-se de um movimento desesperado feito por pessoas desesperadas. É
um período perigoso aquele que vivemos.
Não é de admirar que os capitalistas de outras regiões
estejam erguendo suas sobrancelhas para a administração Bush.
Eles certamente sentem as consequências potenciais do selvagem excesso de
segurança desta administração, seu aventureirismo militar,
sua arrogante abolição de tratados internacionais, sua recusa em
submeter-se ao direito internacional, seu contínuo apoio à
ocupação de Israel. Alguns destes capitalistas entendem que
aquilo que está a perfilar-se é a ocupação militar
dos maiores campos petrolíferos do mundo, em meio a encarniçadas
resistência das massas daqueles Estados, e eles também entendem
que este é o melhor caminho para assegurar a perda de acesso permanente
a esta mercadoria crítica para sempre.
Os europeus podem estar agora a cortejar os Estados do Golfo, alarmados e
angustiados com as aberturas de Bush à Rússia (a qual por seu
turno faz aberturas tanto aos EUA como à União Europeia, como um
amante recatado escolhendo entre pretendentes), e a aparente tentativa da junta
de "Bushfeld" para reestruturar a arquitectura geopolítica em
detrimento do capital europeu.
O governo dos EUA está certamente a prever esta contingência com
grande ansiedade. Se os sauditas, por exemplo, sob a ameaça de uma
desestabilização interna por parte das massas cada vez mais
iradas e militantes enfocadas na ligação EUA-Israel, decidirem
punir os EUA, eles podem retirar ou liquidar todos os seus activos denominados
em US dólar dos EUA e investirem-nos em activos denominados em Euro. O
único ponto de adesão para eles é o facto de que as
companhias americanas executam a parte do leão das actividades de
extracção. No entanto, se eles quiserem expulsar os EUA (um
movimento perigoso, mas estes são tempos desesperados) e contratar
outros países, isto seria um golpe devastador para os EUA e teria
incentivo acrescido de restringir a oferta e elevar o preço por barril,
aumentando os rendimentos internos para apaziguar suas próprias
populações impacientes. Este cenário de pesadelo para a
administração de facto de Bush está certamente a alimentar
o seu sentido de urgência no sentido de colocar mais infra-estruturas
militares permanentes na região a fim de preparar-se para esta
contingência.
Como os EUA cometem suicídio diplomático na Palestina e
desestabilizam a Arábia Saudita, há conversas de bastidores no
interior na administração Bush acerca de acção
militar contra a Arábia Saudita.
A resistência árabe a na Ásia Central será
islâmica. A destruição do nacionalismo pan-árabe e
do socialismo árabe pelas forças imperialistas, frequentemente
com islâmicos como instrumento daquela destruição,
não deixou senão uma força para dar voz à
miséria e degradação das massas. Nossa
avaliação moral (e mesmo vontade) disto não altera o facto
de ser verdadeiro. Neste ponto, se os EUA apoiam ou opõem-se aos
islâmicos é irrelevante para as massas árabes e
muçulmanas. Os EUA ainda estão a apoiar Israel, a fonte da sua
maior degradação e humilhação.
As deslocações económicas mais gerais da crise que
está a vir, juntamente com a necessidade (na perspectiva do capital) de
ganhar controle deste recurso decrescente mas vital, levou a um repensar
radical da doutrina militar.
Quando eu trabalhava nas Special Forces, éramos de uma doutrina de
política externa chamada Internal Defense and Development (IDAD).
Aquilo foi a velha escola. Quando eu me preparava para deixar o
Exército, havia muita ênfase, doutrinária e
estratégica, sobre algo chamado Operations Other Than War (OOTW). O
processo de desenvolvimento desigual começou a atingir o ponto
máximo com a urbanização concentrada de grande parte da
população mundial.
No passado, o capital tinha a capacidade de "absorver" estas
populações que ingressavam na cidade devido à perda de
terras ou a atracção dos empregos. Havia um nível de
desemprego e miséria mantida a fim de "mantê-los
famélicos" e obsequiosos, e para servir de amortecedor a
exigências dos trabalhadores. Mas com a rápida
reestruturação rumo às
"globalização" de hoje, há muito menos
"expansão" económica. Ao invés de
"proletarização" das massas, estamos a ver em muitos
casos a sua "lumpenização", com muitas pessoas
integradas em vários empreendimentos criminosos. Com a nova realidade
nas cidades do mundo, e o desenvolvimento interno de várias
políticas de resistência à
"globalização", emergiram dois desenvolvimentos
militares.
Um é a aproximação cada vez maior, e confusão,
entre a fronteira militar e da polícia. A outra é o
desenvolvimento tecnológico de sistemas de armas sub-letais e de medidas
altamente refinadas de controle de população tanto pela
polícia como pelos militares policiamento militar globalizado.
[20]
Esta é uma componente chave da louca doutrina da
"dominância de pleno espectro"
promovida pelo febril secretário da Defesa Donald Rumsfeld.
Precisamos apenas olhar para os Robocops (polícias-robots) que
são agora apresentados em força em toda
demonstração e a dependência de unidades tácticas
para mais e mais prisões por "droga". O Procurador Geral John
Ashcroft está agora a preparar-se mesmo para uma nova erosão da
Posse Comitatus
, a lei que proíbe os militares de operarem dentro das fronteiras dos
EUA. Tal erosão começou com o avolumar-se de numerosas
ligações entre militares e polícia. Eu próprio
participei no treinamento pelo Exército da Equipe de Resgate de
Reféns do FBI que depois tornou-se famosa ou infamosa, conforme o caso,
e também com os SWAT de Los Angeles e Houston. A erosão
também começou com operações onde os militares
realmente aumentaram a Patrulha de Fronteira dentro dos EUA. Estes contactos
começaram no princípio da década de 80 e cresceram
exponencialmente desde então.
A doutrinas militares que estão a ser preparadas para a Pax Americana
incluem doutrinas para a guerra civil urbana.
Esta relação dialéctica entre energia, divisas e os
militares é pelo menos uma condição chave concreta para
entendermos o que se passa dentro da mente do capital (o big business e a sua
elite política) neste período do imperialismo em crise.
Parece que a forma "democrática" de imperialismo nesta
conjuntura está a chegar ao seu término, e o punho de uma outra
forma de fascismo é uma possibilidade real no futuro próximo.
Não há caminho "democrático" para sair desta
crise de acumulação, e como esta crise flui da periferia para o
centro, o assalto do capital à classe operária dos EUA
será aguçado, como estamos a ver com o concertado ataque de Bush
contra o debilitado movimento sindical americano. Tal como na Argentina,
quando o inevitável tombo na severa polarização
económica acontece, aqueles que se consideram "classe
média" serão rapidamente pauperizados pois o sistema
bancário fecha as portas para se apropriar das suas poupanças.
É este ataque inevitável aos padrões de vida dos
americanos médios que ou nos acordará para a loucura deste
patriotismo fabricado e nos levará à resistência a este
regime ou, no pior dos casos, cairemos dentro de racialismo atávicos e
fascismo. Qual será o desenlace depende em grande medida de quão
eficazes forem alguns de nós em contar previamente às pessoas o
que elas podem esperar... e porque.
27/Ago/02
____________
[*]
[Stan Goff, reformado do Exército dos EUA em 1996. Sua última
missão foi no 3º Grupo de Forças Especiais. Entrou no
serviço militar em Janeiro de 1970, e a sua primeira missão foi
como homem de infantaria na 173ª Brigada Airbone no Vietname. Seu
serviços levou-o a mais sete áreas de conflito após o
Vietname, incluindo Guatemala, Granada, El Salvador, Peru, Colômbia,
Somália e Haiti. Suas comissões incluíram 2nd Ranger
Battalion, 1st Ranger Battalion, 75th Ranger Regiment, 1st Special Forces
Operational Detachment-Delta, 7th Special Forces, o Jungle Operations Training
Center, e a U.S. Military Academy at West Point.
Foi "Organizing Director for Democracy South" e é agora "Director of
North Carolina Network for Popular Democracy". Também trabalha com o
Southern Voting Right Project do Institute for Southern Studies. Autor de um
livro sobre a intervenção militar dos EUA no Haiti, intitulado
"Hideous Dream: A Soldier's Memoir of the U.S. Invasion of Haiti"
(Soft Skull Press, 2000).
NOTAS
1. Valorização: Neste contexto, estamos a referir-nos a
processos pelos quais o valor acrescentado a uma mercadoria no processo de
produção é parcialmente apropriado pelos
proprietários não trabalhadores como lucro.
2. Crise de acumulação: Crise económica
sistémica do capital devida à tendência da taxa de lucro a
cair, superprodução, colapso da moeda, etc. Todas as
recessões são crises reais de acumulação.
3. "An Analysis of U.S. and World Oil Production Patterns Using
Hubbert-Style Curves," Albert A. Bartlett Department of Physics University
of Colorado at Boulder, 80309-0390 Mathematical Geology, Vol. 32, No 1, 2000
4. "Distribution and evolution of 'recovery factor,'" "Oil
Reserves Conference," Paris, Nov. 11, 1997, International Energy Agency,
Jean Laherrère, Associate consultant, Petroconsultants
5. "Energetic Limits to Growth," Jay Hanson, ENERGY Magazine, spring
1999
6. Teoria do valor: A interpretação da actividade
económica com base na "teoria do valor trabalho" criada por
Marx e Engels, a qual declara que o valor de troca de uma mercadoria é
fundamentalmente baseado no tempo de trabalho abstracto socialmente
necessário para produzi-la. O objectivo da teoria do valor é ir
além das contas de "oferta e procura" do ambiente
económico e efectuar um exame das relações sociais reais
entre pessoas que define um sistema social, inclusive relações
políticas.
7. "The Peak of World Oil Production and the Road to the Olduvai
Gorge," Richard C. Duncan, Ph.D., Pardee Keynote Symposia, Geological
Society of America Summit 2000, Reno, Nev., Nov. 13, 2000
8. "U.S. Military Bases and Empire," Monthly Review, Editors, March
2002
9. "Analysis of the IEO2001 Non-OPEC Supply Projections," Robert D.
Blanchard, Northern Kentucky University, April 9, 2001
10. "The Globalization Gamble: The Dollar-Wall Street Regime and its
Consequences," Peter Gowan, University of North London, Presented to the
International Working Group on Value Theory 1999 mini-conference, March 12-14,
1999
11. Ibid.
12. "Making Better Transportation Choices," Molly O'Meara Sheehan,
State of the World 2000, The Worldwatch Institute, 2000
13. Bartlett, op cit.
14. Duncan, op cit.
15. "Forget the Caspian Bonanza," Peter Beaumont and John Hooper,
July 26, 1998, Observer (London)
16. "The World Petroleum Life Cycle", Richard C. Duncan and Walter
Youngquist, Presented at the PTTC Workshop "OPEC Oil Pricing and
Independent Oil Producers", Petroleum Technology Transfer Council,
Petroleum Engineering Program, University of Southern California, Los Angeles,
Oct. 22, 1998
17. Ibid.
18. Beaumont and Hooper, op cit.
19. Sionismo: O movimento fundado por Theodore Herzl na viragem do
século passado em resposta à experiência mundial de
anti-semitismo, baseado na crença da necessidade de um Estado judeu, o
qual foi determinado pelo movimento que seria a Palestina. Sionismo não
é sinonimo de judaismo, e muitos judeus opuseram-se e ainda se
opõem ao sionismo. Foi baseado desde o início da sua
história no desígnio explícito de expropriar a terra dos
outros para o propósito expresso de edificar um um Estado controlado por
um grupo definido religiosamente, isto é, os judeus. Foi esta
concepção de basear um Estado dominado por judeus sobre terra
expropriado aos palestinos que levou muitos a considerarem sionismo equivalente
a racismo. Ser anti-sionista não é sinonimo de ser anti-semita.
20. "The Militarization of Police," Frank Morales, Covert Action
Quarterly, spring-summer 1999
NT
Acerca do pico do petróleo ver
Petróleo, pico de Hubbert, ambiente & crise: A mudança para um novo paradigma energético
, de Jorge Figueiredo.
Copyright 2002, From The Wilderness Publications, www.copvcia.com. All Rights
Reserved. May be copied, distributed, or posted on the Internet for non-profit
purposes only. Tradução de J. Figueiredo
O original deste artigo encontra-se em
http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/082702_infinite_war.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
Do mesmo autor resistir.info já publicou
Entropia de pleno espectro: Operações especiais num período especial
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