A guerra infinita e as suas raízes

por Stan Goff [*]

Guerra pelas reservas remanescentes Grande parte da polémica resistência à assim chamada “Guerra ao terrorismo” tem sido baseada na ética e na moralidade. E a dimensão moral da guerra é importante. Mas devemos adoptar um olhar mais crítico em relação a esta guerra, para o que está a motivá-la e para os seus prováveis desenvolvimentos. Podemos elevar o grau de resistência moral à guerra, mas se fracassarmos na detecção das suas causas reais não poderemos montar uma efectiva resistência política, que tem de ser uma resposta efectiva às forças motrizes que estão por trás da mesma.

Aqui enfatizaremos a dinâmica entre a classe dominante americana e a sua junta governante — que capturou o poder e está sob muitos aspectos fora de controle — numa circunstância histórica adversa que provavelmente não será corrigível, e não pode, portanto, garantir a sobrevivência do imperialismo dos EUA. Temos de estudar esta dinâmica concretamente a fim de compreendê-la.

É importante ab initio não considerar o big business (por vezes referido como “o capital”) como dividido em sectores discretos, cada um deles com a sua própria base estática e a sua ideologia própria. O conceito de o capital estar dividido em sectores estáticos pode ser utilizável para o curto prazo a fim de efectuar uma análise circunstancial, mas é basicamente mecânico. O capital é um processo dinâmico e cíclico de acumulação via valorização [1] e reprodução sistémica. Ele tem de estabilizar e reproduzir-se como um sistema, e ainda tem de “crescer”. Esta necessidade simultânea de equilíbrio e desequilíbrio é um dos paradoxos centrais do imperialismo. O capital total em qualquer instante é um conjunto de somas de dinheiro, mas está em fluxo, mudando de formas através do processo de produção/reprodução, primeiro capital produtivo, a seguir bens e serviços, a seguir redistribuído entre juros e rendas, a seguir capital financeiro, etc.

O capital tem uma natureza temporária. Neste processo, os patrões do sistema, directores-executivos, etc, são como uma troupe a actuar, com os seus membros a exercerem diferentes papeis. A noção de que eles estão divididos em sectores é ilusória portanto, porque nenhuma fracção do capital existe independentemente em qualquer sector. Uma crise de acumulação [2] não é uma crise discreta limitada a um “sector” de capital. É geral. E quanto mais elevado o grau de integração internacional e racionalização da classe capitalista, especialmente com um complexa interdependência técnica, mais generalizadas são as crises de acumulação. Qualquer coisa a afectar um “sector” afecta necessariamente todos os “sectores”.

Não podemos conhecer todos os aspectos desta dialéctica, mas podemos focar alguns dos seus aspectos chave, mantendo em mente as limitações deste enfoque, que, penso, lançarão alguma luz sobre a nossa situação. Assim, analisarei o petróleo, a moeda e o papel em desenvolvimento dos militares dos EUA com os seus dilemas. Se podemos certamente reconhecer que a moeda e os militares são constantes de forma abstracta e não um sector do capital, o petróleo à primeira vista aparece como um sector definido. Mas isto, também, é ilusório. O petróleo não é um sector separado, não só pelas razões acima citadas, como também porque o petróleo não é uma mera mercadoria.

O petróleo é a forma de um ciclo mais profundo de realidade material mas os teóricos radicais concentram-se no abstracto na relação da mercadoria e da vasta arquitectura social que desdobram diante daquele enigma. Ele é a corporificação de leis físicas inelutáveis relacionadas com a energia e a matéria, e são estas leis, em conjunto com as leis do movimento social, que estão a ameaçar-nos, não apenas como uma sociedade mas como uma espécie. O petróleo é uma forma de energia super-concentrada, originada pela energia solar há centenas de milhões de anos em condições biológicas e geológicas que não podem ser reproduzidas. A nossa espécie usou mais da metade do petróleo recuperável em aproximadamente 100 anos.

A produção mundial de petróleo está provavelmente a atingir o pico exactamente agora [3]    [NT] , enquanto a população continua a aumentar e a procura de uma infra-estrutura económica mundial em desmoronamento continua em ritmo acelerado. Dois factores podem proporcionar um adiamento transitório deste evento. Primeiro, avanços tecnológicos como a recuperação avançada sísmica em 3-D, técnicas de ressonância nuclear-magnética, perfuração horizontal e assim por diante. E, em segundo lugar, uma depressão em escala mundial, que diminuiria radicalmente a procura [4] . Não é difícil imaginar algumas das consequências a longo prazo do fim da era do petróleo barato, mesmo utilizando modelos input-output nos neomaltusianos. [5] (Thomas Malthus [1766-1834] foi um economista inglês que se tornou famoso com o seu livro “Essay on Population”. Ele afirmou que a população aumentava mais rapidamente do que os meios de subsistência humana. Os factos contradizem isto. Os neo-maltusianos alteraram um pouco o conceito de Malthus, pois afirmam que a população “ultrapassará” os meios de subsistência existentes, pois terra arável, água e combustíveis fósseis são esgotáveis. Parece haver alguma validade nisto. Mas o seu modelo é baseado em simples cálculos input-output que assume uma trajectória da população humana baseada numa lista estática de variáveis, sem levar em conta as características dos sistemas sociais. Isto implica, portanto, uma espécie de determinismo genético que pode facilmente transformar-se em racismo).

Mas devemos levar em conta as relações sociais da energia, e a teoria do valor. [6] Não é o limite físico finito do petróleo que importa agora. Importa sim o que é finito no contexto daquilo que é economicamente essencial. Terá o petróleo algum substituto perfeito? Nesta conjuntura, a resposta é um inequívoco “não”. Qual é o valor do petróleo em termos de incorporação de tempo de trabalho socialmente necessário? Por outras palavras, pode o valor do petróleo elevar-se bastante rapidamente para toda a economia ser contida? A resposta é um categórico “sim”.

O petróleo não tem substituto perfeito. Nem células solares fotovoltaicas, nem carvão, nem plutonio podem movimentar camiões ou aviões. Há substitutos teóricos, mas nem um apresenta qualquer perspectivas a curto prazo de se vir a desenvolver. É o sangue vital de todo o sistema capitalista global, e assim foi durante 100 anos. Se os preços do petróleo forem para além de um preço operacional de não retorno, supostamente, a economia certamente será contida, muito provavelmente ao ponto do colapso [7] . Imaginem-se as consequências hoje, por exemplo, se os preços do petróleo saltassem apenas uns 50 por cento. Mas se as melhores previsões forem correctas, e estamos a entrar na era da produção pós-pico, um firme e acelerado aumento no preço do petróleo é inevitável, e para breve.

Assim, o próprio capitalismo, totalmente dependente desta única substância finita, é confrontado com uma muito real e muito ameaçadora crise de energia. A mudança progressiva está agora a produzir um salto abrupto. Ainda não podemos perceber isto como tal, pois os capitalistas dos EUA são adeptos da mercantilização do intelecto das massas, e fazem suas afirmações aparecerem como justas e nobres, como podemos ver na omnipresente apresentação de bandeiras americanas.

Desde 1973, a todo choque petrolífero tem correspondido ou tem-se seguido uma guerra. Para entender porque, temos de levar em conta a estrutura concreta e actual do sistema capitalista mundial.

O EUA são agora inequivocamente hegemónicas. As forças armadas dos EUA controlam todas as grandes passagens marítimas, e encadearam o mundo com bases militares [8] . As forças dos EUA são a polícia internacional dos Estados do Golfo, onde, a propósito, as corporações imperialistas extraem o petróleo e pagam rendas a regimes clientes.

Tais rendas têm de ser suficientes para impedir que as populações nativas se tornem irrequietas, e para restaurar continuamente o seu capital de base. Um barril de petróleo custando entre US$ 25 e US$ 30 é suficiente para manter os principais Estados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) calmos (contudo, há uma desvalorização do dólar em andamento), mesmo que isto provoque tensão entre aqueles Estados não-OPEP cujos custos de recuperação são mais elevados do que, digamos, a Arábia Saudita ou o Iraque anterior à invasão. [9]

Os EUA pagam pelo óleo abaixo do preço do mercado por pelo menos três razões. Uma é que os EUA ofereceram caças F-16, mísseis Stinger, e outras coisas àqueles regimes clientes, assim como capitalizam sua extracção de petróleo. Dois é que os EUA, através de alguns estratagemas, desde o princípio da década de 70 convenceram aqueles Estados a investirem os seus lucros em instrumentos financeiros dos EUA. [10] Se os sauditas tentassem efectuar acções contra a economia dos EUA, por exemplo, estariam a arruinar-se a si próprios, pois investiram a maior parte dos seus activos em títulos americanos. Três é porque os EUA controlam o ar, a terra e os estreitos marítimos e estão prontos a desenvolver um devastador poder militar na região. Assim, os EUA estão a ter o seu petróleo subsidiado, num certo sentido, pagando menos do que o valor de mercado, como uma forma de tributo imperial.

Como o petróleo é denominado em dólares — aos quais posso agora chamar “petrodólares” — desde que os EUA abandonaram o padrão ouro e todas as suas taxas de câmbio fixas para divisas que lhe estavam associadas, em 1971, [11] foram capazes de dominar não só o mundo em desenvolvimento como também os seus competidores capitalistas chave. Outras nações devem pagar as suas contas de energia em (petro)dólares, a uma taxa mais elevada do que os EUA, e aqueles dólares retornam para casa (via Arábia Saudita et al.) para investir em títulos do Tesouro e em imobiliário.

Em 1973 a administração Nixon desvalorizou o dólar, nessa altura firmemente estabelecido como a divisa do comércio internacional por ser o petrodólar, e limpou as suas próprias dívidas para com os seus competidores capitalistas europeus e asiáticos.

Os petrodólares americanos foram então reciclados através de bancos americanos, os quais emprestaram-nos a latino-americanos e africanos, ainda cambaleantes do último choque petrolífero, que então solicitaram empréstimos de petrodólares para pagarem as suas próprias contas de energia. O crescimento económico estagnou e voltou atrás na África e América Latina desde então. Este é o método pelo qual os EUA foram capazes de transferir o fardo da sua própria crise de acumulação pós-Vietname para os ombros de outros, e de transferir o modelo de manutenção da sua hegemonia de regimes clientes semi-fascistas para a peonagem da dívida com o “ajustamento estrutural” sob governos nominalmente “democráticos”.

O imperialismo americano é em última instância o imperialismo do petrodólar. Quando a América Latina, a África e agora a Ásia deslizam à beira do abismo, os americanos duplicaram a sua frota de veículos. [12] O resto do mundo está, dessa forma, a sofrer directamente o fardo do nosso alto modo de vida.

Assim, se este sistema principia a descosturar, como já começou, e o povo americano verificar que o seu padrão de vida sofre uma queda súbita, o regime político dos EUA enfrentará uma crise política de longe mais grave do que a crise de legitimidade ultrapassada oportunisticamente através dos acontecimentos do 11 de Setembro.

O capital entende muito claramente o que está em jogo, e deve tomar grandes cuidados para assegurar que nós não o entendamos.

Contudo, a classe dominante não consegue apreender as implicações da "teoria do valor", isto é, as próprias leis que dão ao capitalismo o seu carácter. A monopolização global que está a verificar-se agora é uma tentativa de escapar àquelas leis. O simples facto de a actual monopolização estar superaquecida é uma indicação de que o processo competitivo está exaurido. Revelações recentes acerca dos escândalos da "contabilidade criativa" entre as maiores transnacionais constituem evidência de tentativas de escapar àquelas leis através de fraudes maciças.

A desvalorização estratégica e a inauguração do regime neoliberal no princípio da década de 1970 já era uma resposta à crise generalizada de lucros, uma crise relacionada com a composição orgânica do capital, e mesmo o petrodólar foi uma medida de defesa. Esta medida de defesa agora também pode estar exaurida.

O consumo mundial de óleo agora é cerca de 75 milhões de barris por dia. Por volta de 2010 espera-se que ele aumente para 100 milhões de barris por dia. [13] Este óleo é produzido por dois grupos principais, digamos, para fins de análise, OPEP e não-OPEP (NOPEP). A OPEP está concentrada sobretudo na região do Golfo Pérsico. A NOPEP está no Atlântico Norte, América do Norte, México, China, Nigéria e outros tantos. Isto não conta toda a história, entretanto. Os Estados do Golfo não vão atingir o pico da produção até 2012, e metade do remanescente mundial de petróleo facilmente extraível está ali. [14] A produção mundial está a atingir o pico exactamente agora. Mas a produção mundial é uma média. Os NOPEP atingiram o pico vários anos atrás e agora estão em declínio permanente.

Assim, a OPEP está a tornar-se mais forte, e a NOPEP a tornar-se mais fraca.

A Arábia Saudita, um país OPEP, tem a maior reserva, com o Iraque a seguir e a região do Mar Cáspio num teórico terceiro lugar (mas isto é muito duvidoso [15] ). Os EUA tem estado, durante anos, a tentar assegurar o domínio do OPEP, e eles conseguiram isso em certa medida através do suporte a sauditas e outros corruptos por meio daqueles supracitados investimentos. Uma vez que a produção da OPEP ainda está a crescer e a dos NOPEP está num declínio irreversível e permanente, a OPEP está a adquirir dominância no mercado global do petróleo. O momento em que a OPEP obtiver a dominação definitiva dos mercados mundiais é chamado por alguns de "ponto de viragem" (crossover event) [16] .

As melhores previsões são de que o "ponto de viragem" acontecerá por volta de 2011 [17] . Isto é certamente compreendido pela actual administração Bush, que é fortemente povoada por membros da oligarquia petroleira.

Se forças hostis ao imperialismo dos EUA conseguissem (de alguma forma) controlar os Estados do Golfo e o seu petróleo, eles efectivamente controlariam o sangue vital de todo o sistema económico global. A hegemonia dos EUA entraria em colapso num instante histórico. Comparado a este cenário, o 11 de Setembro foi um passeio no parque. E a classe dirigente dos EUA, especialmente a actual administração petro-oligárquica, sabe disto.

Uma vez que a produção mundial de petróleo comece a declinar, em média, os EUA como o maior utilizador final necessita descobrir como compensar estas perdas apoiando-se na produção NOPEP. Sua solução, pelo que podemos ver, pode ser abrir o Cáspio e acelerar a extracção dos Estados do Golfo, particularmente da Arábia Saudita e do Iraque. Mas os cenários mais optimistas são que todas as três regiões somadas podem produzir uns 15 milhões de barris por dia adicionais. Dado que os nosso extrapolado apetite chegará a 25 milhões de barris por dia dentro de nove anos, contanto que não haja qualquer colapso económico que corte a procura, os EUA continuam num dilema.

Complicando este dilema está o facto de que simplesmente para conseguir que aquele petróleo adicional esteja fora do solo e no mercado exigirá um investimento adicional de US$ 1 trilião na região a ser efectuado por alguém. [18]

Quem arcará com este fardo? Os povos colonizados, naturalmente, fora e dentro dos EUA através da dominação do petrodólar.

Este é, quase certamente, o plano da junta de Bush. O problema permanente, entretanto, é a massa dos povos daqueles países, que estão muitas vezes militantemente radicalizados contra os arrogantes saqueadores estrangeiros. Isto coloca os imperialistas outras vez nos cornos de um dilema.

A escalada da resistência palestina ao sionismo [19] e a resposta para-fascista dos israelenses àquela resistência, constitui uma ameaça à estabilidade dos regimes clientes dos EUA na região, assim como reduz o padrão de vida das massas nos Estados do Golfo. Estes regimes são corruptos e autocráticos, e eles próprios estão presos numa teia de dilemas. E é deles que depende o US dólar, e do domínio (seignorage) do US dólar que depende a hegemonia dos EUA.

Esta crise de energia é agora, além disso, combinada com uma crise de superprodução à escala mundial, sentida inclusive nos Estados Unidos. E a actual administração está a optar pela guerra, uma guerra muito cara, com a finalidade de estender e consolidar aquela hegemonia, a qual mais uma vez submeterá a tensões a economia interna dos EUA. No momento em que isto é escrito, 48 do 50 estados estão a experimentar severos cortes orçamentais, e o governo federal está ameaçado de incumprimento (default) .

Trata-se de um movimento desesperado feito por pessoas desesperadas. É um período perigoso aquele que vivemos.

Não é de admirar que os capitalistas de outras regiões estejam erguendo suas sobrancelhas para a administração Bush. Eles certamente sentem as consequências potenciais do selvagem excesso de segurança desta administração, seu aventureirismo militar, sua arrogante abolição de tratados internacionais, sua recusa em submeter-se ao direito internacional, seu contínuo apoio à ocupação de Israel. Alguns destes capitalistas entendem que aquilo que está a perfilar-se é a ocupação militar dos maiores campos petrolíferos do mundo, em meio a encarniçadas resistência das massas daqueles Estados, e eles também entendem que este é o melhor caminho para assegurar a perda de acesso permanente a esta mercadoria crítica para sempre.

Os europeus podem estar agora a cortejar os Estados do Golfo, alarmados e angustiados com as aberturas de Bush à Rússia (a qual por seu turno faz aberturas tanto aos EUA como à União Europeia, como um amante recatado escolhendo entre pretendentes), e a aparente tentativa da junta de "Bushfeld" para reestruturar a arquitectura geopolítica em detrimento do capital europeu.

O governo dos EUA está certamente a prever esta contingência com grande ansiedade. Se os sauditas, por exemplo, sob a ameaça de uma desestabilização interna por parte das massas cada vez mais iradas e militantes enfocadas na ligação EUA-Israel, decidirem punir os EUA, eles podem retirar ou liquidar todos os seus activos denominados em US dólar dos EUA e investirem-nos em activos denominados em Euro. O único ponto de adesão para eles é o facto de que as companhias americanas executam a parte do leão das actividades de extracção. No entanto, se eles quiserem expulsar os EUA (um movimento perigoso, mas estes são tempos desesperados) e contratar outros países, isto seria um golpe devastador para os EUA e teria incentivo acrescido de restringir a oferta e elevar o preço por barril, aumentando os rendimentos internos para apaziguar suas próprias populações impacientes. Este cenário de pesadelo para a administração de facto de Bush está certamente a alimentar o seu sentido de urgência no sentido de colocar mais infra-estruturas militares permanentes na região a fim de preparar-se para esta contingência.

Como os EUA cometem suicídio diplomático na Palestina e desestabilizam a Arábia Saudita, há conversas de bastidores no interior na administração Bush acerca de acção militar contra a Arábia Saudita.

A resistência árabe a na Ásia Central será islâmica. A destruição do nacionalismo pan-árabe e do socialismo árabe pelas forças imperialistas, frequentemente com islâmicos como instrumento daquela destruição, não deixou senão uma força para dar voz à miséria e degradação das massas. Nossa avaliação moral (e mesmo vontade) disto não altera o facto de ser verdadeiro. Neste ponto, se os EUA apoiam ou opõem-se aos islâmicos é irrelevante para as massas árabes e muçulmanas. Os EUA ainda estão a apoiar Israel, a fonte da sua maior degradação e humilhação.

As deslocações económicas mais gerais da crise que está a vir, juntamente com a necessidade (na perspectiva do capital) de ganhar controle deste recurso decrescente mas vital, levou a um repensar radical da doutrina militar.

Quando eu trabalhava nas Special Forces, éramos de uma doutrina de política externa chamada Internal Defense and Development (IDAD). Aquilo foi a velha escola. Quando eu me preparava para deixar o Exército, havia muita ênfase, doutrinária e estratégica, sobre algo chamado Operations Other Than War (OOTW). O processo de desenvolvimento desigual começou a atingir o ponto máximo com a urbanização concentrada de grande parte da população mundial.

No passado, o capital tinha a capacidade de "absorver" estas populações que ingressavam na cidade devido à perda de terras ou a atracção dos empregos. Havia um nível de desemprego e miséria mantida a fim de "mantê-los famélicos" e obsequiosos, e para servir de amortecedor a exigências dos trabalhadores. Mas com a rápida reestruturação rumo às "globalização" de hoje, há muito menos "expansão" económica. Ao invés de "proletarização" das massas, estamos a ver em muitos casos a sua "lumpenização", com muitas pessoas integradas em vários empreendimentos criminosos. Com a nova realidade nas cidades do mundo, e o desenvolvimento interno de várias políticas de resistência à "globalização", emergiram dois desenvolvimentos militares.

Um é a aproximação cada vez maior, e confusão, entre a fronteira militar e da polícia. A outra é o desenvolvimento tecnológico de sistemas de armas sub-letais e de medidas altamente refinadas de controle de população tanto pela polícia como pelos militares — policiamento militar globalizado. [20] Esta é uma componente chave da louca doutrina da "dominância de pleno espectro" promovida pelo febril secretário da Defesa Donald Rumsfeld.

Precisamos apenas olhar para os Robocops (polícias-robots) que são agora apresentados em força em toda demonstração e a dependência de unidades tácticas para mais e mais prisões por "droga". O Procurador Geral John Ashcroft está agora a preparar-se mesmo para uma nova erosão da Posse Comitatus , a lei que proíbe os militares de operarem dentro das fronteiras dos EUA. Tal erosão começou com o avolumar-se de numerosas ligações entre militares e polícia. Eu próprio participei no treinamento pelo Exército da Equipe de Resgate de Reféns do FBI que depois tornou-se famosa ou infamosa, conforme o caso, e também com os SWAT de Los Angeles e Houston. A erosão também começou com operações onde os militares realmente aumentaram a Patrulha de Fronteira dentro dos EUA. Estes contactos começaram no princípio da década de 80 e cresceram exponencialmente desde então.

A doutrinas militares que estão a ser preparadas para a Pax Americana incluem doutrinas para a guerra civil urbana.

Esta relação dialéctica entre energia, divisas e os militares é pelo menos uma condição chave concreta para entendermos o que se passa dentro da mente do capital (o big business e a sua elite política) neste período do imperialismo em crise.

Parece que a forma "democrática" de imperialismo nesta conjuntura está a chegar ao seu término, e o punho de uma outra forma de fascismo é uma possibilidade real no futuro próximo. Não há caminho "democrático" para sair desta crise de acumulação, e como esta crise flui da periferia para o centro, o assalto do capital à classe operária dos EUA será aguçado, como estamos a ver com o concertado ataque de Bush contra o debilitado movimento sindical americano. Tal como na Argentina, quando o inevitável tombo na severa polarização económica acontece, aqueles que se consideram "classe média" serão rapidamente pauperizados pois o sistema bancário fecha as portas para se apropriar das suas poupanças.

É este ataque inevitável aos padrões de vida dos americanos médios que ou nos acordará para a loucura deste patriotismo fabricado e nos levará à resistência a este regime ou, no pior dos casos, cairemos dentro de racialismo atávicos e fascismo. Qual será o desenlace depende em grande medida de quão eficazes forem alguns de nós em contar previamente às pessoas o que elas podem esperar... e porque.

27/Ago/02

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[*] [Stan Goff, reformado do Exército dos EUA em 1996. Sua última missão foi no 3º Grupo de Forças Especiais. Entrou no serviço militar em Janeiro de 1970, e a sua primeira missão foi como homem de infantaria na 173ª Brigada Airbone no Vietname. Seu serviços levou-o a mais sete áreas de conflito após o Vietname, incluindo Guatemala, Granada, El Salvador, Peru, Colômbia, Somália e Haiti. Suas comissões incluíram 2nd Ranger Battalion, 1st Ranger Battalion, 75th Ranger Regiment, 1st Special Forces Operational Detachment-Delta, 7th Special Forces, o Jungle Operations Training Center, e a U.S. Military Academy at West Point.

Foi "Organizing Director for Democracy South" e é agora "Director of North Carolina Network for Popular Democracy". Também trabalha com o Southern Voting Right Project do Institute for Southern Studies. Autor de um livro sobre a intervenção militar dos EUA no Haiti, intitulado "Hideous Dream: A Soldier's Memoir of the U.S. Invasion of Haiti" (Soft Skull Press, 2000).


NOTAS
1. Valorização: Neste contexto, estamos a referir-nos a processos pelos quais o valor acrescentado a uma mercadoria no processo de produção é parcialmente apropriado pelos proprietários não trabalhadores como lucro.
2. Crise de acumulação: Crise económica sistémica do capital devida à tendência da taxa de lucro a cair, superprodução, colapso da moeda, etc. Todas as recessões são crises reais de acumulação.
3. "An Analysis of U.S. and World Oil Production Patterns Using Hubbert-Style Curves," Albert A. Bartlett Department of Physics University of Colorado at Boulder, 80309-0390 Mathematical Geology, Vol. 32, No 1, 2000
4. "Distribution and evolution of 'recovery factor,'" "Oil Reserves Conference," Paris, Nov. 11, 1997, International Energy Agency, Jean Laherrère, Associate consultant, Petroconsultants
5. "Energetic Limits to Growth," Jay Hanson, ENERGY Magazine, spring 1999
6. Teoria do valor: A interpretação da actividade económica com base na "teoria do valor trabalho" criada por Marx e Engels, a qual declara que o valor de troca de uma mercadoria é fundamentalmente baseado no tempo de trabalho abstracto socialmente necessário para produzi-la. O objectivo da teoria do valor é ir além das contas de "oferta e procura" do ambiente económico e efectuar um exame das relações sociais reais entre pessoas que define um sistema social, inclusive relações políticas.
7. "The Peak of World Oil Production and the Road to the Olduvai Gorge," Richard C. Duncan, Ph.D., Pardee Keynote Symposia, Geological Society of America Summit 2000, Reno, Nev., Nov. 13, 2000
8. "U.S. Military Bases and Empire," Monthly Review, Editors, March 2002
9. "Analysis of the IEO2001 Non-OPEC Supply Projections," Robert D. Blanchard, Northern Kentucky University, April 9, 2001
10. "The Globalization Gamble: The Dollar-Wall Street Regime and its Consequences," Peter Gowan, University of North London, Presented to the International Working Group on Value Theory 1999 mini-conference, March 12-14, 1999
11. Ibid.
12. "Making Better Transportation Choices," Molly O'Meara Sheehan, State of the World 2000, The Worldwatch Institute, 2000
13. Bartlett, op cit.
14. Duncan, op cit.
15. "Forget the Caspian Bonanza," Peter Beaumont and John Hooper, July 26, 1998, Observer (London)
16. "The World Petroleum Life Cycle", Richard C. Duncan and Walter Youngquist, Presented at the PTTC Workshop "OPEC Oil Pricing and Independent Oil Producers", Petroleum Technology Transfer Council, Petroleum Engineering Program, University of Southern California, Los Angeles, Oct. 22, 1998
17. Ibid.
18. Beaumont and Hooper, op cit.
19. Sionismo: O movimento fundado por Theodore Herzl na viragem do século passado em resposta à experiência mundial de anti-semitismo, baseado na crença da necessidade de um Estado judeu, o qual foi determinado pelo movimento que seria a Palestina. Sionismo não é sinonimo de judaismo, e muitos judeus opuseram-se e ainda se opõem ao sionismo. Foi baseado desde o início da sua história no desígnio explícito de expropriar a terra dos outros para o propósito expresso de edificar um um Estado controlado por um grupo definido religiosamente, isto é, os judeus. Foi esta concepção de basear um Estado dominado por judeus sobre terra expropriado aos palestinos que levou muitos a considerarem sionismo equivalente a racismo. Ser anti-sionista não é sinonimo de ser anti-semita.
20. "The Militarization of Police," Frank Morales, Covert Action Quarterly, spring-summer 1999

NT Acerca do pico do petróleo ver Petróleo, pico de Hubbert, ambiente & crise: A mudança para um novo paradigma energético , de Jorge Figueiredo.

Copyright 2002, From The Wilderness Publications, www.copvcia.com. All Rights Reserved. May be copied, distributed, or posted on the Internet for non-profit purposes only. Tradução de J. Figueiredo

O original deste artigo encontra-se em http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/082702_infinite_war.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

Do mesmo autor resistir.info já publicou Entropia de pleno espectro: Operações especiais num período especial


29/Ago/02