Fundamentos ideológicos da presente guerra mundial:
Nas raízes do consenso popular
Fundamentos ideológicos da presente guerra mundial:
Nas raízes do consenso popular
O consenso popular à guerra, problema crucial
I- PONTO DE VISTA E PROJECTO HISTÓRICO DO PODER DOS EUA
Bush: o discurso do 20 de Setembro de 2001
Declaracão de guerra
A base do consenso nacional
A solidariedade internacional
Identificação do inimigo
Proclamacão da guerra santa
A teología do destino manifesto, projecto de grandeza imperial dos
Estados Unidos
II- PONTO DE VISTA E PROJECTO HISTÓRICO DO INTEGRALISMO TERRORISTA
ISLAMICO
Integralismo religioso e terrorismo
O integralismo terrorista de Bin Laden
A política norte-americana em relação ao Islão:
imperialista e terrorista
Retorsão da acusação de terrorismo contra os Estados Unidos
Terrorismo e imperialismo em relação aos países islamicos:
Arabia Saudita, Palestina, Iraque, etc.
Ofensiva contra o conjunto do mundo islamico
A jihad, guerra de libertação e de afirmação do
Islão
A
jihad
, terrorismo legítimo e necessário
A
jihad,
dever religioso fundamental
A
jihad
, guerra contra o imperialismo com os seus mesmos métodos
O ponto de vista do oprimido-opressor
III-COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS PROJECTOS HISTÓRICOS E OS
DOIS TERRORISMOS
Dois projectos em contraste radical
Dois projectos com profundas afinidades
Entre os dois projectos imperiaies será inevitável a tomada de
partido?
O ponto de vista dos oprimidos e das oprimidas como sujeitos alternativos
Mobilizações contra o neoliberalismo e contra os terrorismos
Algumas pistas de busca
CONCLUSÃO NÃO CONCLUSIVA:
POR UMA INSURREIÇÃO DA CONSCIÊNCIA MUNDIAL CONTRA OS
TERRORISMOS
|
O consenso popular à guerra, problema crucial
Para entender o que se está a passar no mundo e qual é em
particular o sentido desta guerra, para entender o que está a mudar e o
que não está a mudar na história, gostaria de experimentar
um caminho: o de explorar as ideologias em que se inspiram os protagonistas,
que são o poder norte-americano com os seus aliados, representado por
George W. Bush e o integralismo islâmico terrorista, representado por
Osama bin Laden. Chamando a atenção para os factores
ideológicos da guerra não pretendo, naturalmente,
considerá-los como a sua explicação adequada; o papel dos
factores políticos e económicos continua a ser decisivo.
Contudo, a exploração das ideologias parece-me importante para
entender o polo subjectivo da guerra, ou seja, as motivações
explícitas e o consenso popular que a sustentam pelos dois lados. Esta
exploração teria em primeiro lugar que permitir-nos entender
porque grandes massas humanas estão a enfrentar-se e a massacrar-se,
porque em ambos os campos grupos numerosos estão dispostos a arriscar a
vida por uma causa que consideram justa e até mesmo santa.
Entretanto, este enfoque parece-me interessante também por uma
razão oposta. Ele teria que permitir-nos perceber não só
o que os combatentes dos dois campos vêm como também as
razões pelas quais não vêm realidades que a um observador
externo são evidentes; porque, por outras palavras, análises e
avaliações que para um observador externo parecem evidentemente
equivocadas podem contar com um consenso maciço.
Queremos pois referir-nos às ideologias no seu duplo sentido de
iluminação da realidade e de ocultação da mesma.
É um problema epistemológico aparentemente abstracto, mas na
realidade extremamente concreto porque se refere a um dos aspectos mais
decisivos e profundos da guerra, ou seja, o consenso majoritário com o
qual, apesar do sacrifício de inocentes que vai perpetrando, ela conta
em ambos os lados. É um problema política e tragicamente
central, o da cumplicidade inconsciente entre as vítimas e os seus
verdugos.
A importância do problema do consenso encontra uma importante
confirmação numa interpretação da guerra que
considero bastante convincente: a guerra representa para o Estados Unidos e os
demais governos ocidentais a maneira de reconstruir o consenso no processo de
globalização neoliberal que agora está a atravessar uma
crise profunda.
Esta
interpretação explicaria a cumplicidade com o crime do 11 de
Setembro que observadores bem informados atribuem às autoridades
norte-americanas: elas ter-se-iam omitido frente às muitas chamadas de
atenção que lhes haviam dirigido vários serviços de
inteligência.
Este enfoque constitui
também a premissa de que é necessário partir para
enfrentar a pergunta decisiva: será inevitável, como muitos
afirmam, no ocidente e no integralismo islâmico, tomar partido por um
lado ou por outro? É inevitável, como se afirma no ocidente,
tomar partido pela democracia ou pelo terrorismo, pela
civilização ou pela barbárie, ou existe caminho
alternativo? E, neste caso, qual é o seu conteúdo positivo?
Se, além disso, como me
parece evidente, as duas ideologias que se enfrentam cumprem uma
função de ocultação e deformação da
realidade, impõe-se a pergunta: existe um ponto de vista sobre a
história que permita uma aproximação maior à
realidade dissipando as névoas ideológicas?
Finalmente,
exploração dos fundamentos ideológicos da guerra e do
consenso de que ela goza é o ponto de partida necessário de
qualquer estratégia alternativa. Questionar a guerra significa pois em
primeiro lugar erradicar o consenso popular em que ela se baseia e fortalecer o
grito insurreccional da consciência mundial contra ela. Penso
então que sobre este problema crucial haveria que chamar com
veemência a atenção do Fórum Social Mundial de Porto
Alegre.
Tentaremos portanto analisar o
ponto de vista do poder norte-americano e ocidental e o ponto de vista do
integralismo terrorista islâmico a fim de nos interrogarmos a seguir
sobre a possibilidade de um ponto de vista alternativo aos dois.
Acrescentaremos depois algumas
reflexões destinadas a questionar o integralismo católico e
denunciar a sua responsabilidade na génese de outros integralismo
religiosos, como o islâmico. Penso pois que um dos mais radicais
questionamentos do consenso à guerra e das mais importantes
contribuições à paz deve proceder uma nova
relação entre as religiões: de diálogo,
colaboração e fecundação mútua.
Relação que só se tornará possível se cada
religião abandonar a pretensão ser a única verdadeira e
descobrir a riqueza das outras.
I- PONTO DE VISTA E PROJECTO HISTÓRICO DO PODER DOS EUA
O ponto de vista do poder
norte-americano é evidentemente o que domina o sistema político e
informativo mundial. Ele se exprime nos discursos e nas decisões das
autoridades norte-americanas, do governo e das câmaras, dos aliados
ocidentais, da NATO, etc. No que se refere mais directamente à
Itália, exprime-se nos discursos e nas decisões das autoridades
italianas, da presidência da república, do governo, das
câmaras, etc. Às razões objectivas que indubitavelmente
fundamentam esta tomada de partido, acrescenta-se a convicção de
que só assumindo o ponto de vista dos grandes a Itália
poderá sentar-se, hoje e amanhã, à mesa dos grandes; e o
actual governo poderá conquistar, na Itália e no estrangeiro, a
credibilidade que até agora lhe faltou.
Este ponto de vista encontra-se
reflectivo e argumentado pela grande maioria dos meios de
comunicação social dos Estados Unidos e dos países
aliados. Dele compartilha a grande maioria do povo norte-americano e dos
outros povos ocidentais (dentre eles o italianos); e é este consenso
que permite às autoridades proceder com tanta segurança. Aquilo
que da minha parte considero particularmente importante e preocupante é
que este ponto de vista é compartilhado também por quase todos os
partidos e movimentos de esquerda: eles entenderam que só
conformando-se com as opções do poder norte-americano e ocidental
poderão conservar o poder em seus países ou reconquistá-lo
se o perderam. Inclusive se estas tomadas de partido provocam, para a esquerda
e para muitos dos seus militantes, uma dramática crise de identidade,
uma série angustiante de interrogações sobre o sentido da
sua militãncia.
Contudo, não seria
legítimo identificar simplesmente o ponto de vista do poder
norte-americano com o do povo norte-americano, nem o ponto de vista dos
governos ocidentais com o dos seus povo. Existem pois nos países
ocidentais e nos próprios Estados Unidos consistentes minorias que se
caracterizam como "antagónicas" e cujo ponto de vista
contrapõe-se ao ponto de vista dominante quer a respeito da
globalização neoliberal quer a respeito do terrorismo. Estas
minorias, Estas minorias recusam o dilema "ou com os Estados Unidos ou
com os terroristas" e acreditam na possibilidade de trilhar um caminho
alternativo. Acerca da análise do seu ponto de vista, no qual, por
minha parte, reconheço-me, teremos que retornar.
Bush: o discurso do 20 de Setembro de 2001
Queremos, entretanto, explorar
com mais precisão o ponto de vista do poder norte-americano a respeito
do terrorismo. Fa-lo-emos tomando como base o discurso pronunciado por George
W. Bush a 20 de Setembro de 2001, no qual o presidente formulou sua
declaração de guerra ao terrorismo e esclareceu seu sentido.
Muitos comentadores qualificaram este discurso, logo a seguir, como o mais
importante da presidência Bush. A BBC considerou-o inclusive como o mais
significativo pronunciado por um presidente americano após a segunda
guerra mundial.
O discurso foi pronunciado na
sede mais solene possível, o Capitólio, frente às duas
Câmaras do Congresso, à maioria dos membros do governo, aos
presidentes das municipalidades de Nova York e de Washington. Foi interrompido
29 vezes por aplausos "bipartidários", ou seja, dos
republicanos e dos democratas. Segundo alguns inquéritos realizados
imediatamente depois, o consenso popular que conquistou chegava a 90%.
Além das autoridades e do povo dos Estados Unidos, Bush dirigia-se
à comunidade internacional. Com esta intervenção o
presidente, cuja eleição fora tão problemática,
afirmou a sua autoridade como intérprete da consciência nacional e
como símbolo de unidade, candidatando-se ainda a líder mundial.
A consciência do clima de
crise e de terror em que o discurso foi pronunciado reflectia-se também
nas medidas extraordinárias de segurança que envolviam a
assembleia: helicópteros e aviões de caça que sobrevoavam
o Capitólio, e um controle severo dos acessos. Durante o discurso o
vice-presidente Dick Cheney permaneceu num lugar seguro e secreto em outra
parte da capital.
Declaração de
guerra
O objecto fundamental do
discurso foi, como assinalámos, a declaração de guerra.
"Convoquei os militares, proclamou o presidente, a ficarem em estado de
alerta. A hora em que os Estados Unidos actuarão aproxima-se". Na
realidade, os Estados Unidos haviam declarado oficialmente o estado de alerta
máximo. O presidente havia autorizado a chamada às armas de 50
mil reservistas.
Para Bush, a análise dos
factos que justificavam a declaração de guerra era muito simples.
Os EUA foram objecto de um ataque covarde por parte do terrorismo
internacional que, após a derrubada do comunismo, configura-se como o
novo "inimigo principal". Caracterizando o ataque terrorista como o
início da primeira guerra do milénio, Bush anunciou que guerra
será, uma guerra longa, dura e difícil, diferente de todas as
anteriores; guerra na qual os EUA sentem-se agredidos e não agressores,
vítimas e não culpados; uma guerra defensiva, e portanto
legítima e obrigatória.
O objectivo da guerra é
defender a liberdade, a democracia e a civilização, é
restaurar a justiça; é romper e derrotar a rede global do
terror. "Somos um país que acordou frente ao perigo e que
está clamando pela defesa da liberdade. Se levarmos nosso inimigo
à justiça ou nossa justiça ao inimigo, justiça se
fará". Estes objectivos foram expressos nos termos em que
será denominada a empresa: "justiça infinita" e
"liberdade permanente".
Para tais objectivos, a
potência mais forte do mundo compromete-se a investir todos os seus
meios: "Empregaremos todo recurso sob nosso comando, cada medida
diplomática, da instrumento de inteligência, cada instrumento de
segurança pública, cada influência financeira e cada arma
de guerra". Numa palavra, o fim justifica todos os meios.
A base do consenso nacional
Nos seus projectos de guerra,
Bush sente-se apoiado por todo o país. Pela opinião
pública indignada, que pede vingança, e que, segundo os
inquéritos, é favorável a uma resposta militar, inclusive
se ela provocar vítimas na população civil
(vítimas, observo eu, tão inocentes como as norte-americanas, e
talvez mais).
Bush também conta com o
apoio unânime, bipartidário, do Congresso, que o autoriza a tomar
as iniciativas oportunas e que põe à sua disposição
para este objectivo somas excepcionalmente elevadas. O Congresso havia
aprovado por unanimidade uma resolução que autorizava o uso da
força militar. Também havia aprovado um pacote de
emergência de 40 mil milhões de dólares para financiar
acções antiterroristas e operações de resgate e
recuperação dos edifícios destruídos, o dobro do
montante que havia pedido o Presidente.
A solidariedade internacional
O ataque terrorista, observou
Bush, golpeou os EUA não como um país particular e sim como
país líder de uma aliança internacional que governo o
mundo, inspirando-se nos princípios do neoliberalismo. O objecto da
globalização neoliberal, que o atentado perseguia, estava
claramente indicado pelas Torres Gémeas do Centro Mundial do
Comércio. Assim, o terrorismo golpeou os EUA como símbolo da
civilização ocidental.
Portanto, o destinatário
desta mensagem era todo o mundo. "O desastre da semana passada, declarou
o presidente, afectou todo o mundo, não só pelo ataque contra a
liberdade como também pelos mortos de mais de 80 países, que
incluem "homens e mulheres de El Salvador, Irão, México e
Japão". Portanto, esta é uma luta do mundo, uma luta pela
civilização... Instamos todas as nações a
ajudar-nos"... Dirigindo-se à "comunidade
internacional", Bush exprimiu sua gratidão àqueles
países que haviam concordado em apoiar os Estados Unidos. Ao mesmo
tempo, advertiu o mundo de que nesta guerra não era possível
neutralidade: "estão connosco ou com os terroristas".
Além disso, "sabemos que Deus não é neutro".
Concretamente, ele podia contar
com o apoio da NATO, que pela primeira vez nos seus 52 anos de vida activara a
cláusula de defesa comum, ou seja, ou artigo pelo qual se um dos membros
da organização for agredido, todos se consideram agredidos. Ele
havia conseguido além disso o apoio oficial de duas nações
chave, o Paquistão e a Arábia Saudita, cuja importância
estratégica para uma acção bélica é
evidente. Procura finalmente o apoio dos países árabes que
haviam colaborado com os EUA nas suas guerras anteriores. Estava a negociar
por fim a "viragem" da aliança com os inimigos
históricos, protagonistas do antigo "reino do mal",
Rússia e China, que ele, no seu compromisso apostólico, conseguiu
converter ao "reino do bem".
O secretário de Estado
afirmou que a partir de agora Washington julgaria a nações pela
sua vontade de colaboração. Isto converteu-se, afirmou, numa
nova maneira de medir a relação: e o grau de
cooperação dos países afectará a assistência
futura de Washington. Um dilema dramático para a consciência dos
países islâmicos.
À comunidade
internacional, Bush dirigiu uma advertência categórica:
"nesta guerra não é possível neutralidade, ou
connosco ou com os terroristas". Sabemos, além disso, que
"Deus não é neutro". O mesmo Deus tem que entender que
se quiser continuar a ser Deus, tem que tomar partido claramente ao lado do
bem, ou seja, ao lado de Bush.
Identificação do inimigo
A identificação
do objectivo implica a identificação do novo inimigo principal.
No imediato indicava-se o milionário Osama Bin Laden e a rede terrorista
internacional que ele dirige e financia, Al Qaeda. Mas a guerra
norte-americana pretende golpear todas as organizações
terroristas do mundo e os governos que as apoiam. Bush caracteriza estas
organizações como uma "rede", termo que lhe atribui uma
certa unidade e coordenação mundial, reconhecendo ao mesmo tempo
que elas não são facilmente localizáveis. Entende-se
assim porque esta guerra será diferente das outras, nas quais o inimigo
era um Estado ou um conjunto de Estados, claramente localizados. Compreende-se
porque esta guerra será previsivelmente muito longa.
A Al Qaeda, a
organização terrorista mundial dirigida por Bin Laden, parece
particularmente forte e eficiente nos próprios EUA, onde havia preparado
tranquilamente os ataques com um alto nível tecnológico e onde
havia podido actuar, pelo menos por um ano, sem ser detectada pelo FBI.
É certo que Bin Laden nega toda participação nos
atentados, mas conhecem-se suas declarações públicas, que
anunciavam um ataque sem precedentes aos interesses norte-americanos;
também é conhecida sua responsabilidade em actos anteriores de
terrorismo anti-norte-americano, particularmente no bombardeio do World Trade
Center.
Ao regime talibã Bush
apresentou como exigência "inegociável" que entregasse
Bin Laden e todos os terroristas que actuavam no seu país, que
desmantelassem os seus acampamentos e abrissem o país à
autoridades dos EUA, permitindo-lhes verificar se cumprira essas
exigências. "O talibã tem que actuar e actuar imediatamente,
tem que entregar os terroristas ou compartilhar o seu destino".
Posteriormente Bush recusará categoricamente o pedido dos
talibãs, os quais exigiam as provas das suas acusações. A
palavra do império tinha que ser suficiente garantia de verdade para
todos.
O presidente precisou
entretanto que o inimigo são os terroristas e não o mundo
islâmico nem o mundo árabe. "O inimigo dos Estados Unidos
não são nossos muitos amigos muçulmanos, não
são nossos muitos amigos árabes. Nosso inimigo é uma rede
radical de terroristas e todos os governos que a apoiem".
"Respeitamos o povo do Afeganistão mas condenamos o regime
talibã".
Além disso, neste
discurso, Bush evitou a expressão "cruzada", que havia
utilizado antes. Mas não evitou a satanização do inimigo.
Trata-se para ele de assassinos, "herdeiros de todas as ideologias
assassinas do século XX. Ao sacrificar vida humanas para servir suas
visões radicais, ao abandonar todos os valores com
excepção do desejo de poder, seguem o caminho do fascismo, do
nazismo e do totalitarismo. E eles vão a seguir nesse caminho, na
sepultura da história das mentiras descartadas".
Esta frequente
aproximação entre os grupos terroristas e os Estados
totalitários permite a Bush encontrar nas guerras contra o nazismo, o
fascismo e comunismo os antecedentes e a justificação da sua
guerra anti-terrorista.
Mas qual é o motivo de
um comportamento tão abjecto? Bush não se preocupa muito por
aprofundar a questão, apesar da sua importância decisiva. Sua
resposta é muito simples. A motivação dos terroristas,
além da vontade de poder, é o ódio, ódio à
democracia e à liberdade. Eles "odeiam o que vêm aqui nesta
Câmara: um governo democraticamente eleito. Odeiam-nos por nossas
liberdades". Falta na sua análise qualquer tentativa de explorar
as razões deste ódio, atribuído unicamente à
perversão daqueles que o cultivam. Falta qualquer suspeita de que na
génese do ódio os Estados Unidos possam ter alguma
responsabilidade com a sua política, com a sua vontade de
dominação, e muito menos com os seus crimes.
Falta, além disso, nesta
identificação do inimigo, uma definição do
terrorismo. Os EUA reservam-se o direito de decidir quais são no mundo
as organizações terroristas. Não é difícil
prevê que qualquer grupo inconformado com a política
norte-americana e com a globalização neoliberal, qualquer pessoa,
grupo ou organização que se recuse a submeter-se ao pensamento
único poderá ser caracterizado como "terrorista" e
condenado como tal. Os aliados dos EUA nesta guerra, a Rússia ou a
China por exemplo, reivindicarão por sua vez o direito de decidir quem
são, em relação a eles, os terroristas, e de denunciar
como tais povos que lutam pela sua liberdade. Tão pouco
faltarão, na Itália e em outros países ocidentais, aqueles
que denunciarão como terroristas todos os chamados
"no-global", ou seja, os que se rebelam contra a lógica da
globalização neoliberal e estão comprometidos com a busca
de uma alternativa.
Proclamação da guerra santa
Apesar de Bush haver
excluído que os inimigos sejam os muçulmanos e que a guerra seja
uma cruzada, sua declaração de guerra e sua
caracterização ética do inimigo, bando de assassinos
movidos pela inveja e pela vontade de poder, imprime à guerra os
traços de um enfrentamento mundial entre o bem e o mal, que prolonga e
actualiza o do século XX, com o comunismo ateu como reino do mal; um
conflito entre o bem e o mal, entre a civilização e a
barbárie, entre a liberdade e o totalitarismo. Um conflito frente ao
qual todos os povos e todas as pessoas do mundo são chamadas a tomar
partido.
Proclamando além disso
que "Deus não é neutro", Bush afirma solenemente que o
ponto de vista de Deus coincide com o seu, e com o do poder ocidental. Esta
convicção permitirá aos estrategistas da guerra
denominá-la, num primeiro momento, "justiça infinita".
Nesta perspectiva, portanto, o conflito não apenas ético, entre o
bem e o mal, é também religioso, entre Deus e seus inimigos. A
palavra "cruzada" desapareceu, mas a substância do seu sentido
permanece intacta.
Por outro lado, os
talibãs reagirão interpretando a declaração como um
pretexto para destruir o sistema islâmico, e solicitando aos
muçulmanos de todo o mundo que se comprometam na guerra santa. Um alto
dirigente do grupo islâmico Hamas, fazendo-se eco do movimento
talibã, a partir de Gaza instou todos os muçulmanos a unirem-se
contra uma possível represália. Assim a guerra esteve a assumir
os traços de uma cruzada do ocidente capitalista cristão contra o
Islão.
O ponto de vista dos EUA
exprime tipicamente a necessidade que tem o poder opressor de esconder e de
esconder de si próprio a realidade da violência que pratica. A
cegueira do dominador é uma consequência necessária da sua
violência. Por ser o país mais comprometido em
relações de dominação, os EUA são
também um dos mais cegos do mundo. Uma cegueira produzida por sua
ideologia. Esta o impede de tomar consciência da sua responsabilidade na
génese do terrorismo mundial. Impede-o de perceber a ineficácia
e o perigo das ofensivas militares contra o terrorismo. Impede-o de ter a
vontade e a capacidade de entender as motivações do seu inimigo.
Permite-lhe exigir com arrogância que as pessoas tomem partido, com ele
ou com o terrorismo, sem suspeitar que possa existir um ponto de vista
alternativo, ao mesmo tempo, à sua violência criminosa e à
dos terroristas.
O apoio majoritário do
povo norte-americano aos projectos guerreiristas de Bush mostra, entretanto,
que o próprio povo compartilha esta ideologia e esta cegueira. O mesmo
se pode dizer, também, para os aliados incondicionais.
A teologia do destino manifesto, projecto de grandeza imperial dos Estados
Unidos
Para apreender com profundidade
os pressupostos ideais do actual conflito militar, vale a pena evocar a
teologia do destino manifesto do povo norte-americano. Esta teologia,
lançada em 1879 por John Fiske, teve um enorme impacto em todo o
país, possivelmente porque interpretava e ainda interpreta
aspirações profundas da população e alimenta o
orgulho nacional. Ela fundava o projecto de grandeza daquela
nação que nascia. Projecto imperial que ela, não o
esqueçamos, havia herdado da Europa, e directamente da sua mãe
pátria, a Grã Bretanha.
Agora, este projecto tem um
duplo fundamento, económico e ideológico. No terreno
económico, a nova sociedade americana herda a mentalidade mercantil e
empresarial da Grã Bretanha, pátria do capitalismo. Percebe na
expansão externa a condição essencial da prosperidade
interna.
The principle of our institutions is expansion
(o princípio das nossas instituições é a
expansão) proclamava naqueles anos o ministro de assuntos exterior
Everett. A independência conseguida não significava o abandono
daquela tradição, e sim o seu fortalecimento no âmbito do
"nosso nascente império americano" (
our rising american empire).
O expansionismo
económico junta-se a uma visão messiânica da sociedade
nascente, como povo eleito, novo Israel, chamado a instaurar nas terras
conquistas uma nova humanidade e, em perspectiva, a hegemonizar o mundo.
Não penso, naturalmente, que todos os dirigentes norte-americanos
conheçam esta teologia e que nela inspirem as suas grandes
opções. Ela, contudo, exprime claramente a
convicção e o orgulho do povo norte-americano de ser chamado pela
Divina Providência a cumprir na história um destino excepcional.
Sinal evidente desta missão é exactamente, a seus olhos, a
convergência entre a superioridade da força económica,
política e militar do seu país e a superioridade dos valores
ocidentais de liberdade e democracia, que ele representa e que se sente chamado
a defender por todos os meios.
A leitura dos acontecimentos
actuais sob este ponto de vista é a de um povo que vê
ameaçado seu destino manifesto e os valores que tem a missão
histórica de defender. Ele sente portanto não só o
direito como também o deve de reafirmar o seu destino, pondo ao
serviço dos valores ocidentais toda a sua força económica,
política e militar. Os valores ocidentais representam o reino do bem e
os seus inimigos, nas várias épocas, o reino do mal. O conflito
no qual se joga o sentido da história é justamente aquele que
opõe o bem ao mal. O triunfo dos EUA e dos seus aliados ocidentais
é o triunfo do bem. No novo milénio, as forças do bem
continuam a ser representadas pela aliança ocidental hegemonizada pelos
EUA; as forças do mal estão representadas pela rede terrorista
mundial e pelos países que a protegem.
Neste contexto, o imperialismo
económico dos EUA é não só justificado como
também idealizado. Ele prolonga e consolida o ideal cristão que
justificou a conquista e a colonização da América.
Prolonga e consolida a construção daquela
civilização, chamada ocidental cristã, fundada sobre
relações de dominação. Prolonga e consolida a
construção daquela civilização, cuja origem
está marcada por um crime de lesa humanidade, o genocídio
físico, cultural e religioso dos povos indígenas. Prolonga e
consolida a construção daquela civilização
criminosa que pretende hoje impor-se, inclusive pelas armas, como o reino do
bem.
Entretanto, os dirigentes e o
povo dos EUA são orgulhosos da sua história e do seu poder.
Orgulho que a espantosa agressão de que foram vítimas os obriga a
reafirmar. Agora, este orgulho os pressiona a evidenciar unicamente o aspecto
positivo, glorioso, da sua expansão e a esconder aos outros e a si
próprios o preço de sangue e de injustiça que ela custou
às suas vítimas.
A ideologia do destino
manifesto também permite entender o papel que o processo de
globalização neoliberal assume para os EUA. Este processo, que
atribui à liberdade de mercado o papel de lei suprema da economia e da
história, tem origem numa decisão política das grandes
potências ocidentais, a começar pelos EUA de Ronald Reagan e pela
Grã Bretanha de Margaret Thatcher. Apesar de afirmar a supremacia do
mercado financeiro capitalista na organização do mundo, este
processo de facto subordina a economia mundial à política das
grandes potências, particularmente do imperialismo norte-americano. Este
imperialismo apresenta-se como a expressão da modernidade e do
progresso, escondendo o seu carácter injusto e violento por trás
da máscara da ideologia.
A análise do ideal e da
prática imperialista dos Estados Unidos permite compreender as
razões profundas do chamado "antiamericanismo", que o
pensamento único designa com uma série de
qualificações como "emotivo", "preconcebido",
"marxista vetusto", "amanhecido", etc, considerando-o
então carente de qualquer fundamento objectivo, culpável, pelo
contrário, por ignorar a contribuição que os EUA
concederam e concedem à liberdade da Europa, lutando contra o nazismo, o
comunismo e agora contra o terrorismo. A ideia de que este
"antiamericanismo" é na realidade expressão de
"anti-imperialismo" está totalmente ausente do pensamento
único neoliberal, que eliminou da sua análise a categoria de
imperialismo capitalista, reconhecendo só, no passado, a
existência do imperialismo soviético.
Estas premissas preparam-nos
para entender as razões do terrorismo que golpeou os Estados Unidos.
Ele não era pois dirigido apenas contra os símbolos do poder
norte-americano e sim, mais precisamente, contra os símbolos do
imperialismo nas suas dimensões económica, política e
militar.
II- PONTO DE VISTA E PROJECTO HISTÓRICO DO INTEGRALISMO TERRORISTA
ISLÂMICO
[1]
Integralismo religioso e terrorismo
Parece-me útil, por
precisão, distinguir o sentido dos termos "integralismo
religioso" e "terrorismo", para depois evidenciar a
relação entre eles. O integralismo religioso (islâmico,
hebraico, cristão, etc) é um método hermenêutico,
uma doutrina e uma prática. O
método
hermenêutico integralista é uma interpretação do
livro sagrado, rigorosamente aderente à letra do texto, que
rechaça assim as contribuições da ciência e do
espírito crítico. A
doutrina
integralista é a que se considera a única verdade revelada,
chamada então por Deus para converter-se na religião universal da
humanidade. No terreno
prático
, a religião integralista atribui-se a si própria o papel de
norma necessária e exclusiva, com seu sistema de valores, de vida
pessoal e social: questiona portanto a legitimidade quer de uma
organização laica da sociedade quer do pluralismo religioso.
O integralismo atribui portanto
à sua religião o direito-dever de defender-se, de impor-se e de
propagar-se. Entretanto, converte-se em "terrorista" quando este
direito-dever pensa poder exercer-se, por disposição divina,
recorrendo inclusive à violência física e militar, quando
implica também o direito-dever da vingança. Neste sentido,
parece-me, caracteriza-se o integralismo de bin Laden. Contudo, existem sem
dúvida forma de integralismo islâmico não terrorista, assim
como existem hoje (e têm uma posição dominante)
integralismos católicos não terroristas, ainda que o
próprio integralismo católico tenha sido terrorista durante
séculos.
O integralismo terrorista de Bin Laden
Em relação ao
integralismo terrorista de Bin Laden, a condenação foi
unânime, não dos Estados Unidos e dos governos do ocidente, que
aderiram à guerra, como também da parte daqueles sectores que por
toda a parte do mundo questionam a validade da guerra como resposta ao
terrorismo. Só então uma atitude sectária poderá
qualificar a recusa à guerra como conivência com o terrorismo.
Entretanto, é
compreensível a pergunta que os promotores da guerra colocam aos que
questionam sua validade para erradicar o terrorismo: qual é
então a vossa resposta ao terrorismo? O pressuposto da pergunta
é muito claro: para responder com eficácia ao terrorismo
não existem estratégias diferentes da guerra. Por isso, a recusa
à "guerra infinita" converte-se em conivência com o
terrorismo.
Trata-se, de qualquer forma, de
uma pergunta muito exigente, que não podemos evitar e que nos conduz a
desencadear uma ampla busca popular e participativa. Mas esta busca tem que
partir de uma análise profunda do terrorismo islâmico e das suas
razões. Portanto, só entendendo sua natureza e sua génese
poderemos decidir como derrotá-lo. Os dirigentes norte-americanos e
ocidentais até agora não entenderam, parece-me, a
importância desta análise para elaborar uma adequada
estratégia de resposta. Contentaram-se em desqualificar os terroristas,
descrevendo-os como malvados, diabólicos, psicopáticos,
exaltados, loucos, fanáticos, bárbaros, assassinos, como inimigos
da civilização, da liberdade, da democracia, movidos por um
ódio injustificado e irracional contra o ocidente e contra a
modernidade. Esta leitura permite aos ocidentais interpretar sua
reacção como uma guerra defensiva, como uma forma de
legítima defesa; evita-lhes a necessidade de interrogarem-se sobre suas
responsabilidades na génese do terrorismo e sobre o que seria preciso
mudar na sua política para derrotá-lo.
Parece-me necessário, em
alternativa, entender porque esta acção terrorista conta com um
consenso popular tão forte, ainda que minoritário, porque ela
suscita uma mitologização da figura de Bin Laden, porque milhares
de pessoas, no Paquistão por exemplo, mobilizaram-se para lutar ao lado
dos talibãs, porque esta luta pode contar com o sacrifício da
vida de tantas pessoas; porque o próprio Bin Laden abandonou as
comodidades e a segurança oferecidas por uma das famílias mais
ricas do mundo a fim de dedicar-se a um empreendimento tão arriscado e
louco.
Na exploração
destas motivações, os ocidentais têm que reconhecer os
limites do nosso conhecimento do Islão, que se afirmou de repente como
protagonista na cena mundial. As interpretações que vou expor
devem ser entendidas mais como pautas de investigação do que como
explicações; como uma pequena contribuição para
aquela busca participativa que considero essencial desenvolver, e que,
além disso, já está em andamento.
Para entender o ponto de vista
do integralismo islâmico terrorista temos que começar por ouvir os
discursos, as ameaças, os apelos de Bin Laden, sem
desqualificá-los previamente como "delirantes", e
perguntando-nos antes de onde retiram sua eficácia mobilizadora e
exaltante para tantos muçulmanos. Uma coisa deve ficar clara:
esforçar-se por compreender as razões de Bin Laden não
significa de modo algum justificar sua estratégia sanguinária;
além disso, valorizar o ponto de vista de Bin Laden não significa
atribuí-lo ao Islão no seu conjunto, e sim unicamente
àqueles sectores que compartilham a estratégia terrorista.
Penso, pelo contrário, que a colaboração de
muçulmanos não integralista é essencial por um
lado, para isolar os terroristas, por outro para desenvolver aquela busca de
uma civilização multiétnica, multicultural e
multireligiosa, que é a única alternativa autêntica aos
terrorismos.
Para entender o sentido que Bin
Laden e seus partidários atribuem à sua luta e identificar assim
as raízes do terrorismo islâmico temos que partir da sua
análise da política norte-americana em relação ao
Islão e descobrir na rebelião contra esta política a
justificação e até a sacralização do
terrorismo.
A política norte-americana em relação ao Islão:
imperialista e terrorista
Retorsão da acusação de terrorismo contra os Estados Unidos
No centro desta análise
está uma vigorosa retorsão da acusação de
terrorismo contra os Estados Unidos e o seu cúmplice principal, o Estado
de Israel. "Os americanos nos denunciam como terroristas. Mas eles
são os maiores terroristas da história" (p. 93). "Os
cruzados continuam massacrando nossas mães, nossas irmãs e nossas
crianças. Contudo eles, com os seus meios maciços de
comunicação, acusam-nos de terrorismo" (p. 94). "Os
Estados Unidos estabeleceram um novo slogan, chamando 'terroristas' a todo os
que decidiram enfrentar sua injustiça. Querem ocupar nossos
países, roubar nossos recursos, impor-nos autoridades e
orientações políticas não fundamentadas na
revelações de Deus... Se não estamos de acordo, dizem que
somos terroristas" (p. 99). "Para qualquer lado que dirijamos nosso
olhar, vemos os Estados Unidos como líder do terrorismo e dos crimes do
mundo. Os Estados Unidos não consideram um acto de terrorismo
lançar uma bomba atómica sobre países longínquos a
milhares de quilómetros. Tais bombas foram lançadas contra
nações inteiras, incluindo mulheres, crianças e
anciãos, e até hoje, no Japão, restam marcas daquelas
bombas" (p. 99-100).
Terrorismo e imperialismo em relação aos países
islâmicos: Arábia Saudita, Palestina, Iraque, etc.
O terrorismo e o imperialismo
norte-americano que Bin Laden denuncia com particular virulência é
o que golpeia inúmeros países islâmicos. Em
relação a eles, o imperialismo norte-americano representa uma
"intrusão sacrílega" (p. 105). Eles são
vítimas de agressão militar, de exploração e
usurpação económica, de ataques à hegemonia e aos
valores do Islão. Esta reacção não deveria causar
estranheza aos cristãos que recordassem as cruzadas pela
libertação do santo sepulcro das mãos dos infiéis,
o valor espiritual que a igreja reconheceu a estas lutas, a recompensa eterna
que assegurou aos caídos; tão pouco deveriam causar estranheza
aos cristãos conscientes das profundas ambiguidades daquelas
façanhas.
Bin Laden é
particularmente sensível à invasão norte-americana da sua
pátria, terra dos lugares sagrados do Islão. "O governo
americano ofendeu 1,2 mil milhões de muçulmanos ao ocupar o solo
sagrado onde está a Meca dos muçulmanos. Nenhum poder
imperialista no mundo jamais se havia comportado assim" (p. 95-96).
"A última e maior das agressões que os muçulmanos
sofreram desde a morte do Profeta é a ocupação da terra
dos lugares santos, as bases da casa do Islão, o lugar da
revelação, a fonte da mensagem, por parte do exército dos
cruzado americanos e dos seus aliados" (p. 120-121). "Há mais
de sete anos os Estados Unidos ocupam a terra do Islão no mais sagrados
dos lugares, a península arábica, saqueando e dando ordens aos
seus governantes, humilhando o seu povo, aterrorizando os seus vizinhos e
transformando suas bases na península em vanguardas para atacar os povos
islâmicos próximos" (pg. 138). "Aos cruzados não
lhes foi permitido ocupar a terra dos dois lugares sagrados... Nossa terra foi
enchida de bases militares dos Estados Unidos e dos seus aliados. Ao
invés de motivar o exército, o pessoal de guarda e de
segurança a oporem-se aos ocupantes, o regime utilizou estes homens para
proteger os invasores, aumentando assim a humilhação e a
traição" (p. 129). "Os cidadãos conhecem a
verdade, ou seja, que o nosso país converteu-se numa colónia
norte-americana e decidiram escorraçar os americanos da terra santa...
Eles sabem que o nosso país é o maior produtor de petróleo
do mundo... e que a ocupação do solo saudita tem como
único objectivo subtrair riqueza do povo em benefício dos
americanos" (p. 105-106). "Ao actuar assim, os americanos provocaram
a imensa cólera do povo saudita" (p. 105).
Da denúncia da
ocupação norte-americana não se pode separar, segundo Bin
Laden, a condenação do próprio regime saudita, culpado de
haver acolhido as tropas ocupantes: "O regime saudita, cometendo o
imperdoável error de acolher as tropas militares americanas, manifestou
toda a sua duplicidade. Concedeu apoio às nações que
lutam contra os muçulmanos" (p. 105). Este comportamento provoca a
excomunhão do regime: "Ao ser leal ao regime norte-americano, o
regime saudita cometeu um acto contra o Islão. E isto, com base na
jurisprudência islâmica, a
sharia
, põe o regime fora da comunidade religiosa" (p. 106).
"É evidente que
não existe nenhum dever mais importante que o de lançar o inimigo
americano fora da terra santa... Não há outro dever, depois da
fé, senão lutar contra o inimigo que está a corromper a
vida e a religião... Se não há outra maneira de
rechaçar o inimigo senão a mobilização colectiva de
todos os muçulmanos, então os muçulmanos têm o dever
de ignorar as diferenças insignificantes que existem entres eles"
(pg. 126, 133).
Outro lugar particularmente
sensível da agressão imperialista norte-americana, perpetrada com
a cumplicidade de Israel, é a Palestina. "O fim dos americanos,
religioso e económico, nestas guerras, é também servir os
interesses do Estado hebreu e de distrair a atenção da sua
ocupação de Jerusalém e do extermínio dos
árabes da Palestina". "Vossa atitude para com os
muçulmanos da Palestina é vergonhosa... Nos massacres de Sabra e
Chatila, hebreus e americanos destruíram as casas sobre as
cabeças das crianças. O único meio que temos para
defender-nos destes assaltos é utilizar o mesmos métodos"
(p. 90).
[2]
Os americanos acusam nossas crianças na Palestina de serem
terroristas... Em contrapartida, defendem um país, os dos judeus, que
com seus aviões e seus barcos, destruem o futuro destas
crianças" (p. 95). "Se umas pobres crianças
palestinas, cujo país foi ocupado, lançam pedras contra as tropas
de Israel, diz-se que são terroristas. Em troca, quando os pilotos
israelenses bombardearam os edifícios das Nações Unidas em
Qana, no Líbano, que estavam cheios de mulheres e crianças, os
Estados Unidos boicotaram qualquer documento que implicasse uma
condenação de Israel" (p. 99). "A inimizade entre
nós e os judeus é muito antiga no tempo e tem raízes muito
profundas. Não há dúvida que uma guerra entre eles e
nós é inevitável... O dia do juízo não
virá enquanto os muçulmanos não tiverem derrotado os
judeus e os judeus esconder-se-ão por trás das árvores e
das pedras, e as árvores e as pedras falarão e dirão:
'muçulmano, há um judeu por trás de mim, vem e
mata-o". Estamos certos do nosso triunfo" (p. 110-111).
Outra vítimas do
imperialismo e do terrorismo norte-americano, a que bin Laden se refere com
frequência, é o Iraque. "Os americanos golpeiam os mais
débeis, as crianças e as mulheres... Estou verificou-se, por
exemplo, com as 600 mil crianças iraquianas, que morreram por falta de
comida e de medicamentos, provocada pelas sanções e o boicote
norte-americano" (p. 95). "O Iraque foi violentamente bombardeado, o
povo foi esmagado e os media tentam distrair a atenção
concentrando-se em alguns aspectos da conduta de Sadam Hussein, enquanto
milhares de iraquianos morrem todos os dias" (p. 107). Apesar da grande
devastação infligida ao povo iraquiano pela aliança
cruzado-sionista, e apesar do enorme número de pessoas mortas, que
ultrapassou o milhão, apesar de tudo isto, os americanos estão a
tentar mais uma vez repetir os seus horríveis massacres, como se
não fosse suficiente o extensíssimo embargo imposto depois
daquela guerra feroz. Vêm para aniquilar o que resta daquele povo e para
humilhar os seus vizinhos muçulmanos" (p. 138-139).
Ofensiva contra o conjunto do mundo islâmico
Entretanto, em termos mais
gerais, o objectivo da "aliança judaico-cruzada" é uma
"feroz ofensiva contra o mundo islâmico no seu conjunto" (p.
107). Como fundamento de uma afirmação tão grave, Bin
Laden cita, além dos países que recordámos, o
Paquistão, o Afeganistão, o Irão, a Síria, o
Líbano, a Jordânia, o Egipto, o Sudão, a Somália, a
Bósnia, a Chechenia, o Tadjiquistão, etc (p. 91, 107-109). Numa
palavra "a aliança judaico-cruzada está em guerra contra
Deus, contra seu mensageiro e contra todos o muçulmanos" (p. 139).
Bin Laden considera o conjunto
dos muçulmanos como uma "grande nação" de 1,2
mil milhões de pessoas. Portanto, ao agredir um país
islâmico os Estados Unidos estão a agredir toda a
"nação". Cada acto de agressão contra qualquer
destas terras impõe a cada muçulmano o dever de enviar um
número suficiente dos seus filhos para lutar contra aquela
agressão" (p. 91). "Cada ataque contra o Afeganistão
não será um ataque contra um indivíduo... Nem contra o
mullah Mohammed Omar nem contra Osama bin Laden. O facto é que o
Afeganistão, que levantou a bandeira do Islão e procurou aplicar
a
sharia
do Islão, por isso mesmo converteu-se num objectivo da aliança
judaico-cruzada. Nós sabemos que o Afeganistão será
bombardeado (ainda que os infiéis digam que o fazem pela presença
de Osama Bin Laden) por ser nação islâmica, porque é
o único Estado que nesta época procura aplicar a lei do
Islão: por isso, todos os muçulmanos teriam que apoiar o
Afeganistão" (p. 114-115). "A América cometerá
um grande erro se pensar que Osama Bin Laden pode lutar só contra um
país tão grande. Mas Osama Bin Laden tem confiança em que
pela graça de Deus, que seja louvado e glorificado, a
nação islâmica cumprirá com este dever. Tenho
confiança em que esta nação de 1,2 mil milhões de
muçulmanos será capaz, com a ajuda de Deus, de por fim à
lenda da chamada superpotência da América" (p. 113).
São estas incessantes
agressões perpetradas pelo imperialismo norte-americano e judeu,
não a liberdade e a democracia, que, segundo Bin Laden, engendram nos
muçulmanos o ressentimento e o ódio e portanto a explosão
do terrorismo. "As hostilidade que a América continua a mostrar
contra os muçulmanos teve como reacção um ódio
crescente contra a América e contra o Ocidente" (p. 101-102).
"Se o governo americano é sério quando fala em parar os
atentados, então que deixe de provocar os sentimentos de 1,2 mil
milhões de muçulmanos" (p. 102). Esta reacção
não se pode caracterizar simplesmente como "antiamericanismo"
e sim como anti-imperialismo, e mais precisamente como anti-imperialismo
islâmico.
A
jihad
,
guerra de libertação e de afirmação do Islão
A
jihad
, terrorismo legítimo e necessário
Para Bin Laden, a
denúncia do imperialismo norte-americano e da sua agressão
política, militar, económica e religiosa contra o Islão
fundamenta a justificação das suas acções, mais do
que a exaltação da reacção terrorista contra ele.
"O terrorismo pode ser louvável ou reprovável. Aterrorizar
uma pessoa inocente é discutível e injusto... Mas aterrorizar os
criminosos e os ladrões é necessário para a
salvação das pessoas e para a segurança dos seus bens...
Cada Estado e cada civilização tem que recorrer ao terrorismo em
certas circunstâncias, para abolir a tirania e a corrupção.
O terrorismo que nós praticamos é do tipo mais louvável,
porque é dirigido contra os tiranos e os agressores, contra os inimigos
de Alá e contra aqueles que executam actos de traição
contra os seus próprios países, a sua fé, o seu profeta e
a sua nação. Aterrorizar estas pessoas é legítimo
e necessário... Levam nossas riqueza, nossos recursos e nosso
petróleo. Nossa religião é atacada. Matam e massacram
nossos irmãos. Comprometem nossa honra e nossa dignidade, e se nos
atrevemos a dizer uma só palavra de protesto contra o agressor
chamam-nos terroristas" (p. 98). "Se libertar o meu país
leva-me a ser denunciado como terrorista, é uma grande honra para mim
sê-lo" (p. 101). "Se a instigação à
jihad
contra os judeus e os americanos, para libertar a mesquita de Al Asa e a santa
Ka'ba, se considera um crime, a história testemunhará que sou um
criminoso" (p. 101).
A
jihad,
dever religioso fundamental
Esta violência, que se
caracteriza como defensiva e libertadora, não é apenas
justificada, é também um dever religioso fundamental. Sua
expressão mais completa é a
jihad
ou guerra santa. "Nosso apelo a cada muçulmano para que participe
na jihad contra Israel e contra a América definimo-lo como um dever
religioso. No Corão, nosso grande Alá animou-nos muitas vezes a
lutar por ele... Prometemos a Alá continuar na luta enquanto tivermos
sangue em nossas veias ou um olho que continue a ver" (p. 91-92). Sermos
chamados de inimigo número um ou número dois não nos
preocupa. O que nos interessa é agradar a Deus, que Ele seja louvado e
glorificado, fazendo a
jihad
por sua causa e libertando os lugares sagrados do Islão" (p. 100).
"Não existe nenhum dever mais importante que o de rechaçar
o inimigo americano para fora da terra santa... Não há outro
dever, depois da fé, senão o de lutar contra o inimigo que
está a corromper a vida e a religião" (p. 126). A
jihad
faz parte da nossa religião e nenhum muçulmano pode dizer que
não quer fazer a
jihad
pela causa de Deus... Estes são dogmas de nossa religião, e
nós perguntamos: 'existe outra maneira de rechaçar os
infiéis?' (p. 92).
A justificação e
sacralização da jihad fundamenta-se então, por um lado no
facto de que ela reage à "intrusão sacrílega" do
imperialismo nos países islâmicos e particularmente à
ocupação dos lugares santos. E, pelo outro lado, fundamenta-se
nos objectivos que ela persegue, ou seja, a libertação destes
países e destes lugares, a restauração do Estado
islâmico e a afirmação mundial do Islão, chamado a
converter-se em religião universal.
"Nosso apelo ao
Islão foi revelado por Maomé. É um apelo dirigido a todo
o género humano. Fomos encarregados de seguir as pegadas do mensageiro
e de levar sua mensagem a todas as nações, de abraçar o
Islão, a religião que invoca a justiça, a solidariedade e
a fraternidade entre as nações. Fomos encarregados de difundir
esta mensagem a toda gente. Ao mesmo tempo lutamos contra os governos e as
pessoas que aprovam a injustiça contra nós. Lutamos contra
aqueles governo que atacam nossa religião e que roubam nossas riquezas,
ferindo nosso coração. E lutamos da mesma maneira e com os
mesmos meios que eles usam contra nós" (p. 89-90). Como
cristãos, teremos a honradez de reconhecer muitas afinidades entre estas
colocações e aquelas que por séculos marcaram a nossa
história.
A
jihad
, guerra contra o imperialismo com os seus mesmos métodos
É particularmente
significativo, parece-me, o reconhecimento da afinidade que esta guerra
anti-imperialista declara com os modos e meios do imperialismo contra o qual
luta. Ela reconhece que evoluciona na mesma lógica do seu inimigo, a do
direito do mais forte, reconhece portanto que não representa uma
ética política nem uma civilização alternativa em
relação a ele. "Nos massacres de Sabra e Chatila, judeus e
americanos destruíram as casas sobre as cabeças das
crianças. E o único meio que temos para defender-nos destes
assaltos é o de utilizar os mesmos métodos" (p. 90).
Tal como o terrorismo
imperialista, o terrorismo islâmico de Bin Laden justifica também
a matança de inocentes, se esta for necessária para golpear o
inimigo; "Suponhamos que os americanos tenham atacado uma
nação islâmica e roubado meus filhos, os filhos de Osama
Bin Laden, para usá-los como escudos, e a seguir tenham começado
a matar muçulmanos, como o fizeram no Líbano, na Palestina e no
Iraque, ou como quando ajudaram os sérvios a massacrar muçulmanos
na Bósnia. Segundo a lei islâmica, se renunciarmos a golpear os
americanos para não matar os muçulmanos utilizados como escudos,
causamos um mal maior a todos os muçulmanos que são atacados, mal
que ultrapassa amplamente o bem de salvar o que estão a ser usados como
escudos. Isto significa que em casos como este, quando se torna claro que
é impossível expulsar os americanos sem atacá-los,
causando inclusive a morte de muçulmanos, a lei do Islão
impõe atacar" (p. 112).
Tal como o imperialismo que
combate, Bin Laden afirma a legitimidade de todas as armas, como as armas
químicas e atómicas por exemplo. Questionado acerca da sua
intenção de usar armas químicas, A pergunta implica
que eu possua usar armas químicas e pretende saber como a usaremos.
Respondo que conseguir armas químicas (que possam se contrapor às
que possuem os infiéis), para a defesa dos muçulmanos, é
um dever que nos impõe a religião. Se eu tivesse estas armas
seria por ter cumprido com esse dever, e agradeceria a Deus por me terem sido
concedidas... Seria um pecado para os muçulmanos não tentar
conseguir as armas que impedissem os infiéis de prejudicar os
muçulmanos. Mas como poderíamos usar estas armas, se as
possuíssemos, é problema nosso (p. 114).
Creio que os cristãos,
antes de qualificar estes discursos como delirantes teríamos
que reflectir sobre a afinidade que a
jihad
apresenta com as cruzadas organizadas para libertar os lugares sagrados;
teríamos que reflectir sobre a afinidade entre a
jihad
e as guerras de conquista, benditas pela igreja como instrumentos de
evangelização e de instauração da cristandade;
teríamos que reflectir sobre nossa mobilização contra o
Islão e mais recentemente contra o comunismo ateu e as guerras que
justificaram.
O ponto de vista do oprimido-opressor
Querendo agora caracterizar o
ponto de vista do fundamentalismo islâmico à Bin Laden, eu o
definiria como o do oprimido-opressor: ou seja, do oprimido que se rebela
contra a sua própria opressão, mas não contra a
opressão em geral; que não questiona os valores do opressor como
tais e portanto não emerge como sujeito alternativo e, sim, reproduz
aqueles valores em sua rebelião e em sua prática. Concretamente,
o oprimido-opressor não rechaça aquele direito do mais forte, que
inspira o opressor. Aceita o terreno sobre o qual este se move e tenta
converter-se por sua vez no mais forte. Com este objectivo, orienta seus
esforços no sentido de destruir a força do opressor, praticando
os mesmos métodos que denuncia no opressor. Sua pretensão de
impor com a violência a toda a sociedade, particularmente às
mulheres, a lei do Islão em sua versão integralista aproxima este
regime dos mais opressivos e repressivos regimes ocidentais.
III- COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS PROJECTOS HISTÓRICOS E OS
DOIS TERRORISMOS
Comparando agora, do ponto de
vista dos oprimidos e das oprimidas os dois projectos históricos que
tentei caracterizar, impressionam-me em sua relação dois aspectos
que pareceriam contrastantes. Por um lado, os dois projectos são
radicalmente opostos entre si, por outro profundamente afins. A
contraposição entre os dois projectos é previsível,
uma vez que eles inspiram os dois campos inimigos nesta guerra. Em troca,
é surpreendente e desconcertante a profunda afinidade entre os dois
inimigos mortais; e, vamos chamá-los pelos seus nomes, entre os dois
terrorismos opostos. Esta constatação parece-me central na
análise e determinante no descobrimento da alternativa.
Dois projectos em contraste radical
Na perspectiva de Bin Laden os
agressores convertem-se em vítimas e as vítimas em agressores:
os terroristas já não são os islâmicos e sim os
norte-americanos; defensores da liberdade duradoura e da
justiça infinita já não são os
ocidentais e sim os muçulmanos mobilizados; heróis e
mártires da guerra já não são os soldados
ocidentais e os bombeiros de Nova York e sim os jovens muçulmanos que
sacrificam sua vida pela causa, particularmente os que se comprometem em
ataques suicidas; os valores ético-políticos destinados a
afirmar-se a nível mundial já não são os ocidentais
cristãos e sim os islâmicos; à coalizão
internacional convocada pelos Estados Unidos e construída em torno do
ocidente contrapõe-se a comunidade dos Estados islâmicos fieis
à sua religião; a condenação já não
golpeia os Estados que hospedam terroristas e sim aqueles países
islâmicos que se vendem aos Estados Unidos, que hospedam as suas tropas,
que lutam ao seu lado contra outros países islâmicos, que portanto
traem sua religião, o reino do bem converte-se no reino do mal e
vice-versa; o mesmo Deus muda de campo, passando do ocidente para o
Islão; são os muçulmanos e não os norte-americanos
aqueles que proclamam que nesta guerra Deus não é neutro, que
Deus está connosco.
Dois projectos com profundas afinidades
Por outro lado, encontram-se
nos dois enfoques profundas e impressionantes afinidades. Uns e outros
consideram-se agredidos e portanto vítimas; uns e outros consideram-se
comprometidos na luta contra o terrorismo; uns e outros demonizam o seu
inimigo, denunciam-no como terrorista, assassino, inclusive como
satânico: uns e outros consideram-se defensores da liberdade e da
justiça contra os agressores; consideram-se a expressão do reino
do bem, em guerra contra o reino do mal; uns e outros pensam que o ataque
desencadeado contra um membro da sua aliança tem que ser percebido por
cada um como dirigido contra ele próprio e provocar, em
consequência, sua reacção militar; uns e outros pensam que
estão a conduzir uma guerra justa e mesmo santa; uns e outros
perseguem, por vontade Deus, um projecto imperialista, ou seja, a
instauração de uma ordem mundial hegemonizado pelos seus valores,
religiosos ou laicos; uns e outros pensam que o seu destino manifesto, de
hegemonizar o mundo, tem que prevalecer sobre o direito de cada povo à
autodeterminação; uns e outros pensam que o seu objectivo, a
afirmação no mundo dos seus valores, justifica todos os meios;
consideram portanto que é justo sacrificar à causa também
a vida de muitíssimos inocentes, incluindo mulheres e crianças.
Tanto uns como outros colocam todos os países do mundo frente a este
dilema: ou connosco ou contra nós, não há alternativa.
Numa palavra, existe um pensamento único fundado no direito do mais
forte, que associa o projecto histórico ocidental e o integralismo
islâmico terrorista.
Entre os dois projectos imperiais será inevitável a tomada de
partido?
No solene discurso de
declaração de guerra, Bush, como assinalámos, dirigiu
à comunidade internacional uma advertência drástica: nesta
guerra não é possível neutralidade, nem para os homens,
nem para os povos, nem para Deus: ou connosco ou com os terroristas, ou com a
civilização ou com a barbárie.
Problema: Será evidente
que entre o ponto de vista do poder americano e ocidental e o do terrorismo
islâmico não existe alternativa? Será evidente que entre o
ponto de vista do poder americano e ocidental não existe outra
alternativa senão a militar? Que condenar a guerra significa reduzir-se
à impotência ou inclusive converter-se em cúmplice do
terrorismo?
A análise que temos
desenvolvido do ponto de vista dos oprimidos e da oprimidas como sujeitos
levou-nos a uma conclusão desconcertante: ou seja, que o contraste
entre estes dois inimigos mortais e entre seus projectos históricos
não é tão profundo: trata-se pois, em última
análise, do enfrentamento entre dois imperialismos terroristas.
Mas quero avançar um
pouco mais, assumindo o risco de ser julgado extremista e sectário:
trata-se de dois imperialismo objectivamente criminosos. Digo bem
objectivamente: não quero negar a boa fé subjectiva
de uns e de outros, convencido de que seu triunfo militar significa a
afirmação de grandes valores: dos valores ocidentais de
liberdade e democracia para uns, de autentica religiosidade para outros.
Contudo, para uns e para outros, a boa fé subjectiva significa
incapacidade de perceber o carácter criminoso das suas façanhas
sangrentas, das quais, pelo contrário, orgulham-se; incapacidade
inerente ao ponto de vista dos opressores, pois precisa esconder dos outros e
esconder de si próprios o carácter injusto e criminoso das suas
acções; pois precisa assim construir uma imagem revertida da
realidade, na qual as vítimas convertem-se em verdugos e os verdugos em
vítimas. Uma afinidade fundamental entre as duas ideologias de
dominação é portanto a sua capacidade de cegar.
Assim, antes de exercer a sua
carga destrutiva sobre o inimigo, a opção violenta é
exercida sobre aqueles que a professam, envenenando e cegando sua
inteligência. Esta ideologia é o veneno mais mortífero que
infecta a humanidade, pois priva grandes massas da sua autonomia intelectual e
moral, da capacidade de descobrir a injustiça escondida no sistema
económico e político e de indignar-se contra ela.
O ponto de vista dos oprimidos e das oprimidas como sujeitos alternativos
Se os dois projectos
históricos que se enfrentam são imperialistas e terroristas,
não é nada evidente que a tomada de partido entre eles seja
iniludível; pelo contrário, é iniludível, do ponto
de vista dos oprimidos e das oprimidas, a necessidade de recusar ambos.
Recusá-los, mas em nome de quem? de que estratégia? de que
projecto histórico?
Ao ponto de vista dos
opressores dos dois campos estamos a contrapor exactamente o ponto de vista dos
oprimidos e das oprimidas, que emergem em todo o mundo para a consciência
e para a dignidade de sujeitos antagónicos e alternativos. Ponto de
vista que descobrimos na dinâmica dos movimentos populares
conscientizados e mobilizados: dos indígenas, dos negros, dos
camponeses, das mulheres, dos jovens, dos diminuídos, etc; de todos os
sectores que se rebelam contra a globalização neoliberal e lutam
por uma alternativa de civilização. Ponto de vista que foi nossa
bússola na análise e tem que continuar a sê-lo na
elaboração da estratégia. Ponto de vista que funda uma
cultura alternativa à dos dois imperialismos e ao seu pensamento
único: uma cultura então da não violência
libertadora; de uma não violência entendida no seu sentido
positivo e criativo, capaz portanto de descobrir e valorizar os recursos
intelectuais, morais e políticos dos oprimidos e das oprimidas.
Apesar de não dispor
neste momento de inquéritos internacionais sobre o tema, penso que este
ponto de vista é amplamente compartilhado pelas grandes maiorias do
terceiro mundo, mesmo que elas o exprimam timidamente e não consigam
influenciar as decisões políticas dos seus países. Um
papel primário dos intelectuais e dos educadores próximos ao povo
é exactamente valorizar esta tomada de partido intuitiva e o seu
potencial mobilizador.
Porque se os opressores, como
assinalámos com insistência, necessitam ocultar aos outros e
ocultar a si próprios a violência que praticam e portanto
encontram na mentira uma aliada indispensável, os oprimidos e as
oprimidas, em troca, têm interesse em desmascará-la e encontram na
verdade uma aliada indispensável. Porque a rectidão das suas
opções práticas neles provoca uma co-naturalidade com a
verdade que leva a descobri-la.
Assim, a opção
fundamental que nos impõe a situação de guerra não
é, como pretende Bush, entre dois projectos contrapostos, o ocidental e
o terrorista, e sim entre o ponto de vista dos opressores de todas as cores por
um lado e o ponto de vista dos oprimidos e das oprimidas pelo outro. A tomada
de partido paradoxal, na qual me inspiro e que estou a propor, é esta:
temos de proclamar contra ventos e marés a superioridade não
apenas ética como também intelectual do ponto de vista dos
oprimidos e das oprimidas como sujeitos em relação ao ponto de
vista dos mais fortes, dos imperialistas do ocidente e do oriente. É
esta tomada de partido, parece-me, o ponto de partida e o fundamento de
qualquer alternativa ao neoliberalismo e aos terrorismos.
Mobilizações contra o neoliberalismo e contra os terrorismos
Mas onde se exprime
concretamente este ponto de vista? As mobilizações que por toda
a parte do mundo rebelam-se contra a guerra representam, parece-me, uma
resposta decisiva. Tomaram maciçamente partido contra a guerra aquelas
forças que há vários anos questionam não
propriamente a globalização, como se repete demasiado
frequentemente, e sim a globalização na sua versão
mortífera, a neoliberal.
Parece-me particularmente
significativa esta convergência entre os movimentos que recusam e
neoliberalismo e os que recusam a resposta terrorista ao terrorismo. Esta
convergência implica uma convicção: entre a lógica
que inspira a globalização neoliberal e a que inspira a guerra
existe uma profunda coerência. Nos dois terrenos está em vigor o
direito do mais forte. A globalização neoliberal é um
processo de organização do mundo, particularmente da economia, ao
serviço dos mais fortes. Ela própria é uma guerra de
colonização (económica, política, cultural, etc)
que representa a passagem da conquista da América para a conquista do
mundo. Para favorecer a concentração da riqueza e do poder em
poucas mãos, ela condena grandes massas à miséria,
à marginalização e à morte. Para defender a
desordem estabelecida contra os protestos populares, ela não vacila em
desencadear a violência sangrenta das chamadas forças da ordem.
Numa palavra, a globalização neoliberal é uma
organização imperialista e terrorista do mundo. Que provoca,
antes ou depois, a reacção terrorista de muitas de suas
vítimas.
Esta convergência
manifesta todo o seu alcance quando se compara a interpretação do
terrorismo vinculado ao impacto do neoliberalismo com uma leitura que o
caracteriza, em termos mais gerais, como rebelião contra a pobreza, a
desigualdade e a injustiça. Leitura formulada surpreendentemente por
James Wolfensohn, presidente do Banco Mundial: É difícil
dizer quando a guerra será ganha... A guerra não será
ganha enquanto não enfrentarmos o problema da pobreza e portanto das
origens do descontentamento. Não só no Afeganistão como
nas regiões próximas, em muitos outros países. Esta
guerra apresenta-se com a cara de Bin Laden, do terrorismo da Al Qaeda, das
ruínas do World Trade Center e do Pentágono, mas trata-se apenas
de sintomas. Ganhar a guerra significa tratar das raízes deste
protesto, a pobreza e a desigualdade. Não entender isto significa
fechar os olhos à origens do rancor dos pobre em relação
ao Norte do mundo (Entrevista a Mauricio Molinari,
La Stampa
, 7 de Dezembro de 2001).
Esta
interpretação sugere uma resposta ao terrorismo que, por um lado,
está próxima da nossa e, por outro, é radicalmente oposta.
É próxima da nossa porque afirma a necessidade de combater o
terrorismo erradicando suas causas, em primeiro lugar a pobreza mundial. Mas
é radicalmente oposta à nossa porque considera que a luta contra
a pobreza combate-se aplicando mais rigorosamente a lógica neoliberal,
abrindo e dinamizando os mercados e privatizando a economia; ao passo que
nossa busca da alternativa implica o questionamento radical da lógica
neoliberal e uma inversão da tendência histórica.
Numa palavra: é
evidente para nós que a recusa da guerra e a recusa da lógica
neoliberal nascem das mesmas convicções. E que a busca de uma
alternativa à guerra converge com a busca de uma alternativa ao
neoliberalismo. Gostaria de assinalar aqui algumas pistas para esta dupla
busca.
Algumas pistas de busca
1) A guerra actual não começou a 11 de Setembro. É preciso
buscar as suas origens muito mais profundamente no projecto e na prática
imperialista do Ocidente e particularmente dos Estados Unidos: projecto e
prática imperialista que caracteriza a civilização
ocidental dita cristã e que pretende contrapor-se à
barbárie islâmica.
Evoquemos alguns momentos
particularmente significativos deste projecto e desta prática:
- A conquista e a
colonização da América, realização do
projecto colonial europeu. Ela marca a génese e a
caracterização da civilização ocidental
cristã e do sistema capitalista com aquele tremendo empreendimento
terrorista que foi o genocídio dos povos indígenas.
- O projecto e a prática
imperial que marcou e marca, com numerosíssimas
intervenções terroristas, a política internacional dos
Estados Unidos e a afirmação do capitalismo no mundo.
- Mais proximamente o projecto
e a prática imperial do ocidente traduzida no processo de
globalização neoliberal, instauração de uma
economia mundial fundada no direito do mais forte e portanto numa forma de
terrorismo económico e político.
-A decisão do ocidente
de reagir ao terrorismo islâmico com o terrorismo intercontinental torna
mais evidente ainda a interpenetração entre violência
económica e política e violência militar.
Assim, as
declarações repetidas por toda a parte, de que depois do 11 de
Setembro nada será como dantes, têm de ser corrigidas e
integradas. Os acontecimentos do 11 de Setembro e os que se seguem não
podem ser entendidos em profundidade se não forem interpretados à
luz do passado do Ocidente, do Islão e das relações entre
ambos.
2) O integralismo islâmico
é uma reacção ao projecto e à prática
imperialista e terrorista do Ocidente, e particularmente dos Estados Unidos;
na sua origem está a imensa cólera e a profunda
humilhação provocada por estas agressões. Por outro lado
é uma tentativa de reproduzir e prolongar aquele projecto.
3) Se isto é assim, uma
resposta adequada do Ocidente ao terrorismo islâmico e a outros
terrorismos não pode consistir numa reafirmação orgulhosa
dos valores que pretendemos defender. Ela implica o reconhecimento leal dos
crimes que marcaram nossa civilização, da dívida
histórica que temos com nossas vítimas, particularmente do mundo
árabe e islâmico. É evidente além disso que ao
desencadear novas guerras contra os países islâmicos não se
erradica o terrorismo e sim que se o alimenta e estende tragicamente.
Em consequência, a
resposta da Europa ao terrorismo não pode consistir numa política
de subordinação aos Estados Unidos e de cumplicidade com seus
projectos imperialistas, e sim numa política autónoma e
alternativa. É evidente, entretanto, que a Europa não
terá nunca uma política internacional autónoma se
não conseguir superar sua condição de mercado
comum e sua fragmentação política: enquanto
não alcançar este objectivo a partir de dentro, a única
base da sua unidade será a submissão aos Estados Unidos.
Elaborar uma política
autónoma e alternativa suporia, da parte da Europa, uma
recolocação autocrítica do seu projecto imperialista, a
denúncia dos crimes que mancharam a sua história e marcaram sua
civilização, o reconhecimento da sua dívida
histórica com os países do Terceiro Mundo, particularmente com os
países árabes e o compromisso de pagá-la, tomando partido
ao lado destes povos no seu processo de libertação.
4) Uma resposta válida ao
terrorismo islâmico e aos outros terrorismo anti-ocidentais só
pode consistir no extirpar das suas raízes, ou seja, do projecto e da
prática imperialista e em estabelecer as bases de uma
civilização alternativa... Paradoxalmente, assim, a resposta
válida ao terrorismo anti-ocidental está a ser oferecida pelos
movimentos comprometidos na elaboração da alternativa à
globalização neoliberal, movimentos que o pode ocidental
desqualifica como terroristas e que reprime violentamente. Dentre estes
movimentos, representam uma resposta mais directa ao terrorismo anti-ocidental
aqueles que optam claramente e criativamente por uma estratégia
não violenta.
5) No que se refere à
Itália, se ser um país normal significa
comprometer-se sem vacilação no caminho da guerra e colocar-nos
na primeira fila entre os senhores da guerra, é muito melhor renunciar a
ser um país normal e questionar abertamente esta
concepção da normalidade. Construir uma
civilização alternativa significa também construir uma
nova normalidade.
6)A resposta ao terrorismo
anti-imperialista que estamos a delinear é evidentemente um projecto de
longo prazo, destinado a marcar toda uma época histórica.
Além disso, já o sabemos, um projecto de longo prazo é
também aquele que foi lançado por Bush para derrotar militarmente
os terrorista de todo o mundo. Entretanto, o poder ocidental e o movimento
popular necessitam muito tempo por razões muito diferentes: o poder
americano e ocidental necessita anos para destruir, o movimento popular deles
necessita para construir.
7)Uma
contribuição importante para a autocrítica do Ocidente tem
que ser oferecida também pelo cristianismo. O papa convidou
cristãos e muçulmanos para o encontro de Assis de 24 de Janeiro
de 2002 a fim de proclamar, diz textualmente, que a religião
não tem jamais de converter-se em motivo de conflito. Parece-me,
contudo, que para esta declaração de intenção ser
crível tem começar por reconhecer que na realidade
histórica verificou-se e verifica-se exactamente o contrário.
Pelo seu lado, o cristianismo
justificou e sacralizou muitíssimas guerras, particularmente as cruzadas
e as conquistas; nestas guerras aplicou o princípio inspirador do pacto
com o império romano, segundo o qual a defesa e a difusão da
mensagem cristã podem e deve contar com a forças das armas e dos
exército; ou, como diríamos hoje, com a força do
terrorismo. Além disso nestas guerras o cristianismo identificou-se
plenamente com o Ocidente e sua civilização, tomando partido
contra seus inimigos, dentre eles em primeiro lugar os povos islâmicos.
Em particular, as cruzadas para
a libertação dos lugares sagrados implicavam guerras sangrentas
contra os infiéis e legitimavam a libertação desses
lugares a conquista das suas terras. Estas cruzadas contribuíram, sem
dúvida, para provocar, como reacção igual e
contrária, a
jihad
islâmica. Como nos surpreendermos, então, se dentre os
objectivos possíveis do terrorismo islâmico menciona-se a
basílica de São Pedro?
8)A construção da
paz também implica, indubitavelmente, um profundo processo
autocrítico por parte do integralismo islâmico. Mas a maneira
mais eficaz de despertá-lo não é uma crítica
formulada do ponto de vista ocidental e cristão. É a nossa
própria autocrítica, como ocidentais e como cristãos, que
pode criar esse clima de honradez e de sinceridade recíproca que
possibilita o diálogo e a autocrítica. Para suscitar a
crítica será decisiva a contribuição das mulheres
islâmicas conscientizadas e do movimento internacional de mulheres que
está a tomar partido ao seu lado.
CONCLUSÃO NÃO CONCLUSIVA: POR UMA INSURREIÇÃO DA
CONSCIÊNCIA MUNDIAL CONTRA OS TERRORISMOS
A tarefa prioritária que
nos impõe hoje o ponto de vista dos oprimidos e das oprimidas como
sujeitos alternativos é a de quebrar, através de um amplo
processo de educação popular libertadora, a dependência
intelectual e moral maciça que explica o consenso à ideologia
dominante nos terrenos decisivos da globalização e da guerra. Do
que se trata então é de reverter a tendência
histórica, fortalecendo militantemente a insurreição e a
rebelião da consciência popular que já está a
sacudir o mundo e a corroer o consenso ao terrorismo ocidental. Esta
insurreição, com a opção fundamental que implica,
é o ponto de partida necessário e a fonte de
inspiração de qualquer projecto de alternativa.
Com efeito, o ataque terrorista
do 11 de Setembro constitui para toda a humanidade um terrível sinal de
alerta, que uns e outros estão a interpretar de modos diferentes e
opostos. O poder norte-americano e ocidental encontra-se em estado de alerta
máximo com a ameaça do terrorismo contra a ordem mundial que o
hegemoniza e contra as populações dos seus países. Quanto
aos movimentos alternativos, o terrorismo obriga-os em primeiro lugar a tomar
consciência de forma mais aguda das ameaças de morte que pendem
sobre grande parte da humanidade e que sobre a própria mãe terra
pende não tanto o terrorismo anti-ocidental quanto o próprio
terrorismo ocidental, desencadeado pela economia e pela política
neoliberal.
Além disso, a
insurreição da consciência popular tem como objecto
não só ameaças de morte como também potencialidades
de vida e esperança. Ela implica pois, particularmente por
mérito dos povos indígenas conscientizados e mobilizados, o
redescobrimento e a reafirmação do direito de todos os povos e de
todas as pessoas à autodeterminação solidária. A
afirmação deste direito contrapõe-se frontalmente à
lógica neoliberal, cujo eixo é a autodeterminação
do capital financeiro transnacional. Direito, portanto, cuja
afirmação impõe-se como a alma de uma
civilização alternativa não-violenta e de uma
estratégia não-violenta para construí-la.
A insurreição da
consciência mundial que somos convocados a acender implica, mais
precisamente, como conteúdo da estratégia não-violenta, o
descobrimento e a valorização dos recursos intelectuais, morais e
políticos dos oprimidos e das oprimidas de todo o mundo. Recursos
demasiado frequentemente ignorados, sub-avaliados e até afogados pelas
mesmas organizações de esquerda, vítimas quase sempre
daquele autoritarismo que denunciam no sistema vigente: autoritarismo que
é, a meu ver, uma das razões principais da nossa falta de
criatividade e das nossas derrotas históricas.
Assim, se os dois projectos
imperialistas fundamentam sua confiança no direito da força
económica e militar, o projecto alternativo de civilização
fundamenta sua confiança na força do direito, da justiça,
da verdade, do amor; ou seja, na força do povo oprimido,
conscientizado, mobilizado e organizado. Se além disso os dois
projectos imperialistas fundamentam sua confiança no Deus dos
exércitos e do terror, que está ao lado dos mais fortes, o
projecto alternativo fundamenta sua confiança no Deus Amor Libertador
universal, comprometido ao lado dos oprimidos e das oprimidas.
Só, pois, resgatando a
confiança nos recursos inexplorados dos oprimidos e das oprimidas,
só valorizando sistematicamente estes recursos nas nossas
organizações, em nossa busca e em nossa luta, poderemos afirmar
com fundamento que uma nova história é possível, que uma
nova história, construída pelos excluídos e pelas
excluídas de ontem, já começou.
- x -
Notas
1) Para documentar o pensamento de Bin Laden baseio-me no livro de
Fabrizio Falconi
e
Antonello Sette,
Osama Bin Laden, Terrore dell'Occidente
,
Roma, Fazi Editore, 2001. A esta edição referem-se as
páginas citadas.
2) Os autores do livro comentam: O atentado às Torres
Gémeas de Nova York verificou-se no aniversário das
matanças de Sabra e Chatila" (p. 90). Acrescento, pela minha
parte, que foi também o aniversário do golpe de Pinochet no Chile
e do início de uma temporada de terrorismo nesse país e em muitos
outros, apoiada pelos Estados Unidos e justificada pela luta contra o
"reino do mal", representado então pelo comunismo ateu.
[*]
Filósofo e teólogo da libertação
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
|