Balas com pontas
Por vezes o mais pequenos caco de vidro reflecte o brilho de toda a lua, cheia
e resplandecente no céu da noite. E, de forma perfeita, uma simples
notícia num jornal pouco conhecido pode revelar o espírito de
toda uma era, perfurando as trevas com um súbito flash de verdade
lúgubre e dolorosa.
A essência brutal da Era Bushista foi posta a nu na semana passada num
local tão improvável como o
Army Times
, um jornal militar de propriedade de uma corporação com sede em
Washington. Num artigo em que pormenoriza a efectividade de uma nova
espécie de munição, o jornal de forma não
intencional, supomos jogou fora o papel de alumínio
patriótico em que é embrulhada a indústria do armamento e
desvendou o "patriotismo" como aquilo que ele realmente é:
extorsão, brutalidade e criminalidade, uma ganância primitiva
movida por ameaças incluindo a ameaça de voltar as suas
mercadorias da morte contra os americanos que eles dizem defender.
O artigo, de John Roos, trata da controvérsia acerca de uma nova bala
fabricada por uma firma do Texas, a RBCD, e distribuída pela Le Mas Ltd.
de Arkansas. Como explica Roos, a nova bala de 5,56 mm da Le Mas é
"partível"
("frangible")
ela "penetrará o aço e outros alvos duros mas
não passará através de um torso humano". Ao
invés disso, ela efectivamente explode dentro de um corpo, destruindo
tecidos em todas as direcções, "criando feridas
intratáveis".
A munição ainda não foi adoptada pelos militares
americanos, mas está a ser utilizada por alguns dos "consultores
privados de segurança" contratados pela administração
Bush para rondar as ruas do Iraque ocupado. Estes mercenários
não estão limitados sempre pelas leis e códigos de honra
que governam as forças militares, assim são livres para efectuar
quaisquer trabalhos sujos que os bushistas queiram manter fora dos registos.
Eles também são livres para executaram produtivos
"experimentos em campo" da nova munição sobre alvos
humanos, relata o jornal.
Roos escreve acerca do pistoleiro de aluguer Ben Thomas, que trabalha para uma
companhia inominável na execução de tarefas não
especificadas no Iraque para o Regime Bush. Thomas entusiasticamente relata o
seu primeiro assassinato com a fabulosa munição partível
da Le Mas, durante o que ele afirmou ter sido uma escaramuça com
iraquianos armados numa aldeia rural próxima a Bagdad. "Ela entrou
no seu traseiro e destruiu completamente tudo na secção inferior
esquerda do seu estômago", afirmou Thomas, com uma única bala
da sua carabina M4. "Tudo foi despedaçado. Ninguém [podia]
acreditar que este sujeito tivesse morrido com um tiro no traseiro".
Thomas e os seus amigos irregulares tiveram o cuidado de examinar a sua obra
quando acabou o combate, explorando o recto explodido do morto para estudar os
efeitos da nova bala. O veredicto? A bala é uma beleza.
"Não há comparação absolutamente nenhuma seja
com o que for" em relação ao pequeno dano provocado por
cartuchos inferiores a 5,56 mm, afirmou Thomas. E ele deve saber, pois Roos
informou que já havia "atirado em pessoas com vários tipos
de munição" no seu sombrio trabalho por todo o mundo. Ele
está a acumular stocks do destruidor-de-alvos da Le Mas, acrescentou, e
levará uma grande quantidade para os seus amigos privatizados quando
retornar a Bagdad após um breve descanso na Florida.
Mas parece que há perturbação no paraíso dos
atiradores. Apesar da maravilhosa capacidade deste destruidor-de-alvos para
criar feridas intratáveis garantindo uma morte agonizante para
qualquer inimigo (ou espectador inocente, ou vítima de fogo amigo, etc)
o Exército ainda não fez uma encomenda à Le Mas.
Peritos do Exército dizem que os testes anteriores mostravam que a bala
não provocava mais destruições significativas por cortes
de tecidos do que as munições já existentes. Embora mais
testes tenham sido ordenados pelos bem engraxados deputados bushistas, as altas
patentes do Exército continuam com dúvidas.
Mas nenhum dono do Inferno se enfurece tanto como um comerciante de armas
desprezado. Le Mas afirma que os testes efectuados pelo Exército foram
irremediavelmente imperfeitos. Eles dispararam as balas para gelatina fria, ao passo
que a verdadeira eficácia da munição só pode ser
medida através do despedaçamento de animais vivos (ou
aldeões iraquianos). Responsáveis da companhia resmungam
sombriamente acerca de uma conspiração entre altas patentes do
Pentágono a fim de proteger os seus próprios programas favoritos
de munições. Para romper o poder desta vil cabala, Le Mas
contratou o
lobbyista
Bil Skipper para levar o combate a Washington. E Skipper tem uma mensagem
simples: por dinheiro nas nossas palmas.
"Quando ouvi acerca das características balísticas desta
munição, como oficial da reserva que sou percebi que ela tem de
ficar nas mãos dos bons rapazes", disse Skipper ao
Army Times
. "Isto é uma questão de segurança nacional".
Vamos ponderar isto por um momento. Por que será a decisão do
Exército neste assunto "uma questão de segurança
nacional"? É óbvio: porque se os "bons rapazes"
não comprarem a munição mastigadora de tripas da Le Mas,
então eles a venderão aos maus rapazes a qualquer um que
esteja disposto a pagar o preço. Não há nenhuma outra
forma de interpretar a posição da firma. Se o Exército
não comprar comprar esta munição isso só poderia
colocar a segurança da nação em risco se a Le Mas vendesse
as balas aos inimigos da América. Se eles renegassem tal possibilidade,
não haveria tal risco. Mas ao invés renegá-la eles
fizeram deste ponto o eixo central da sua campanha para cavar dinheiro.
Aqui vemos a "moralidade" daqueles que traficam com a morte
desde os actores recentes como a Le Mas até os gabinetes bushistas dos
conselhos de administração do Carlyle Group, da Boeing
Corporation dilacerada pela corrupção, da BAE britânica
praguejada por escândalos e todos os outros mestres da guerra que
espartilham o planeta com sangue e com aço. Despojado da
grandiloquência, da retórica auto-ilusória, a sua
posição
(pitch)
reduz-se a isto. Pague-nos para ajudar a matar os seus inimigos ou
nós ajudaremos os seus inimigos a matarem você. O dinheiro
é o que importa.
Arranque a máscara do patriotismo e esta é a realidade que se
vê: uma caveira com os sinais do dólar a luzirem nos lugar dos
olhos.
Referências:
"1-Shot Killer," Army Times, Nov. 24, 2003
http://www.armytimes.com/story.php?f=1-292925-2426405.php
"Le Mas Ltd. Rebuttal of Blended-Metal Bullet Tests," Le Mas Ltd.
website
http://www.lemasltd.com/1Shot/bDrGKrebuttal.htm
"The Privatisation of War," The Guardian, Dec. 10, 2003
http://www.guardian.co.uk/international/story/0,3604,1103566,00.html
"MoD Chief Refused to Sign e800 Million Hawk Order [With BAE]," The
Guardian, Dec. 10, 2003
http://politics.guardian.co.uk/homeaffairs/story/0,11026,1103611,00.html
"Whistleblower Speaks: The Moral Sewer of Pentagon Procurement," NOW
With Bill Moyers transcript, Dec. 5, 2003
http://www.pbs.org/now/transcript/transcript245_full.html
"Boeing's Pentagon Link in the Limelight," Financial Times, Dec. 7,
20003
http://news.ft.com/
"Air Force Pursued Boeing Deal Despite Concern of Rumsfeld," New York
Times, Dec. 6, 2003
http://www.nytimes.com/2003/12/06/business/06BOEI.html?hp
"Boeing Has $20 Million Stake in Perle Fund", Financial Times, Dec.
3, 2003
http://news.ft.com/
"The Saudi Connection", US News, Dec. 15, 2003 edition
http://www.usnews.com/usnews/issue/031215/usnews/15terror.htm
"Britain Has Armed Both Sides in India and Pakistan Conflict", The
Times, May 28, 2002-
http://www.timesonline.co.uk/article/0,,3-309678,00.html
"Settling Some Debts", Village Voice, Dec. 10, 2003
http://www.villagevoice.com/issues/0350/mondo1.php
"Carlyle: The Ex-President's Club", The Guardian, Oct. 31, 2001
http://www.guardian.co.uk/wtccrash/story/0,1300,583869,00.html
"Problems With a Globe-Trotting Father", Los Angeles Times, May 7,
2000
http://ahrc.com/old/HOAorg/Media/ma_050700_LAT_CHUBB.html
"Bush's Texas: Dark Heart of the American Dream", The Observer, June
16, 2002
http://www.observer.co.uk/magazine/story/0,11913,738196,00.html
O original encontra-se em
http://www.tmtmetropolis.ru/stories/2003/12/11/120.html
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Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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