por José Reinaldo Carvalho
O presidente norte-americano
George Bush escolheu a Inglaterra como palco para fazer um novo pronunciamento
definidor das linhas estratégicas do imperialismo estadunidense no atual
quadro internacional. Não teve pudor de defender a guerra, justificar as
tropelias e crimes que tem cometido, a despeito de sua visita ser considerada
indesejável pelo povo britânico e das combativas e maciças
manifestações de massas contra a sua presença no
país e de seu anfitrião, o primeiro-ministro Tony Blair, ser alvo
de forte oposição interna. Já antes da
deflagração da guerra contra o Iraque, a capital inglesa se
destacou como cenário das maiores passeatas e
concentrações populares nas memoráveis datas de 15 de
fevereiro e 15 de março deste ano. Assim, se é carregada de
simbolismo a escolha da Inglaterra por Bush para falar
urbi et orbi
sobre a nova política imperialista, também o é a
manifestação da repulsa do povo inglês ao tirano.
Foi muito significativo
que Bush iniciasse seu discurso mencionando o ex-presidente norte-americano
Woodrow Wilson, sobre quem pesa o julgamento de não ter sabido
conquistar para os norte-americanos o domínio do mundo após a
primeira Grande Guerra (1914-1918), mas que sem dúvida se distinguiu
pela visão fundamentalista e messiânica com que mirava o destino e
a missão dos EUA Os EUA dizia têm em si uma
energia espiritual que nenhuma outra nação possui para contribuir
à libertação da humanidade. Tenhamos sempre presente
que Bush reiteradas vezes tem invocado a predestinação
divina para referir-se à missão do império que
dirige. No discurso pronunciado ontem no Palácio de Buckingham, o
presidente norte-americano referiu-se ao juramento de Woodrow Wilson, ali
formulado em 1918 durante recepção oferecida pelo monarca
britânico George V, de que o direito e a justiça
tornar-se-iam as forças predominantes no controle do mundo. Eis
que o chefe do imperialismo norte-americano anda em busca de
fundamentação ideológica para justificar sua maneira
própria de conceber e praticar a reconfiguração da ordem
mundial. Vale a pena lembrar ainda, a propósito de Woodrow Wilson, que
ele foi eleito em 1916 com o lema da Paz sem vitória,
prometendo assim manter os EUA distantes do conflito mundial em curso. A
população estadunidense opunha-se tenazmente à entrada do
seu país na guerra. Uma vez entronizado, Wilson montou uma fabulosa
engrenagem propagandística para fomentar a histeria chauvinista
destinada a convencer a população da necessidade de atacar os
alemães.
Multilateralismo sob hegemonia americana
Depois de baralhar fatos
para identificar a existência de um nexo único entre os atentados
de 11 de setembro de 2001 e diferentes tipos de ações sucedidas
nos últimos dois anos em Bali, Jacarta, Casablanca, Bombaim, Mombassa,
Najaf, Jerusalém, Bagdá e Istambul, com o claro objetivo de criar
um clima alarmista e demonstrar que o terrorismo ameaça a tudo e a todos
indistintamente, Bush apontou o que considera os três pilares sobre
os quais repousam a paz e a segurança das nações.
O primeiro deles seria o
papel das organizações internacionais para o enfrentamento
dos desafios do nosso mundo. Depois de ter vilipendiado o sistema
multilateral e menoscabado as Nações Unidas, eis que vem agora a
superpotência que persegue a primazia dos seus interesses transformando o
unilateralismo na norma principal da sua política exterior e o
militarismo no instrumento básico de sua ação
internacional, proclamar que tudo fará para evitar que a ONU
escolha solenemente a sua própria irrelevância, aceitando o
destino da Liga das Nações. Há pouquíssimos
meses, às vésperas de atacar o Iraque, o secretário de
Estado Colin Powell foi quem declarou perante o Conselho de Segurança,
quando este negou autorização à ação
bélica, que a ONU acabava de demonstrar a sua
irrelevância. Agora, o imperialismo norte-americano, no
discurso de Bush, adota o termo multilateralismo e levanta a
necessidade de dar resposta global à ameaça
terrorista, o que só pode significar a determinação
de submeter a ONU ao seu ditame e a renovação de um
esforço, inaugurado imediatamente após os atentados de 11 de
setembro, de criar uma frente de governos sob sua direção,
mediante ameaças: Ou estão conosco ou contra
nós, sentença formulada em 20 de setembro de 2001.
Nesse sentido, mereceu
destaque no discurso em Buckingham a tentativa de enquadramento da Europa e de
reafirmação do papel da OTAN, a instituição
multilateral mais eficiente da história. Ao tempo em que saudou a
evolução da União Européia, deu o sinal de que
não admite outro alinhamento militar que não seja a
Aliança Atlântica.
Violência, método principal da política dos EUA
Ao enunciar o
segundo pilar da paz e da segurança em nosso mundo, Bush uma
vez mais consignou uma clara mensagem sobre a natureza violenta de sua
política: O segundo pilar da paz e da segurança em nosso
mundo é a boa vontade das nações livres, quando se esgota
o último recurso, de refrear a agressão e a maldade, pelo uso da
força... O povo nos concedeu o dever de defendê-lo e às
vezes, para cumprir essa tarefa é necessário refrear com
violência o homem violento. Em alguns casos, o uso controlado da
força é o que nos protege de um mundo caótico regrado pela
violência. Tais considerações sobre o uso da
força nas relações internacionais, para justificar o
militarismo e o belicismo vêm acompanhadas de ameaças à
Coréia do Norte e ao Irã, além de uma
declaração peremptória de que a ocupação
militar do Iraque permanecerá, revelando não passar de
falácia e encenação o anúncio de que em seis meses
o poder será devolvido à soberania iraquiana.
Expansão da democracia em nome do primado americano
O fecho do pronunciamento
do presidente estadunidense é uma dissertação sobre o
terceiro pilar da segurança: o compromisso com a
expansão da democracia global. Nesse ponto pronuncia-se com maior
nitidez a determinação do imperialismo de fazer valer e cumprir o
seu destino manifesto e para todos os efeitos fica já
patenteado o pretexto para novas ações intervencionistas, que se
podem transformar em guerras contra países e povos.
Às vésperas
do ingresso dos Estados Unidos no ano eleitoral, o discurso de Bush em
Buckingham tem o mérito de deixar claras as suas intenções
levar a cabo a sua estratégia de domínio mundial por meio
do multilateralismo forçado, sob direção
norte-americana, ou por meio da guerra. O mundo não é indiferente
à escolha que o povo norte-americano fará, muito embora as
limitações do sistema político em cujos marcos tal escolha
será feita.
Para os povos, a mensagem
de Bush exala ameaças, o que determina vigilância e
preparação para uma luta que será necessariamente
multifacética e prolongada. Para que o mundo não ingresse numa
era de caos e barbárie.
O original encontra-se em
http://www.vermelho.org.br/diario/2003/1120/1120_bush-londres.asp
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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