Directiva Executiva 13303, “Protecção do Fundo para o Desenvolvimento do Iraque”

Saqueando o Iraque por ordem de Bush

por Stephen Kerr [*]

. Em 2 de Maio de 2003 o Presidente Bush emitiu a Directiva do Executivo (Executive Order) 13303, “Protecção do Fundo para o Desenvolvimento do Iraque” (“Protecting the Development Fund for Iraq”) . Esta directiva invocava a “Lei de Emergência Nacional” (“National Emergency Act”) para de facto confiscar o petróleo iraquiano e os seus rendimentos, mas ostensivamente assegurar que seriam aplicados na “reconstrução iraquiana”.

Mas esta Directiva não tem sido cumprida assim. Os fundos também não têm sido aplicados de acordo com esta directiva.

“Eu por este meio determino que… é proibido todo e qualquer embargo, julgamento, decreto, penhor, execução, intimação ou outro processo judicial, e será considerado nulo e ilegal relativamente a a) o Fundo para o Desenvolvimento do Iraque, e b) todo o petróleo e produtos petrolíferos iraquianos…” diz o essencial do decreto de Bush.

A Directiva do Executivo 13303 tem um objectivo singular que os recentes acontecimentos tornaram transparente — proteger os “amigos” capitalistas americanos. Coloca o Fundo para o Desenvolvimento do Iraque e as empresas petrolíferas americanas acima da lei ao considerar “nula e ilegal” qualquer reclamação ou processo judicial apresentado contra elas. Quem controlar o Fundo poderá fazer o que quiser com o dinheiro, pô-lo por exemplo no seu próprio bolso.

O Fundo para o Desenvolvimento do Iraque foi criado pela Resolução 1483 das Nações Unidas em 22 de Maio, no mesmo dia em que Bush publicou a sua Directiva do Executivo. O Fundo veio substituir o Programa Petróleo Por Comida (Oil for Food Programme) , controlado pela ONU, que aplicava 95% dos rendimentos do Iraque na compra de comida e remédios, enquanto 5% serviam para pagar compensações de guerra ao Kuwait. O programa mal conseguiu evitar que os iraquianos passassem fome durante o período das sanções das Nações Unidas apoiadas pelos Estados Unidos e Reino Unido. O novo Fundo é controlado pelo governo fantoche iraquiano, a Autoridade Provisória da Coligação, liderada por Paul Bremer, responsável perante Bush. As verbas do Fundo não são depositadas no Iraque, mas sim no Banco da Reserva Federal de Nova York, embora o Fundo esteja registado no Banco Central do Iraque.

US$ 4 MIL MILHÕES DESAPARECIDOS

Em 28 de Maio de 2003 mil milhões de dólares de activos foram transferidos do Programa Petróleo para Comida para este Fundo. Até agora foram transferidos 5 mil milhões de dólares para o Fundo. Todo esse dinheiro foi saqueado. Segundo um relatório da Christian Aid do Reino Unido, continuam a faltar 4 mil milhões de dólares.

Todo esse dinheiro está agora nos bolsos da Halliburton.

Em 17 de Outubro o US Army Corps of Engineers informou que até aquela data 600 milhões de dólares do Fundo para o Desenvolvimento foram pagos à Halliburton — para “importar gasolina para o Iraque”. Isto é uma violação clara da Resolução 1483, que exige que “o fundo deverá ser usado de um modo transparente para satisfazer as necessidades humanitárias do povo iraquiano”.

É o mesmo que enviar carvão para Newcastle.

Não há dúvida de que os iraquianos precisam de gasolina, mas o Iraque assenta sobre metade do petróleo do Médio Oriente. Naquilo que só pode ser considerado um crime, as sanções das Nações Unidas e as duas guerras anglo-americanas fizeram do Iraque um mero importador de petróleo. Este desastre para os iraquianos e embaraço para a política externa dos Estados Unidos é mais uma oportunidade para fabricar lucros em nome da “reconstrução” do Iraque, para a Halliburton que inflacionou os preços de acordo com a situação.

A Halliburton cobra 1,59 dólares por galão [1 galão = 3,785 litros] de gasolina importada da Turquia para o Iraque, enquanto que o preço no mercado do Golfo Pérsico é de 76 cêntimos o galão, mais cerca de 25 cêntimos pelo transporte, segundo os congressistas americanos Henry Waxman e John Dingell, que se queixaram ao Director da Secretaria de Gestão e Orçamento. Os congressistas também contactaram a empresa petrolífera propriedade do Estado iraquiano, que confirmou que pagava entre 90 e 98 cêntimos por galão para importar gasolina.

Mas cobrar preços de mercado pela gasolina do Golfo Pérsico não seria bom para a Halliburton, a qual acrescenta para si própria entre 2 e 7% ao preço. 2% de 96 cêntimos é 1.96 cêntimos por galão para a Halliburton. 75% de 1.59 dólares é 8.11 cêntimos por galão para a Halliburton. O lucro tem de ser acrescentado ao custo da gasolina, uma vez que o contrato da Halliburton é lucro “cost plus”, sendo o lucro calculado “de acordo com o desempenho”.

A Directiva Executiva 13303 protege intencionalmente a especulação de guerra da Halliburton, ao perverter a linguagem e o espírito da Resolução 1483 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, destinada a proteger os bens do Iraque. Eis como.

Ao levantar as sanções contra o Iraque, a Resolução 1483 estabelecia o Fundo para o Desenvolvimento, determinando que “todos os rendimentos das vendas (do petróleo do Iraque) devem ser depositados no Fundo para o Desenvolvimento do Iraque…” segundo a secção 20. Mas o Iraque é o maior devedor do mundo, “com dívidas totalizando 383 mil milhões de dólares. A 1200% de PIB, isto torna o Iraque 12 vezes mais endividado do que a Argentina”, segundo a Probe International, de Toronto. Tendo isto em consideração, a Secção 15 da Resolução 1483 apela ao Clube de Credores de Paris para “encontrar uma solução para os problemas de dívida de soberania do Iraque.”

A Secção 22 da Resolução 1483 está redigida de modo a proteger o Fundo para o Desenvolvimento contra potenciais alegações dos credores internacionais do Iraque, no sentido de permitir que os rendimentos da produção de petróleo do Iraque sejam aplicados na “reconstrução”. Pondo de parte os méritos do plano, (o Iraque é um mero importador de petróleo) uma leitura atenta da secção 22 revela termos muito semelhantes aos da Directiva Presidencial 13303, com algumas diferenças cruciais.

Diz a secção 22 da Resolução 1483: Considerando a relevância do estabelecimento de um governo representativo do Iraque reconhecido internacionalmente e o desejo de uma rápida reconstrução da dívida do Iraque como refere o parágrafo 15, (O Conselho de Segurança) delibera que até 31 de Dezembro de 2007 o petróleo, os produtos petrolíferos e o gás natural produzido no Iraque devem estar isentos, até que o título passe para o comprador original, de procedimentos legais contra eles e que não estejam sujeitos a qualquer forma de embargo, penhor ou execução…”

A secção 22 da Resolução 1483 também confere ao Fundo para o Desenvolvimento do Iraque “privilégios e imunidades equivalentes às desfrutadas pelas Nações Unidas”, com uma excepção importante. “…os privilégios e imunidades atrás referidos não se aplicam em caso de procedimento legal no qual o recurso a tais rendimentos é necessário para satisfazer a compensação por danos relacionados com um acidente ecológico, nomeadamente um derrame de petróleo…” O objectivo é obviamente proteger os rendimentos petrolíferos do Iraque de apreensão contra as suas dívidas de modo a permitir a realização da reconstrução, apoiando a preservação do que restou da arruinada ecologia da guerra do Iraque.

Mas os poderes conferidos ao Fundo através da Resolução estão a ser abusados pelo presidente dos Estados Unidos e pelo seu governo fantoche no Iraque para proteger as empresas americanas especuladoras ligadas à Casa Branca do Bush.

Ao contrário da Resolução das Nações Unidas, a Directiva Executiva 13303 não contém nenhuma excepção que torne o Fundo para o Desenvolvimento ou as empresas americanas responsáveis por catástrofes ecológicas na indústria petrolífera do Iraque, e elas acontecem diariamente, sempre que os oleodutos explodem. Em vez disso, a Directiva confere às empresas petrolíferas americanas maior cobertura do que a que é dada ao Fundo para o Desenvolvimento através da Resolução 1438. A directiva é uma licença para poluir, fazer lucro e pilhar.

Para além de proteger “todo o petróleo e produtos petrolíferos do Iraque, lucros incluídos” de acções legais, a Directiva Executiva 13303 vai mais longe. Protege “todos os rendimentos, obrigações ou quaisquer instrumentos financeiros decorrentes ou relacionados com a venda e comércio”, desses produtos petrolíferos. Para além disso, a Directiva 13303 protege “os interesses inerentes, nos quais um país estrangeiro ou um cidadão tenha interesse, que estejam nos Estados Unidos, que no futuro venham para os Estados Unidos, ou que estejam ou venham a estar no futuro na posse ou controlo de pessoas dos Estados Unidos”. A Secção 3, a) e b) define uma “pessoa” como indivíduo ou empresa.

Assim, os lucros das empresas, “todos os rendimentos” e actividades “de qualquer natureza” de empresas petrolíferas americanas no Iraque estão protegidos dos tribunais americanos.

A Directiva 13303 também protege o Fundo para o Desenvolvimento do Iraque de quaisquer penas que um tribunal venha a aplicar, como por exemplo um “penhor” ou uma “hipoteca”, “a menos que licenciada ou autorizada de acordo com esta directiva” aparentemente pelo Presidente dos Estados Unidos.

Bush transformou os poderes destinados a proteger o país mais pobre do mundo da rapina dos seus credores num duro instrumento legal que protege um importante contribuinte da campanha republicana na qual o seu vice-presidente Dick Cheney está profundamente empenhado. Há mais 4 mil milhões de esqueletos neste armário, mas Washington e o seu governo iraquiano tudo fazem para que nunca seja possível abrir essa porta.

Em princípio o Fundo para o Desenvolvimento do Iraque deve ser controlado pelo Conselho de Monitorização Internacional (IAMB) “composto por representantes do secretário-geral da ONU, do Banco Internacional para a Reconstrução, pelo FMI e pelo Fundo Árabe para o Desenvolvimento Económico e Social”, segundo a Resolução 1483 das Nações Unidas. Mas esta estrutura ainda não existe porque o governo americano quer um auditor tipo tigre de papel. Paul Bremer está a lutar contra potenciais membros do conselho pelo direito do governo de ocupação americano a vetar as auditorias do IAMB ao Fundo para o Desenvolvimento.

[*] Jornalista investigador, de Toronto. Contacto: stephen.kerr@sympatico.ca .
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O original deste artigo encontra-se em: http://globalresearch.ca/articles/KER310B.html .


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

05/Nov/03