O perfil das coisas que estão por vir
por Hugo Salinas Price
[*]
Consta que há dois diferentes tipos possíveis de
desvalorização do dólar.
Um é uma desvalorização coordenada, onde todos os grandes
jogadores concordam num novo valor para o dólar em relação
à suas próprias divisas. Este novo valor seria concertado
atrás de portas fechadas e ratificado posteriormente numa reunião
do G-7.
Considero, a partir das leituras que estamos todos a fazer acerca dos problemas
na Europa e no Japão, sem mencionar aqueles dos inescrutáveis
chineses, que seria extremamente difícil para os grandes jogadores da
economia mundial chegarem a qualquer acordo para uma
desvalorização substancial do dólar a fim de reduzir o
défice comercial dos EUA, calculado nuns US$ 400 mil milhões por
ano. O resto do mundo está preso às exportações
para os EUA e reduzir seu défice comercial significa anular uma
porcentagem substancial das exportações para os EUA. Parece-me
muito difícil que um grupo de países concorde com isso, para
dizer as coisas suavemente.
Assim, este primeiro tipo de desvalorização, uma
desvalorização concertada e acordada, dificilmente será
possível.
O segundo tipo de desvalorização é a caótica e
traumática, a espécie de desvalorização que
destrói as vidas de um enorme número de cidadãos
inocentes. O resto do mundo viu muitas destas desvalorizações
nos últimos 25 anos, mas os EUA não. O povo americano não
entende o que significa a desvalorização porque ele não
sofreu fisicamente o fenómeno por enquanto.
Uma desvalorização do dólar significa que este tem de
valer menos em relação à maior parte das outras divisas do
mundo.
Só há um meio para que tal desvalorização possa
ocorrer: é em relação a uma divisa superior, em que todas
as divisas, incluindo o dólar, sejam denominadas. E esta divisa
superior (o numerário como se costuma dizer) é, naturalmente, o
ouro.
O défice comercial tem de ser pelo menos substancialmente reduzido, se
não eliminado. Isto exige a desvalorização do
dólar. Não há outro meio. E isto só pode ser
alcançado através do mecanismo do preço do ouro.
Mas isto não significa apenas uma elevação do preço
do ouro em dólares. Se isto acontece, como tem estado a acontecer,
nenhuma desvalorização do dólar em relação
às outras divisas estará a verificar-se. O preço do ouro
em todas as divisas apenas subirá igualmente, por todo o mundo. O
dólar ainda continuará supervalorizado em termos de Yen, Euros,
Yuan, etc, etc.
Uma desvalorização do dólar, para colmatar o défice
comercial, exige um aumento desigual no preço do ouro, expresso em
relação às diversas divisas do mundo.
Eis um exemplo de uma elevação desigual no preço do ouro
em todo o mundo:
Suponha o preço do ouro em dólar a US$310/onça, e que o
dólar valha 1,09 euros, 0,68 libras britânicas e 17 yen,
condições estas que são aproximadamente as que vigoram no
momento.
Assim, o ouro vale US$310/oz em dólares, 338 euros/oz, 211 libras
britânicas/oz, 39,370 yen/oz.
Suponha que o ouro se eleve igualmente em relação a todas estas
divisas. Vamos admitir que o ouro vá para US$ 350 dólares/oz,
mas o valor do dólar em relação às outras divisas
permanece tal como acima. Assim teríamos:
Ouro em dólares a US$ 350 dólares/oz, 381 euros/oz, 238 libras
britânicas/oz, 44,45 yen/oz.
O aumento do ouro beneficiou os seus possuidores. O dólar foi
desvalorizado em relação ao ouro, tal como em
relação às outras divisas, mas o seu valor relativo
permanece o mesmo, pelo que nada foi conseguido em relação ao
défice comercial.
Uma desvalorização real do dólar, extremamente dolorosa
(gut-wrenching)
, que corrija os défices comerciais, significa que o valor do
dólar em termos de euros, libras, yen e todas as outras divisas é
sacudido até a medula, e todas as valorizações cruzadas de
divisas
(cross-currency)
também são afectadas: as taxas
euro-libra, euro-yen, libra-yen, euro-yuan, libra-yuan, yen-yuan. Esta
é a ideia.
Isto também deve significar que o ascenço no preço do ouro
nestas diversas divisas deverá variar de país para país.
Alguns países verão maiores ascenços no valor do ouro,
expresso na sua própria divisa, do que outros. Não tenho
qualquer ideia do que serão os novos preços do ouro, se o
dólar tiver de desvalorizar significativamente. Será a livre
competição. Neste cenário, que penso ser provável,
o preço do ouro estará, na minha opinião, a correr fora de
controle.
Porque a desvalorização significativa do dólar em
relação ao yen, ao yuan e ao euro afectará profundamente
as estruturas produtivas do Japão, da China e da União Europeia
de facto, de todo o mundo haverá uma tentativa de manter
uma elevação igual no preço do ouro por todo o mundo.
Mas isto não reduzirá o défice comercial americano.
Só uma elevação desigual no preço do ouro, em
relação às várias divisas, pode anular ou reduzir
substancialmente o défice comercial americano. A situação
é difícil de visualizar, mas surge-me como se houvesse uma
corrida internacional para a base, em termos do valor do ouro das diversas
unidades de cada divisa nacional. Por outras palavras, as divisas do mundo
desvalorizarão em relação ao ouro numa corrida para
manter a actual paridade em relação ao dólar. Isto
será uma tentativa de frustrar a desvalorização do
dólar; por outras palavras, uma tentativa de manter o dólar
super-valorizado, como no presente, e reter o défice comercial americano
a fim de preservar a existência das indústrias de cada país
voltadas para a exportação. Nenhum país quer ver as suas
indústrias exportadoras encerradas.
Contudo, esta tentativa fracassará. A desordem vai prevalecer.
Finalmente, alguns países escolherão não desvalorizar suas
divisas novamente, em termos de ouro. Quando isto acontecer veremos que o ouro
elevou-se, em termos de divisas nacionais, para diferentes alturas em
diferentes países. O aumento no preço do ouro expresso em
dólares será maior do que o aumento no preço do ouro
expresso em outras divisas. O défice comercial tenderá a
desaparecer. Os americanos só serão capazes de comprar bens
importados na medida em que puderem pagar por eles com
exportações. A parte favorável desta experiência
traumática será que a indústria americana renascerá
das suas cinzas actuais. Os trabalhadores americanos produzirão bens
para satisfazer americanos.
O dólar não será mais a divisa todo-poderosa que é
hoje. Os EUA tomarão o lugar entre as nações que as leis
económicas lhe assinalarem, de acordo com a sua produtividade na
produção de bens que o resto do mundo queira comprar-lhes. Um
lugar muito diferente daquele que agora ocupa, como produtor da divisa mundial
por excelência. O ouro será o mestre.
Novas relações comerciais internacionais serão
estabelecidas. Quando o pó assentar, o mundo será um lugar
totalmente diferente daquele que conhecemos. A
"globalização", um fenómeno que foi baseado na
hegemonia do dólar, será uma coisa do passado, uma ilusão
que se dissipará como um sonho. Mas há outras
considerações, como a possibilidade de uma grande guerra, que
acompanhe o reajustamento das relações internacionais mundiais.
Não vou entrar em tais considerações. Basta dizer que
todas as relações comerciais internacionais, e a estrutura
produtiva de cada país, agora tão fortemente voltada para as
"exportações para obtenção de
dólares", será muito afectada. O reajustamento
causará ao mundo bastante sofrimento real.
Uma guerra pode obscurecer a mudança nas relações
comerciais e na influência mundial, mas as mudança deverá
acontecer e acontecerá. Os EUA não podem simplesmente e
indefinidamente viver às custas do resto do mundo ao ritmo de US$400 mil
milhões por ano. O dólar deve desvalorizar e
desvalorizará e eu tentei aqui esboçar "o perfil das coisas
que estão por vir", aquilo que a desvalorização do
dólar implica.
_______
[*]
O autor é um capitalista mexicano, proprietário da cadeia de
lojas Elektra, da TV Azteca e da Western Union. Em 1997 fundou a
Asociación Cívica Mexicana Pro-Plata,
http://www.plata.com.mx/plata/
, de que é presidente.
O original encontra-se em
http://lists.econ.utah.edu/pipermail/a-list/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|