O discurso de Bush activa um debate falso:
Alguns críticos do establishment querem reforçar a ocupação

por Fred Goldstein [*]

Acção de protesto em Washington. O presidente George W. Bush anunciou a 7 de Setembro que o seu governo submeteria ao Conselho de Segurança da ONU uma proposta de resolução que autorizasse uma força multinacional no Iraque sob o controle estadunidense. Foi uma confissão ignominiosa da incapacidade do imperialismo dos EUA para esmagar a resistência do povo iraquiano à recolonização. Isto dá um novo ímpeto ao movimento anti-guerra.

Neste discurso, Bush apresentou suavemente esta viragem total como se fosse uma simples questão rotineira pelo facto de que "os nossos comandantes pediram uma terceira divisão multinacional", além das britânicas e polacas, "para partilhar o fardo mais amplamente". E assim, quase descuidadamente, deixou cair a bomba dos US$ 87 mil milhões. Essa é a quantia extra que vai pedir ao Congresso a fim de travar a guerra no próximo ano fiscal, muito acima dos US$ 79 mil milhões já requeridos anteriormente.

A verdade por trás dessa mudança drástica de rumo foi descrita em pormenor na edição de 4 de Setembro do Washington Post, que cita um diplomata anónimo da ONU envolvido nas negociações. "Os EUA haviam-se aborrecido a bater em todas as portas possíveis à procura de dinheiro e tropas, e encontraram a mesma resposta em todas elas: Nós precisamos de alguma nova resolução". O diplomata, referindo-se aos retrocessos militares combinados com as recusas de ajuda, declarou: "Todas estes problemas se uniram e alcançaram uma massa crítica... A autoridade da coligação está destruída. Eles precisam corpos".

COM MEDO DA RAIVA DOS SOLDADOS,
RUMSFELD CANCELA DISCURSO


A tremenda dificuldade de Washington foi realçada quando o secretário da Defesa Donald Rumsfeld, na sua última visita ao Iraque, foi obrigado a cancelar um discurso que ia proferir perante os soldados dos EUA em sua base num palácio de Tikrit. Já fora montado o cenário e colocadas as cadeiras, mas o ambiente era mau. "Pouco me importa o Rumsfeld. A única coisa que quero é voltar para a minha casa", disse o especialista Rue Gretton. O sargento Green, por sua vez (omite-se o primeiro nome por receio de represálias), declarou: "Se eu conseguisse falar com Rumsfeld dir-lhe-ia para nos dar uma 'data de retorno' "(Reuters, 05/Set/03). Na versão do Pentágono, Rumsfeld cancelou o discurso por ter "uma agenda cheia".

No mesmo dia em que Rumsfeld estava em Tikrit, o Pentágono emitiu a ordem para estender a permanência no Iraque e no Kuwait de seis meses para um ano em relação aos 20 mil soldados da Guarda Nacional e reservistas do Exército. O anúncio da mesma foi adiado até que Rumsfeld saísse do país.

DOIS DEBATES FALSOS

O discurso de Bush com o seu pedido de mais fundos gerou uma torrente de comentários e debates nos meios de comunicação comerciais e no establishment político. Todo este debate tem um viés diversionista em relação aos interesses do povo iraquiano, bem como da classe operária e da imensa maioria neste país. Ele está todo baseado na posição comum de que, seja ou não a situação no Iraque culpa de Bush & Rumsfeld, o imperialismo dos EUA não pode dar-se ao luxo de "perder".

A classe dirigente norte-americana foi realmente abalada pela resistência determinada do Iraque e pelo fracasso da administração Bush e do Pentágono em prevê-la ou liquidá-la. Essa política, agora, está a receber golpes de todos os lados, pela esquerda e pela direita.

Mas mesmo com toda a crítica, nenhum dos principais políticos da classe dirigente, nenhuma das redes de media ou jornais capitalista apelaram a que o Congresso votasse "não" ao pedido dos fundos ou pressionaram para que os EUA saia do Iraque.

O dito debate reduz-se a duas questões: primeiro, que antes de os políticos votarem pelos fundos a administração deve demonstrar que vai procurar realmente uma coligação com os seus rivais e fazer suficientes concessões a fim de ganhar o seu apoio para a ocupação. Segundo, que Bush abandone sua tarefa de tornar permanentes os cortes temporários de imposto para os ricos — um brinde de US$1,1 milhão de milhões — para que a dívida nacional não atinja os céus e para que todo o fardo dos US$ 87 mil milhões adicionais, mais o que vem aí, não caia totalmente nas costas dos operários e das camadas médias.

Mas este é um debate estritamente da classe dirigente. Os operários devem ter sua própria posição independente e não devem cair na esparrela de ter de tomar partido por um ou por outro grupo da classe capitalista.

O New York Times, por exemplo, que se opõe fortemente à política "unilateralista", declarou no editorial de 8 de Setembro acerca do discurso de Bush que "ainda há boas razões para manter o compromisso da América no Iraque". Mas os EUA "têm que negociar realisticamente com a França, a Alemanha e a Rússia sobre a extensão das forças para a manutenção da paz e obter ajuda económica com os enormes gastos de reconstrução". O New York Times também pediu a Bush para abandonar os cortes orçamentais futuros. Este sentimento, com algumas variações, foi repetido por todo o espectro dos meios de comunicação principais e entre os líderes dos partidos Democrata e Republicano.

NÃO À INTERNACIONALIZAÇÃO DO COLONIALISMO

O argumento de que Washington tem de forjar uma coligação para evitar o fracasso é basicamente um argumento no sentido de fortalecer a ocupação colonial do Iraque através da sua "internacionalização". O Times e outros estão a dizer que o imperialismo dos EUA tem que fazer concessões aos seus rivais para fortalecer a posição militar do imperialismo em geral no Iraque e para salvaguardar o sistema financeiro nos EUA do colapso sob o peso de uma custosa ocupação militar.

Subornar as classes dominantes da Franças e da Alemanha com contratos de petróleo iraquiano, contratos de construção e influência política a fim de obter os seus votos favoráveis numa resolução da ONU, reduzindo a pressão contra o Pentágono e Wall Street, não é senão um negócio sujo às custas do povo do Iraque. É do interesse das massas do Iraque que estes gangsters fiquem divididos e em conflito entre si. Os pedidos para que melhorem suas relações a fim de melhor poder combater a resistência iraquiana são absolutamente reaccionários.

É de particular importância neste contexto a posição de Howard Dean, o suposto candidato "contra a guerra" à presidência dos EUA, o qual declarou a Paulo Zahn da cadeia televisiva da CNN a 8 de Setembro que reduziria no imediato o número de tropas à metade e substituir-las-ia por tropas de outros países. Ele falou como um verdadeiro imperialista. Assume que a ocupação do Iraque tem de ter êxito e assume também que poderia enviar tropas de outros países a fim de que elas ajudem Washington na tarefa de impor a sua dominação imperialista sobre o Iraque.

O argumento acerca da suspensão dos cortes de impostos que beneficiam os ricos a fim de pagar os gastos da ocupação é outro argumento imperialista. É evidente que os cortes dos impostos para os ricos devem ser cancelados. Não deveriam sequer ter sido aprovados. Estes cortes devem ser cancelados a fim de poder utilizar os fundos em habitação, saúde, educação, empregos e todos os benefícios que estão a ser cancelados a fim de pagar uma guerra de conquista.

Gastar os fundos públicos equitativamente para custear a guerra e as necessidades internas em nome da "justiça" é uma armadilha que põe a classe trabalhadora a reboque de uma ocupação predadora que está a forçar os soldados dos EUA a desempenharem o papel opressivo e assassino de ocupantes, negando ao povo iraquiano o direito de determinar o seu próprio destino.

A exigência correcta é no sentido de votar não aos gastos de guerra, não à ocupação, e sim à transferência do orçamento militar para o orçamento relativo às necessidades sociais.

RECORDANDO A "DOUTRINA BUSH"

O discurso de Bush foi uma tentativa de pintar a guerra e a ocupação do Iraque como parte da "guerra contra o terrorismo" para "defender a civilização". Mas a invasão do Iraque fora planeada muito antes do 11 de Setembro de 2001.

Toda esta destruição maciça, a matança e os ferimentos infligidos a dezenas de milhares de iraquianos, tanto soldados como civis, numa guerra absolutamente não provocada e lançada como uma "guerra opcional", baseou-se no roubo das segundas maiores reservas petrolíferas do mundo para o benefício e os lucros das empresas de petróleo. Baseou-se no estabelecimento do controle total deste recurso estratégico, que contem a chave para a dominação económica da Europa, do Japão e de todo o mundo industrializado.

Foi também uma guerra por bases militares e a primeira etapa de um plano para recolonizar não só o Iraque como também o Irão, a Síria, a Líbia e o Médio Oriente — e finalmente o mundo todo. Esta região do globo é o "motor da economia mundial". A guerra contra o Iraque ia ser uma manifestação de uma estratégia pouco mencionada ultimamente: a chamada "Doutrina Bush". Esta afirma o direito absoluto de Washington de iniciar guerras "preventivas" e implementar "mudanças de regime", ou seja, o direito de Washington de derrubar qualquer governo do mundo que tente manter sua independência e se torne obstáculo à dominação mundial dos EUA e ao seu império, quer seja a Coreia do Norte, Cuba, Zimbabwe ou, finalmente, a China.

É o que significa esta guerra contra o Iraque. É o que significa a ocupação. A única resposta de Bush e da classe dominante é uma mobilização maciça para acabar com a ocupação e trazer as tropas de volta para casa. O protesto de 25 de Outubro em Washington, D.C. será um grande passo em frente neste processo.

[*] Redactor do Workers World, de Nova York.

O original encontra-se em http://www.workers.org/ww/2003/iraq0918.php .


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

20/Set/03