Este artigo de James Galbraith (não confundir com o famoso economista John
Kenneth Galbraith) resume o desastroso porvir da estratégia
bushiana de dominação mundial. O artigo é importante
porque ele é um dos primeiros economistas da elite norte-americana que
consegue apreender
o transcendental significado da crise de energia que se aproxima
prenunciadora de uma mudança de era e que baseia a sua
análise
no esgotamento do petróleo.
É de saudar esta lucidez. Até agora,
o pensamento económico tem sido dominado por economistas vulgares,
indivíduos que pensam só em termos de "tesoura" dos
preços e tratam o petróleo como se fosse uma mercadoria como
outra qualquer.
Trata-se de um feito notável para alguém saído da
intelligentsia
liberal ter conseguido compreender que no mundo existente o petróleo
é um recurso finito [ver
A mudança para um novo paradigma energético
]. A lavagem
cerebral que habitualmente se pratica nas faculdades de ciências
económicas, por todo mundo, faz com que os seus pacientes sejam
cuidadosamente treinados para
não ver
a realidade.
A análise de Galbraith padece no entanto de algumas
limitações, pois tende a encarar a guerra e o aumento da
resistência popular ao império americano apenas em termos dos seus
efeitos económicos internos nos EUA. É um ângulo muito
parcial. Na verdade, o mundo já entrou numa época de guerra,
luta de classes violenta, de mobilizações maciças e numa
fase em que imperialismo entra em convulsões agónicas. O
império ianque tem pés de barro. Nem mesmo no plano estritamente
militar ele é forte. Pode praticar agressões covardes contra
outros povos, a partir
dos ares, como as guerras já desencadeadas contra o Iraque e a
Jugoslávia. Mas as guerras ganham-se no terreno, com infantaria.
Até a subdesenvolvida Somália deu nas trombas da tropa americana.
A nova e criminosa agressão que o IV Reich agora prepara contra o Iraque
a guerra contra o Irão viria a seguir, numa táctica de
"salame" não pode ter um final feliz para Bush. Para
que o império possa apossar-se do petróleo desses países
terá de enfrentar a resistência no terreno, com infantaria.
Terá o império carne de canhão suficiente? Na pequenina
ilha de Granada os invasores enviados por Reagan tiveram de enfrentar dias de
resistência. E aquela minúscula república das
Caraíbas nunca sequer teve exército...
resistir.info
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Os insuportáveis custos do império
por James K. Galbraith
[*]
"A guerra de Bush pode ajudar a economia no curto prazo. O grande dano vem
depois".
A conversa nestes dias em Washington é sobre Roma e as suas
responsabilidades imperiais. Mas George W. Bush não é
Júlio César. A França sob Napoleão poderia ser um
precedente melhor. Tal como Bush, Napoleão chegou ao poder por meio de
um
golpe. Igualmente como Bush, ele combateu contra uma ameaça externa e a
seguir dela aproveitou-se para converter a república num império.
Ainda como Bush, ele construiu um exército. E, finalmente, tal como
Bush, não pode resistir à tentação de
usá-lo. Mas ao contrário das de César, as
pretensões imperiais de Napoleão não perduraram.
A analogia é barata, mas a questão essencial subsiste. O
império não está necessariamente destinado a durar, muito
menos na tranquila e insípida decadência a que os nossos
imperadores tão evidentemente aspiram. Na verdade, em tempos recentes o
Império Britânico durou um século (ou talvez dois, conforme
o modo como se conta). A União Soviética aguentou-se por sete
décadas. Napoleão estava acabado em apenas 15 anos.
Há uma razão para a vulnerabilidade dos impérios. Manter
um império contra oposições exige guerra firme,
implacável, inacabável. E a guerra é ruinosa de um
ponto de vista legal, moral e económico. Ela pode arruinar os
perdedores, tal como a França Napoleonica, ou a Alemanha Imperial em
1918. E pode arruinar os vitoriosos, tal como aconteceu aos britânicos e
soviéticos no século XX. Inversamente, a Alemanha e o
Japão recuperaram-se bem da Segunda Guerra Mundial em parte porque
foram-lhes poupadas as reparações de guerra e porque, após
a derrota, não tiveram de desperdiçar recursos do tesouro
nacional com a defesa.
Os Estados Unidos hoje são ricos e prósperos. Mas isto
não significa que tenhamos a capacidade financeira ou material para
travar guerra contínuas por toda a parte do mundo. Mesmo sem guerra,
Bush já está a elevar o orçamento militar para quase US$
400 mil milhões por ano. Isto é um bocado mais do que 4% do
actual produto interno bruto. Um pequeno combate digamos que à
escala do Iraque poderia elevar este número para mais US$ 100 ou
200 mil milhões. Uma guerra em grande escala, tal como a que pode
desencadear-se com um levantamento geral por todo o Oriente Médio ou Sul
da Ásia, com o controle de arsenais nucleares em jogo, custaria muito
mais e poderia continuar por longo tempo.
Alguém pode ser tentado a analisar estas somas, particularmente os
custos imediatos da guerra do Iraque, em termos de défices
orçamentais e taxas de juros ou seja, em termos da
aritmética convencional de irresponsabilidade fiscal. Mas isto omite o
ponto essencial. O custo económico real da construção do
império de Bush é duplo: Afasta a atenção dos
prementes problemas económicos internos e põe os Estados Unidos
num caminho imperial de longo prazo que é economicamente ruinoso.
A irresponsabilidade fiscal é uma questão importante,
principalmente por causa do corte fiscal de 2001 feito por Bush. Se lhe for
permitido sobreviver, aquele programa de alívio a longo prazo para os
ricos seria, por si próprio, a ruína do fisco federal no futuro.
Mas o problema de derrubar Saddam Hussein no próximo ano não
é de ordem fiscal. Os Estados Unidos não teriam qualquer
dificuldade em vender títulos para pagar isto. Ao contrário, com
a nossa economia interna na lama, com os negócios privados
desinteressados em investir, os títulos do governo vender-se-iam
facilmente. E mesmo que isso não acontecesse, a própria Reserva
Federal poderia comprá-los. Igualmente, o mesmo poderia faze-lo o
governo que se seguir no Iraque, o qual terá o petróleo para
comprar, a posteriori, sua própria presunção de poder.
Seja de que modo for, as taxas de juro não necessitam subir e a guerra
do Iraque de Bush será ajustada para auxiliar, não para ferir, o
desempenho a curto prazo do crescimento e do emprego americano.
Nem é a estratégia de Bush necessariamente irracional quanto ao
petróleo a curto prazo. Com um novo governo iraquiano, os
Estados Unidos ganharão um estado cliente que estará preparado
para
ajudar a manter os preços do petróleo dentro de uma banda que
tanto os consumidores americanos como os produtores remanescentes de
petróleo dos EUA possam tolerar suficientemente baixo para
não drenar de forma desastrosa o poder de compra dos primeiros,
suficientemente alto para não arruinar imediatamente os últimos.
Dado o compromisso de George W. Bush-Dick Cheney para com o consumo de
petróleo ilimitado, isto será útil para adiar o dia do
ajuste de contas. Na medida em que a produção mundial de
petróleo declina evidências científicas
críveis sugerem que isto pode começar a acontecer muito em breve
a participação do Oriente Médio nas reservas
remanescentes aumentará. Assim, também, haveria potencial para
um cartel de controle e manipulação de preço. Uma robusta
presença militar dos EUA nos campos de petróleo, directamente ou
por intermediários
(proxy)
, naturalmente fará com que aumentos de
preços de petróleo não sejam um perigo. Isto é um
componente do apelo à guerra com o Iraque.
Por outras palavras, a guerra do Iraque podia demonstrar-se tanto estimulante
como estabilizadora no curto prazo. A menos que a campanha vá muito mal
ou a vizinhança vá pelos ares, é improvável que
produza um desastre económico imediato. E assim os oportunistas
políticos podemos seguramente supor que existem que
são a favor de uma guerra porque isto pode ajudar a salvar Bush em 2004
podem não estar inteiramente errados nos seus cálculos.
Mas seria errado concluir que portanto está tudo tranquilo na frente
guerra-economia. O desastre, ao invés disso, ocorrerá em pelo
menos duas diferentes maneiras ao longo do tempo. O problema imediato da
política de guerra de Bush-Cheney reside no abandono e na
indiferença para com todos os nossos outros problemas económicos,
os quais são potenciados.
Primeiro, o investimento privado nos Estados Unidos agora caiu virtualmente ao
nível da mera substituição dos bens de capital.
Não há perspectivas próximas de recuperação
porque a recessão nos gastos dos consumidores ainda se perspectiva.
Até que a tempestade venha e passe, os empresários
recusarão novo investimento líquido. Em resultado disso,
haverá pouco estímulo à aplicação de novas
tecnologias à vida económica. Ao invés disso, os novos
tecnólogos serão alistados no sector militar de onde haviam
emergido 30 anos atrás, e o sector privado avançado no qual
havíamos, até recentemente, fundado as nossas esperanças
enfraquecerão.
Segundo, a recessão nos gastos do consumidor não pode ser adiada
para sempre. As famílias americanas ainda continuam esmagadas pela
dívida. Após o 11 de Setembro, seus gastos foram mantidos a
flutuar pela queda dos preços do petróleo, queda das taxas de
juro, abatimentos fiscais, gastos crescentes do governo e
disposição das companhias automobilísticas para
livrarem-se dos seus stocks mesmo com perdas. As taxas de juro permanecem
muito baixas, paralelamente a um contínuo inchaço no preço
da habitação, o que implica um contínuo fluxo de
pagamentos de empréstimos. Mas esta fonte de gastos do consumidor
já está a aproximar-se dos seus limites. As companhias
automobilísticas podem abandonar seus esforços muito em breve
(logo após a eleição de Novembro?). Depois disso, a
segunda cava da recessão em "W" [ver
A globalização do duplo mergulho
] logo estará sobre nós em força.
Terceiro, os orçamentos do Estado e dos governos locais continuam a
implodir. Estimativas razoáveis mostram défices de US$ 50 mil
milhões a nível do Estado, e as perdas são seguramente
quase tão grandes como essa a nível local. Como os fundos para
maus tempos estão esgotados, isto traduzir-se-á em cortes nos
serviços e por vezes em aumentos de impostos. De uma forma ou de outra,
os orçamentos familiares receberão toda a pancada. A febre
guerreira em Washington juntamente com o cinismo político,
deliberada ignorância da ciência económica, derrotismo e
inércia bloquearam até agora uma campanha efectiva para
partilhar receitas com os estados, o único caminho pelo qual o governo
federal pode impedir esta calamidade este ano.
Quarto, temos os efeitos económicos do declínio dos nossos
mercados financeiros, os quais já perderam mais de US$ 8 milhões
de milhões (US$ 8 triliões) em valor accionário nominal
desde o seu pico em 2000. Em alguma extensão, estas perdas são
devidas à corrupção de certas grandes
corporações, incluindo várias (a Haliburton não
é das menores) que estão estreitamente ligadas ao complexo
militar-petroleiro. O fracasso em cuidar destas questões é
necessariamente endémico numa administração
construída sobre a fraude corporativa e comprometida com a guerra pelo
petróleo.
Nenhum destes problemas será sanado enquanto a guerra continuar a ser o
nosso tema político dominante. Mas tão sérios quanto
possam ser, eles empalidecem em comparação com o problema mais
vasto da ordem comercial e financeira internacional sob condições
de guerra permanente. É um facto evidente que se a
produção global de petróleo começa a declinar mas o
consumo americano não diminui, a todos será exigido cortar
compras e usos do petróleo. Mas como podem os preços do
petróleo serem mantidos estáveis para americanos quando
terão de ser aumentados para todo o mundo? Somente por uma
política de contínua depreciação da moeda em todo o
mundo. Tal política de hegemonia do dólar em meio à
instabilidade financeira mundial, ao esmagador fardo das dívidas e
à deflação por toda a parte do mundo em desenvolvimento,
é perversa. Ela tornará baratas as exportações dos
nossos parceiros comerciais, tornará suas importações
caras e manterá seus salários reais baixos. Isto
valorizará os preços dos bens americanos nos mercados mundiais e
conduzirá a uma insustentável dependência do capital
estrangeiro. Será uma política, em suma, esgotar os recursos de
todos os nossos parceiros enquanto nós vivemos sozinhos, em crescente
ociosidade e dentro do inchaço do dólar.
Esta é a política que Bush e Cheney estão realmente a
impor ao resto do mundo. Mas eles não podem fazer isto até ao
fim. Fará vida miseráveis em toda parte, gerará cada vez
mais resistência, terrorismo e compromissos militares. Enquanto isso,
nós não experimentaremos nem mesmo uma exposição
gradual à mudança no equilíbrio da energia, portanto nunca
faremos os investimentos necessários para nos ajustarmos, mesmo
gradualmente, a um mundo de petróleo escasso e caro.
No fim, portanto, este mundo chegará muito mais abruptamente do que o
faria de outro modo, sacudindo o frágil edifício da nossa
economia petroleira nos seus fundamentos. E nós algum dia enfrentaremos
uma dupla explosão: de raiva contra a nossa arrogância e de
escassez real e colapso dos padrões de vida, quando a confiança
dos investidores no dólar finalmente acabar.
Comparado com este futuro, um novo compromisso para segurança colectiva,
para uma nova estrutura financeira mundial, para uma política de energia
e de transportes racional, e para gastar a fim de alcançar nossas
necessidades internas reais seria uma bagatela. No térmico na
Convenção Constitucional, foi perguntado a Benjamin Franklin que
tipo de governo arquitectos constitucionais haviam dado ao nosso novos
país. Ele genialmente respondeu: "Uma república, se
você puder mantê-la". Os republicanos daqueles dias
opunham-se ao império. O autor do "Almanaque do Pobre
Ricardo" entendia muito bem a teoria económica.
[*]
Professor na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, University of Texas at
Austin, onde ensina teoria económica e várias outras disciplinas. Exerceu
vários cargos na assessoria do Congresso dos EUA, nomeadamente de Director
Executivo da Joint Economic Committee. Autor de "Balancing Acts: Technology,
Finance, and the American Future" (1989), "Created Unequal" e vários livros de
têxto.
Este artigo encontra-se em
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