As verdadeiras razões da guerra com o Iraque
Análise macroeconómica e geoestratégica da verdade
silenciada
por William Clark
[*]
Janeiro de 2003
(A última revisão foi em 06/Mar/03,
antes portanto da invasão do Iraque)
Resumo
Embora completamente abafada pelos meios de comunicação e pelo
Governo norte-americanos, a resposta para o enigma iraquiano é simples,
ainda que chocante trata-se de uma guerra pela divisa do
petróleo. O verdadeiro motivo da guerra que se avizinha reside no
objectivo da administração Bush de impedir que a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) tenda para o euro como meio de pagamento das transacções
petrolíferas. No entanto, para antecipar-se à OPEP, os EUA
precisam de obter o controle geoestratégico do Iraque e das suas
reservas petrolíferas, consideradas como as segundas maiores do mundo. O
presente ensaio tem por objectivo analisar a macroeconomia do
petrodólar e a ameaça, não declarada mas real,
que o euro como meio de pagamento das transacções
petrolíferas representa para a hegemonia económica dos EUA. O
autor defende a reforma do sistema monetário internacional, incluindo
uma margem de flutuação dólar/euro com
estatuto paritário de reserva e um duplo padrão das
transações petrolíferas da OPEP. Estas reformas poderiam
reduzir o perigo de futuras guerras relacionadas com a divisa
petrolífera.
Se uma nação crê que pode ser ignorante e livre,
crê no que nunca foi e nunca será
O Povo não pode
estar em segurança sem informação. Quando a Imprensa for
livre e quando todos os homens souberem ler, tudo será seguro.
Estas palavras de Thomas Jefferson encarnam o infeliz estado de coisas a que
chegou a nossa nação. Enquanto o governo se prepara para entrar
em guerra com o Iraque, o país mostra-se incapaz de responder mesmo
às perguntas mais básicas sobre o conflito que se avizinha. Em
primeiro lugar, por que motivo não existe praticamente nenhum apoio a
nível internacional para derrubar Saddam? Se o programa de
desenvolvimento de armas de destruição maciça (ADM)
iraquiano representa, de facto, o nível de ameaça que o
presidente Bush tem vindo repetidamente a alegar, por que motivo os nossos
aliados históricos não se unem numa coligação para
desarmar Saddam por meios militares? Em segundo lugar, apesar de mais de 350
inspecções da ONU sem restrições, não houve
quaisquer provas de que o Iraque tenha reiniciado o seu programa de
desenvolvimento de ADM. De facto, as alegações da
administração Bush sobre a capacidade das ADM iraquianas
revelam-se comprovadamente falsas.
[1] [2]
Em terceiro lugar, apesar da retórica do presidente Bush, a CIA
não encontrou quaisquer ligações entre Saddam Hussein e a
Al Qaeda. Pelo contrário, alguns analistas consideram muito mais
provável que a Al Qaeda possa adquirir armas de destruição
maciça sem controle na ex-União Soviética ou mesmo
através de simpatizantes no interior de um Paquistão
desestabilizado.
Além disso, imediatamente após a votação, no
Congresso, da Resolução sobre o Iraque, fomos repentinamente
informados das violações do programa nuclear da Coreia do Norte.
Kim Jong Il está a transformar urânio para produzir armas
nucleares este ano. O Presidente Bush não forneceu uma resposta racional
à questão de saber por que motivo o programa de armas de
destruição maciça aparentemente inactivo de Saddam
representa uma ameaça mais iminente do que o programa de armas nucleares
activo da Coreia do Norte. Estranhamente, Donald Rumsfeld sugeriu que, se
Saddam se exilasse, poderíamos evitar uma guerra com o
Iraque. Ainda mais confuso? Ponhamos então as cartas na mesa: o motivo
fundamental para o derrube de Saddam é, na realidade, o euro.
Embora completamente abafada pelos meios de comunicação
norte-americanos, a resposta para o enigma iraquiano é simples ainda que
chocante. A guerra que se avizinha no Iraque tem fundamentalmente a ver com a
forma como a classe dirigente em Langley e a administração
Bush/Cheney encaram a questão dos hidrocarbonetos do ponto de vista
geoestratégico, e com as ameaças macro-económicas globais
ao dólar americano por parte do euro. O verdadeiro motivo desta reside
no objectivo da administração Bush de impedir que a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) tenda para o euro como padrão monetário das
transacções petrolíferas. No entanto, para antecipar-se
à OPEP, os EUA precisam de obter o controle geoestratégico do
Iraque e das suas reservas petrolíferas, consideradas como as segundas
maiores do mundo.
O presente ensaio tem por objectivo analisar a macroeconomia do
petrodólar e a ameaça, não declarada mas real,
que o euro como divisa alternativa das transacções
petrolíferas representa para a hegemonia económica dos EUA.
O período adiante transcrito mostra a forma como um astuto e
anónimo macro-economista ex-funcionário do governo se referiu
à verdade silenciada da guerra que se avizinha com o Iraque:
O maior pesadelo da Reserva Federal é que a OPEP deixe de realizar
as suas transacções internacionais em dólares e passe a
fazê-lo em euros. Efectivamente, o Iraque efectuou esta mudança em
Novembro de 2000 (quando o euro valia cerca de 82 cêntimos) e na
realidade lucrou bastante com isso, dada a constante depreciação
do dólar em relação ao euro. (Nota: em 2002 o dólar
sofreu uma depreciação de 17% em relação ao euro.)
O verdadeiro motivo pelo qual a administração Bush quer um
governo fantoche no Iraque ou, melhor dizendo, o motivo por que o
conglomerado da rede empresarial-militar-industrial quer um governo fantoche no
Iraque é fazer com que o Iraque retome e continue a utilizar o
padrão dólar. (Esperando ao mesmo tempo vetar qualquer
tendência mais alargada da OPEP para o euro, especialmente por parte do
Irão o 2º maior produtor da OPEP, que está a analisar
activamente a possibilidade de utilizar o euro nas suas
exportações petrolíferas).
Além disso, apesar de a Arábia Saudita ser um dos nossos
Estados clientes, o regime saudita parece cada vez mais
enfraquecido e ameaçado por um massivo descontentamento da sociedade
civil. Alguns analistas consideram plausível a possibilidade de uma
Revolução Saudita no rescaldo da uma impopular
invasão e ocupação do Iraque por parte dos EUA (tal como o
Irão por volta de 1979)
[3]
. É indubitável que a administração Bush
está plenamente consciente destes riscos. Por isso, o enquadramento
neo-conservador implica uma ampla e permanente presença militar na
região do Golfo Pérsico numa era pós-Saddam, para o caso
de termos de cercar e controlar os campos petrolíferos sauditas de
Ghawar na eventualidade de um golpe por parte de um grupo anti-ocidental. Mas
voltemos primeiro ao Iraque:
Saddam marcou o seu destino quando, no final de 2000, decidiu adoptar o
euro (tendo posteriormente convertido o seu fundo de reserva de 10 mil
milhões de dólares na ONU em euros); a partir desse momento, uma
nova Guerra do Golfo orquestrada tornou-se inevitável sob Bush II.
Só circunstâncias muito extremas poderiam talvez evitá-la
agora, e duvido fortemente que alguma coisa o consiga excepto se Saddam
for substituído por um regime dócil.
Perspectiva em grande plano: tudo para além da moeda de reserva e
das questões petrolíferas na Arábia Saudita e no
Irão (isto é, questões de política interna e de
criticismo internacional) é periférico e tem consequências
marginais para a actual administração. Mais ainda, a
ameaça dólar-euro é suficientemente forte para que
não se importem de arriscar grande parte do contragolpe económico
a curto prazo desde que conjurem o colapso do dólar a longo prazo
resultante da eventual substituição do dólar pelo euro nas
transações da OPEP. Tudo isto se ajusta ao Grande Jogo mais amplo
que engloba a Rússia, a Índia e a China.
Esta informação sobre a divisa petrolífera do Iraque
está a ser censurada pelos meios de comunicação social
americanos e pela administração Bush, na medida em que a verdade
poderia potencialmente minar a confiança tanto dos investidores como dos
consumidores, reduzir as operações de endividamento/consumo,
criar pressões políticas para formar uma nova política
energética que lentamente nos afastasse do petróleo do
Médio-Oriente e, evidentemente, travar a nossa marcha para uma guerra
com o Iraque. Este quase segredo de Estado pode ser descoberto num
artigo da
Radio Free Europe,
no qual é analisada a passagem do dólar para o euro efectuada
por Saddam nas transacções petrolíferas, a partir de 6 de
Novembro de 2000:
A passagem do dólar para o euro nas transacções
comerciais petrolíferas efectuada por Bagdad visa castigar a linha dura
de Washington em matéria de sanções e encorajar os
europeus a desafiá-la. Mas a mensagem política custará ao
Iraque a perda de milhões em receitas. O correspondente da
RFE/RL
Charles Recknagel analisa as vantagens e prejuízos do Iraque, assim
como o impacto da decisão de adoptar a moeda europeia.
[4]
Aquando da mudança, muitos analistas mostraram-se surpreendidos por
Saddam estar disposto a renunciar a milhões em receitas do
petróleo pelo que parecia ser uma decisão política. No
entanto, contrariamente a um dos pontos principais defendidos neste artigo
datado de Novembro de 2000, a constante depreciação do
dólar face ao euro desde finais de 2001 significa que o Iraque
beneficiou amplamente com a mudança efectuada na sua moeda de reserva e
de transacções. Com efeito, o
The Observer
divulgou surpreendentemente estes factos num artigo recente intitulado
Iraq nets handsome profit by dumping dollar for euro
(O Iraque obtém lucros fabulosos ao trocar o dólar pelo
euro) (16 de Fevereiro de 2003):
Uma estranha decisão política de Saddam Hussein fez com que
o Iraque ganhasse inesperadamente centenas de milhões de euros. Em
Outubro de 2000 o Iraque desfez-se do dólar 'a moeda do inimigo'
, trocando-o pelo mais multilateral euro.
[5]
Embora esta mudança de moeda efectuada pelo Iraque seja ignorada pela
esmagadora maioria dos meios de comunicação social americanos,
este artigo do
The Observer
mostra que o euro se valorizou quase 25% em relação ao
dólar desde o final de 2001. O mesmo se aplica aos 10 mil milhões
de dólares do fundo de reserva iraquiano na ONU ao abrigo do programa
Petróleo por Alimentos anteriormente em
dólares que se valorizaram na mesma percentagem desde a
mudança. Segundo o já acima referido macro-economista
ex-funcionário do governo, se a OPEP fizesse uma mudança
repentina (colectiva) para o euro em lugar de uma transição
gradual, verificar-se-ia o seguinte cenário:
Além disso, o efeito de uma mudança para o euro por parte
da OPEP obrigaria os países consumidores de petróleo a sacar
dólares dos seus fundos de reserva (dos respectivos Bancos centrais) e a
substituí-los por euros. O dólar perderia cerca de 20 a 40% do
seu valor e as consequências seriam as que se podem esperar do colapso de
qualquer divisa e uma inflação massiva (pense-se na crise
monetária da Argentina, por exemplo). Os fundos estrangeiros
abandonariam os mercados bolsistas americanos e os valores cotados em
dólares, verificar-se-ia certamente uma corrida aos Bancos muito
semelhante à dos anos 30, o serviço do défice da
balança de pagamentos corrente tornar-se-ia impossível, o
défice orçamental entraria em ruptura e assim por diante.
Estaríamos perante um cenário de crise económica
típica do terceiro mundo.
A economia dos Estados Unidos está intimamente ligada ao papel do
dólar como moeda de reserva. Isto não significa que os EUA
não possam funcionar de outra forma, mas a transição teria
de ser gradual para evitar tais disfunções (o resultado final
seria provavelmente uma troca dos papéis dos EUA e da UE na economia
mundial).
Apesar de improvável e na realidade indesejável, o cenário
acima descrito é plausível em determinadas circunstâncias
económicas. De facto, uma das circunstâncias que poderá
criar este tipo de situação é uma guerra próxima no
Médio-Oriente conduzida unilateralmente pelos EUA. Por exemplo, uma
grande subida dos preços do petróleo poderia criar enormes
problemas ao periclitante sistema bancário japonês, o maior
detentor mundial de reservas de dólares americanos. Para evitar esta
guerra no Iraque seria necessária uma administração
americana responsável que convocasse uma reunião dos
países industrializados do G-8. Os EUA poderiam então negociar o
sistema monetário global e chegar a um compromisso quanto à
questão do euro/petróleo. Infelizmente, a actual
administração Bush escolheu uma alternativa militar em vez de uma
conferência multilateral sobre a reforma monetária.
No período subsequente ao derrube de Saddam, é evidente que os
EUA vão manter uma vasta e permanente presença militar no Golfo
Pérsico. De facto, não existe qualquer estratégia de
saída, pois a força militar será necessária
para proteger o novo regime instalado e para enviar aos outros produtores da
OPEP a mensagem de que poderão sofrer uma mudança de
regime caso convertam as suas transacções
petrolíferas em euros.
Uma história interessante ocorrida no Verão passado, e igualmente
silenciada, diz respeito a outro país da OPEP incluído no
Eixo do mal, o Irão, que vacila na questão do euro.
A proposta iraniana de receber o pagamento das vendas de petróleo
bruto à Europa em euros em lugar de dólares baseia-se antes de
mais em factores económicos, declararam fontes iranianas e industriais.
Todavia, acrescentaram as mesmas fontes, as questões
políticas parecem também ter a sua importância na
decisão que for tomada, já que o Irão aproveita a
oportunidade para devolver o golpe ao governo americano, que recentemente o
rotulou de elemento do 'eixo do mal'.
A proposta, que está a ser analisada pelo Banco Central do
Irão, será provavelmente aprovada caso seja apresentada ao
Parlamento nacional, afirmou um representante do Parlamento.
Há muitas probabilidades de os deputados concordarem com esta
ideia
agora que o euro está mais forte, é mais
lógico, acrescentou.
[6]
Por outro lado, e talvez mais significativo, em 2002 a maioria dos fundos de
reserva do Banco Central do Irão foi convertida em euros. Parece
iminente a intenção deste país de fazer com que os
pagamentos petrolíferos sejam efectuados nesta moeda.
Mohammad Abasspour, membro da Comissão Parlamentar para o
Desenvolvimento, anunciou que mais de metade dos valores do país
existentes no fundo de reserva de divisas estrangeiras foi convertida em euros,
tendo assinalado que uma maior taxa de paridade do euro em
relação ao dólar americano permitirá aos
países asiáticos, sobretudo aos exportadores de petróleo,
abrir um novo capítulo nas suas relações com os
países membros da União Europeia.
Ainda segundo Mohammad Abasspour, os EUA dominam outros países
através da moeda e, dada a superioridade do dólar relativamente a
outras moedas fortes, monopolizam o comércio global. Todavia, o
legislador mostrou-se esperançado em que a competição
entre o euro e o dólar venha a eliminar o monopólio do
comércio global.
[7]
Após o derrube de Saddam, esta administração pode decidir
que a deslealdade do Irão para com o dólar o elege como
próximo alvo na guerra contra o terrorismo. O interesse do
Irão em mudar a sua moeda das exportações de
petróleo para o euro está bem documentado. Talvez este artigo do
MSNBC
aluda aos objectivos dos neo-conservadores.
Enquanto discute ainda sobre a forma como derrubar Saddam Hussein, a
administração Bush anda já em busca de novos alvos. O
presidente Bush apelou à expulsão do líder palestiniano
Yasser Arafat. Agora, alguns membros da administração e
seus aliados em grupos de reflexão de Washington têm
já o Irão e até a Arábia Saudita debaixo de mira.
Tal como disse um alto funcionário britânico: 'Toda a gente quer
ir a Bagdad. Os homens a sério querem ir a Teerão'.
[8]
Para além destes riscos políticos respeitantes à
Arábia Saudita e ao Irão, outro factor de risco é
efectivamente o Japão. Talvez o maior risco numa guerra prolongada com o
Iraque possa ser a débil economia japonesa.
[9]
Segundo alguns analistas, se a guerra conduzir a uma subida prolongada (45
dólares por barril durante vários meses) ou a uma subida breve
mas massiva (80 a 100 dólares por barril) dos preços do
petróleo, a frágil economia do Japão entrará em
colapso. O Japão é hipersensível aos preços do
petróleo e se os seus Bancos falhassem, o colapso da segunda maior
economia do mundo poria em movimento uma sequência de eventos que se
poderiam revelar bastante devastadores para a economia dos EUA. De facto, a
queda no Japão devida a uma guerra no Iraque poderia originar
desorganizações económicas que teriam início na
costa do Pacífico, mas que rapidamente se estenderiam à Europa e
à Rússia. Ao contrário dos EUA e do Reino Unido, o governo
russo carece dos controles capazes de travar uma forte pressão
desordenada sobre o dólar, e tal acontecimento poderia, finalmente,
forçar a OPEP a mudar para o euro.
Adicionalmente, podem surgir outros riscos se a guerra no Iraque correr mal ou
se se prolongar demasiado. É possível que haja
agitação social no Kuwait ou noutros países da OPEP,
incluindo a Venezuela, já que este país tem dado sinais de que
pode mudar para o euro, à semelhança do que fez Saddam em
Novembro de 2000. Isto fomentaria precisamente a situação que
esta administração está a tentar evitar: a
adopção do euro como moeda das transacções
petrolíferas por outro membro da OPEP.
A propósito, o último país do eixo do mal
a Coreia do Norte decidiu recentemente, a 7 de Dezembro de 2002,
abandonar o dólar e adoptar o euro nas suas trocas comerciais
[10]
. Ao contrário do que acontece com os produtores da OPEP, esta
decisão da Coreia do Norte terá um impacto económico
negligenciável, mas ilustra as repercussões ao nível
geopolítico da retórica implacável do presidente Bush.
Muito mais preocupante é a recente atitude da Coreia do Norte na
sequência do embargo petrolífero ao seu país. O país
necessita absolutamente de petróleo e alimentos e, num acto de
desespero, reactivou o seu programa nuclear anterior a 1994. A
transformação de urânio parece estar a processar-se a um
ritmo rápido e a estratégia consiste em desencadear
negociações em matéria de alimentos e petróleo com
os EUA. A CIA calcula que a Coreia do Norte pode produzir 4 a 6 armas nucleares
até ao segundo semestre de 2003. Ironicamente, a crise relacionada com o
programa nuclear nortecoreano confirma mais ainda a premissa fraudulenta pela
qual esta guerra com Saddam foi inventada.
Infelizmente, neo-consevadores como George Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld,
Paul Wolfowitz e Richard Perle não percebem que a Lei de Newton se
aplica tanto ao domínio da física como da geopolítica, ou
seja, que para toda a acção há uma
reacção igual mas de sentido oposto.
Durante a década de 90, o mundo via os EUA como uma superpotência
mais preocupada consigo própria, mas essencialmente benevolente. As
acções militares no Iraque (1990-91 e 1998), na Sérvia e
no Kosovo (1999) foram levadas a cabo em cooperação com a ONU e a
NATO, e como tal gozaram de legitimidade internacional. Por outro lado, o
presidente Clinton actuou no sentido de reduzir as tensões na Irlanda do
Norte, tendo também tentado negociar uma resolução para o
conflito israelo-palestiniano. O nosso estatuto de superpotência era
considerado benigno.
No entanto, quer antes quer depois do 11 de Setembro, a política dos
EUA primeiro seguida pela administração Bush, com a
sua falta de vontade de honrar os tratados internacionais, juntamente com a
militarização agressiva da política externa, afectou
significativamente a nossa reputação no estrangeiro. Após
o 11 de Setembro, a retórica belicista do presidente Bush
criou tensões a nível mundial somos agora encarados como
uma superpotência beligerante, disposta a aplicar unilateralmente a
força militar sem a aprovação da ONU. Além disso,
é infeliz o fracasso desta administração em se implicar
activamente em negociações respeitantes ao conflito
israelo-palestiniano.
Lamentavelmente, a imensa solidariedade internacional de que fomos alvo logo
após a tragédia do 11 de Setembro foi substituída pelo
medo e pela cólera contra o nosso governo. A beligerancia desta
administração mudou a visão do mundo, e o
anti-americanismo prolifera mesmo entre os nossos aliados mais
próximos
[11]
.
Ainda mais alarmantes, e completamente silenciadas nos meios de
comunicação social americanos, são as significativas
transições, registadas nos fundos de reserva de governos
estrangeiros, do dólar para o euro
[12] [12a] [12b]
. Verifica-se que a comunidade internacional não confia nas
políticas económicas da administração Bush e,
juntamente com a OPEP, parece decidida a reagir com medidas de carácter
económico se o governo americano se apresentar como uma
superpotência perigosa e incontrolável. Apesar da censura exercida
pelos meios de comunicação social, é cada vez mais
plausível o abandono do dólar como padrão e a
adopção do euro. Um interessante artigo britânico de Hazel
Henderson descreve a dinâmica e os potenciais resultados deste processo:
O fim mais provável da hegemonia dos EUA pode ocorrer
através da combinação de preços do petróleo
elevados (provocados pela política externa dos EUA em
relação ao Médio-Oriente) e de uma
depreciação mais profunda do dólar (esperada por muitos
economistas). Alguns elementos deste cenário:
1. O super-empenhamento
global dos EUA na 'guerra contra o terrorismo' que, tanto quanto possamos ver,
está já a levar a défices combinados com os
défices comerciais historicamente mais elevados dos EUA conduz a
uma nova pressão sobre o dólar. Isto e as depressões do
mercado bolsista tornam os EUA menos atractivos para o capital mundial.
2. Mais países em desenvolvimento seguem a iniciativa da
Venezuela e da China, substituindo a pouco e pouco o dólar pelo euro nas
suas reservas monetárias. Esta transição do dólar
para o euro nas carteiras de valores da América Latina e da Ásia
poderá manter o dólar e o euro com uma paridade muito
próxima.
3. A OPEP poderá
actuar em alguns dos seus debates internos e decidir (após
aquisições coordenadas de euros no mercado aberto) anunciar, numa
futura reunião em Viena, que o petróleo da OPEP será
redenominado em euros, ou até numa nova divisa própria sustentada
pelo petróleo. Um ataque dos EUA contra o Iraque eleva o preço do
petróleo para 40 euros o barril.
4. Os esforços
da administração Bush para controlar a agenda política
interna fracassam. Os prejuízos causados pelo fracasso dos
serviços secretos antes do 11 de Setembro e as advertências de
novos atentados terroristas iminentes precipitam uma nova queda do mercado
bolsista.
5. Todos os
esforços dos Democratas e de 57% do público americano no sentido
de a política energética se orientar para as energias
renováveis, para padrões de eficiência energética,
para a normalização, para maiores taxas sobre os
combustíveis, etc., são bloqueados pela
administração Bush e pelos seus partidários da
indústria de combustíveis fósseis. Assim, os EUA
permanecem vulneráveis aos fornecimentos de energia e aos choques dos
preços.
6. A União
Europeia reconhece o seu próprio poder económico e
político à medida que o euro aumenta e passa a ser a outra moeda
de reserva mundial. O G-8 coloca o euro e o dólar numa margem de
flutuação suprimindo estas duas poderosas divisas dos
écrans dos especuladores (toda a gente fica a ganhar!). Tony Blair
convence os britânicos desta razão de peso para que o Reino Unido
integre a zona euro.
7. Os países em
desenvolvimento que não têm dólares ou moedas 'fortes'
seguem a iniciativa da Venezuela e começam a permutar directamente e
entre si as suas mercadorias
sub-avaliadas através do comércio electrónico e de acordos
de comércio recíproco.
O presidente Chavez assinou com 13 países acordos comerciais deste tipo
com base no petróleo venezuelano, por exemplo com Cuba em troca de
pessoal paramédico cubano, que está a montar clínicas em
aldeias rurais da Venezuela.
Resultado deste cenário? Os Estados Unidos já não
poderiam manter os seus enormes défices comerciais da balança de
pagamentos nem continuar a empenhar-se em guerras globais contra o terrorismo
ou o mal. Os EUA acabariam com as suas políticas unilaterais. Uma nova
administração dos EUA começaria a regressar à sua
tradição multilateral, deixaria de obstruir a ONU, regressando a
esta instância, e cooperaria de forma mais realista a nível
internacional.
[13]
No que diz respeito aos acontecimentos em curso na Venezuela, os pontos 2 e 7
da lista supra poderão dizer respeito aos motivos pelos quais a
administração Bush subscreveu rapidamente o fracassado golpe
militar contra Hugo Chavez em Abril de 2002. Apesar de o golpe ter falhado dois
dias depois, vários relatórios sugerem que a CIA e uma
administração Bush bastante embaraçada aprovaram o golpe e
podem ter estado activamente envolvidas com os golpistas civis e militares.
A administração de George W. Bush foi a principal derrotada
no fracassado golpe, sublinhando a sua política hemisférica em
bancarrota. Agora, começa a transpirar a notícia de que, nos
últimos meses, funcionários da Casa Branca se reuniram com
protagonistas do golpe, incluindo Carmona. Embora a administração
insista em que objectou explicitamente a qualquer acção
extra-constitucional para afastar Chavez, os comentários de altos
funcionários americanos não conseguiram convencer muitos...
O papel da CIA numa greve chilena em 1971 pode ter servido de modelo para
criar instabilidade económica e social com vista ao derrube de Chavez.
Na greve dos camionistas desse ano, a Agência orquestrou e financiou
secretamente o prolongamento artificial de uma greve montada para asfixiar
economicamente o governo esquerdista de Salvador Allende.
Este guião teria contado com operacionais da CIA actuando em
ligação com os militares venezuelanos, bem como com dirigentes
empresariais e sindicais da oposição, para converter uma pequena
greve de uma tarde efectuada por pessoal administrativo num quase bem sucedido
golpe de graça.
[14]
É interessante saber que, de acordo com um artigo de Michael Ruppert, o
embaixador venezuelano Francisco Mieres-Lopez terá avançado a
ideia de adoptar o euro como divisa das transacções
petrolíferas cerca de um ano antes da fracassada tentativa de golpe.
Além disso, há provas de que a CIA continua activa nas suas
tentativas de derrubar o governo de Chavez democraticamente eleito. Com efeito,
em Dezembro passado, um funcionário do governo do Uruguai descreveu as
operações encobertas da CIA em curso na Venezuela:
O congressista uruguaio do EP-FA (Encuentro Progresista-Frente Amplio)
Jose Nayardi afirma ter informações de que um plano de grande
alcance foi preparado pela CIA e outros serviços secretos americanos
para derrubar o presidente venezuelano Hugo Chavez Frias nas próximas 72
horas...
Nayardi afirma ter recebido cópias de comunicações
ultra-secretas entre a administração Bush em Washington e o
governo do Uruguai, solicitando a cooperação deste para apoiar
executivos empresariais e activistas sindicais para 'quebrar a
intransigência no seio da administração de Chavez
Frias'.
[15]
A Venezuela é o quarto maior produtor de petróleo e as elites
empresariais, cujo poder político se exerce sem restrições
na oligarquia Bush/Cheney, parecem interessadas na privatização
da indústria petrolífera venezuelana. Além disso, é
possível que o poder estabelecido esteja preocupado com o facto de os
acordos de permuta recíprocos de Chavez com 12 países
da América Latina e com Cuba estarem efectivamente a excluir o
dólar americano do ciclo vital das transacções
petrolíferas. Estes países têm vindo a comercializar
matérias-primas em troca de petróleo venezuelano, reduzindo assim
a dependência do dólar fiduciário
(fiat)
NT
. Se proliferarem, estas transacções petrolíferas
originais poderão aumentar a pressão sobre o dólar no
sentido da desvalorização. Parece provável a
prossecução de tentativas da CIA para afastar Hugo Chavez.
A economia americana adquiriu desequilíbrios estruturais significativos,
nomeadamente um défice comercial recorde (agora quase 5% do PIB), um
défice de 6,3 milhões de milhão de dólares (60% do
PIB) e o recente regresso a défices orçamentais anuais que se
elevam a centenas de milhares de milhões. De acordo com as velhas
regras, estes factores levariam à desvalorização da
moeda em qualquer nação. Por que motivo o dólar
mantém a sua predominância apesar destes desequilíbrios
estruturais? Enquanto que muitos americanos consideram que a força do
dólar assenta apenas na nossa produção
económica (isto é, no PIB), as elites governantes compreendem que
a força do dólar se baseia em duas vantagens fundamentalmente
únicas em relação a todas as outras divisas fortes.
A realidade é que a força do dólar americano reside, desde
1945, no facto de ser a moeda de reserva internacional, assumindo assim a
função de moeda fiduciária para as
transacções globais de petróleo (isto é, o
petrodólar). Os EUA imprimem centenas de milhares de milhões
destes petrodólares fiduciários, que são depois utilizados
pelos Estados para comprar petróleo/energia aos produtores da OPEP
(excepto o Iraque, em certa medida a Venezuela e talvez o Irão num
futuro próximo). Estes petrodólares voltam depois da OPEP para os
Estados Unidos sob a forma de títulos do Tesouro ou outros valores
denominados em dólares, tais como acções e
obrigações dos EUA, bens imobiliários, etc. No fundo, o
consumo mundial de petróleo fornece um subsídio à economia
americana. Por isso, os europeus criaram o euro para competir com o
dólar enquanto moeda de reserva internacional alternativa. Obviamente, a
União Europeia também gostaria que os preços do
petróleo fossem fixados em euros.
As velhas regras para a avaliação do dólar e
do poder económico dos EUA baseavam-se no nosso mercado flexível,
na livre circulação de bens, na elevada produtividade por
trabalhador, nos excedentes de produção e comércio, na
supervisão governamental das metodologias contabilísticas (isto
é, na SEC* Securities and Exchange Comission: controle da bolsa
de valores), no desenvolvimento das infra-estruturas, no sistema educativo e,
evidentemente, no total de moeda em circulação e na
rentabilidade. A nossa superioridade militar acrescentava ainda mais alguma
confiança no dólar. Embora muitos destes factores continuem
presentes, durante as duas últimas décadas diluímos alguns
desses valores económicos de segurança. Apesar dos
vastos desequilíbrios e problemas estruturais que grassam no interior da
economia americana, o dólar como moeda fiduciária das
transacções petrolíferas criou novas regras.
Os excertos que se seguem de um artigo do
Asia Times
analisam as virtudes da nossa moeda fiduciária das
transacções petrolíferas e da hegemonia do dólar
(ou os vícios, do ponto de vista das nações em
desenvolvimento, cuja dívida é denominada em dólares).
Desde 1971, quando o presidente americano Richard Nixon retirou o
dólar do padrão ouro (a 35 dólares por onça) que
tinha sido acordado na Conferência de Bretton Woods no final da Segunda
Guerra Mundial, o dólar tem sido um instrumento monetário global
que os Estados Unidos, e só Estados Unidos, podem produzir com base na
confiança
(fiat)
. O dólar, que é agora uma moeda
fiduciária
, encontra-se há 16 anos a um alto nível ponderado, de acordo com
a balança comercial, apesar dos défices recorde da balança
de pagamentos norte-americana e do facto de os EUA serem a nação
mais endividada. A dívida nacional dos EUA elevava-se, a 4 de Abril, a
6,021 mil milhões de dólares em comparação com um
produto interno bruto (PIB) de 9 mil milhões de dólares.
O comércio internacional é agora um jogo em que os EUA
produzem dólares e o resto do mundo produz bens que os dólares
podem comprar. As economias interligadas do mundo já não
transaccionam a fim de obter uma vantagem comparativa: competem nas
exportações para obter os dólares necessários ao
serviço de dívidas externas denominadas em dólares e para
acumular reservas de dólares a fim de sustentarem o valor cambial das
suas moedas nacionais. Com vista a impedir ataques especulativos e
manipuladores contra as suas moedas, os bancos centrais do mundo têm que
adquirir e manter reservas em dólares equivalentes às suas moedas
em circulação. Quanto maior for a pressão do mercado para
desvalorizar uma determinada moeda, mais reservas em dólares deve ter o
respectivo banco central. Isto cria um apoio intrínseco a um
dólar forte, o que, por sua vez, obriga os bancos centrais do mundo a
adquirir e manter mais reservas em dólares, fortalecendo-o ainda mais.
Este fenómeno é conhecido como a hegemonia do dólar, que
é criada pelo facto peculiar, construído geo-politicamente, de as
mercadorias críticas, sobretudo o petróleo, serem cotadas em
dólares. Todos aceitam dólares porque estes podem comprar
petróleo. A reciclagem de petrodólares é o preço
que os EUA impuseram aos países produtores de petróleo em troca
da tolerância americana do cartel exportador de petróleo desde
1973.
Por definição, as reservas em dólares têm de
ser investidas em activos americanos, criando um excedente na balança de
capitais para a economia dos EUA. Mesmo depois de um ano de aguda
correcção, a avaliação das acções e
obrigações americanas ainda está ao nível mais alto
em 25 anos, vendendo-se a um valor superior em 56% ao dos mercados emergentes.
...O excedente da balança de capitais financia, por sua vez, o
défice da balança comercial dos EUA. Além disso, qualquer
activo cotado em dólares, independentemente da sua
localização, é em essência um activo dos EUA. Dado
que o petróleo é denominado em dólares através da
acção estatal americana e o dólar é uma moeda
fiduciária, os EUA no fundo obtêm gratuitamente o petróleo
mundial. E quanto mais dólares imprimirem, maior será o valor dos
seus activos. Deste modo, uma política de dólar forte,
proporciona aos EUA um duplo benefício.
[16]
Este acordo geopolítico único com a Arábia Saudita em 1973
funcionou a nosso favor nos últimos 30 anos, já que eliminou os
riscos monetários relacionados com o petróleo, elevou o valor
total dos activos/bens denominados em dólares e permitiu à
Reserva Federal criar uma dívida e uma expansão do crédito
verdadeiramente maciça (ou uma bolha de crédito,
segundo alguns economistas). Estes desequilíbrios estruturais na
economia americana são sustentáveis enquanto:
1- As nações continuarem a precisar de comprar petróleo
para as suas necessidades de energia e sobrevivência;
2- A moeda fiduciária de reserva para as transacções
petrolíferas continuar a
ser o dólar americano (e apenas o dólar).
Estes factores subjacentes, juntamente com a reputação de
segurança dos investimentos nos EUA permitida pelo estatuto
do dólar de moeda de reserva, conduziram os EUA à hegemonia
económica e militar no período posterior à Segunda Guerra
Mundial. No entanto, a introdução do euro é um factor novo
significativo e parece ser a principal ameaça à hegemonia
económica dos EUA. Além disso, em Dezembro de 2002, mais dez
países receberam o aval para a sua plena integração na
União Europeia. Em 2004, a UE terá um PIB de 9,6 milhão
de milhões de dólares e uma população de 450
milhões de pessoas, competindo directamente com a economia dos EUA (PIB
de 10,5 milhão de milhões de dólares, 280 milhões
de pessoas).
Especialmente interessante é um discurso proferido por Javad Yarjani,
chefe do Departamento de Análise do Mercado de Petróleo da OPEP,
numa visita a Espanha em Abril de 2002. O seu discurso incidiu inteiramente
sobre o tema da moeda-padrão das transações
petrolíferas da OPEP com respeito ao dólar e ao euro. Os excertos
adiante reproduzidos da intervenção deste executivo da OPEP
dão uma ideia das condições que criariam o impulso para
uma mudança da divisa da OPEP para o euro. Na verdade, a sua
análise franca merece ser cuidadosamente tomada em
consideração, na medida em que dois dos factores variáveis
que assinala para a mudança já ocorreram desde o momento em que
este discurso foi proferido, na Primavera de 2002. Estas
intervenções fundamentais sobre o euro e o seu potencial para a
aquisição do petróleo são analisadas nos meios de
comunicação social europeus, mas foram completamente censuradas
nos meios de comunicação social americanos.
... A questão que se coloca é a de saber se o euro se
estabelecerá nos mercados financeiros mundiais, desafiando assim a
supremacia do dólar americano e provocando, consequentemente, uma
alteração na situação dominante do dólar nos
mercados petrolíferos. Como todos sabemos, o poderoso dólar
impera desde 1945, e nos últimos anos ganhou ainda mais terreno com o
domínio económico dos Estados Unidos, uma situação
que poderá não se alterar no futuro próximo. No final dos
anos 90, mais de quatro quintos de todas as transacções em
divisas estrangeiras e metade de todas as exportações mundiais
eram denominadas em dólares. Além disso, a divisa americana
constitui cerca de dois terços de todas as reservas monetárias
oficiais. A dependência mundial do dólar americano para os
pagamentos comerciais prendeu os países a reservas em dólares que
são desproporcionalmente maiores do que a quota-parte americana na
produção mundial. A quota-parte do dólar na
denominação do comércio mundial é também
muito maior do que a quota dos Estados Unidos nesse comércio.
Dito isto, note-se que, a longo prazo, o euro não é muito
desvantajoso em relação ao dólar, se compararmos a
dimensão relativa das economias envolvidas, tendo especialmente em conta
os planos de alargamento da UE. Além disso, a zona euro tem uma quota
maior no comércio mundial do que os EUA e, enquanto estes têm um
enorme défice da balança de pagamentos, a zona euro tem uma
posição melhor e mais equilibrada nas contas externas. Um dos
argumentos que pesa mais a favor de manter o preço e os pagamentos
petrolíferos em dólares tem sido o facto de os Estados Unidos
continuarem a ser um grande importador de petróleo, apesar de serem eles
próprios um importante produtor de petróleo bruto. No entanto,
observando as estatísticas de exportação de
petróleo bruto, nota-se que a zona euro é um importador de
petróleo e seus derivados ainda maior do que os EUA...
... Do ponto de vista da UE, é claro que a Europa preferiria que
os pagamentos do petróleo passassem a ser efectuados em euros, o que
eliminaria efectivamente os riscos cambiais. Aumentaria também a procura
do euro, contribuindo assim para aumentar o seu valor. Por outro lado,
já que o petróleo constitui uma matéria-prima tão
importante no comércio mundial, em termos de valor, se os preços
passassem a ser denominados em euros, isso representaria um impulso à
aceitação global da moeda única. Existem também
laços comerciais muito fortes entre os países membros da OPEP e a
zona euro, na medida em que mais de 45% do total das importações
de mercadorias dos países membros da OPEP provêm dos países
da zona euro, enquanto os países membros da OPEP são os
principais fornecedores de petróleo e produtos derivados da Europa....
Da maior importância para o êxito do euro, em matéria
de preços do petróleo, será se os dois maiores produtores
de petróleo europeus o Reino Unido e a Noruega aderirem
à moeda única. Naturalmente, a futura integração do
Reino Unido na zona euro e da Noruega na Europa será importante, pelo
facto de serem os dois maiores produtores regionais de petróleo do Mar
do Norte, de onde provém o parâmetro internacional para o
petróleo bruto o Brent. Isto poderia impulsionar a mudança
do sistema de preços do petróleo para o euro...
A curto prazo, espera-se que os países membros da OPEP,
possivelmente com algumas excepções, continuem a aceitar o
pagamento em dólares. Não obstante, penso que a OPEP não
porá completamente de parte a possibilidade de vir a adoptar o euro como
moeda para as transacções petrolíferas. Esta
Organização, tal como muitas outras entidades financeiras hoje em
dia, está também a avaliar a forma como o euro se adaptará
à sua vida como nova divisa. A interrogação crítica
para os operadores do mercado diz respeito ao valor geral e à
estabilidade do euro, assim como à questão de saber se outros
países da União adoptarão a moeda única...
É muito possível que, com o incremento do comércio
bilateral entre o Médio Oriente e a União Europeia, seja
praticável estabelecer os preços do petróleo em euros,
considerando que a Europa é o principal parceiro económico dessa
região. Isto fomentaria o estreitamento de laços entre estes
blocos comerciais, aumentando as trocas comerciais e ajudando a atrair o muito
necessário investimento europeu no Médio Oriente.
A longo prazo, uma das perguntas que nos ocorre colocar refere-se
à questão de saber se poderá um sistema duplo operar em
simultâneo. Será possível aplicar um sistema de
preços em dólares no hemisfério ocidental e em euros no
resto do mundo? Este será o teste ao euro, caso esta divisa ganhe
terreno no mercado das transações petrolíferas.
... Se o euro se contrapuser ao dólar em força, o que
essencialmente poderia incluí-lo na cotação das
transacções petrolíferas, isso poderia levar à
emergência de um sistema que, a longo prazo, beneficiaria mais
países. Talvez com uma maior integração europeia e uma
forte economia europeia, isto se possa tornar realidade. O tempo poderá
estar do vosso lado. Desejo ao euro o maior sucesso.
[17]
Segundo este importante discurso, o impulso para que a OPEP considere a
mudança para o euro será maior quando a União Europeia se
expandir em Maio de 2004 para 450 milhões de habitantes, com a
integração de mais dez Estados membros. O PIB da UE
aumentará de 7 para 9,6 milhões de milhão de
dólares. Esta União Europeia alargada terá uma
população consumidora de petróleo 33% maior que os Estados
Unidos e, a partir de meados de 2004, mais de metade do petróleo bruto
da OPEP será vendido à UE. Isto não inclui outros
potenciais participantes no euro/UE, tais como o Reino Unido, a Noruega, a
Dinamarca e a Suécia. Refira-se que, desde os finais de 2002, o euro tem
sido cotado em paridade ou acima do dólar, e os analistas predizem que
este manterá a sua tendência descendente em relação
ao euro em 2003.
Os dois últimos pontos fundamentais que levariam à
transição da OPEP para o euro basear-se-ão no seguinte:
(1) se e quando o petróleo bruto Brent da Noruega for redenominado em
euros e (2) quando o Reino Unido adoptar o euro. No que respeita a este
último, Tony Blair está a exercer fortes pressões para que
o Reino Unido adopte o euro, adopção essa que parece iminente
ainda na presente década. Se e quando o Reino Unido adoptar o euro,
penso que se dará início a um esforço concertado para
instituir o euro como uma moeda de reserva internacional. Uma vez mais,
forneço a seguinte informação do macro-economista
já referido, que analisa muito cuidadosamente estas questões
monetárias internacionais:
O voto crucial será provavelmente o da Suécia, país
onde a aprovação, no próximo Outono, da
adopção do euro impulsionaria também o forte desejo do
governo dinamarquês de fazer o mesmo. As sondagens na Dinamarca indicam
agora que o euro será aprovado com uma margem confortável, e as
sondagens de opinião na Noruega mostram uma crescente maioria a favor da
integração na UE. Na realidade, dado que a Noruega já
transpôs a maioria das directivas económicas da UE através
da participação no
Espaço Económico Europeu e com a sua moeda fortemente apreciada,
a adopção do euro não só está facilitada,
como traria grandes benefícios económicos.
Após a Suécia, o mesmo acontecerá provavelmente com
a Dinamarca e a Noruega. O verdadeiro obstáculo à
conversão do euro numa divisa de transação e reserva
internacional é o Reino Unido. Enquanto o Reino Unido se mantiver fora
da zona euro, a redução dos custos cambiais entre o euro e a
libra inglesa continuará a ser a prioridade óbvia. A
adopção do euro por parte da Grã-Bretanha (quase certa a
longo prazo) exerceria uma pressão significativa para a
refixação do parâmetro do petróleo bruto Brent
que é comercializado no International Petroleum Exchange, em
Londres e, tanto quanto eu saiba, os noruegueses não teriam
certamente nenhuma objecção a fazer, quer adiram ou não
à União Europeia.
Por último, no meu ponto de vista, as iniciativas no sentido de
reduzir a dominação global por parte do dólar já
estão bem encaminhadas e só têm motivos para continuar.
Parece bastante improvável que haja uma mudança nos preços
da OPEP antes de 2004 excepto por motivos políticas (por exemplo,
de membros inquietos da OPEP) ou um colapso desordenado do dólar (por
exemplo, da Banca japonesa devido à subida dos preços do
petróleo subsequente a um conflito prolongado no Iraque) , mas
afigura-se bastante viável que tenha lugar antes do fim da
década.
Por outras palavras, por volta de 2005/2006, numa perspectiva meramente
económica e monetária, será lógico para
vários produtores da OPEP passar a fazer as transacções
petrolíferos em euros. É evidente que isto desvalorizará o
dólar e afectará a economia norte-americana, a não ser que
os EUA procedam de imediato a alterações monetárias e
estruturais ou usem o seu maciço poder militar para forçar
os acontecimentos na OPEP...
Perante estas possibilidades, ponho a hipótese de o presidente Bush
querer derrubar Saddam em 2003 para tentar, antecipadamente, iniciar uma
produção maciça de petróleo iraquiano muito
superior à das quotas da OPEP, de forma a reduzir os preços
mundiais do petróleo e, deste modo, desmantelar os controles de
preços da OPEP. O objectivo final dos neo-conservadores é
incrivelmente arrojado, ainda que simples no seu propósito: utilizar a
guerra contra o terrorismo como premissa para dissolver finalmente
o processo decisório da OPEP, e evitar assim em última
instância a inevitável transição para a
fixação dos preços do petróleo em euros.
Como quebraria a administração Bush o controle de preços
do cartel da OPEP num Iraque pós-Saddam? Em primeiro lugar, o regime
recém-instalado (aparentemente um general americano) fará com que
o Iraque regresse ao padrão dólar. Em seguida, com o
exército americano a proteger os poços de petróleo, a nova
junta governante tomará as medidas necessárias para aumentar
rapidamente a produção de petróleo iraquiano muito
para além da quota de 2 milhões de barris por dia da OPEP.
O Dr. Nayyer Ali apresenta uma análise sucinta da forma como as reservas
petrolíferas sub-exploradas do Iraque não serão uma
fonte de lucro para o Governo americano, mas servirão o
objectivo geo-estratégico mais importante de fornecer o instrumento
económico crucial para reduzir e desintegrar os controles de
preços da OPEP, na perspectiva do objectivo há muito prosseguido
pelos neo-conservadores de desmantelamento da OPEP:
... Apesar deste imenso mar de petróleo, o Iraque nunca produziu a
um nível proporcional às suas reservas. Desde a Guerra do Golfo,
a produção iraquiana tem sido limitada por sanções
e por vendas permitidas ao abrigo do programa Petróleo por Alimentos
(através do qual o Iraque vendeu petróleo no valor de 60 mil
milhões de dólares nos últimos 5 anos), bem como pelo que
consegue vender em contrabando. Isto eleva-se a menos de mil milhões de
barris por ano. Se o Iraque reintegrasse a economia mundial, haveria um
investimento maciço no seu sector petrolífero e a sua
produção aumentaria para 2,5 mil milhões de barris por
ano, ou seja, cerca de 7 milhões de barris por dia.
A produção mundial total de petróleo é de
cerca de 75 milhões de barris/dia e a OPEP no seu conjunto produz cerca
de 25 milhões de barris/dia.
Quais seriam as consequências desta situação?
Há dois elementos óbvios.
Em primeiro lugar, seria o colapso da OPEP, cuja estratégia de
limitar a produção para maximizar o preço terá
finalmente atingido o seu limite. Um Iraque capaz de produzir tanto
petróleo quererá fazê-lo e não permitirá
à OPEP limitá-lo a dois milhões de barris por dia. Se o
Iraque ultrapassar a sua quota, então quem na OPEP abdicará de
uma produção de 5 milhões de barris? Ninguém se
poderia permitir isso e a OPEP morreria. Isto levaria à segunda maior
consequência, que é o colapso do preço do petróleo
para a ordem dos 10 dólares por barril. O mundo consome actualmente 25
mil milhões de barris por ano, de maneira que uma descida de 15
dólares pouparia às nações consumidoras de
petróleo 375 mil milhões de dólares por ano nos custos do
petróleo bruto.
.. A guerra no Iraque não é uma forma de fazer dinheiro.
Mas poderia ser uma forma de desmantelar a OPEP. Isso, no entanto, é um
resultado a longo prazo que requererá que o Iraque seja
reconstituído com êxito e posto a funcionar, de forma a que seja
possível fazer um investimento maciço no sector
petrolífero.
[18]
O povo americano não tem, em grande medida, consciência dos riscos
económicos decorrentes da próxima guerra lançada pelo
presidente Bush. Não só a débil economia japonesa fica em
grave perigo com uma explosão dos preços de petróleo, como
também existem riscos adicionais relacionados com o Irão e a
Venezuela; qualquer um destes países poderá orientar-se para o
euro, dando assim mais impulso para que a OPEP actue de acordo com os seus
debates internos e adopte o euro como nova divisa
petrolífera. A administração Bush acredita que, derrubando
Saddam,
suprimirá a interdição
, permitindo desta forma aos Estados Unidos controlar as enormes reservas de
petróleo iraquianas, e finalmente quebrar e dissolver os dez restantes
países da OPEP.
Este último aspecto é sem dúvida um risco significativo,
mesmo que se verifique o cenário mais favorável de uma guerra
rápida e relativamente indolor que derrube Saddam e deixe intactos os
campos de petróleo do Iraque. É um facto que a OPEP poderia
sentir-se ameaçada pelo objectivo dos neo-conservadores de desmantelar o
controle dos preços (22 a 28 dólares por barril). Talvez o
ambicioso objectivo da administração Bush de inundar o mercado
com petróleo bruto iraquiano possa ser alcançado, mas tenho
dúvidas. Irá a OPEP simplesmente tolerar que o Iraque viole a
quota de produção de petróleo, dando-lhes assim uma
lição de suicídio? Pelo contrário, a OPEP poderia
reunir-se em Viena e, num acto de auto-preservação, redenominar a
divisa petrolífera em euros. Tal decisão marcaria o fim da
hegemonia do dólar americano e, dessa maneira, o fim do nosso
precário estatuto de superpotência económica. Uma vez mais
transcrevo a interessante análise do meu amigo perito, sobre o jogo
colossal que esta administração está prestes a empreender:
Um dos segredos sujos da actual ordem internacional é que o resto
do mundo poderia, quando entendesse, retirar aos Estados Unidos o seu estatuto
de potência hegemónica, abandonado de forma concertada o
dólar como moeda padrão. Este é o calcanhar de Aquiles
preeminente e iniludível da América, agora e no futuro
previsível.
Que tal caminho não tenha sido seguido até à data
tem mais a ver com o facto de outras nações ocidentalizadas,
altamente desenvolvidas, não terem nenhum interesse em sofrer as grandes
rupturas que se seguiriam embora isto pudesse perfeitamente acontecer no
caso de se confirmar o consenso sobre o ponto de vista de os Estados Unidos
são uma espécie de nação 'pária', ou seja,
se os perigos da hegemonia da América sobre o mundo forem alguma vez
considerados como um fardo maior do que os perigos decorrentes do derrube da
ordem internacional. A administração Bush e o movimento
neo-conservador encetaram um caminho em múltiplas frentes para assegurar
que nada disto possa acontecer, mediante uma afirmação graduada
da hegemonia militar a somar-se à actual hegemonia económica.
O paradoxo que ilustrei com este cenário limitado é que o
próprio caminho quixotesco pode muito bem provocar o resultado temido
que pretende evitar. Veremos!
Com esta administração, regressámos, lamentavelmente, a
maciços gastos deficitários. E a falta de um forte controle do
SEC erodiu ainda mais a confiança dos investidores. De facto, a
deficiente política económica e fiscal da
administração Bush, resultando em anos de défices
projectados, pode estar a exacerbar a debilidade do dólar, se não
mesmo a obrigar alguns países a diversificar as reservas dos seus Bancos
centrais em euros como alternativa ao dólar. Numa perspectiva de
política externa, a desvinculação de numerosos tratados
internacionais e o desdém pela cooperação internacional
através da ONU e da NATO irritaram até os nossos aliados mais
próximos.
Sinopse:
Dir-se-ia que qualquer tentativa por parte dos Estados membros da OPEP no
Médio-Oriente ou na América Latina de transitarem para o euro
como padrão monetário das transacções
petrolíferas conduzirá quer a intervenções
militares dos EUA, quer a intervenções encobertas dos
serviços secretos americanos. Sob o disfarce de uma perpétua
guerra contra o terrorismo, a administração Bush
está a manipular o povo americano sobre as razões
macro-económicas, não declaradas mas muito reais, para esta
próxima guerra com o Iraque. A guerra no Iraque não se
baseará em nenhuma ameaça proveniente do antigo programa de armas
de destruição maciça de Saddam ou do terrorismo. Esta
guerra travar-se-á pela divisa mundial do petróleo. Uma guerra
que pretende evitar que o preço do petróleo seja fixado em euros.
Infelizmente, os americanos tornaram-se, em grande medida, ignorantes e
complacentes. Demasiados de nós estão dispostos a ser governados
pelo medo e pela mentira, mais do que pela persuasão e pela verdade.
Permitiremos que o nosso governo inicie a perigosa doutrina
preventiva fazendo uma guerra impopular no Iraque, enquanto recusamos
reconhecer que Saddam não representa uma ameaça iminente para os
Estados Unidos? Além disso, parecemos incapazes de confrontar a
fragilidade estrutural da nossa economia devido à maciça
manipulação da dívida, a incomportáveis
reduções fiscais em 2001, a níveis recorde de
défices comerciais, à insustentável expansão do
crédito, a abusos na contabilidade das empresas, a poupanças
pessoais quase nulas, a um endividamento pessoal recorde e à nossa
dependência e consumo exagerado do petróleo do Médio
Oriente.
Independentemente do que o Dr. Blix encontrar ou deixar de encontrar no Iraque
no que se refere às armas de destruição maciça,
parece que o presidente Bush está determinado em prosseguir a sua guerra
imperialista preventiva para assegurar uma grande parte dos
hidrocarbonetos que restam na Terra e, em seguida, utilizar o subaproveitado
petróleo iraquiano para destruir o cartel da OPEP. Este jogo
resultará? Ainda está para se ver. De qualquer forma, a
história da guerra está cheia de consequências inesperadas.
É bastante plausível que a nossa nação possa sofrer
não só com o aumento do terrorismo patrocinado pela Al Qaeda, mas
também com a retaliação económica da comunidade
internacional ou dos membros da OPEP. Ficaremos tranquilamente sentados a ver a
CNN, enquanto o nosso governo se torna um pária internacional ao ignorar
o direito internacional lançando-se numa guerra unilateral contra o
Iraque? Poderemos continuar a reclamar-nos da prática de um capitalismo
liberal enquanto impomos uma economia dirigista no domínio das
transacções petrolíferas mundiais? Por último, como
podemos impedir efectivamente a ameaça do terrorismo internacional da Al
Qaeda se alienamos tantos dos nossos aliados europeus?
Devemos colocarmo-nos esta questão fundamental: é moralmente
defensável espalhar os nossos corajosos, mas ingénuos, jovens
soldados pelo globo, para impor a hegemonia do dólar americano nas
transacções petrolíferas mundiais através do cano
das espingardas? Permitiremos a conquista imperialista do Médio Oriente
para alimentar o nosso consumo excessivo de petróleo, enquanto ignoramos
o derrube dúplice de um governo democraticamente eleito na
América Latina? É aceitável que um presidente dos Estados
Unidos ameace utilizar a força militar contra
Estados-nação da OPEP devido às suas opções
soberanas quanto à divisa a utilizar nas suas exportações
de petróleo? Concordo com a opinião do Dr. Peter Dale Scott sobre
estas questões:
... esperemos que os americanos decentes contestem a noção
de que é adequado lançar mísseis e bombas sobre civis de
outro país que pouco ou nada têm a ver com esta crise (financeira)
cuja responsabilidade é da própria América...
... Uma abordagem multilateral destes problemas fundamentais é a
única forma de proceder. Os Estados Unidos são suficientemente
fortes para dominar o mundo militarmente. Economicamente estão em
declínio, cada vez menos competitivos e cada vez mais endividados. A
intenção dos homens de Bush parece ser a de ultrapassar as
realidades económicas com as militares, como se não existisse o
risco de retaliação económica. Deveriam recordar-se da
humilhante retirada britânica do Suez em 1956, uma retirada
forçada pelos Estados Unidos como condição para sustentar
a queda da libra britânica.
[19]
Paradoxalmente, estas políticas belicistas da actual
administração norte-americana poderão levar precisamente
ao resultado que pretendem evitar uma transição da OPEP
para o euro. Patriotas informados compreendem que o super-empenhamento
imperialista militante é não só prejudicial ao nosso
estatuto internacional, como pode também, por sua vez, prejudicar
gravemente a nossa estabilidade económica. Assim, calar-se é
não só patriotismo errado como falso. Não devemos ficar em
silêncio e ver o nosso país tornar-se uma superpotência
delinquente, apoiando-se na força bruta, forçando
deste modo as nações desenvolvidas ou a OPEP a abandonar o
padrão dólar e com uma simples estocada dilacerar
o império dos EUA.
Não tem de ser este o nosso destino. Quando começaremos a exigir
que o nosso governo inicie o longo e difícil caminho em
direcção a uma política de conservação da
energia, ao desenvolvimento de fontes de energia renováveis e a
orçamentos equilibrados sustentáveis que permitam uma verdadeira
redução do défice? Quando revogaremos as
insustentáveis reduções fiscais de 2001 para criar um
orçamento equilibrado, imporemos leis sobre a contabilidade das empresas
e reinvestiremos substancialmente nos nossos sectores fabris e de
exportação para, de forma gradual mas zelosa, levar a nossa
economia a fazer com que a balança comercial deixe de ser
deficitária e passe a ser excedentária? É
indubitável que temos de proceder a estas e a muitas outras
difíceis alterações estruturais na nossa economia se
pretendermos restabelecer e manter o nosso estatuto internacional de
porto seguro para os investimentos.
Além disso, parece imperativo que o nosso governo inicie
conversações com o G-8 no sentido da reforma do sistema
monetário mundial. Temos de adaptar a nossa economia à
competição inevitável do euro como moeda de reserva
internacional alternativa. Concordo com os economistas esclarecidos que
recomendam que os Estados Unidos iniciem o processo de convocação
da próxima Conferência de Bretton Woods. Os Estados
Unidos deveriam concordar que o euro se tornasse a próxima moeda de
reserva internacional e defender que o dólar e o euro fossem colocados
numa margem de flutuação com uma paridade com
estatuto de reserva. Isto facilitaria a criação vital de um
padrão duplo de transação do petróleo da OPEP.
Seria também prudente considerar um terceiro bloco
asiático do iene/yuan como opção monetária de
reserva para equilibrar o sistema monetário mundial. Infelizmente, a
entrincheirada ideologia política da administração Bush
parece bastante incompatível com estas necessárias reformas
económicas. Em última instância, Nós, o Povo,
devemos exigir uma nova administração. Precisamos de
líderes responsáveis que estejam dispostos a regressar a
orçamentos equilibrados, a políticas fiscais cautelosas e
às nossas tradições de integração em
políticas externas multilaterais, a par de uma procura de
cooperação internacional alargada.
É igualmente importante que recordemos a sabedoria dos nossos pais
fundadores, como Thomas Jefferson, que insistiram na importância vital de
uma imprensa livre, já que é o nosso melhor, e muitas vezes
único, mecanismo para proteger a democracia. O povo americano não
tem conhecimento das questões debatidas neste ensaio porque a
comunicação social americana foi reduzida a um punhado de
conglomerados de empresas de consumo/entretenimento, orientadas para o lucro e
que filtram o fluxo de informação dentro dos Estados Unidos.
Lamentavelmente, parte do actual dilema reside nestes conglomerados de
comunicação social americanos, que falharam nas suas
responsabilidades de informar o Povo. O nosso Congresso deve encetar reformas,
pois trata-se de uma ameaça real à nossa democracia. A Internet
não deveria ser a nossa única fonte de informações
verídicas e não filtradas.
Foi dito que todas as guerras se travam por questões de recursos ou
ideologia/religião. Parece que a administração Bush pode
brevemente acrescentar a guerra pela divisa petrolífera como
um terceiro paradigma. No entanto, temo que a comunidade internacional
não tolere um império americano que usa o poder militar para
conquistar nações soberanas que decidem vender os seus produtos
petrolíferos em euros em vez de dólares. Do mesmo modo, se o
presidente Bush prosseguir naquilo que é essencialmente uma guerra
unilateral e não provocada contra o Iraque, duvido que os historiadores
sejam simpáticos para com ele e com a sua administração. A
sua agenda é clara para a comunidade internacional, mas quando é
que os patriotas americanos se tornarão conscientes do seu
modus operandi
?
Se dissermos uma grande mentira e a repetirmos constantemente, as pessoas
acabarão por acreditar nela.
A mentira só pode ser mantida enquanto o Estado conseguir proteger
a população das consequências políticas,
económicas e/ou militares dessa mentira. Torna-se assim de
importância vital para o Estado usar todos os seus poderes para reprimir
a dissidência, pois a verdade é inimiga mortal da mentira e assim,
por extensão, a verdade é a maior inimiga do Estado.
Joseph Goebbels, ministro da propaganda alemão, 1933-1945
Pano de fundo sobre os hidrocarbonetos
Para compreender a questão dos hidrocarbonetos e de como chegámos
a esta situação desesperada em relação ao Iraque,
reuni quatro artigos da Secção de Referência do controverso
site de Michael Ruppert:
From the Wilderness
. Apesar de alguns dos artigos de Ruppert serem por vezes demasiados
trabalhados, a sua investigação sobre as questões dos
hidrocarbonetos e a inter-relação entre as questões da
energia e a perpétua guerra contra o terrorismo de Bush
é bastante elucidativa. O que se segue analisa de forma breve
questões geo-estratégicas relacionadas com as reservas de
petróleo iraquianas.
Para além do motor central da ameaça monetária que o euro
representa para o dólar, a outra questão relacionada com a
próxima guerra no Iraque parece dizer respeito a algumas descobertas
geológicas decepcionantes no que se refere à região do Mar
Cáspio. Desde meados dos anos 90 que se pensava que a região do
Mar Cáspio, na Ásia Central, poderia possuir aproximadamente 200
mil milhões de barris de petróleo não explorado (valor
comparável à base de reserva da Arábia Saudita).
[20]
Com base num estudo prévio de exequibilidade da Enron, o meio mais
fácil e barato de trazer este petróleo para o mercado seria um
oleoduto do Casaquistão, através do Afeganistão até
à fronteira do Paquistão em Malta. Em 1998, o então
director executivo da Halliburton, Dick Cheney, mostrou-se muito interessado na
construção desse oleoduto.
De facto, estas reservas de petróleo eram uma componente
central
do plano de energia de Cheney lançado em Maio de 2001. De acordo com
esse relatório, os EUA importarão 90% do seu petróleo em
2020. Por isso, a exploração das reservas na região do mar
Cáspio era vista como um objectivo estratégico que ajudaria a
satisfazer a nossa crescente necessidade de energia e também a reduzir a
nossa dependência do petróleo do Médio Oriente.
[21]
De acordo com o livro francês
L'Effroyable Mensonge
(A Tremenda Mentira),
[22]
a administração Bush ignorou as sanções da ONU que
tinham sido impostas aos talibans e entrou em negociações com o
suposto regime pária, de 2 de Fevereiro de 2001 a 6 de
Agosto de 2001. De acordo com este livro, os talibans não se mostraram
muito cooperantes, segundo declarações do antigo embaixador
paquistanês, Niaz Naik, que informa que os EUA ameaçaram com uma
opção militar no Verão de 2001, caso os
talibans não aceitassem as nossas exigências. Casualmente para a
administração Bush e para o plano de energia de Cheney, Bin Laden
brindou-nos com o 11 de Setembro. As pré-posicionadas tropas americanas,
juntamente com os fornecimentos de dinheiro por parte da CIA aos líderes
da Aliança do Norte, conduziram a invasão do Afeganistão e
à derrocada dos Talibans. Foi formado o governo pró-ocidental de
Karzai, e no início de 2002 estava de novo em marcha o projecto do
oleoduto, bem, uma espécie de...
Após a construção e análise de três
poços exploratórios, concluiu-se que a região do
Cáspio possui apenas aproximadamente 10 a 20 mil milhões de
barris de petróleo (apesar de possuir uma grande quantidade de
gás natural)
[20]
. O petróleo é também de baixa qualidade, com um alto teor
de enxofre. Em consequência, várias grandes companhias abandonaram
os seus planos relativos ao oleoduto, declarando que este projecto de grande
envergadura já não é rentável. Infelizmente, a
compreensão recente deste facto relativo à região do Mar
Cáspio tem sérias implicações para os EUA,
Índia, China, Ásia e Europa, dado que a quantidade
disponível de hidrocarbonetos para os países industrializados e
em desenvolvimento sofreu uma redução de 20% (as estimativas
globais diminuíram de 1,2 milhões de milhão para cerca de
1 milhão de milhão)
[20, 23]
. A administração Bush desviou rapidamente a
atenção para uma reserva conhecida, a do Iraque, que totaliza 11%
das reservas mundiais de petróleo (112 mil milhões de barris). No
entanto, nenhum levantamento geológico foi realizado no Iraque desde os
anos 70. As companhias petrolíferas da Rússia, França e
EUA esperam ansiosas a concessão dos inexplorados jazigos iraquianos,
que podem conter até 200 mil milhões de barris.
[24]
A nossa grande
nemésis
, Bin Laden, foi rapidamente substituída pelo nosso novo inimigo
público nº 1, Saddam Hussein.
Quem quiser analisar o impacto do empobrecimento das reservas de
hidrocarbonetos numa perspectiva geopolítica e as potenciais
ramificações da forma como estes acontecimentos podem erodir as
nossas liberdades cívicas e os processos democráticos, o oficial
na reserva das Forças Especiais americanas Stan Goff faz uma
análise sóbria destas questões no seu ensaio:
The Infinite War and its Roots
(A Guerra Infinita e suas Raízes).
[25]
De igual modo, quem quiser analisar algumas das provas silenciadas em torno da
tragédia do 11 de Setembro, o controverso ensaio
The Enemy Within
de Gore Vidal, introduz este tema de forma muito pormenorizada. Apesar de ter
sido publicado em Itália e no
The Observer
(britânico), este ensaio não se encontra em nenhum meio de
comunicação social americano. O último livro de Gore
Vidal,
Dreaming War
, classifica-o como ensaio de abertura
[26]
. Por último, o livro
The War on Freedom: How and Why America was Attacked, September 11, 2001
, do cientista político britânico Nafeez Mosaddeq Ahmed, apresenta
questões fundamentalmente desconcertantes sobre a tragédia do 11
de Setembro e é extremamente esclarecedor
[27]
.
[NT]:
Fiat currency,
ou moeda fiduciária: moeda criada sem qualquer base real pelos Bancos e
Bancos centrais e
legalizada pelos políticos. Na medida em que não
corresponde a trabalho, não tem qualquer valor
intrínseco. Para mais informação acerca da moeda
fiduciária visite:
http://www.gold-eagle.com/editorials_01/parks021701pv.html
Referências:
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weapons", Cambridge University (7 de Março de 2003)
http://middleeastreference.org.uk/iraqweapons.html
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Iraq Said Weapons Were Destroyed. Bombshell revelation from a defector cited by
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http://www.fair.org/press-releases/kamel.html
Official UNSCOM/IAEA Document:
http://www.fair.org/press-releases/kamel.pdf
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Saud",
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(13 de Janeiro de 2003)
http://www.jrep.com/Mideast/Article-0.html
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17- "The Choice of Currency for the Denomination of the Oil Bill",
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http://www.opec.org/NewsInfo/Speeches/sp2002/spAraqueSpainApr14.htm
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http://www.pakistanlink.com/nayyer/12132002.html
19- Scott, Dr. Peter Dale, "Bush Deep Reason's for the War on Iraq: Oil,
Petrodollars, and the OPEC Euro Question" (15 de Fevereiro de 2003)
http://socrates.berkeley.edu/~pdscott/iraq.html
20- Pfeiffer, Dale Allen, "Much Ado about Nothing - Whither the
Caspian
Riches? Over the Last 24 Months Hoped For Caspian Oil Bonanza Has Vanished With
Each New Well Drilled Global Implications Are Frightening",
From The Wilderness
(5 de Dezembro de 2002)
http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/120502_caspian.html
21- Ruppert, Michael, "The Unseen Conflict -- War Plans, Backroom Deals,
Leverage and Strategy -- Securing What's Left of the Planet's Oil Is and Has
Always Been the Bottom Line",
From The Wilderness
(18 de Outubro de 2002)
http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/101802_the_unseen.html
22- Jean Charles-Briscard & Guillaume Dasquie,
The Forbidden Truth: U.S.-Taliban Secret Oil Diplomacy, Saudi Arabia and the
Failed Search for bin Laden
, Nation Books, 2002. Entrevista: Donahue With Jean-Charles Brisard:
http://www.truthout.org/docs_02/08.16B.donahue.brisard.htm
.
Reporters Say Bush Threatened War Last Summer:
http://www.villagevoice.com/issues/0201/ridgeway.php
.
Análises do livro:
http://www.ratical.org/ratville/JFK/JohnJudge/911mar2002.html#0327a
23- Ruppert, Michael, entrevista ao
FTW
: "Colin Campbell on Oil Perhaps the World's Foremost Expert on
Oil and the Oil Business Confirms the Ever More Apparent Reality of the
Post-9-11 World",
From The Wilderness
(23 de Outubro de 2002)
http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/102302_campbell.html
24- Paul, James A, "Iraq: the Struggle for Oil"
Global Policy Forum
(Dezembro de 2002)
http://www.globalpolicy.org/security/oil/2002/08jim.htm
25- Goff, Stan, "The Infinite War and its Roots",
From The Wilderness
(27 de Agosto de 2002)
http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/082702_infinite_war.html
26- Vidal, Gore,
Dreaming War: Blood for Oil & the Cheney-Bush Junta,
Nation Books, 2002. O seu ensaio "The Enemy Within" foi publicado em
primeiro lugar no
UK Observer
(27 de Outubro de 2002)
http://www.ratical.org/ratville/CAH/EnemyWithin.html
27- Ahmed, Nafeez,
The War on Freedom: How and Why America was Attacked, September 11, 2001
, Publicações Tree of Life, 2002.
Exemplar completo em PDF 400 páginas:
http://globalfreepress.com/books/warfre-book.pdf
Yahoo! Groups: WarOnFreedom:
http://groups.yahoo.com/group/WarOnFreedom/
Análise de livros por Wanda Ballantine:
http://www.ratical.org/ratville/CAH/WoFreview.html
Apêndice (Finais de Janeiro de 2003):
Movimentos monetários internacionais dignos de nota
Depois de ter completado o meu ensaio, comecei a ler sobre alguns interessantes
desenvolvimentos monetários internacionais e sobre opiniões de
analistas neste contexto. Estes desenvolvimentos recentes merecem ser
incluídos aqui sob a forma de apêndice. Os dois artigos que se
seguem estão relacionados com a rápida
desvalorização do dólar em relação ao euro,
nos finais de Janeiro. Isto ocorreu na semana imediatamente anterior ao
discurso do presidente Bush sobre o Estado da União. Ambos os artigos
sugerem que determinados subentendidos políticos por parte
da Rússia tradicional detentor de reservas em dólares
poderão estar relacionados com a substituição dos
dólares por euros. O artigo que se segue pode ilustrar o que
sucederá se o presidente Bush insistir na sua actual
posição unilateral em relação ao Iraque.
O dólar continuou na defensiva quinta-feira, violentado por
algumas observações agressivas da administração
americana sobre o confronto com o Iraque. Foi também afectado
por uma alusão clara do Banco Central da Rússia de que o
atractivo dos activos denominados em dólares se está a desvanecer.
Oleg Vyugin, primeiro vice-presidente do Banco Central da Rússia,
disse que o Banco tenciona reduzir a quota de dólares americanos nas
suas reservas de divisas estrangeiras e aumentar a quota de outras divisas...
Alguns analistas interrogaram-se sobre se haveria alusões
políticas nas observações de Vyugin, que poderiam
relacionar-se com o fosso crescente entre os EUA e outros aliados potenciais no
que se refere à forma de como persuadir o Iraque a cumprir os requisitos
dos inspectores de armas da ONU.
Apesar de as reservas russas de divisas estrangeiras serem relativamente
pequenas em comparação com as dos maiores Bancos centrais do
mundo, a questão que se coloca, segundo Marc Chandler, estratega
monetário chefe da HSBC em Nova York, é a seguinte: 'Será
que outros Bancos centrais farão o mesmo e que consequências
terá esta circunstância na capacidade dos EUA de financiarem o
défice da sua balança de pagamentos?'.
Esse défice eleva-se actualmente a cerca de 5% do PIB e
apresenta-se como um fardo cada vez mais pesado para o dólar.
[28]
No dia seguinte (25 de Janeiro), alguns analistas reiteraram que estes
movimentos monetários poderiam não só estar relacionados
com as actuais tensões geopolíticas, como também indicar
motivações políticas. Será este um aviso
à navegação para a administração Bush
relativamente à sua posição na questão do Iraque?
Estes movimentos monetários não habituais por parte de
vários Bancos centrais são desconcertantes.
De repente, o declínio supostamente lento e gradual do
dólar não parece tão lento, nem tão gradual.
De facto, a rapidez do deslize do dólar, particularmente em
relação ao euro, apanhou de surpresa até os mais
experientes analistas: um estudo do
Dow Jones Newswires
sobre divisas estrangeiras, de há apenas 10 dias, mostrava que os
principais Bancos que transaccionam divisas previam que o euro subiria
até 1,06 dólares em meados de Fevereiro e que não se
aproximaria dos 1,10 dólares até ao final do ano.
Em vez disso, o euro saltou para máximos de cerca de 1,0850
dólares na sexta-feira e já ganhou 4% em relação ao
dólar este ano, deixando os estrategas cada vez mais incapazes de fazer
previsões actualizadas. O franco suíço continua a
alcançar níveis máximos dos últimos quatro anos e o
dólar continua na defensiva em relação à libra
esterlina e a vários dos seus principais rivais.
Provavelmente, um dos barómetros mais importantes de uma maior
confiança nos mercados americanos é o mercado de Treasurys. Com o
dólar em queda, o ouro a disparar e as acções sob
pressão, os
título do Tesouro (Treasurys)
mantêm o seu atractivo de segurança.
Mas também neste sector há sinais de aviso, que
começam a chamar à atenção. Esta semana, o Banco
central da Rússia declarou que estava a reduzir a quota-parte de valores
americanos das suas reservas de divisas estrangeiras por outras
palavras, a vender de títulos do Tesouro (Treasurys)
, qualificando o dólar como moeda de baixo rendimento.
Os analistas acreditam que alguns dos grandes Bancos centrais
asiáticos que, entre si, possuem a maior parte das reservas de
dólares do mundo estão também a pensar em proceder
a ajustes
nas suas carteiras de títulos do Tesouro (Treasurys). Uma guerra contra
o Iraque dirigida pelos EUA poderia acelerar ainda mais esta tendência.
De facto, alguns analistas políticos acreditam que a
política americana em relação ao Iraque pode estar a ter
já um impacto directo nas carteiras de activos americanos,
particularmente pelo facto de grande parte do resto do mundo se opor à
guerra. 'Custa-me a crer que o fluxo de capital não seja afectado pela
forma como os EUA são vistos no resto do mundo', afirmou Larry
Greenberg, um economista internacional da Ried Thunberg & Co. em Westport,
Conneticut.
'Se hoje os EUA actuarem (no Iraque) contra a opinião mundial,
poderá haver uma saída ainda mais rápida dos activos
denominados em dólares', afirmou Joseph Quinlan, macro-economista da
Universidade Johns Hopkins, em Washington. 'A forma como vamos para a guerra
influencia o ritmo de declínio do dólar', acrescentou.
[29]
No dia seguinte à publicação do artigo referido supra,
Will Hutton do jornal britânico
The Observer
escreveu um artigo contundente contra o unilateralismo de Bush. Este artigo
realça também os lamentáveis desequilíbrios da
economia americana e sugere que o potencial resultado geopolítico de uma
guerra unilateral no Iraque poderá criar um devastador desinvestimento
de activos denominados em dólares americanos.
A situação económica norte-americana é
demasiado vulnerável para que os EUA possam desencadear a guerra sem um
sólido apoio multilateral susceptível de a sustentar
económica, diplomática e militarmente. O multilateralismo que
Bush despreza é, na verdade, uma necessidade económica...
Segundo as últimas estimativas, o passivo líquido dos EUA
com o resto do mundo ultrapassa os 2,7 milhões de milhão de
dólares, quase 30% do PIB, um nível de endividamento associado
às economias consideradas casos perdidos na América Latina.
A sua base industrial é tão pouco competitiva, que importa
constantemente mais do que exporta; o défice da sua balança de
pagamentos, o fosso entre as receitas provenientes do estrangeiro e as despesas
com o estrangeiro eleva-se neste momento a 5% do PIB, prosseguindo uma
tendência que dura há mais de 25 anos e que é a causa de
toda essa dívida externa. Enquanto comunidade nacional, os EUA deixaram
virtualmente de poupar, de forma que tanto o governo como os indivíduos
vivem a crédito.
Para financiar o défice da balança de pagamentos, um
reflexo da falta de poupança, os EUA esperam que os estrangeiros lhes
forneçam as divisas que não podem ganhar por si próprios...
Mas se os estrangeiros se atemorizarem com as perspectivas dos
preços de bens e acções e deixarem de comprar ou
começarem a retirar alguns dos milhões de milhão que
investiram na economia americana, então o dólar entrará em
colapso. Já caiu perto de 10% em relação ao euro nas
últimas seis semanas, mas isto pode ser apenas o princípio.
Economistas da Reserva Federal consideram que o dólar deverá cair
cerca de 30 por cento para equilibrar o fluxo de importações e
exportações, mas nos mercados actuais tal queda não
acontece gradualmente. Acontece abruptamente.
Se a América e a Grã-Bretanha ignorarem uma segunda
Resolução da ONU e desencadearem a guerra com a
oposição activa de elementos-chave do Conselho de
Segurança tais como a França e a Rússia, podemos ter a
certeza de que o fluxo de dólares para os Estados Unidos
abrandará drasticamente e de que haverá grandes grupos de
estrangeiros em pânico a tentar vender. As acções em Wall
Street, que Bush tenta tão ansiosamente sustentar, estão ainda
maciçamente sobrevalorizadas. Neste contexto, poderá dar-se uma
liquidação devastadora, com todas as deprimentes
repercussões para a confiança dos consumidores e do investimento
empresarial americanos.
Na semana passada, os mercados indicavam efectivamente que a
possibilidade disto suceder justificava que fossem tomadas medidas de
precaução, donde as vendas. Se a guerra durar apenas algumas
semanas, os riscos poderão ser contidos e valerá a pena comprar
algumas acções aos preços actuais. Mas se a guerra se
prolongar ou a paz subsequente for instável, a pressão sobre o
dólar e Wall Street poderá tornar-se de facto muito grave,
reforçando as influências depressivas sobre uma economia onde os
desequilíbrios subjacentes são tão
extraordinários...
A atitude dos EUA neste aspecto tem sido unilateralista como em tudo o
resto: faz o que quer como quer, política esta que começa a
revelar os seus limites. Bush deve absolutamente mudar de rumo e Tony Blair
deveria exortá-lo a isso. O processo no contexto da ONU deve ser
respeitado e reforçado, nomeadamente para tranquilizar os mercados, e
devem ser postos em prática melhores sistemas de
governação económica. A capacidade militar dos EUA pode
permitir o unilateralismo; a sua vulnerabilidade económica, como estamos
a descobrir, não o permite.
[30]
Estes artigos indicam que a comunidade internacional está a perder a
confiança nos dólares de reserva nos Bancos centrais e, muito
possivelmente, a enviar deste modo uma mensagem sobre a sua
oposição à forma como os EUA encaram a questão do
Iraque. Will Hutton tem razão: a nossa actual estrutura económica
não pode de forma alguma dar-se ao luxo de se despojar em grande escala
de investimentos estrangeiros. Assim, é imprudente que o presidente Bush
continue a utilizar de forma unilateral e agressiva a força militar dos
EUA sem um apoio alargado da ONU.
Comentário europeu sobre o presente ensaio
Para terminar, em Janeiro de 2003, Coílín Nunan analisou um
projecto do presente ensaio num fórum da Internet. Posteriormente,
publicou um resumo excepcional desta investigação num site
irlandês
(http://www.feasta.org)
. Esperamos que este ensaio, juntamente
com o seu artigo, possam fomentar a consciência pública,
facilitando assim um verdadeiro debate no que respeita às
questões do Iraque. Apresentam-se adiante excertos do seu informativo
mas sucinto artigo Oil, Currency, and the War on Iraq:
Um dos objectivos económicos declarados, e talvez o primeiro, da
instituição do euro foi converter esta moeda numa divisa de
reserva, a fim de se contrapor ao dólar de modo a que a Europa
também pudesse obter algo por nada.
Isto, contudo, seria um desastre para os EUA. Não só
perderiam uma grande parte do seu subsídio anual de bens e
serviços efectivamente gratuitos, como a mudança que os
países efectuariam nas suas reservas em dólares convertendo-as em
euros iria desvalorizar a moeda americana. As importações para os
EUA começariam a ficar mais caras e à medida que um número
cada vez maior de detentores de dólares começasse a
gastá-los, os EUA teriam de começar a pagar as suas
dívidas com o fornecimento de bens e serviços a países
estrangeiros, reduzindo assim o padrão de vida norte-americano. À
medida que os países e as empresas convertessem os seus activos em
dólares em activos em euros, a bolha americana de bens e de valores
rebentaria. A Reserva Federal deixaria de poder imprimir moeda para re-insuflar
a bolha, como tenciona fazê-lo, porque, sem grandes grupos de
estrangeiros desejosos de a absorver, o resultado seria uma grave
inflação, que, por sua vez, tornaria os estrangeiros ainda mais
relutantes em deterem moeda americana, agravando a crise.
Há no entanto um grande obstáculo para que isto
aconteça: o petróleo. O petróleo não é
apenas a matéria-prima mais importante
comercializada internacionalmente, ele é também o sangue de todas
as modernas economias industrializadas. Quem não tem petróleo,
tem de o comprar. E quem quer comprar petróleo nos mercados
internacionais tem, em geral, de possuir dólares. Até há
pouco tempo, todos os países da OPEP concordavam em vender o seu
petróleo apenas por dólares. Enquanto isto se verificou, era
improvável que o euro se tornasse a principal moeda de reserva:
não há interesse em acumular euros se sempre que tiver de se
comprar petróleo for necessário trocá-los por
dólares. Este acordo significava também que os EUA controlavam
efectivamente todo o mercado mundial do petróleo: só é
possível comprar petróleo se se tiver dólares, e há
um único país que tem o direito de imprimir dólares
os EUA.
Se, por outro lado, a OPEP decidisse aceitar somente euros pelo
petróleo (partindo do princípio de que lhe era permitido tomar
esta decisão), a dominação económica americana
terminaria. Não só a Europa deixaria de necessitar de tantos
dólares, como o Japão, que importa 80% do seu petróleo do
Médio Oriente, consideraria sensato converter uma grande quantidade dos
seus activos em dólares em activos em euros (o Japão é o
maior 'patrocinador' dos EUA porque possui grandes investimentos em
dólar). Por outro lado, sendo o maior importador de petróleo do
mundo, os EUA teriam de adquirir euros para poderem manter um excedente
comercial. A conversão do défice comercial para o excedente
comercial teria de se realizar num momento em que os preços dos bens e
acções no mercado estivessem baixos e os abastecimentos internos
de petróleo e gás registassem contracção. Seria uma
conversão penosa.
Os argumentos puramente económicos para que a OPEP adopte o euro,
pelo menos por algum tempo, parecem muito fortes. A 'zona euro' não tem
um enorme défice comercial nem está pesadamente endividada para
como o resto do mundo como os EUA e as taxas de juro na 'zona euro' são
também significativamente mais elevadas. A 'zona euro' tem uma fatia
maior do que os EUA no comércio mundial e é o principal parceiro
comercial do Médio Oriente. E quase tudo o que se compra com
dólares pode comprar-se também com euros excepto,
naturalmente, o petróleo...
Todos estes elementos são más notícias para a
economia americana e para o dólar. O medo de Washington será
não só que o preço futuro do petróleo não
seja o correcto, como também que a divisa de compra possa não ser
a correcta. O que talvez explique o facto de os EUA estarem a voltar-se cada
vez mais para o seu segundo grande instrumento de dominação dos
negócios mundiais: a força militar.
[31]
Coílín Nunan parece concordar com a minha tese no que respeita ao
euro e à guerra que se avizinha. Considerando os desafios
económicos que os EUA enfrentam e a deplorável guerra pela divisa
petrolífera, que temo estarmos prestes a testemunhar no Iraque, este
autor advoga que o sistema monetário internacional seja reformado sem
demora. Isto incluiria a designação do dólar e do euro
como moedas de reserva internacionais com estatuto paritário, e
colocados numa margem de flutuação juntamente com um
padrão monetário duplo de transação do
petróleo da OPEP. Adicionalmente, os países do G-8 deveriam
também explorar uma terceira opção de moeda de reserva no
que diz respeito a um bloco iene-yuan para a Ásia Oriental. Estas
reformas poderiam diminuir ligeiramente o nosso padrão de vida, mas
iriam criar um sistema monetário internacional muito mais equitativo e,
dessa forma, esperançosamente mitigar a possibilidade de uma futura
guerra militar ou económica em torno da divisa do petróleo.
Tragicamente, o presidente Bush e respectiva administração
não parecem ter vontade de iniciar as árduas mudanças
estruturais que a nossa economia necessita de empreender, se queremos
adaptar-nos e competir com o euro enquanto segunda moeda de reserva
internacional. Em vez disso, pretendem reforçar a hegemonia do
dólar americano nas transacções petrolíferas,
através da utilização da superioridade militar americana.
O presente ensaio esclarece que esta perigosa estratégia centrada no
aspecto militar poderá, no fim de contas, falhar, já que as
manobras monetárias contra o dólar americano por parte da
comunidade internacional indicam que esta não tolerará um
imperialismo americano agressivo sobre o petróleo do Iraque e sobre a
opção deste país no que se refere à divisa
petrolífera. Não podemos permitir que o super-empenhamento
imperialista militante desta administração aniquile a
Experiência Americana.
Jurei no altar de Deus hostilidade eterna contra toda a forma de tirania
sobre a mente humana.
Thomas Jefferson
Referências: Apêndice
28-
Associated Press
, "US Dollar on Shaky Ground",
nzoom.com
(24 de Janeiro de 2003)
http://onebusiness.nzoom.com/cda/printable/1,1856,163754,00.html
29- McCarthy, Grainne "Dollar's Decline Starting To Accelerate, Rattling
Nerves",
Dow Jones
, (25 de Janeiro de 2003)
http://www.ratical.org/ratville/CAH/linkscopy/dollarDec.html
30- Hutton, Will, "Why Bush is sunk without Europe - Even while George Bush
growls out his bellicose message, his country has never been in such an
enfeebled state",
The Observer
, (26 de Janeiro de 2003)
http://www.observer.co.uk/Print/0,3858,4591686,00.html
31- Nunan, Coílín, "Oil, Currency, and the War on Iraq",
(Janeiro de 2003)
http://www.feasta.org/documents/papers/oil1.htm
http://www.feasta.org/documents/papers/oil1.pdf
Leituras adicionais recomendadas:
"Behind the Iraq Invasion",
Aspects of India's Economy
, Nos. 33 & 34 (Dezembro de 2002)
Makhijani, Arjun, "Saddam's Last Laugh: The Dollar Could be Headed for
Hard Times if OPEC Switches to the Euro",
TomPaine.com
(9 de Maio de 2001)
Islam, Faisal, "When will we buy oil in euros? When it comes to the global
oil trade, the dollar reigns supreme. But it has a challenger, writes Faisal
Islam,"
The Observer
(23 de Fevereiro de 2003)
Beams, Nick, "Iraq, Oil, Dollars, Euros, and Dead Iraqis",
(Fevereiro de 2003)
Information Clearing House
___________
[*]
William Clark é gestor de cuidados de saúde numa conhecida
universidade da costa atlântica. Não
é economista, mas tem um MBA (curso superior de gestão) e
está a fazer o segundo mestrado em Tecnologia da
Informação / Segurança da Informação
(INFOSEC).
Este ensaio sobre o Iraque é um projecto de investigação
pessoal e constitui a sua primeira publicação até à
data sobre questões do domínio geopolítico. Foi escrito
apenas por dever patriótico, num esforço para informar os
cidadãos americanos e estimular o debate sobre questões cruciais,
mas silenciadas, em torno da guerra no Iraque.
O original encontra-se em
www.ratical.org/ratville/CAH/RRiraqWar.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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