As verdadeiras razões da guerra com o Iraque

Análise macroeconómica e geoestratégica da verdade silenciada

por William Clark [*]
Janeiro de 2003
(A última revisão foi em 06/Mar/03,
antes portanto da invasão do Iraque)

Resumo

Embora completamente abafada pelos meios de comunicação e pelo Governo norte-americanos, a resposta para o enigma iraquiano é simples, ainda que chocante – trata-se de uma guerra pela divisa do petróleo. O verdadeiro motivo da guerra que se avizinha reside no objectivo da administração Bush de impedir que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tenda para o euro como meio de pagamento das transacções petrolíferas. No entanto, para antecipar-se à OPEP, os EUA precisam de obter o controle geoestratégico do Iraque e das suas reservas petrolíferas, consideradas como as segundas maiores do mundo. O presente ensaio tem por objectivo analisar a macroeconomia do “petrodólar” e a ameaça, não declarada mas real, que o euro como meio de pagamento das transacções petrolíferas representa para a hegemonia económica dos EUA. O autor defende a reforma do sistema monetário internacional, incluindo uma “margem de flutuação” dólar/euro com estatuto paritário de reserva e um duplo padrão das transações petrolíferas da OPEP. Estas reformas poderiam reduzir o perigo de futuras guerras relacionadas com a divisa petrolífera.

“Se uma nação crê que pode ser ignorante e livre, crê no que nunca foi e nunca será… O Povo não pode estar em segurança sem informação. Quando a Imprensa for livre e quando todos os homens souberem ler, tudo será seguro.”

Estas palavras de Thomas Jefferson encarnam o infeliz estado de coisas a que chegou a nossa nação. Enquanto o governo se prepara para entrar em guerra com o Iraque, o país mostra-se incapaz de responder mesmo às perguntas mais básicas sobre o conflito que se avizinha. Em primeiro lugar, por que motivo não existe praticamente nenhum apoio a nível internacional para derrubar Saddam? Se o programa de desenvolvimento de armas de destruição maciça (ADM) iraquiano representa, de facto, o nível de ameaça que o presidente Bush tem vindo repetidamente a alegar, por que motivo os nossos aliados históricos não se unem numa coligação para desarmar Saddam por meios militares? Em segundo lugar, apesar de mais de 350 inspecções da ONU sem restrições, não houve quaisquer provas de que o Iraque tenha reiniciado o seu programa de desenvolvimento de ADM. De facto, as alegações da administração Bush sobre a capacidade das ADM iraquianas revelam-se comprovadamente falsas. [1] [2] Em terceiro lugar, apesar da retórica do presidente Bush, a CIA não encontrou quaisquer ligações entre Saddam Hussein e a Al Qaeda. Pelo contrário, alguns analistas consideram muito mais provável que a Al Qaeda possa adquirir armas de destruição maciça sem controle na ex-União Soviética ou mesmo através de simpatizantes no interior de um Paquistão desestabilizado.

Além disso, imediatamente após a votação, no Congresso, da Resolução sobre o Iraque, fomos repentinamente informados das violações do programa nuclear da Coreia do Norte. Kim Jong Il está a transformar urânio para produzir armas nucleares este ano. O Presidente Bush não forneceu uma resposta racional à questão de saber por que motivo o programa de armas de destruição maciça aparentemente inactivo de Saddam representa uma ameaça mais iminente do que o programa de armas nucleares activo da Coreia do Norte. Estranhamente, Donald Rumsfeld sugeriu que, se Saddam se “exilasse”, poderíamos evitar uma guerra com o Iraque. Ainda mais confuso? Ponhamos então as cartas na mesa: o motivo fundamental para o derrube de Saddam é, na realidade, o euro.

Embora completamente abafada pelos meios de comunicação norte-americanos, a resposta para o enigma iraquiano é simples ainda que chocante. A guerra que se avizinha no Iraque tem fundamentalmente a ver com a forma como a classe dirigente em Langley e a administração Bush/Cheney encaram a questão dos hidrocarbonetos do ponto de vista geoestratégico, e com as ameaças macro-económicas globais ao dólar americano por parte do euro. O verdadeiro motivo desta reside no objectivo da administração Bush de impedir que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tenda para o euro como padrão monetário das transacções petrolíferas. No entanto, para antecipar-se à OPEP, os EUA precisam de obter o controle geoestratégico do Iraque e das suas reservas petrolíferas, consideradas como as segundas maiores do mundo.

O presente ensaio tem por objectivo analisar a macroeconomia do “petrodólar” e a ameaça, não declarada mas real, que o euro como divisa alternativa das transacções petrolíferas representa para a hegemonia económica dos EUA.

O período adiante transcrito mostra a forma como um astuto e anónimo macro-economista ex-funcionário do governo se referiu à verdade silenciada da guerra que se avizinha com o Iraque:

“O maior pesadelo da Reserva Federal é que a OPEP deixe de realizar as suas transacções internacionais em dólares e passe a fazê-lo em euros. Efectivamente, o Iraque efectuou esta mudança em Novembro de 2000 (quando o euro valia cerca de 82 cêntimos) e na realidade lucrou bastante com isso, dada a constante depreciação do dólar em relação ao euro. (Nota: em 2002 o dólar sofreu uma depreciação de 17% em relação ao euro.)

“O verdadeiro motivo pelo qual a administração Bush quer um governo fantoche no Iraque – ou, melhor dizendo, o motivo por que o conglomerado da rede empresarial-militar-industrial quer um governo fantoche no Iraque – é fazer com que o Iraque retome e continue a utilizar o padrão dólar. (Esperando ao mesmo tempo vetar qualquer tendência mais alargada da OPEP para o euro, especialmente por parte do Irão – o 2º maior produtor da OPEP, que está a analisar activamente a possibilidade de utilizar o euro nas suas exportações petrolíferas).”

Além disso, apesar de a Arábia Saudita ser um dos nossos “Estados clientes”, o regime saudita parece cada vez mais enfraquecido e ameaçado por um massivo descontentamento da sociedade civil. Alguns analistas consideram plausível a possibilidade de uma “Revolução Saudita” no rescaldo da uma impopular invasão e ocupação do Iraque por parte dos EUA (tal como o Irão por volta de 1979) [3] . É indubitável que a administração Bush está plenamente consciente destes riscos. Por isso, o enquadramento neo-conservador implica uma ampla e permanente presença militar na região do Golfo Pérsico numa era pós-Saddam, para o caso de termos de cercar e controlar os campos petrolíferos sauditas de Ghawar na eventualidade de um golpe por parte de um grupo anti-ocidental. Mas voltemos primeiro ao Iraque:

“Saddam marcou o seu destino quando, no final de 2000, decidiu adoptar o euro (tendo posteriormente convertido o seu fundo de reserva de 10 mil milhões de dólares na ONU em euros); a partir desse momento, uma nova Guerra do Golfo orquestrada tornou-se inevitável sob Bush II. Só circunstâncias muito extremas poderiam talvez evitá-la agora, e duvido fortemente que alguma coisa o consiga — excepto se Saddam for substituído por um regime dócil.

“Perspectiva em grande plano: tudo para além da moeda de reserva e das questões petrolíferas na Arábia Saudita e no Irão (isto é, questões de política interna e de criticismo internacional) é periférico e tem consequências marginais para a actual administração. Mais ainda, a ameaça dólar-euro é suficientemente forte para que não se importem de arriscar grande parte do contragolpe económico a curto prazo desde que conjurem o colapso do dólar a longo prazo resultante da eventual substituição do dólar pelo euro nas transações da OPEP. Tudo isto se ajusta ao Grande Jogo mais amplo que engloba a Rússia, a Índia e a China.”

Esta informação sobre a divisa petrolífera do Iraque está a ser censurada pelos meios de comunicação social americanos e pela administração Bush, na medida em que a verdade poderia potencialmente minar a confiança tanto dos investidores como dos consumidores, reduzir as operações de endividamento/consumo, criar pressões políticas para formar uma nova política energética que lentamente nos afastasse do petróleo do Médio-Oriente e, evidentemente, travar a nossa marcha para uma guerra com o Iraque. Este quase “segredo de Estado” pode ser descoberto num artigo da Radio Free Europe, no qual é analisada a passagem do dólar para o euro efectuada por Saddam nas transacções petrolíferas, a partir de 6 de Novembro de 2000:

“A passagem do dólar para o euro nas transacções comerciais petrolíferas efectuada por Bagdad visa castigar a linha dura de Washington em matéria de sanções e encorajar os europeus a desafiá-la. Mas a mensagem política custará ao Iraque a perda de milhões em receitas. O correspondente da RFE/RL Charles Recknagel analisa as vantagens e prejuízos do Iraque, assim como o impacto da decisão de adoptar a moeda europeia.” [4]

Aquando da mudança, muitos analistas mostraram-se surpreendidos por Saddam estar disposto a renunciar a milhões em receitas do petróleo pelo que parecia ser uma decisão política. No entanto, contrariamente a um dos pontos principais defendidos neste artigo datado de Novembro de 2000, a constante depreciação do dólar face ao euro desde finais de 2001 significa que o Iraque beneficiou amplamente com a mudança efectuada na sua moeda de reserva e de transacções. Com efeito, o The Observer divulgou surpreendentemente estes factos num artigo recente intitulado “ Iraq nets handsome profit by dumping dollar for euro ” (O Iraque obtém lucros fabulosos ao trocar o dólar pelo euro) (16 de Fevereiro de 2003):

“Uma estranha decisão política de Saddam Hussein fez com que o Iraque ganhasse inesperadamente centenas de milhões de euros. Em Outubro de 2000 o Iraque desfez-se do dólar – 'a moeda do inimigo' –, trocando-o pelo mais multilateral euro.” [5]

Embora esta mudança de moeda efectuada pelo Iraque seja ignorada pela esmagadora maioria dos meios de comunicação social americanos, este artigo do The Observer mostra que o euro se valorizou quase 25% em relação ao dólar desde o final de 2001. O mesmo se aplica aos 10 mil milhões de dólares do fundo de reserva iraquiano na ONU ao abrigo do programa “Petróleo por Alimentos” — anteriormente em dólares — que se valorizaram na mesma percentagem desde a mudança. Segundo o já acima referido macro-economista ex-funcionário do governo, se a OPEP fizesse uma mudança repentina (colectiva) para o euro em lugar de uma transição gradual, verificar-se-ia o seguinte cenário:

“Além disso, o efeito de uma mudança para o euro por parte da OPEP obrigaria os países consumidores de petróleo a sacar dólares dos seus fundos de reserva (dos respectivos Bancos centrais) e a substituí-los por euros. O dólar perderia cerca de 20 a 40% do seu valor e as consequências seriam as que se podem esperar do colapso de qualquer divisa e uma inflação massiva (pense-se na crise monetária da Argentina, por exemplo). Os fundos estrangeiros abandonariam os mercados bolsistas americanos e os valores cotados em dólares, verificar-se-ia certamente uma corrida aos Bancos muito semelhante à dos anos 30, o serviço do défice da balança de pagamentos corrente tornar-se-ia impossível, o défice orçamental entraria em ruptura e assim por diante. Estaríamos perante um cenário de crise económica típica do terceiro mundo.

“A economia dos Estados Unidos está intimamente ligada ao papel do dólar como moeda de reserva. Isto não significa que os EUA não possam funcionar de outra forma, mas a transição teria de ser gradual para evitar tais disfunções (o resultado final seria provavelmente uma troca dos papéis dos EUA e da UE na economia mundial).”

Apesar de improvável e na realidade indesejável, o cenário acima descrito é plausível em determinadas circunstâncias económicas. De facto, uma das circunstâncias que poderá criar este tipo de situação é uma guerra próxima no Médio-Oriente conduzida unilateralmente pelos EUA. Por exemplo, uma grande subida dos preços do petróleo poderia criar enormes problemas ao periclitante sistema bancário japonês, o maior detentor mundial de reservas de dólares americanos. Para evitar esta guerra no Iraque seria necessária uma administração americana responsável que convocasse uma reunião dos países industrializados do G-8. Os EUA poderiam então negociar o sistema monetário global e chegar a um compromisso quanto à questão do euro/petróleo. Infelizmente, a actual administração Bush escolheu uma alternativa militar em vez de uma conferência multilateral sobre a reforma monetária.

No período subsequente ao derrube de Saddam, é evidente que os EUA vão manter uma vasta e permanente presença militar no Golfo Pérsico. De facto, não existe qualquer “estratégia de saída”, pois a força militar será necessária para proteger o novo regime instalado e para enviar aos outros produtores da OPEP a mensagem de que poderão sofrer uma “mudança de regime” caso convertam as suas transacções petrolíferas em euros.

Uma história interessante ocorrida no Verão passado, e igualmente silenciada, diz respeito a outro país da OPEP incluído no “Eixo do mal”, o Irão, que vacila na questão do euro.

“A proposta iraniana de receber o pagamento das vendas de petróleo bruto à Europa em euros em lugar de dólares baseia-se antes de mais em factores económicos, declararam fontes iranianas e industriais.

“Todavia, acrescentaram as mesmas fontes, as questões políticas parecem também ter a sua importância na decisão que for tomada, já que o Irão aproveita a oportunidade para devolver o golpe ao governo americano, que recentemente o rotulou de elemento do 'eixo do mal'.

“A proposta, que está a ser analisada pelo Banco Central do Irão, será provavelmente aprovada caso seja apresentada ao Parlamento nacional, afirmou um representante do Parlamento.

“Há muitas probabilidades de os deputados concordarem com esta ideia… agora que o euro está mais forte, é mais lógico, acrescentou.” [6]

Por outro lado, e talvez mais significativo, em 2002 a maioria dos fundos de reserva do Banco Central do Irão foi convertida em euros. Parece iminente a intenção deste país de fazer com que os pagamentos petrolíferos sejam efectuados nesta moeda.

“Mohammad Abasspour, membro da Comissão Parlamentar para o Desenvolvimento, anunciou que mais de metade dos valores do país existentes no fundo de reserva de divisas estrangeiras foi convertida em euros, tendo assinalado que uma maior taxa de paridade do euro em relação ao dólar americano permitirá aos países asiáticos, sobretudo aos exportadores de petróleo, abrir um novo capítulo nas suas relações com os países membros da União Europeia.

“Ainda segundo Mohammad Abasspour, os EUA dominam outros países através da moeda e, dada a superioridade do dólar relativamente a outras moedas fortes, monopolizam o comércio global. Todavia, o legislador mostrou-se esperançado em que a competição entre o euro e o dólar venha a eliminar o monopólio do comércio global.” [7]

Após o derrube de Saddam, esta administração pode decidir que a deslealdade do Irão para com o dólar o elege como próximo alvo na “guerra contra o terrorismo”. O interesse do Irão em mudar a sua moeda das exportações de petróleo para o euro está bem documentado. Talvez este artigo do MSNBC aluda aos objectivos dos neo-conservadores.

“Enquanto discute ainda sobre a forma como derrubar Saddam Hussein, a administração Bush anda já em busca de novos alvos. O presidente Bush apelou à expulsão do líder palestiniano Yasser Arafat. Agora, alguns membros da administração – e seus aliados em grupos de reflexão de Washington – têm já o Irão e até a Arábia Saudita debaixo de mira. Tal como disse um alto funcionário britânico: 'Toda a gente quer ir a Bagdad. Os homens a sério querem ir a Teerão'.” [8]

Para além destes riscos políticos respeitantes à Arábia Saudita e ao Irão, outro factor de risco é efectivamente o Japão. Talvez o maior risco numa guerra prolongada com o Iraque possa ser a débil economia japonesa. [9] Segundo alguns analistas, se a guerra conduzir a uma subida prolongada (45 dólares por barril durante vários meses) ou a uma subida breve mas massiva (80 a 100 dólares por barril) dos preços do petróleo, a frágil economia do Japão entrará em colapso. O Japão é hipersensível aos preços do petróleo e se os seus Bancos falhassem, o colapso da segunda maior economia do mundo poria em movimento uma sequência de eventos que se poderiam revelar bastante devastadores para a economia dos EUA. De facto, a queda no Japão devida a uma guerra no Iraque poderia originar desorganizações económicas que teriam início na costa do Pacífico, mas que rapidamente se estenderiam à Europa e à Rússia. Ao contrário dos EUA e do Reino Unido, o governo russo carece dos controles capazes de travar uma forte pressão desordenada sobre o dólar, e tal acontecimento poderia, finalmente, forçar a OPEP a mudar para o euro.

Adicionalmente, podem surgir outros riscos se a guerra no Iraque correr mal ou se se prolongar demasiado. É possível que haja agitação social no Kuwait ou noutros países da OPEP, incluindo a Venezuela, já que este país tem dado sinais de que pode mudar para o euro, à semelhança do que fez Saddam em Novembro de 2000. Isto fomentaria precisamente a situação que esta administração está a tentar evitar: a adopção do euro como moeda das transacções petrolíferas por outro membro da OPEP.

A propósito, o último país do “eixo do mal” — a Coreia do Norte — decidiu recentemente, a 7 de Dezembro de 2002, abandonar o dólar e adoptar o euro nas suas trocas comerciais [10] . Ao contrário do que acontece com os produtores da OPEP, esta decisão da Coreia do Norte terá um impacto económico negligenciável, mas ilustra as repercussões ao nível geopolítico da retórica implacável do presidente Bush. Muito mais preocupante é a recente atitude da Coreia do Norte na sequência do embargo petrolífero ao seu país. O país necessita absolutamente de petróleo e alimentos e, num acto de desespero, reactivou o seu programa nuclear anterior a 1994. A transformação de urânio parece estar a processar-se a um ritmo rápido e a estratégia consiste em desencadear negociações em matéria de alimentos e petróleo com os EUA. A CIA calcula que a Coreia do Norte pode produzir 4 a 6 armas nucleares até ao segundo semestre de 2003. Ironicamente, a crise relacionada com o programa nuclear nortecoreano confirma mais ainda a premissa fraudulenta pela qual esta guerra com Saddam foi inventada.

Infelizmente, neo-consevadores como George Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz e Richard Perle não percebem que a Lei de Newton se aplica tanto ao domínio da física como da geopolítica, ou seja, que “para toda a acção há uma reacção igual mas de sentido oposto”.

Durante a década de 90, o mundo via os EUA como uma superpotência mais preocupada consigo própria, mas essencialmente benevolente. As acções militares no Iraque (1990-91 e 1998), na Sérvia e no Kosovo (1999) foram levadas a cabo em cooperação com a ONU e a NATO, e como tal gozaram de legitimidade internacional. Por outro lado, o presidente Clinton actuou no sentido de reduzir as tensões na Irlanda do Norte, tendo também tentado negociar uma resolução para o conflito israelo-palestiniano. O nosso estatuto de superpotência era considerado benigno.

No entanto, quer antes quer depois do 11 de Setembro, a política dos “EUA primeiro” seguida pela administração Bush, com a sua falta de vontade de honrar os tratados internacionais, juntamente com a militarização agressiva da política externa, afectou significativamente a nossa reputação no estrangeiro. Após o 11 de Setembro, a “retórica belicista” do presidente Bush criou tensões a nível mundial – somos agora encarados como uma superpotência beligerante, disposta a aplicar unilateralmente a força militar sem a aprovação da ONU. Além disso, é infeliz o fracasso desta administração em se implicar activamente em negociações respeitantes ao conflito israelo-palestiniano.

Lamentavelmente, a imensa solidariedade internacional de que fomos alvo logo após a tragédia do 11 de Setembro foi substituída pelo medo e pela cólera contra o nosso governo. A beligerancia desta administração mudou a visão do mundo, e o “anti-americanismo” prolifera mesmo entre os nossos aliados mais próximos [11] .

Ainda mais alarmantes, e completamente silenciadas nos meios de comunicação social americanos, são as significativas transições, registadas nos fundos de reserva de governos estrangeiros, do dólar para o euro [12] [12a] [12b] . Verifica-se que a comunidade internacional não confia nas políticas económicas da administração Bush e, juntamente com a OPEP, parece decidida a reagir com medidas de carácter económico se o governo americano se apresentar como uma superpotência perigosa e incontrolável. Apesar da censura exercida pelos meios de comunicação social, é cada vez mais plausível o abandono do dólar como padrão e a adopção do euro. Um interessante artigo britânico de Hazel Henderson descreve a dinâmica e os potenciais resultados deste processo:

“O fim mais provável da hegemonia dos EUA pode ocorrer através da combinação de preços do petróleo elevados (provocados pela política externa dos EUA em relação ao Médio-Oriente) e de uma depreciação mais profunda do dólar (esperada por muitos economistas). Alguns elementos deste cenário:

“1.         O super-empenhamento global dos EUA na 'guerra contra o terrorismo' que, tanto quanto possamos ver, está já a levar a défices — combinados com os défices comerciais historicamente mais elevados dos EUA — conduz a uma nova pressão sobre o dólar. Isto e as depressões do mercado bolsista tornam os EUA menos atractivos para o capital mundial.

“2. Mais países em desenvolvimento seguem a iniciativa da Venezuela e da China, substituindo a pouco e pouco o dólar pelo euro nas suas reservas monetárias. Esta transição do dólar para o euro nas carteiras de valores da América Latina e da Ásia poderá manter o dólar e o euro com uma paridade muito próxima.

“3.         A OPEP poderá actuar em alguns dos seus debates internos e decidir (após aquisições coordenadas de euros no mercado aberto) anunciar, numa futura reunião em Viena, que o petróleo da OPEP será redenominado em euros, ou até numa nova divisa própria sustentada pelo petróleo. Um ataque dos EUA contra o Iraque eleva o preço do petróleo para 40 euros o barril.

“4.         Os esforços da administração Bush para controlar a agenda política interna fracassam. Os prejuízos causados pelo fracasso dos serviços secretos antes do 11 de Setembro e as advertências de novos atentados terroristas iminentes precipitam uma nova queda do mercado bolsista.

“5.         Todos os esforços dos Democratas e de 57% do público americano no sentido de a política energética se orientar para as energias renováveis, para padrões de eficiência energética, para a normalização, para maiores taxas sobre os combustíveis, etc., são bloqueados pela administração Bush e pelos seus partidários da indústria de combustíveis fósseis. Assim, os EUA permanecem vulneráveis aos fornecimentos de energia e aos choques dos preços.

“6.         A União Europeia reconhece o seu próprio poder económico e político à medida que o euro aumenta e passa a ser a outra moeda de reserva mundial. O G-8 coloca o euro e o dólar numa margem de flutuação — suprimindo estas duas poderosas divisas dos écrans dos especuladores (toda a gente fica a ganhar!). Tony Blair convence os britânicos desta razão de peso para que o Reino Unido integre a zona euro.

“7.         Os países em desenvolvimento que não têm dólares ou moedas 'fortes' seguem a iniciativa da Venezuela e começam a permutar directamente e entre si as suas mercadorias sub-avaliadas através do comércio electrónico e de acordos de comércio recíproco. O presidente Chavez assinou com 13 países acordos comerciais deste tipo com base no petróleo venezuelano, por exemplo com Cuba em troca de pessoal paramédico cubano, que está a montar clínicas em aldeias rurais da Venezuela.

“Resultado deste cenário? Os Estados Unidos já não poderiam manter os seus enormes défices comerciais da balança de pagamentos nem continuar a empenhar-se em guerras globais contra o terrorismo ou o mal. Os EUA acabariam com as suas políticas unilaterais. Uma nova administração dos EUA começaria a regressar à sua tradição multilateral, deixaria de obstruir a ONU, regressando a esta instância, e cooperaria de forma mais realista a nível internacional.” [13]

No que diz respeito aos acontecimentos em curso na Venezuela, os pontos 2 e 7 da lista supra poderão dizer respeito aos motivos pelos quais a administração Bush subscreveu rapidamente o fracassado golpe militar contra Hugo Chavez em Abril de 2002. Apesar de o golpe ter falhado dois dias depois, vários relatórios sugerem que a CIA e uma administração Bush bastante embaraçada aprovaram o golpe e podem ter estado activamente envolvidas com os golpistas civis e militares.

“A administração de George W. Bush foi a principal derrotada no fracassado golpe, sublinhando a sua política hemisférica em bancarrota. Agora, começa a transpirar a notícia de que, nos últimos meses, funcionários da Casa Branca se reuniram com protagonistas do golpe, incluindo Carmona. Embora a administração insista em que objectou explicitamente a qualquer acção extra-constitucional para afastar Chavez, os comentários de altos funcionários americanos não conseguiram convencer muitos...

“O papel da CIA numa greve chilena em 1971 pode ter servido de modelo para criar instabilidade económica e social com vista ao derrube de Chavez. Na greve dos camionistas desse ano, a Agência orquestrou e financiou secretamente o prolongamento artificial de uma greve montada para asfixiar economicamente o governo esquerdista de Salvador Allende.

“Este guião teria contado com operacionais da CIA actuando em ligação com os militares venezuelanos, bem como com dirigentes empresariais e sindicais da oposição, para converter uma pequena greve de uma tarde efectuada por pessoal administrativo num quase bem sucedido golpe de graça.” [14]

É interessante saber que, de acordo com um artigo de Michael Ruppert, o embaixador venezuelano Francisco Mieres-Lopez terá avançado a ideia de adoptar o euro como divisa das transacções petrolíferas cerca de um ano antes da fracassada tentativa de golpe. Além disso, há provas de que a CIA continua activa nas suas tentativas de derrubar o governo de Chavez democraticamente eleito. Com efeito, em Dezembro passado, um funcionário do governo do Uruguai descreveu as operações encobertas da CIA em curso na Venezuela:

“O congressista uruguaio do EP-FA (Encuentro Progresista-Frente Amplio) Jose Nayardi afirma ter informações de que um plano de grande alcance foi preparado pela CIA e outros serviços secretos americanos para derrubar o presidente venezuelano Hugo Chavez Frias nas próximas 72 horas...

“Nayardi afirma ter recebido cópias de comunicações ultra-secretas entre a administração Bush em Washington e o governo do Uruguai, solicitando a cooperação deste para apoiar executivos empresariais e activistas sindicais para 'quebrar a intransigência no seio da administração de Chavez Frias'.” [15]

A Venezuela é o quarto maior produtor de petróleo e as elites empresariais, cujo poder político se exerce sem restrições na oligarquia Bush/Cheney, parecem interessadas na privatização da indústria petrolífera venezuelana. Além disso, é possível que o poder estabelecido esteja preocupado com o facto de os “acordos de permuta recíprocos” de Chavez com 12 países da América Latina e com Cuba estarem efectivamente a excluir o dólar americano do ciclo vital das transacções petrolíferas. Estes países têm vindo a comercializar matérias-primas em troca de petróleo venezuelano, reduzindo assim a dependência do dólar fiduciário (fiat) NT . Se proliferarem, estas transacções petrolíferas originais poderão aumentar a pressão sobre o dólar no sentido da desvalorização. Parece provável a prossecução de tentativas da CIA para afastar Hugo Chavez.

A economia americana adquiriu desequilíbrios estruturais significativos, nomeadamente um défice comercial recorde (agora quase 5% do PIB), um défice de 6,3 milhões de milhão de dólares (60% do PIB) e o recente regresso a défices orçamentais anuais que se elevam a centenas de milhares de milhões. De acordo com as “velhas regras”, estes factores levariam à desvalorização da moeda em qualquer nação. Por que motivo o dólar mantém a sua predominância apesar destes desequilíbrios estruturais? Enquanto que muitos americanos consideram que a força do dólar assenta apenas na nossa produção económica (isto é, no PIB), as elites governantes compreendem que a força do dólar se baseia em duas vantagens fundamentalmente únicas em relação a todas as outras divisas fortes.

A realidade é que a força do dólar americano reside, desde 1945, no facto de ser a moeda de reserva internacional, assumindo assim a função de moeda fiduciária para as transacções globais de petróleo (isto é, o petrodólar). Os EUA imprimem centenas de milhares de milhões destes petrodólares fiduciários, que são depois utilizados pelos Estados para comprar petróleo/energia aos produtores da OPEP (excepto o Iraque, em certa medida a Venezuela e talvez o Irão num futuro próximo). Estes petrodólares voltam depois da OPEP para os Estados Unidos sob a forma de títulos do Tesouro ou outros valores denominados em dólares, tais como acções e obrigações dos EUA, bens imobiliários, etc. No fundo, o consumo mundial de petróleo fornece um subsídio à economia americana. Por isso, os europeus criaram o euro para competir com o dólar enquanto moeda de reserva internacional alternativa. Obviamente, a União Europeia também gostaria que os preços do petróleo fossem fixados em euros.

As “velhas regras” para a avaliação do dólar e do poder económico dos EUA baseavam-se no nosso mercado flexível, na livre circulação de bens, na elevada produtividade por trabalhador, nos excedentes de produção e comércio, na supervisão governamental das metodologias contabilísticas (isto é, na SEC* – Securities and Exchange Comission: controle da bolsa de valores), no desenvolvimento das infra-estruturas, no sistema educativo e, evidentemente, no total de moeda em circulação e na rentabilidade. A nossa superioridade militar acrescentava ainda mais alguma confiança no dólar. Embora muitos destes factores continuem presentes, durante as duas últimas décadas diluímos alguns desses valores económicos “de segurança”. Apesar dos vastos desequilíbrios e problemas estruturais que grassam no interior da economia americana, o dólar como moeda fiduciária das transacções petrolíferas criou “novas regras”. Os excertos que se seguem de um artigo do Asia Times analisam as virtudes da nossa moeda fiduciária das transacções petrolíferas e da hegemonia do dólar (ou os vícios, do ponto de vista das nações em desenvolvimento, cuja dívida é denominada em dólares).

“Desde 1971, quando o presidente americano Richard Nixon retirou o dólar do padrão ouro (a 35 dólares por onça) que tinha sido acordado na Conferência de Bretton Woods no final da Segunda Guerra Mundial, o dólar tem sido um instrumento monetário global que os Estados Unidos, e só Estados Unidos, podem produzir com base na confiança (fiat) . O dólar, que é agora uma moeda fiduciária , encontra-se há 16 anos a um alto nível ponderado, de acordo com a balança comercial, apesar dos défices recorde da balança de pagamentos norte-americana e do facto de os EUA serem a nação mais endividada. A dívida nacional dos EUA elevava-se, a 4 de Abril, a 6,021 mil milhões de dólares em comparação com um produto interno bruto (PIB) de 9 mil milhões de dólares.

“O comércio internacional é agora um jogo em que os EUA produzem dólares e o resto do mundo produz bens que os dólares podem comprar. As economias interligadas do mundo já não transaccionam a fim de obter uma vantagem comparativa: competem nas exportações para obter os dólares necessários ao serviço de dívidas externas denominadas em dólares e para acumular reservas de dólares a fim de sustentarem o valor cambial das suas moedas nacionais. Com vista a impedir ataques especulativos e manipuladores contra as suas moedas, os bancos centrais do mundo têm que adquirir e manter reservas em dólares equivalentes às suas moedas em circulação. Quanto maior for a pressão do mercado para desvalorizar uma determinada moeda, mais reservas em dólares deve ter o respectivo banco central. Isto cria um apoio intrínseco a um dólar forte, o que, por sua vez, obriga os bancos centrais do mundo a adquirir e manter mais reservas em dólares, fortalecendo-o ainda mais. Este fenómeno é conhecido como a hegemonia do dólar, que é criada pelo facto peculiar, construído geo-politicamente, de as mercadorias críticas, sobretudo o petróleo, serem cotadas em dólares. Todos aceitam dólares porque estes podem comprar petróleo. A reciclagem de petrodólares é o preço que os EUA impuseram aos países produtores de petróleo em troca da tolerância americana do cartel exportador de petróleo desde 1973.

“Por definição, as reservas em dólares têm de ser investidas em activos americanos, criando um excedente na balança de capitais para a economia dos EUA. Mesmo depois de um ano de aguda correcção, a avaliação das acções e obrigações americanas ainda está ao nível mais alto em 25 anos, vendendo-se a um valor superior em 56% ao dos mercados emergentes.

“...O excedente da balança de capitais financia, por sua vez, o défice da balança comercial dos EUA. Além disso, qualquer activo cotado em dólares, independentemente da sua localização, é em essência um activo dos EUA. Dado que o petróleo é denominado em dólares através da acção estatal americana e o dólar é uma moeda fiduciária, os EUA no fundo obtêm gratuitamente o petróleo mundial. E quanto mais dólares imprimirem, maior será o valor dos seus activos. Deste modo, uma política de dólar forte, proporciona aos EUA um duplo benefício.” [16]

Este acordo geopolítico único com a Arábia Saudita em 1973 funcionou a nosso favor nos últimos 30 anos, já que eliminou os riscos monetários relacionados com o petróleo, elevou o valor total dos activos/bens denominados em dólares e permitiu à Reserva Federal criar uma dívida e uma expansão do crédito verdadeiramente maciça (ou uma “bolha de crédito”, segundo alguns economistas). Estes desequilíbrios estruturais na economia americana são sustentáveis enquanto:

1- As nações continuarem a precisar de comprar petróleo para as suas necessidades de energia e sobrevivência;

2- A moeda fiduciária de reserva para as transacções petrolíferas continuar a ser o dólar americano (e apenas o dólar).

Estes factores subjacentes, juntamente com a reputação de “segurança” dos investimentos nos EUA permitida pelo estatuto do dólar de moeda de reserva, conduziram os EUA à hegemonia económica e militar no período posterior à Segunda Guerra Mundial. No entanto, a introdução do euro é um factor novo significativo e parece ser a principal ameaça à hegemonia económica dos EUA. Além disso, em Dezembro de 2002, mais dez países receberam o aval para a sua plena integração na União Europeia. Em 2004, a UE terá um PIB de 9,6 milhão de milhões de dólares e uma população de 450 milhões de pessoas, competindo directamente com a economia dos EUA (PIB de 10,5 milhão de milhões de dólares, 280 milhões de pessoas).

Especialmente interessante é um discurso proferido por Javad Yarjani, chefe do Departamento de Análise do Mercado de Petróleo da OPEP, numa visita a Espanha em Abril de 2002. O seu discurso incidiu inteiramente sobre o tema da moeda-padrão das transações petrolíferas da OPEP com respeito ao dólar e ao euro. Os excertos adiante reproduzidos da intervenção deste executivo da OPEP dão uma ideia das condições que criariam o impulso para uma mudança da divisa da OPEP para o euro. Na verdade, a sua análise franca merece ser cuidadosamente tomada em consideração, na medida em que dois dos factores variáveis que assinala para a mudança já ocorreram desde o momento em que este discurso foi proferido, na Primavera de 2002. Estas intervenções fundamentais sobre o euro e o seu potencial para a aquisição do petróleo são analisadas nos meios de comunicação social europeus, mas foram completamente censuradas nos meios de comunicação social americanos.

“... A questão que se coloca é a de saber se o euro se estabelecerá nos mercados financeiros mundiais, desafiando assim a supremacia do dólar americano e provocando, consequentemente, uma alteração na situação dominante do dólar nos mercados petrolíferos. Como todos sabemos, o poderoso dólar impera desde 1945, e nos últimos anos ganhou ainda mais terreno com o domínio económico dos Estados Unidos, uma situação que poderá não se alterar no futuro próximo. No final dos anos 90, mais de quatro quintos de todas as transacções em divisas estrangeiras e metade de todas as exportações mundiais eram denominadas em dólares. Além disso, a divisa americana constitui cerca de dois terços de todas as reservas monetárias oficiais. A dependência mundial do dólar americano para os pagamentos comerciais prendeu os países a reservas em dólares que são desproporcionalmente maiores do que a quota-parte americana na produção mundial. A quota-parte do dólar na denominação do comércio mundial é também muito maior do que a quota dos Estados Unidos nesse comércio.

“Dito isto, note-se que, a longo prazo, o euro não é muito desvantajoso em relação ao dólar, se compararmos a dimensão relativa das economias envolvidas, tendo especialmente em conta os planos de alargamento da UE. Além disso, a zona euro tem uma quota maior no comércio mundial do que os EUA e, enquanto estes têm um enorme défice da balança de pagamentos, a zona euro tem uma posição melhor e mais equilibrada nas contas externas. Um dos argumentos que pesa mais a favor de manter o preço e os pagamentos petrolíferos em dólares tem sido o facto de os Estados Unidos continuarem a ser um grande importador de petróleo, apesar de serem eles próprios um importante produtor de petróleo bruto. No entanto, observando as estatísticas de exportação de petróleo bruto, nota-se que a zona euro é um importador de petróleo e seus derivados ainda maior do que os EUA...

“... Do ponto de vista da UE, é claro que a Europa preferiria que os pagamentos do petróleo passassem a ser efectuados em euros, o que eliminaria efectivamente os riscos cambiais. Aumentaria também a procura do euro, contribuindo assim para aumentar o seu valor. Por outro lado, já que o petróleo constitui uma matéria-prima tão importante no comércio mundial, em termos de valor, se os preços passassem a ser denominados em euros, isso representaria um impulso à aceitação global da moeda única. Existem também laços comerciais muito fortes entre os países membros da OPEP e a zona euro, na medida em que mais de 45% do total das importações de mercadorias dos países membros da OPEP provêm dos países da zona euro, enquanto os países membros da OPEP são os principais fornecedores de petróleo e produtos derivados da Europa....

“Da maior importância para o êxito do euro, em matéria de preços do petróleo, será se os dois maiores produtores de petróleo europeus – o Reino Unido e a Noruega — aderirem à moeda única. Naturalmente, a futura integração do Reino Unido na zona euro e da Noruega na Europa será importante, pelo facto de serem os dois maiores produtores regionais de petróleo do Mar do Norte, de onde provém o parâmetro internacional para o petróleo bruto — o Brent. Isto poderia impulsionar a mudança do sistema de preços do petróleo para o euro...

“A curto prazo, espera-se que os países membros da OPEP, possivelmente com algumas excepções, continuem a aceitar o pagamento em dólares. Não obstante, penso que a OPEP não porá completamente de parte a possibilidade de vir a adoptar o euro como moeda para as transacções petrolíferas. Esta Organização, tal como muitas outras entidades financeiras hoje em dia, está também a avaliar a forma como o euro se adaptará à sua vida como nova divisa. A interrogação crítica para os operadores do mercado diz respeito ao valor geral e à estabilidade do euro, assim como à questão de saber se outros países da União adoptarão a moeda única...

“É muito possível que, com o incremento do comércio bilateral entre o Médio Oriente e a União Europeia, seja praticável estabelecer os preços do petróleo em euros, considerando que a Europa é o principal parceiro económico dessa região. Isto fomentaria o estreitamento de laços entre estes blocos comerciais, aumentando as trocas comerciais e ajudando a atrair o muito necessário investimento europeu no Médio Oriente.

“A longo prazo, uma das perguntas que nos ocorre colocar refere-se à questão de saber se poderá um sistema duplo operar em simultâneo. Será possível aplicar um sistema de preços em dólares no hemisfério ocidental e em euros no resto do mundo? Este será o teste ao euro, caso esta divisa ganhe terreno no mercado das transações petrolíferas.

“... Se o euro se contrapuser ao dólar em força, o que essencialmente poderia incluí-lo na cotação das transacções petrolíferas, isso poderia levar à emergência de um sistema que, a longo prazo, beneficiaria mais países. Talvez com uma maior integração europeia e uma forte economia europeia, isto se possa tornar realidade. O tempo poderá estar do vosso lado. Desejo ao euro o maior sucesso.” [17]

Segundo este importante discurso, o impulso para que a OPEP considere a mudança para o euro será maior quando a União Europeia se expandir em Maio de 2004 para 450 milhões de habitantes, com a integração de mais dez Estados membros. O PIB da UE aumentará de 7 para 9,6 milhões de milhão de dólares. Esta União Europeia alargada terá uma população consumidora de petróleo 33% maior que os Estados Unidos e, a partir de meados de 2004, mais de metade do petróleo bruto da OPEP será vendido à UE. Isto não inclui outros potenciais participantes no euro/UE, tais como o Reino Unido, a Noruega, a Dinamarca e a Suécia. Refira-se que, desde os finais de 2002, o euro tem sido cotado em paridade ou acima do dólar, e os analistas predizem que este manterá a sua tendência descendente em relação ao euro em 2003.

Os dois últimos pontos fundamentais que levariam à transição da OPEP para o euro basear-se-ão no seguinte: (1) se e quando o petróleo bruto Brent da Noruega for redenominado em euros e (2) quando o Reino Unido adoptar o euro. No que respeita a este último, Tony Blair está a exercer fortes pressões para que o Reino Unido adopte o euro, adopção essa que parece iminente ainda na presente década. Se e quando o Reino Unido adoptar o euro, penso que se dará início a um esforço concertado para instituir o euro como uma moeda de reserva internacional. Uma vez mais, forneço a seguinte informação do macro-economista já referido, que analisa muito cuidadosamente estas questões monetárias internacionais:

“O voto crucial será provavelmente o da Suécia, país onde a aprovação, no próximo Outono, da adopção do euro impulsionaria também o forte desejo do governo dinamarquês de fazer o mesmo. As sondagens na Dinamarca indicam agora que o euro será aprovado com uma margem confortável, e as sondagens de opinião na Noruega mostram uma crescente maioria a favor da integração na UE. Na realidade, dado que a Noruega já transpôs a maioria das directivas económicas da UE através da participação no Espaço Económico Europeu e com a sua moeda fortemente apreciada, a adopção do euro não só está facilitada, como traria grandes benefícios económicos.

“Após a Suécia, o mesmo acontecerá provavelmente com a Dinamarca e a Noruega. O verdadeiro obstáculo à conversão do euro numa divisa de transação e reserva internacional é o Reino Unido. Enquanto o Reino Unido se mantiver fora da zona euro, a redução dos custos cambiais entre o euro e a libra inglesa continuará a ser a prioridade óbvia. A adopção do euro por parte da Grã-Bretanha (quase certa a longo prazo) exerceria uma pressão significativa para a refixação do parâmetro do petróleo bruto Brent – que é comercializado no International Petroleum Exchange, em Londres – e, tanto quanto eu saiba, os noruegueses não teriam certamente nenhuma objecção a fazer, quer adiram ou não à União Europeia.

“Por último, no meu ponto de vista, as iniciativas no sentido de reduzir a dominação global por parte do dólar já estão bem encaminhadas e só têm motivos para continuar. Parece bastante improvável que haja uma mudança nos preços da OPEP antes de 2004 – excepto por motivos políticas (por exemplo, de membros inquietos da OPEP) ou um colapso desordenado do dólar (por exemplo, da Banca japonesa devido à subida dos preços do petróleo subsequente a um conflito prolongado no Iraque) –, mas afigura-se bastante viável que tenha lugar antes do fim da década.”

Por outras palavras, por volta de 2005/2006, numa perspectiva meramente económica e monetária, será lógico para vários produtores da OPEP passar a fazer as transacções petrolíferos em euros. É evidente que isto desvalorizará o dólar e afectará a economia norte-americana, a não ser que os EUA procedam de imediato a alterações monetárias e estruturais – ou usem o seu maciço poder militar para forçar os acontecimentos na OPEP...

Perante estas possibilidades, ponho a hipótese de o presidente Bush querer derrubar Saddam em 2003 para tentar, antecipadamente, iniciar uma produção maciça de petróleo iraquiano muito superior à das quotas da OPEP, de forma a reduzir os preços mundiais do petróleo e, deste modo, desmantelar os controles de preços da OPEP. O objectivo final dos neo-conservadores é incrivelmente arrojado, ainda que simples no seu propósito: utilizar a “guerra contra o terrorismo” como premissa para dissolver finalmente o processo decisório da OPEP, e evitar assim em última instância a inevitável transição para a fixação dos preços do petróleo em euros.

Como quebraria a administração Bush o controle de preços do cartel da OPEP num Iraque pós-Saddam? Em primeiro lugar, o regime recém-instalado (aparentemente um general americano) fará com que o Iraque regresse ao padrão dólar. Em seguida, com o exército americano a proteger os poços de petróleo, a nova junta governante tomará as medidas necessárias para aumentar rapidamente a produção de petróleo iraquiano – muito para além da quota de 2 milhões de barris por dia da OPEP.

O Dr. Nayyer Ali apresenta uma análise sucinta da forma como as reservas petrolíferas sub-exploradas do Iraque não serão uma “fonte de lucro” para o Governo americano, mas servirão o objectivo geo-estratégico mais importante de fornecer o instrumento económico crucial para reduzir e desintegrar os controles de preços da OPEP, na perspectiva do objectivo há muito prosseguido pelos neo-conservadores de desmantelamento da OPEP:

“... Apesar deste imenso mar de petróleo, o Iraque nunca produziu a um nível proporcional às suas reservas. Desde a Guerra do Golfo, a produção iraquiana tem sido limitada por sanções e por vendas permitidas ao abrigo do programa Petróleo por Alimentos (através do qual o Iraque vendeu petróleo no valor de 60 mil milhões de dólares nos últimos 5 anos), bem como pelo que consegue vender em contrabando. Isto eleva-se a menos de mil milhões de barris por ano. Se o Iraque reintegrasse a economia mundial, haveria um investimento maciço no seu sector petrolífero e a sua produção aumentaria para 2,5 mil milhões de barris por ano, ou seja, cerca de 7 milhões de barris por dia.

“A produção mundial total de petróleo é de cerca de 75 milhões de barris/dia e a OPEP no seu conjunto produz cerca de 25 milhões de barris/dia.

“Quais seriam as consequências desta situação? Há dois elementos óbvios.

“Em primeiro lugar, seria o colapso da OPEP, cuja estratégia de limitar a produção para maximizar o preço terá finalmente atingido o seu limite. Um Iraque capaz de produzir tanto petróleo quererá fazê-lo e não permitirá à OPEP limitá-lo a dois milhões de barris por dia. Se o Iraque ultrapassar a sua quota, então quem na OPEP abdicará de uma produção de 5 milhões de barris? Ninguém se poderia permitir isso e a OPEP morreria. Isto levaria à segunda maior consequência, que é o colapso do preço do petróleo para a ordem dos 10 dólares por barril. O mundo consome actualmente 25 mil milhões de barris por ano, de maneira que uma descida de 15 dólares pouparia às nações consumidoras de petróleo 375 mil milhões de dólares por ano nos custos do petróleo bruto.

“.. A guerra no Iraque não é uma forma de fazer dinheiro. Mas poderia ser uma forma de desmantelar a OPEP. Isso, no entanto, é um resultado a longo prazo que requererá que o Iraque seja reconstituído com êxito e posto a funcionar, de forma a que seja possível fazer um investimento maciço no sector petrolífero.” [18]

O povo americano não tem, em grande medida, consciência dos riscos económicos decorrentes da próxima guerra lançada pelo presidente Bush. Não só a débil economia japonesa fica em grave perigo com uma explosão dos preços de petróleo, como também existem riscos adicionais relacionados com o Irão e a Venezuela; qualquer um destes países poderá orientar-se para o euro, dando assim mais impulso para que a OPEP actue de acordo com os seus “debates internos” e adopte o euro como nova divisa petrolífera. A administração Bush acredita que, derrubando Saddam, suprimirá “a interdição” , permitindo desta forma aos Estados Unidos controlar as enormes reservas de petróleo iraquianas, e finalmente quebrar e dissolver os dez restantes países da OPEP.

Este último aspecto é sem dúvida um risco significativo, mesmo que se verifique o cenário mais favorável de uma guerra rápida e relativamente indolor que derrube Saddam e deixe intactos os campos de petróleo do Iraque. É um facto que a OPEP poderia sentir-se ameaçada pelo objectivo dos neo-conservadores de desmantelar o controle dos preços (22 a 28 dólares por barril). Talvez o ambicioso objectivo da administração Bush de inundar o mercado com petróleo bruto iraquiano possa ser alcançado, mas tenho dúvidas. Irá a OPEP simplesmente tolerar que o Iraque viole a quota de produção de petróleo, dando-lhes assim uma lição de suicídio? Pelo contrário, a OPEP poderia reunir-se em Viena e, num acto de auto-preservação, redenominar a divisa petrolífera em euros. Tal decisão marcaria o fim da hegemonia do dólar americano e, dessa maneira, o fim do nosso precário estatuto de superpotência económica. Uma vez mais transcrevo a interessante análise do meu amigo perito, sobre o jogo colossal que esta administração está prestes a empreender:

“Um dos segredos sujos da actual ordem internacional é que o resto do mundo poderia, quando entendesse, retirar aos Estados Unidos o seu estatuto de potência hegemónica, abandonado de forma concertada o dólar como moeda padrão. Este é o calcanhar de Aquiles preeminente e iniludível da América, agora e no futuro previsível.

“Que tal caminho não tenha sido seguido até à data tem mais a ver com o facto de outras nações ocidentalizadas, altamente desenvolvidas, não terem nenhum interesse em sofrer as grandes rupturas que se seguiriam – embora isto pudesse perfeitamente acontecer no caso de se confirmar o consenso sobre o ponto de vista de os Estados Unidos são uma espécie de nação 'pária', ou seja, se os perigos da hegemonia da América sobre o mundo forem alguma vez considerados como um fardo maior do que os perigos decorrentes do derrube da ordem internacional. A administração Bush e o movimento neo-conservador encetaram um caminho em múltiplas frentes para assegurar que nada disto possa acontecer, mediante uma afirmação graduada da hegemonia militar a somar-se à actual hegemonia económica.

“O paradoxo que ilustrei com este cenário limitado é que o próprio caminho quixotesco pode muito bem provocar o resultado temido que pretende evitar. Veremos!”

Com esta administração, regressámos, lamentavelmente, a maciços gastos deficitários. E a falta de um forte controle do SEC erodiu ainda mais a confiança dos investidores. De facto, a deficiente política económica e fiscal da administração Bush, resultando em anos de défices projectados, pode estar a exacerbar a debilidade do dólar, se não mesmo a obrigar alguns países a diversificar as reservas dos seus Bancos centrais em euros como alternativa ao dólar. Numa perspectiva de política externa, a desvinculação de numerosos tratados internacionais e o desdém pela cooperação internacional através da ONU e da NATO irritaram até os nossos aliados mais próximos.

Sinopse:

Dir-se-ia que qualquer tentativa por parte dos Estados membros da OPEP no Médio-Oriente ou na América Latina de transitarem para o euro como padrão monetário das transacções petrolíferas conduzirá quer a intervenções militares dos EUA, quer a intervenções encobertas dos serviços secretos americanos. Sob o disfarce de uma perpétua “guerra contra o terrorismo”, a administração Bush está a manipular o povo americano sobre as razões macro-económicas, não declaradas mas muito reais, para esta próxima guerra com o Iraque. A guerra no Iraque não se baseará em nenhuma ameaça proveniente do antigo programa de armas de destruição maciça de Saddam ou do terrorismo. Esta guerra travar-se-á pela divisa mundial do petróleo. Uma guerra que pretende evitar que o preço do petróleo seja fixado em euros.

Infelizmente, os americanos tornaram-se, em grande medida, ignorantes e complacentes. Demasiados de nós estão dispostos a ser governados pelo medo e pela mentira, mais do que pela persuasão e pela verdade. Permitiremos que o nosso governo inicie a perigosa “doutrina preventiva” fazendo uma guerra impopular no Iraque, enquanto recusamos reconhecer que Saddam não representa uma ameaça iminente para os Estados Unidos? Além disso, parecemos incapazes de confrontar a fragilidade estrutural da nossa economia devido à maciça manipulação da dívida, a incomportáveis reduções fiscais em 2001, a níveis recorde de défices comerciais, à insustentável expansão do crédito, a abusos na contabilidade das empresas, a poupanças pessoais quase nulas, a um endividamento pessoal recorde e à nossa dependência e consumo exagerado do petróleo do Médio Oriente.

Independentemente do que o Dr. Blix encontrar ou deixar de encontrar no Iraque no que se refere às armas de destruição maciça, parece que o presidente Bush está determinado em prosseguir a sua guerra imperialista “preventiva” para assegurar uma grande parte dos hidrocarbonetos que restam na Terra e, em seguida, utilizar o subaproveitado petróleo iraquiano para destruir o cartel da OPEP. Este jogo resultará? Ainda está para se ver. De qualquer forma, a história da guerra está cheia de consequências inesperadas. É bastante plausível que a nossa nação possa sofrer não só com o aumento do terrorismo patrocinado pela Al Qaeda, mas também com a retaliação económica da comunidade internacional ou dos membros da OPEP. Ficaremos tranquilamente sentados a ver a CNN, enquanto o nosso governo se torna um pária internacional ao ignorar o direito internacional lançando-se numa guerra unilateral contra o Iraque? Poderemos continuar a reclamar-nos da prática de um capitalismo liberal enquanto impomos uma economia dirigista no domínio das transacções petrolíferas mundiais? Por último, como podemos impedir efectivamente a ameaça do terrorismo internacional da Al Qaeda se alienamos tantos dos nossos aliados europeus?

Devemos colocarmo-nos esta questão fundamental: é moralmente defensável espalhar os nossos corajosos, mas ingénuos, jovens soldados pelo globo, para impor a hegemonia do dólar americano nas transacções petrolíferas mundiais através do cano das espingardas? Permitiremos a conquista imperialista do Médio Oriente para alimentar o nosso consumo excessivo de petróleo, enquanto ignoramos o derrube dúplice de um governo democraticamente eleito na América Latina? É aceitável que um presidente dos Estados Unidos ameace utilizar a força militar contra Estados-nação da OPEP devido às suas opções soberanas quanto à divisa a utilizar nas suas exportações de petróleo? Concordo com a opinião do Dr. Peter Dale Scott sobre estas questões:

“... esperemos que os americanos decentes contestem a noção de que é adequado lançar mísseis e bombas sobre civis de outro país que pouco ou nada têm a ver com esta crise (financeira) cuja responsabilidade é da própria América...

“... Uma abordagem multilateral destes problemas fundamentais é a única forma de proceder. Os Estados Unidos são suficientemente fortes para dominar o mundo militarmente. Economicamente estão em declínio, cada vez menos competitivos e cada vez mais endividados. A intenção dos homens de Bush parece ser a de ultrapassar as realidades económicas com as militares, como se não existisse o risco de retaliação económica. Deveriam recordar-se da humilhante retirada britânica do Suez em 1956, uma retirada forçada pelos Estados Unidos como condição para sustentar a queda da libra britânica.” [19]

Paradoxalmente, estas políticas belicistas da actual administração norte-americana poderão levar precisamente ao resultado que pretendem evitar – uma transição da OPEP para o euro. Patriotas informados compreendem que o super-empenhamento imperialista militante é não só prejudicial ao nosso estatuto internacional, como pode também, por sua vez, prejudicar gravemente a nossa estabilidade económica. Assim, calar-se é não só patriotismo errado como falso. Não devemos ficar em silêncio e ver o nosso país tornar-se uma superpotência “delinquente”, apoiando-se na força bruta, forçando deste modo as nações desenvolvidas ou a OPEP a abandonar o padrão dólar e — com uma simples estocada — dilacerar o império dos EUA.

Não tem de ser este o nosso destino. Quando começaremos a exigir que o nosso governo inicie o longo e difícil caminho em direcção a uma política de conservação da energia, ao desenvolvimento de fontes de energia renováveis e a orçamentos equilibrados sustentáveis que permitam uma verdadeira redução do défice? Quando revogaremos as insustentáveis reduções fiscais de 2001 para criar um orçamento equilibrado, imporemos leis sobre a contabilidade das empresas e reinvestiremos substancialmente nos nossos sectores fabris e de exportação para, de forma gradual mas zelosa, levar a nossa economia a fazer com que a balança comercial deixe de ser deficitária e passe a ser excedentária? É indubitável que temos de proceder a estas e a muitas outras difíceis alterações estruturais na nossa economia se pretendermos restabelecer e manter o nosso estatuto internacional de “porto seguro” para os investimentos.

Além disso, parece imperativo que o nosso governo inicie conversações com o G-8 no sentido da reforma do sistema monetário mundial. Temos de adaptar a nossa economia à competição inevitável do euro como moeda de reserva internacional alternativa. Concordo com os economistas esclarecidos que recomendam que os Estados Unidos iniciem o processo de convocação da próxima “Conferência de Bretton Woods”. Os Estados Unidos deveriam concordar que o euro se tornasse a próxima moeda de reserva internacional e defender que o dólar e o euro fossem colocados numa “margem de flutuação” com uma paridade com estatuto de reserva. Isto facilitaria a criação vital de um padrão duplo de transação do petróleo da OPEP. Seria também prudente considerar um terceiro “bloco asiático” do iene/yuan como opção monetária de reserva para equilibrar o sistema monetário mundial. Infelizmente, a entrincheirada ideologia política da administração Bush parece bastante incompatível com estas necessárias reformas económicas. Em última instância, Nós, o Povo, devemos exigir uma nova administração. Precisamos de líderes responsáveis que estejam dispostos a regressar a orçamentos equilibrados, a políticas fiscais cautelosas e às nossas tradições de integração em políticas externas multilaterais, a par de uma procura de cooperação internacional alargada.

É igualmente importante que recordemos a sabedoria dos nossos pais fundadores, como Thomas Jefferson, que insistiram na importância vital de uma imprensa livre, já que é o nosso melhor, e muitas vezes único, mecanismo para proteger a democracia. O povo americano não tem conhecimento das questões debatidas neste ensaio porque a comunicação social americana foi reduzida a um punhado de conglomerados de empresas de consumo/entretenimento, orientadas para o lucro e que filtram o fluxo de informação dentro dos Estados Unidos. Lamentavelmente, parte do actual dilema reside nestes conglomerados de comunicação social americanos, que falharam nas suas responsabilidades de informar o Povo. O nosso Congresso deve encetar reformas, pois trata-se de uma ameaça real à nossa democracia. A Internet não deveria ser a nossa única fonte de informações verídicas e não filtradas.

Foi dito que todas as guerras se travam por questões de recursos ou ideologia/religião. Parece que a administração Bush pode brevemente acrescentar a “guerra pela divisa petrolífera” como um terceiro paradigma. No entanto, temo que a comunidade internacional não tolere um império americano que usa o poder militar para conquistar nações soberanas que decidem vender os seus produtos petrolíferos em euros em vez de dólares. Do mesmo modo, se o presidente Bush prosseguir naquilo que é essencialmente uma guerra unilateral e não provocada contra o Iraque, duvido que os historiadores sejam simpáticos para com ele e com a sua administração. A sua agenda é clara para a comunidade internacional, mas quando é que os patriotas americanos se tornarão conscientes do seu modus operandi ?

“Se dissermos uma grande mentira e a repetirmos constantemente, as pessoas acabarão por acreditar nela.

“A mentira só pode ser mantida enquanto o Estado conseguir proteger a população das consequências políticas, económicas e/ou militares dessa mentira. Torna-se assim de importância vital para o Estado usar todos os seus poderes para reprimir a dissidência, pois a verdade é inimiga mortal da mentira e assim, por extensão, a verdade é a maior inimiga do Estado.”

Joseph Goebbels, ministro da propaganda alemão, 1933-1945

Pano de fundo sobre os hidrocarbonetos

Para compreender a questão dos hidrocarbonetos e de como chegámos a esta situação desesperada em relação ao Iraque, reuni quatro artigos da Secção de Referência do controverso site de Michael Ruppert: From the Wilderness . Apesar de alguns dos artigos de Ruppert serem por vezes demasiados trabalhados, a sua investigação sobre as questões dos hidrocarbonetos e a inter-relação entre as questões da energia e a perpétua “guerra contra o terrorismo” de Bush é bastante elucidativa. O que se segue analisa de forma breve questões geo-estratégicas relacionadas com as reservas de petróleo iraquianas.

Para além do motor central da ameaça monetária que o euro representa para o dólar, a outra questão relacionada com a próxima guerra no Iraque parece dizer respeito a algumas descobertas geológicas decepcionantes no que se refere à região do Mar Cáspio. Desde meados dos anos 90 que se pensava que a região do Mar Cáspio, na Ásia Central, poderia possuir aproximadamente 200 mil milhões de barris de petróleo não explorado (valor comparável à base de reserva da Arábia Saudita). [20] Com base num estudo prévio de exequibilidade da Enron, o meio mais fácil e barato de trazer este petróleo para o mercado seria um oleoduto do Casaquistão, através do Afeganistão até à fronteira do Paquistão em Malta. Em 1998, o então director executivo da Halliburton, Dick Cheney, mostrou-se muito interessado na construção desse oleoduto.

De facto, estas reservas de petróleo eram uma componente central do plano de energia de Cheney lançado em Maio de 2001. De acordo com esse relatório, os EUA importarão 90% do seu petróleo em 2020. Por isso, a exploração das reservas na região do mar Cáspio era vista como um objectivo estratégico que ajudaria a satisfazer a nossa crescente necessidade de energia e também a reduzir a nossa dependência do petróleo do Médio Oriente. [21]

De acordo com o livro francês L'Effroyable Mensonge (A Tremenda Mentira), [22] a administração Bush ignorou as sanções da ONU que tinham sido impostas aos talibans e entrou em negociações com o suposto “regime pária”, de 2 de Fevereiro de 2001 a 6 de Agosto de 2001. De acordo com este livro, os talibans não se mostraram muito cooperantes, segundo declarações do antigo embaixador paquistanês, Niaz Naik, que informa que os EUA ameaçaram com uma “opção militar” no Verão de 2001, caso os talibans não aceitassem as nossas exigências. Casualmente para a administração Bush e para o plano de energia de Cheney, Bin Laden brindou-nos com o 11 de Setembro. As pré-posicionadas tropas americanas, juntamente com os fornecimentos de dinheiro por parte da CIA aos líderes da Aliança do Norte, conduziram a invasão do Afeganistão e à derrocada dos Talibans. Foi formado o governo pró-ocidental de Karzai, e no início de 2002 estava de novo em marcha o projecto do oleoduto, bem, uma espécie de...

Após a construção e análise de três poços exploratórios, concluiu-se que a região do Cáspio possui apenas aproximadamente 10 a 20 mil milhões de barris de petróleo (apesar de possuir uma grande quantidade de gás natural) [20] . O petróleo é também de baixa qualidade, com um alto teor de enxofre. Em consequência, várias grandes companhias abandonaram os seus planos relativos ao oleoduto, declarando que este projecto de grande envergadura já não é rentável. Infelizmente, a compreensão recente deste facto relativo à região do Mar Cáspio tem sérias implicações para os EUA, Índia, China, Ásia e Europa, dado que a quantidade disponível de hidrocarbonetos para os países industrializados e em desenvolvimento sofreu uma redução de 20% (as estimativas globais diminuíram de 1,2 milhões de milhão para cerca de 1 milhão de milhão) [20, 23] . A administração Bush desviou rapidamente a atenção para uma reserva conhecida, a do Iraque, que totaliza 11% das reservas mundiais de petróleo (112 mil milhões de barris). No entanto, nenhum levantamento geológico foi realizado no Iraque desde os anos 70. As companhias petrolíferas da Rússia, França e EUA esperam ansiosas a concessão dos inexplorados jazigos iraquianos, que podem conter até 200 mil milhões de barris. [24] A nossa grande nemésis , Bin Laden, foi rapidamente substituída pelo nosso novo inimigo público nº 1, Saddam Hussein.

Quem quiser analisar o impacto do empobrecimento das reservas de hidrocarbonetos numa perspectiva geopolítica e as potenciais ramificações da forma como estes acontecimentos podem erodir as nossas liberdades cívicas e os processos democráticos, o oficial na reserva das Forças Especiais americanas Stan Goff faz uma análise sóbria destas questões no seu ensaio: “ The Infinite War and its Roots” (A Guerra Infinita e suas Raízes). [25] De igual modo, quem quiser analisar algumas das provas silenciadas em torno da tragédia do 11 de Setembro, o controverso ensaio “ The Enemy Within ” de Gore Vidal, introduz este tema de forma muito pormenorizada. Apesar de ter sido publicado em Itália e no The Observer (britânico), este ensaio não se encontra em nenhum meio de comunicação social americano. O último livro de Gore Vidal, Dreaming War , classifica-o como ensaio de abertura [26] . Por último, o livro The War on Freedom: How and Why America was Attacked, September 11, 2001 , do cientista político britânico Nafeez Mosaddeq Ahmed, apresenta questões fundamentalmente desconcertantes sobre a tragédia do 11 de Setembro e é extremamente esclarecedor [27] .

[NT]: Fiat currency, ou moeda fiduciária: moeda criada sem qualquer base real pelos Bancos e Bancos centrais e “legalizada” pelos políticos. Na medida em que não corresponde a trabalho, não tem qualquer “valor intrínseco”. Para mais informação acerca da moeda fiduciária visite: http://www.gold-eagle.com/editorials_01/parks021701pv.html

Referências:
1- Rangwala, Glen, "Claims and evaluations of Iraq's proscribed weapons", Cambridge University (7 de Março de 2003) http://middleeastreference.org.uk/iraqweapons.html

2- FAIR Fairness & Accuracy In Reporting, "Media Advisory: Star Witness On Iraq Said Weapons Were Destroyed. Bombshell revelation from a defector cited by White House and press" (27 de Fevereiro de 2003) http://www.fair.org/press-releases/kamel.html
Official UNSCOM/IAEA Document:
http://www.fair.org/press-releases/kamel.pdf

3- Londres, Heidi Kingstone, "Middle East: Trouble in the House of Saud", The Jerusalem Report (13 de Janeiro de 2003) http://www.jrep.com/Mideast/Article-0.html

4- Recknagel, Charles, "Iraq: Baghdad Moves to Euro", Radio Free Europe (1 de Novembro de 2000) http://www.rferl.org/nca/features/2000/11/01112000160846.asp

5- Islam, Faisal, "Iraq nets handsome profit by dumping dollar for euro", The Observer (16 de Fevereiro de 2003) http://politics.guardian.co.uk/Print/0,3858,4606565,00.html

6- "Economics Drive Iran Euro Oil Plan, Politics Also Key", IranExpert (23 de Agosto de 2002) http://www.iranexpert.com/2002/economicsdriveiraneurooil23august.htm

7- "Forex Fund Shifting to Euro", Iran Financial News (25 de Agosto de 2002) http://www.payvand.com/news/02/aug/1080.html

8- Gutman, Roy & Barry, John, "Beyond Baghdad: Expanding Target List: Washington looks at overhauling the Islamic and Arab world," Newsweek (11 de Agosto de 2002)
http://www.unansweredquestions.net/timeline/2002/newsweek081102.html

9- Costello, Tom, "Japan's Economy at Risk of Collapse", MSNBC News (11 de Dezembro de 2002) http://www.msnbc.com/news/845708.asp

10- Gluck, Caroline, "North Korea embraces the euro", BBC News (1 de Dezembro de 2002) http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/asia-pacific/2531833.stm

11- "What the World Thinks in 2002 — How Global Publics View: Their Lives, Their Countries, The World, America", The Pew Research Center For The People & The Press (4 de Dezembro de 2002) http://people-press.org/reports/display.php3?ReportID=165

12- "Euro continues to extend its global influence" (7 de Janeiro de 2002) http://www.europartnership.com/news/02jan07.htm

12a- Garnaut, John, "US Dollar Losing Its Position As Asia's Reserve Currency", rense.com (17 de Julho de 2002) http://www.rense.com/general27/rec.htm

12b- Palmer, Randall, "Canada sells gold, keeps shift into euro reserves", Reuters/Forbes (6 de Janeiro de 2003) http://www.forbes.com/newswire/2003/01/06/rtr838251.html

13- Henderson, Hazel, "Beyond Bush's Unilateralism: Another Bi-Polar World or A New Era of Win-Win?", InterPress Service (Junho de 2002) http://www.hazelhenderson.com/Bush's%20unilateralism.htm

14- Birms, Larry & Volberding, Alex, "U.S. is the Primary Loser in Failed Venezuelan Coup", Newsday (21 de Abril de 2002) ha.org/COHA%20_in%20_the_news/Articles%202002/newsday_04_21_02_us__venezuela.htm

15- "USA intelligence agencies revealed in plot to oust Venezuela's President" (12 de Dezembro de 2002) http://www.vheadline.com/0212/14248.asp (link desactivado — ver http://www.ratical.org/ratville/CAH/linkscopy/USintelVen.html

16- Liu, Henry C K, "US dollar hegemony has got to go", Asia Times (11 de Abril de 2002) http://www.atimes.com/global-econ/DD11Dj01.html

17- "The Choice of Currency for the Denomination of the Oil Bill", Discurso proferido por Javad Yarjani, Presidente da Petroleum Market Analysis Dept da OPEP , sobre o tema “O Papel Internacional do Euro” (convidado pelo ministro espanhol da Economia durante a Presidência Espanhola da UE) (14 de Abril de 2002, Oviedo, Espanha) http://www.opec.org/NewsInfo/Speeches/sp2002/spAraqueSpainApr14.htm

18- Nayyer, Dr. Ali, "Iraq and Oil", PakistanLink (13 de Dezembro de 2002) http://www.pakistanlink.com/nayyer/12132002.html

19- Scott, Dr. Peter Dale, "Bush Deep Reason's for the War on Iraq: Oil, Petrodollars, and the OPEC Euro Question" (15 de Fevereiro de 2003) http://socrates.berkeley.edu/~pdscott/iraq.html

20- Pfeiffer, Dale Allen, "Much Ado about Nothing —- Whither the Caspian Riches? Over the Last 24 Months Hoped For Caspian Oil Bonanza Has Vanished With Each New Well Drilled — Global Implications Are Frightening", From The Wilderness (5 de Dezembro de 2002) http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/120502_caspian.html

21- Ruppert, Michael, "The Unseen Conflict -- War Plans, Backroom Deals, Leverage and Strategy -- Securing What's Left of the Planet's Oil Is and Has Always Been the Bottom Line", From The Wilderness (18 de Outubro de 2002) http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/101802_the_unseen.html

22- Jean Charles-Briscard & Guillaume Dasquie, The Forbidden Truth: U.S.-Taliban Secret Oil Diplomacy, Saudi Arabia and the Failed Search for bin Laden , Nation Books, 2002. Entrevista: Donahue With Jean-Charles Brisard: http://www.truthout.org/docs_02/08.16B.donahue.brisard.htm . Reporters Say Bush Threatened War Last Summer: http://www.villagevoice.com/issues/0201/ridgeway.php . Análises do livro: http://www.ratical.org/ratville/JFK/JohnJudge/911mar2002.html#0327a

23- Ruppert, Michael, entrevista ao FTW : "Colin Campbell on Oil — Perhaps the World's Foremost Expert on Oil and the Oil Business Confirms the Ever More Apparent Reality of the Post-9-11 World", From The Wilderness (23 de Outubro de 2002) http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/102302_campbell.html

24- Paul, James A, "Iraq: the Struggle for Oil" Global Policy Forum (Dezembro de 2002) http://www.globalpolicy.org/security/oil/2002/08jim.htm

25- Goff, Stan, "The Infinite War and its Roots", From The Wilderness (27 de Agosto de 2002) http://www.fromthewilderness.com/free/ww3/082702_infinite_war.html

26- Vidal, Gore, Dreaming War: Blood for Oil & the Cheney-Bush Junta, Nation Books, 2002. O seu ensaio "The Enemy Within" foi publicado em primeiro lugar no UK Observer (27 de Outubro de 2002) http://www.ratical.org/ratville/CAH/EnemyWithin.html

27- Ahmed, Nafeez, The War on Freedom: How and Why America was Attacked, September 11, 2001 , Publicações Tree of Life, 2002.
Exemplar completo em PDF – 400 páginas: http://globalfreepress.com/books/warfre-book.pdf
Yahoo! Groups: WarOnFreedom: http://groups.yahoo.com/group/WarOnFreedom/
Análise de livros por Wanda Ballantine: http://www.ratical.org/ratville/CAH/WoFreview.html



Apêndice (Finais de Janeiro de 2003):
Movimentos monetários internacionais dignos de nota

Depois de ter completado o meu ensaio, comecei a ler sobre alguns interessantes desenvolvimentos monetários internacionais e sobre opiniões de analistas neste contexto. Estes desenvolvimentos recentes merecem ser incluídos aqui sob a forma de apêndice. Os dois artigos que se seguem estão relacionados com a rápida desvalorização do dólar em relação ao euro, nos finais de Janeiro. Isto ocorreu na semana imediatamente anterior ao discurso do presidente Bush sobre o Estado da União. Ambos os artigos sugerem que determinados “subentendidos políticos” por parte da Rússia — tradicional detentor de reservas em dólares — poderão estar relacionados com a substituição dos dólares por euros. O artigo que se segue pode ilustrar o que sucederá se o presidente Bush insistir na sua actual posição unilateral em relação ao Iraque.

“O dólar continuou na defensiva quinta-feira, violentado por algumas observações agressivas da administração americana sobre o confronto com o Iraque. Foi também afectado por uma alusão clara do Banco Central da Rússia de que o atractivo dos activos denominados em dólares se está a desvanecer.

“Oleg Vyugin, primeiro vice-presidente do Banco Central da Rússia, disse que o Banco tenciona reduzir a quota de dólares americanos nas suas reservas de divisas estrangeiras e aumentar a quota de outras divisas...

“Alguns analistas interrogaram-se sobre se haveria alusões políticas nas observações de Vyugin, que poderiam relacionar-se com o fosso crescente entre os EUA e outros aliados potenciais no que se refere à forma de como persuadir o Iraque a cumprir os requisitos dos inspectores de armas da ONU.

“Apesar de as reservas russas de divisas estrangeiras serem relativamente pequenas em comparação com as dos maiores Bancos centrais do mundo, a questão que se coloca, segundo Marc Chandler, estratega monetário chefe da HSBC em Nova York, é a seguinte: 'Será que outros Bancos centrais farão o mesmo e que consequências terá esta circunstância na capacidade dos EUA de financiarem o défice da sua balança de pagamentos?'.

“Esse défice eleva-se actualmente a cerca de 5% do PIB e apresenta-se como um fardo cada vez mais pesado para o dólar.” [28]

No dia seguinte (25 de Janeiro), alguns analistas reiteraram que estes movimentos monetários poderiam não só estar relacionados com as actuais tensões geopolíticas, como também indicar motivações políticas. Será este um “aviso à navegação” para a administração Bush relativamente à sua posição na questão do Iraque? Estes movimentos monetários não habituais por parte de vários Bancos centrais são desconcertantes.

“De repente, o declínio supostamente lento e gradual do dólar não parece tão lento, nem tão gradual.

“De facto, a rapidez do deslize do dólar, particularmente em relação ao euro, apanhou de surpresa até os mais experientes analistas: um estudo do Dow Jones Newswires sobre divisas estrangeiras, de há apenas 10 dias, mostrava que os principais Bancos que transaccionam divisas previam que o euro subiria até 1,06 dólares em meados de Fevereiro e que não se aproximaria dos 1,10 dólares até ao final do ano.

“Em vez disso, o euro saltou para máximos de cerca de 1,0850 dólares na sexta-feira e já ganhou 4% em relação ao dólar este ano, deixando os estrategas cada vez mais incapazes de fazer previsões actualizadas. O franco suíço continua a alcançar níveis máximos dos últimos quatro anos e o dólar continua na defensiva em relação à libra esterlina e a vários dos seus principais rivais.

“Provavelmente, um dos barómetros mais importantes de uma maior confiança nos mercados americanos é o mercado de Treasurys. Com o dólar em queda, o ouro a disparar e as acções sob pressão, os título do Tesouro (Treasurys) mantêm o seu atractivo de segurança.

“Mas também neste sector há sinais de aviso, que começam a chamar à atenção. Esta semana, o Banco central da Rússia declarou que estava a reduzir a quota-parte de valores americanos das suas reservas de divisas estrangeiras – por outras palavras, a vender de títulos do Tesouro (Treasurys) –, qualificando o dólar como moeda de baixo rendimento.

“Os analistas acreditam que alguns dos grandes Bancos centrais asiáticos – que, entre si, possuem a maior parte das reservas de dólares do mundo – estão também a pensar em proceder a ajustes nas suas carteiras de títulos do Tesouro (Treasurys). Uma guerra contra o Iraque dirigida pelos EUA poderia acelerar ainda mais esta tendência.

“De facto, alguns analistas políticos acreditam que a política americana em relação ao Iraque pode estar a ter já um impacto directo nas carteiras de activos americanos, particularmente pelo facto de grande parte do resto do mundo se opor à guerra. 'Custa-me a crer que o fluxo de capital não seja afectado pela forma como os EUA são vistos no resto do mundo', afirmou Larry Greenberg, um economista internacional da Ried Thunberg & Co. em Westport, Conneticut.

“ 'Se hoje os EUA actuarem (no Iraque) contra a opinião mundial, poderá haver uma saída ainda mais rápida dos activos denominados em dólares', afirmou Joseph Quinlan, macro-economista da Universidade Johns Hopkins, em Washington. 'A forma como vamos para a guerra influencia o ritmo de declínio do dólar', acrescentou.” [29]

No dia seguinte à publicação do artigo referido supra, Will Hutton do jornal britânico The Observer escreveu um artigo contundente contra o unilateralismo de Bush. Este artigo realça também os lamentáveis desequilíbrios da economia americana e sugere que o potencial resultado geopolítico de uma guerra unilateral no Iraque poderá criar um devastador desinvestimento de activos denominados em dólares americanos.

“A situação económica norte-americana é demasiado vulnerável para que os EUA possam desencadear a guerra sem um sólido apoio multilateral susceptível de a sustentar económica, diplomática e militarmente. O multilateralismo que Bush despreza é, na verdade, uma necessidade económica...

“Segundo as últimas estimativas, o passivo líquido dos EUA com o resto do mundo ultrapassa os 2,7 milhões de milhão de dólares, quase 30% do PIB, um nível de endividamento associado às economias consideradas casos perdidos na América Latina.

“A sua base industrial é tão pouco competitiva, que importa constantemente mais do que exporta; o défice da sua balança de pagamentos, o fosso entre as receitas provenientes do estrangeiro e as despesas com o estrangeiro eleva-se neste momento a 5% do PIB, prosseguindo uma tendência que dura há mais de 25 anos e que é a causa de toda essa dívida externa. Enquanto comunidade nacional, os EUA deixaram virtualmente de poupar, de forma que tanto o governo como os indivíduos vivem a crédito.

“Para financiar o défice da balança de pagamentos, um reflexo da falta de poupança, os EUA esperam que os estrangeiros lhes forneçam as divisas que não podem ganhar por si próprios...

“Mas se os estrangeiros se atemorizarem com as perspectivas dos preços de bens e acções e deixarem de comprar ou começarem a retirar alguns dos milhões de milhão que investiram na economia americana, então o dólar entrará em colapso. Já caiu perto de 10% em relação ao euro nas últimas seis semanas, mas isto pode ser apenas o princípio. Economistas da Reserva Federal consideram que o dólar deverá cair cerca de 30 por cento para equilibrar o fluxo de importações e exportações, mas nos mercados actuais tal queda não acontece gradualmente. Acontece abruptamente.

“Se a América e a Grã-Bretanha ignorarem uma segunda Resolução da ONU e desencadearem a guerra com a oposição activa de elementos-chave do Conselho de Segurança tais como a França e a Rússia, podemos ter a certeza de que o fluxo de dólares para os Estados Unidos abrandará drasticamente e de que haverá grandes grupos de estrangeiros em pânico a tentar vender. As acções em Wall Street, que Bush tenta tão ansiosamente sustentar, estão ainda maciçamente sobrevalorizadas. Neste contexto, poderá dar-se uma liquidação devastadora, com todas as deprimentes repercussões para a confiança dos consumidores e do investimento empresarial americanos.

“Na semana passada, os mercados indicavam efectivamente que a possibilidade disto suceder justificava que fossem tomadas medidas de precaução, donde as vendas. Se a guerra durar apenas algumas semanas, os riscos poderão ser contidos e valerá a pena comprar algumas acções aos preços actuais. Mas se a guerra se prolongar ou a paz subsequente for instável, a pressão sobre o dólar e Wall Street poderá tornar-se de facto muito grave, reforçando as influências depressivas sobre uma economia onde os desequilíbrios subjacentes são tão extraordinários...

“A atitude dos EUA neste aspecto tem sido unilateralista como em tudo o resto: faz o que quer como quer, política esta que começa a revelar os seus limites. Bush deve absolutamente mudar de rumo e Tony Blair deveria exortá-lo a isso. O processo no contexto da ONU deve ser respeitado e reforçado, nomeadamente para tranquilizar os mercados, e devem ser postos em prática melhores sistemas de governação económica. A capacidade militar dos EUA pode permitir o unilateralismo; a sua vulnerabilidade económica, como estamos a descobrir, não o permite.” [30]

Estes artigos indicam que a comunidade internacional está a perder a confiança nos dólares de reserva nos Bancos centrais e, muito possivelmente, a enviar deste modo uma mensagem sobre a sua oposição à forma como os EUA encaram a questão do Iraque. Will Hutton tem razão: a nossa actual estrutura económica não pode de forma alguma dar-se ao luxo de se despojar em grande escala de investimentos estrangeiros. Assim, é imprudente que o presidente Bush continue a utilizar de forma unilateral e agressiva a força militar dos EUA sem um apoio alargado da ONU.

Comentário europeu sobre o presente ensaio

Para terminar, em Janeiro de 2003, Coílín Nunan analisou um projecto do presente ensaio num fórum da Internet. Posteriormente, publicou um resumo excepcional desta investigação num site irlandês (http://www.feasta.org) . Esperamos que este ensaio, juntamente com o seu artigo, possam fomentar a consciência pública, facilitando assim um verdadeiro debate no que respeita às questões do Iraque. Apresentam-se adiante excertos do seu informativo mas sucinto artigo “Oil, Currency, and the War on Iraq”:

“Um dos objectivos económicos declarados, e talvez o primeiro, da instituição do euro foi converter esta moeda numa divisa de reserva, a fim de se contrapor ao dólar de modo a que a Europa também pudesse obter algo por nada.

“Isto, contudo, seria um desastre para os EUA. Não só perderiam uma grande parte do seu subsídio anual de bens e serviços efectivamente gratuitos, como a mudança que os países efectuariam nas suas reservas em dólares convertendo-as em euros iria desvalorizar a moeda americana. As importações para os EUA começariam a ficar mais caras e à medida que um número cada vez maior de detentores de dólares começasse a gastá-los, os EUA teriam de começar a pagar as suas dívidas com o fornecimento de bens e serviços a países estrangeiros, reduzindo assim o padrão de vida norte-americano. À medida que os países e as empresas convertessem os seus activos em dólares em activos em euros, a bolha americana de bens e de valores rebentaria. A Reserva Federal deixaria de poder imprimir moeda para re-insuflar a bolha, como tenciona fazê-lo, porque, sem grandes grupos de estrangeiros desejosos de a absorver, o resultado seria uma grave inflação, que, por sua vez, tornaria os estrangeiros ainda mais relutantes em deterem moeda americana, agravando a crise.

“Há no entanto um grande obstáculo para que isto aconteça: o petróleo. O petróleo não é apenas a matéria-prima mais importante comercializada internacionalmente, ele é também o sangue de todas as modernas economias industrializadas. Quem não tem petróleo, tem de o comprar. E quem quer comprar petróleo nos mercados internacionais tem, em geral, de possuir dólares. Até há pouco tempo, todos os países da OPEP concordavam em vender o seu petróleo apenas por dólares. Enquanto isto se verificou, era improvável que o euro se tornasse a principal moeda de reserva: não há interesse em acumular euros se sempre que tiver de se comprar petróleo for necessário trocá-los por dólares. Este acordo significava também que os EUA controlavam efectivamente todo o mercado mundial do petróleo: só é possível comprar petróleo se se tiver dólares, e há um único país que tem o direito de imprimir dólares – os EUA.

“Se, por outro lado, a OPEP decidisse aceitar somente euros pelo petróleo (partindo do princípio de que lhe era permitido tomar esta decisão), a dominação económica americana terminaria. Não só a Europa deixaria de necessitar de tantos dólares, como o Japão, que importa 80% do seu petróleo do Médio Oriente, consideraria sensato converter uma grande quantidade dos seus activos em dólares em activos em euros (o Japão é o maior 'patrocinador' dos EUA porque possui grandes investimentos em dólar). Por outro lado, sendo o maior importador de petróleo do mundo, os EUA teriam de adquirir euros para poderem manter um excedente comercial. A conversão do défice comercial para o excedente comercial teria de se realizar num momento em que os preços dos bens e acções no mercado estivessem baixos e os abastecimentos internos de petróleo e gás registassem contracção. Seria uma conversão penosa.

“Os argumentos puramente económicos para que a OPEP adopte o euro, pelo menos por algum tempo, parecem muito fortes. A 'zona euro' não tem um enorme défice comercial nem está pesadamente endividada para como o resto do mundo como os EUA e as taxas de juro na 'zona euro' são também significativamente mais elevadas. A 'zona euro' tem uma fatia maior do que os EUA no comércio mundial e é o principal parceiro comercial do Médio Oriente. E quase tudo o que se compra com dólares pode comprar-se também com euros — excepto, naturalmente, o petróleo...

“Todos estes elementos são más notícias para a economia americana e para o dólar. O medo de Washington será não só que o preço futuro do petróleo não seja o correcto, como também que a divisa de compra possa não ser a correcta. O que talvez explique o facto de os EUA estarem a voltar-se cada vez mais para o seu segundo grande instrumento de dominação dos negócios mundiais: a força militar.” [31]

Coílín Nunan parece concordar com a minha tese no que respeita ao euro e à guerra que se avizinha. Considerando os desafios económicos que os EUA enfrentam e a deplorável guerra pela divisa petrolífera, que temo estarmos prestes a testemunhar no Iraque, este autor advoga que o sistema monetário internacional seja reformado sem demora. Isto incluiria a designação do dólar e do euro como moedas de reserva internacionais com estatuto paritário, e colocados numa “margem de flutuação” juntamente com um padrão monetário duplo de transação do petróleo da OPEP. Adicionalmente, os países do G-8 deveriam também explorar uma terceira opção de moeda de reserva no que diz respeito a um bloco iene-yuan para a Ásia Oriental. Estas reformas poderiam diminuir ligeiramente o nosso padrão de vida, mas iriam criar um sistema monetário internacional muito mais equitativo e, dessa forma, esperançosamente mitigar a possibilidade de uma futura guerra militar ou económica em torno da divisa do petróleo.

Tragicamente, o presidente Bush e respectiva administração não parecem ter vontade de iniciar as árduas mudanças estruturais que a nossa economia necessita de empreender, se queremos adaptar-nos e competir com o euro enquanto segunda moeda de reserva internacional. Em vez disso, pretendem reforçar a hegemonia do dólar americano nas transacções petrolíferas, através da utilização da superioridade militar americana. O presente ensaio esclarece que esta perigosa estratégia centrada no aspecto militar poderá, no fim de contas, falhar, já que as manobras monetárias contra o dólar americano por parte da comunidade internacional indicam que esta não tolerará um imperialismo americano agressivo sobre o petróleo do Iraque e sobre a opção deste país no que se refere à divisa petrolífera. Não podemos permitir que o super-empenhamento imperialista militante desta administração aniquile a “Experiência Americana”.

“Jurei no altar de Deus hostilidade eterna contra toda a forma de tirania sobre a mente humana.”

– Thomas Jefferson


Referências: Apêndice

28- Associated Press , "US Dollar on Shaky Ground", nzoom.com (24 de Janeiro de 2003) http://onebusiness.nzoom.com/cda/printable/1,1856,163754,00.html

29- McCarthy, Grainne "Dollar's Decline Starting To Accelerate, Rattling Nerves", Dow Jones , (25 de Janeiro de 2003) http://www.ratical.org/ratville/CAH/linkscopy/dollarDec.html

30- Hutton, Will, "Why Bush is sunk without Europe - Even while George Bush growls out his bellicose message, his country has never been in such an enfeebled state", The Observer , (26 de Janeiro de 2003) http://www.observer.co.uk/Print/0,3858,4591686,00.html

31- Nunan, Coílín, "Oil, Currency, and the War on Iraq", (Janeiro de 2003)
http://www.feasta.org/documents/papers/oil1.htm
http://www.feasta.org/documents/papers/oil1.pdf

Leituras adicionais recomendadas:
  • "Behind the Iraq Invasion", Aspects of India's Economy , Nos. 33 & 34 (Dezembro de 2002)
  • Makhijani, Arjun, "Saddam's Last Laugh: The Dollar Could be Headed for Hard Times if OPEC Switches to the Euro", TomPaine.com (9 de Maio de 2001)
  • Islam, Faisal, "When will we buy oil in euros? When it comes to the global oil trade, the dollar reigns supreme. But it has a challenger, writes Faisal Islam," The Observer (23 de Fevereiro de 2003)
  • Beams, Nick, "Iraq, Oil, Dollars, Euros, and Dead Iraqis", (Fevereiro de 2003) Information Clearing House

    ___________

    [*] William Clark é gestor de cuidados de saúde numa conhecida universidade da costa atlântica. Não é economista, mas tem um MBA (curso superior de gestão) e está a fazer o segundo mestrado em Tecnologia da Informação / Segurança da Informação (INFOSEC).
    Este ensaio sobre o Iraque é um projecto de investigação pessoal e constitui a sua primeira publicação até à data sobre questões do domínio geopolítico. Foi escrito apenas por dever patriótico, num esforço para informar os cidadãos americanos e estimular o debate sobre questões cruciais, mas silenciadas, em torno da guerra no Iraque.


    O original encontra-se em www.ratical.org/ratville/CAH/RRiraqWar.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

  • 05/Jul/03