Como as notícias serão censuradas nesta guerra
Com o sistema do 'script approval' imposto pela CNN o Pentágono
já não tem de se preocupar com nada.
por Robert Fisk
Os media empresariais americanos já manifestam a sua
aprovação ao método de cobertura das forças
americanas que os militares tencionam autorizar na próxima Guerra do
Golfo. Trata-se agora de incorporar os rapazes da CNN, CBS, ABC e The New York
Times
entre os marines e a infantaria dos EUA. O grau de censura vai aumentar.
Já não é preciso que o Pentágono ande a fazer
cortes nos despachos do repórteres. O novo sistema do 'script approval'
(aprovação do original) imposto pela CNN uma
instrução aos seus repórteres para enviarem todas os seus
textos a responsáveis anónimos em Atlanta a fim de garantir o
saneamento adequado sugere que o Pentágono e o Departamento de
Estado não terão de se preocupar com o assunto. Nem os
israelenses.
Na verdade, a leitura do novo documento da CNN intitulado
"Memorando da política de aprovação do original"
("Reminder of Script Approval Policy")
é de cortar o fôlego. "Todos os repórteres a preparar
conjuntos de originais devem submete-los à
aprovação", diz ali. "Os conjuntos não podem
ser editados até que os originais tenham sido aprovados... Todos os
conjuntos originados fora de Washington, LA (Los Angeles) ou NY (New York),
incluindo todas as redacções internacionais, devem ser
encaminhados à ROW em Atlanta para aprovação".
A data desta mensagem extraordinária é 27 de Janeiro. O
"ROW" é uma fiada de editores de originais em Atlanta que
podem insistir em mudanças ou "equilíbrios" no despacho
do repórter. "Um script não está aprovado para ir
para o ar a menos que esteja adequadamente marcado como aprovado por um
administrador autorizado com duplicado para o gabinete de cópia...
Quando um script é actualizado ele deve ser re-aprovado, preferivelmente
pela autoridade que o aprovou originalmente".
Notem-se as palavras chaves aqui:
"aprovado"
e
"autorizado"
. O homem ou a mulher da CNN no Kuwait ou Bagdade ou Jerusalém
ou Ramallah pode conhecer o pano de fundo da sua história; na
verdade, eles conhecerão muito mais sobre isso do que as
"autoridades" em Atlanta. Mas os chefes da CNN decidirão o
carácter
(spin)
da história.
A CNN, naturalmente, não está sozinha nesta forma
paranóide de reportar. Outras redes dos EUA operam igualmente sistemas
anti-jornalísticos. E não se trata de falha dos
repórteres. As equipes da CNN podem vestir roupas militares
você os verá vestidos assim na próxima guerra mas
eles tentam revelar alguma coisa da verdade. Da próxima vez, contudo,
eles vão ter ainda menos possibilidade.
Para onde este odioso sistema conduz é evidente a partir de uma
intrigante conversação no ano passado entre o repórter da
CNN na cidade ocupada de Ramallah, no West Bank, e Eason Jordan, um dos
dirigentes de topo da CNN em Atlanta.
A primeira queixa do jornalista foi acerca da história do
repórter Michael Holmes sobre os condutores de ambulância do
Crescente Vermelho que são repetidamente alvejados pelas tropas
israelenses. "Nós arriscámos nossas vidas e andámos
com condutores de ambulância... durante um dia inteiro.
Testemunhámos a partir da nossa janela na ambulância que
estávamos a ser alvejados por soldados israelenses... A história
recebeu a aprovação de Mike Shoulder. A história passou
duas vezes e então Rick Davis (um executivo da CNN) matou-as. A
razão alegada foi que não tínhamos uma resposta do
exército israelense, apesar de termos declarado na nossa história
que Israel acreditava que os palestinos estavam a contrabandear armas e pessoas
procuradas nas ambulâncias".
A AMBULÂNCIA QUE DAVA TIROS
Os israelenses recusaram-se a dar uma entrevista à CNN, apenas uma
declaração escrita. Esta declaração foi
então inserida dentro do script da CNN. Mas foi rejeitada outra vez por
Davis, em Atlanta. Só quando, depois de três dias, o
exército israelense deu uma entrevista à CNN é que Holmes
pôde passar a sua história mas com a desonesta
inclusão de uma linha dizendo que as ambulâncias foram apanhadas
em "fogo cruzado" (isto é, que palestinos também
atiraram a partir das suas próprias ambulâncias).
A reclamação do repórter era demasiado óbvia.
"Desde quando nós submetemos uma história de reféns
aos caprichos de governos e exércitos? Foi-nos dito por Rick que se
não conseguíssemos um israelense na camara não
teríamos o material no ar. Isto significa que governos e
exércitos estão indirectamente a censurar-nos e estamos a
representar exactamente como eles querem".
A relevância disto é demasiado óbvia na próxima
Guerra do Golfo. Acabaremos por ver um oficial do Exército americano a
negar tudo o que os iraquianos disserem se alguma reportagem do Iraque tiver de
ir para o ar. Veja-se outra das queixas do correspondente de Ramallah no ano
passado. Num material acerca dos danos a Ramallah após a
incursão maciça de Israel em Abril último, "já
mencionámos logo na abertura da nossa peça que Israel diz que
esta a fazer todas estas incursões porque quer destruir a
infra-estrutura de terror. Mas, obviamente, isto não era o suficiente.
Fomos instruídos pelo ROW (em Atlanta) para repetir esta mesma ideia
três vezes na mesma peça, apenas para assegurar
continuávamos a justificar as acções israelenses..."
CENSURA COMPUTADORIZADA: CLIQUE O BOTÃO
NÃO APROVADO
/
APROVADO
Mas o sistema do "script approval" que desfigurou a cobertura da CNN
ficou pior. Numa nova e ainda mais sinistra mensagem datada de 31 de Janeiro
deste ano, o staff da CNN foi informado de que um novo sistema computadorizado
de aprovação de scripts permitirá "aprovadores
autorizados de scripts marcarem os scripts (ou seja, a reportagens) de um modo
claro e padronizado. Os EPs (executive producers) de scripts clicarão
no botão colorido APROVADO a fim de mudarem a sua cor para vermelho
(não aprovado) ou para verde (aprovado). Quando alguém faz uma
alteração no script depois da aprovação, o
botão mudará para amarelo". Alguém? Quem é
este alguém? Ninguém disse isso aos repórteres da CNN.
Mas quando nos recordamos que após a Guerra do Golfo de 1991 a CNN
revelou que havia permitido a "recrutas" do Pentágono
estagiarem na sala de notícias da CNN em Atlanta, eu tenho as minhas
suspeitas.
02/Mar/03
O original deste artigo encontra-se em
http://argument.independent.co.uk/commentators/story.jsp?story=381438
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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