Uma guerra covarde
Bush prepara a guerra com base em mentiras

por Fred Goldstein [*]

Quando se quer a guerra, os argumentos irracionais fazem a lei O discurso pronunciado pelo presidente George W. Bush em Cincinatti, a 7 de Outubro, foi concebido para impulsionar a guerra de agressão que Washington planeia contra o Iraque. O discurso continha uma corrente quase ininterrupta de mentiras, calúnias e apelos ao medo e a ameaças, disfarçados como "argumentos" a fim de contestar os seus supostos críticos.

Bush reiterou sua insinuação, feita várias vezes em outros discursos, de que o governo do Iraque tem de alguma forma ligação com o ataque do 11 de Setembro. Tais insinuações foram pronunciadas sem que contivessem nem um grama de evidência.

Bush repetiu a acusação, negada pelo governo iraquiano, de que Bagdade está a produzir armas químicas e biológicas — mais uma vez sem evidência alguma. Repetiu a acusação de que o Iraque estava prestes a desenvolver uma arma nuclear para ameaçar os Estados Unidos. Nenhuma evidência foi apresentada.

Disse mais uma vez que o Iraque havia expulsado os inspectores de armas, quando na realidade foram os EUA que retiraram os inspectores em 1998, antes do bombardeamento do Iraque na operação militar "Raposa do Deserto". Posteriormente, como se recorda, o Iraque recusou-se a readmitir os inspectores porque Washington determinou à equipa que violasse as condições do regime de inspecção e passasse a efectuar operações de espionagem militar que o Pentágono pudesse utilizar num ataque.

Discurso ignora concessões iraquianas

Bush ignorou por completo o facto de importância capital de que o Iraque fez enormes concessões para as inspecções incondicionais do país por parte da ONU. Não só anunciou esta concessão como também concertou um acordo pormenorizado com Hans Blix, director da equipa, inclusive com acertos para inspeccionar edifícios do governo como o Estado Maior da Guarda Republicana e o edifício do Ministério da Defesa, entre outros.

Este acordo foi rompido pelo secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, com a explicação de que fora baseado numa resolução da ONU de 1998, a qual especificava que a inspecção de lugares presidenciais teria que ser anunciada com antecedência e acompanhada por um oficial iraquiano. O governo do Iraque anunciou depois que permitia inspecções de lugares presidenciais não anunciadas com antecedência.

Bush teve a audácia de acusar os iraquianos de agressão por responderem o fogo em defesa própria contra aviões dos Estados Unidos e Grã Bretanha que todos os dias violam ilegalmente o seu espaço aéreo. Voam na chamada "zona de não voo" e atiram quando lhes apetece contra alvos iraquianos, matando muitos civis. Estas "zonas de não voo" foram simplesmente declaradas por Washington em violação de todo o direito internacional.

Ao lançar um jacto ininterrupto de acusações sem provas — enquanto omite qualquer referência a concessões iraquianas — Bush deixa bem claro que não há condição que possa cumprir o governo do Iraque, além da demissão do governo e a entrega do país a um regime títere dos EUA, que possa satisfazer a Casa Branca e evitar que o Pentágono lance uma guerra não provocada de agressão imperialista.

A hipocrisia de Bush não podia ter sido mais clara. No mesmo dia que rufava os tambores de guerra contra o Iraque por "apoiar o terrorismo" e procurar "armas de destruição maciça", o Estado cliente dos EUA, Israel — o único poder nuclear existente no Médio Oriente —, invadiu o campo de refugiados densamente povoado de Khan Yunis, em Gaza, utilizando tanques e helicópteros. Lançaram um míssil numa rua chia de gente, matando 13 civis, inclusive crianças. O primeiro ministro Ariel Sharon declarou que a operação foi "um grande êxito".

Bush consegue apoio do Congresso

O objectivo imediato de Bush era aumentar a força dos votos favoráveis à intervenção militar que ia ocorrer no Congresso. Esta votação tem o objectivo de pressionar o Conselho de Segurança da ONU e deixa-os saber que não importa o que digam ou o que façam, Washington vai invadir o Iraque.

A primeira vitória da administração Bush na obtenção do apoio da elite política quando ao novo "unilateralismo" do grupo Bush, Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz verificou-se na luta por uma resolução conjunta do Congresso acerca da guerra.

Esta vitória foi alcançada a 2 de Outubro quando o líder da minoria da Casa de Representantes, Dick Gephardt, um democrata do Missouri, apresentou-se para endossar a resolução de Bush. Tiraram uma foto junto com os republicanos de Nixon, na escada da Casa Branca, para anunciar o trato. A resolução intitula-se "Autorização para o uso da força militar contra o Iraque". Seu preambulo declara que "deve ser política dos Estados Unidos apoiarem os esforços para remover do poder o actual regime iraquiano".

A outra parte da resolução declara que "O Congresso dos Estados Unidos apoia os esforços do presidente no sentido de forçar estritamente, por meio do Conselho de Segurança da ONU, todas as resoluções relevantes do Conselho de Segurança aplicáveis contra o Iraque e exorta-o a utilizar esses esforços". Continua com "exorta" o presidente a "obter uma acção decisiva do Conselho de Segurança".

Este conclui dizendo que "O presidente está autorizado a utilizar as Forças Armadas dos Estados Unidos como considere necessário para (1) defender a segurança nacional dos Estados Unidos contra a ameaça contínua que o Iraque apresenta; e (2) forçar todas as Resoluções relevantes do Conselho de Segurança das Nacional Unidas em relação ao Iraque".

O documento exige que o fracasso de medidas diplomáticas seja relatado por Bush à Casa dos Representantes 48 horas depois (!) uma invasão ter sido executada.

Por outras palavras, esta resolução diz aos imperialistas franceses, aos capitalistas russos, ao governo chinês, que eles não terão absolutamente nada a dizer quanto a uma guerra contra o Iraque. Esta resolução diz ao mundo que o imperialismo norte-americano reserva-se o direito e tem a intenção de destruir um governo soberano em Bagdade sem a permissão de ninguém que a elite política da classe governante está totalmente unida no seu apoio à guerra.

Quanto aos imperialistas em Paris, Berlim e Roma, para eles será melhor que se unam ou ficarão de fora. E aqueles que contavam com os aliados imperialistas para reduzirem a pressa de Bush para a guerra, deveriam esquecer disso aderir à agressão.

O discurso foi calculado para encobrir o facto fundamental de que uma super potência imperialista — com uma população de 280 milhões de habitantes, uma economia de US$ 10 triliões e uma instituição militar maior do que os 20 países seguintes do mundo — está a planear uma invasão sem provocação alguma contra um país pobre de 20 milhões de habitantes, anteriormente dominando por potências coloniais, cuja economia e máquina militar foi destruída pela invasão dos Estados Unidos e por 11 anos de sanções mortais, e que tem 110 mil milhões de barris de petróleo no seu território, cobiçado pelo monopólios petrolíferos gigantes.

Falar de guerra também se destina a distrair a população dos Estados Unidos do facto de o mercado de acções afundar-se em câmara lenta, de os fundos de aposentaria das massas estarem a desaparecer com os planos do 401K que se evaporam; de mais 435 mil trabalhadores terem perdido os seus empregos na indústria manufactureira durante o mês de Setembro, e de que milhões de trabalhadores já não serem contados como parte da força laboral por já se terem dados por vencidos na sua procura de trabalhos ou por estarem a viver de rendimentos miseráveis por incapacidade.

O discurso de Bush também teve por objectivo afastar a queda de apoio à guerra nos inquéritos de opinião e a elevação da oposição activa do movimento anti guerra.

Um inquérito da Gallup efectuado a 7 de Outubro, relatou o Washington Post de 8 de Outubro, "constatou que uma grande maioria de americanos (53%) era favorável a uma invasão terrestre do Iraque, uma baixa em relação aos 61% em Junho e aos 74% de Novembro". Estes números conservadores mostram que a tendência é claramente para a baixa, na medida em que o sofrimento do povo aumenta e a retórica alarmista da administração Bush, não confirmada, parece cada vez mais oca.

É de grande significado que o falatório belicista de Bush tenha despertado um inequívoco movimento anti guerra. As dezenas de milhares de pessoas que participaram no protesto de 6 de Outubro contra os planos de guerra de Bush mostram que o movimento está a superar o estado de passividade que se seguiu ao 11 de Setembro e está a acumular um impulso no sentido do avanço. Isto mostra que uma nova geração de jovens está a preparar-se para uma resistência contra o aventureirismo militarista que tresanda de Washington.

O apoio maciço que está a crescer para o protesto de 26 de Outubro em Washington, DC, concomitante a uma actividade simultânea em São Francisco, sustenta uma das maiores esperanças de que uma reanimação da luta contra a guerra imperialista se possa expandir para os trabalhadores e os oprimidos e que possa realmente desafiar os fabricantes de guerras capitalistas e até reverter as suas campanhas.

[*] Editor do http://www.workers.org

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

19/Out/02