... ou barbárie
Que ninguém se iluda: um ano após o 11 de setembro, o planeta
caminha a passos largos para uma catástrofe de grandes
proporções. A maior economia do mundo dá claros sinais
de debilidade, ao passo que os seus chefes políticos adotam uma postura
arrogante em relação aos seus "parceiros ricos" e
terrorista para com os "países periféricos". É
um quadro que estimula os discursos extremistas, particularmente aqueles
capazes de mobilizar a indústria bélica (saída sempre
tentadora para as grandes corporações moralmente falidas e
economicamente deficitárias). Pode-se discutir os ritmos, os prazos e
os caminhos da catástrofe (talvez venha sob a forma de uma quebradeira
generalizada da economia, no estilo de 1929, ou talvez sob a forma mais lenta e
agônica de multiplicação de pequenas guerras regionais
combinadas com graves conflitos sociais nos "países centrais",
incluindo os Estados Unidos, e a multiplicação de
"argentinas" na periferia), mas só um estulto incurável
não detecta os sinais de sua chegada.
O "nó górdio", evidentemente, é o imperialismo
estadunidense. A recente sucessão de escândalos envolvendo as
mais poderosas corporações do planeta foi o "apito da panela
de pressão": mostrou que o barco de Tio Sam está indo para o
brejo. A Enron, considerada a maior empresa de energia do mundo, na verdade
"inflava" os seus rendimentos, de maneira completamente fraudulenta;
quando perdeu o fôlego para sustentar a farsa, gerou perdas de 25
mil milhões de dólares. A WorldCom, segunda maior empresa de
telecomunicações americana (proprietária da Embratel,
privatizada pelo senhor FHC), registrou como "investimentos" despesas
de 3,8 mil milhões de dólares. A Xerox, gigante das copiadoras,
escondeu perdas de 6,4 mil milhões de dólares. Merck, a
megacorporação da indústria farmacêutica, registrou
receitas falsas de 12,4 mil milhões de dólares. E por aí
vai.
A crise não tem "apenas" uma dimensão econômica.
Ela é também social. Hoje, metade das famílias
estadunidenses investe na bolsa. Os lucros com as ações entram
nos cálculos do orçamento familiar. São usados para pagar
os estudos dos filhos, despesas alimentares, manutenção da casa.
Pois bem, os escândalos passam à população a
seguinte mensagem: o mercado de valores não é confiável.
É fácil imaginar o pânico do pai de família da
classe média que tem o seu dinheiro investido nas bolsas. É
fácil imaginar, também, o que aconteceria se todos corressem, de
repente, para tirar o seu dinheiro: a economia quebra. Qualquer
semelhança com 1929 não é mera coincidência.
Mais uma vez revelaram-se aos olhos do mundo as relações
promíscuas mantidas entre os dirigentes políticos e as grandes
corporações. O próprio presidente júnior é
acusado de ter realizado operações fraudulentas, às
vésperas da Guerra do Golfo (janeiro, 1991), devidamente orientado pelo
então presidente papai Bush. Trata-se da decadência moral de um
poder imperial, contra a qual alertavam, entre outros, o fundador Thomas
Jefferson (obsecado pela história do Império Romano, costumava
dizer que tinha pena de seu país cada vez que refletia sobre a
justiça de Deus) e Abraham Lincoln (que denunciou o crescente poder das
corporações, já em meados do século 19).
Não por acaso, aliás, os escândalos se multiplicaram a
partir dos anos 80, quando Ronald Reagan lançou o seu programa
neoliberal de desregulamentação da economia.
A crise tem uma dimensão internacional de longo alcance. A economia dos
Estados Unidos funcionou como uma espécie de "lastro" do mundo
capitalista, após a Segunda Guerra Mundial. Não apenas porque o
Tratado de Bretton Woods (1944) fez do dólar a moeda padrão,
ancorada paritariamente no ouro (relação unilateralmente abolida,
em 1972, por Richard Nixon), mas também porque os Estados Unidos, no
quadro da Guerra Fria, financiaram a reconstrução da Europa
ocidental (Plano Marshall) e a do Japão. Após a queda do Muro de
Berlim (1989), o mundo "globalizado" continuou tendo como
referência o dólar e como centro nevrálgico e
estratégico a economia estadunidense. A União Européia e
o euro não tiveram força ou tempo para se consolidar como
alternativa; a longa recessão japonesa acentuou a dependência de
sua economia do mercado estadunidense; a China ainda ocupa uma
posição subordinada no mercado mundial.
Ora, esse sistema inteiro de relações históricas,
políticas, culturais e econômicas foi abalado pela sucessão
de escândalos financeiros. O mundo real, mais uma vez, colocou de
joelhos aqueles que transformam a economia em cassino. Subitamente,
desapareceram de cena os profetas da "nova economia", do
"milagre ponto com", os porta-vozes da especulação. A
pergunta é: os Estados Unidos têm ainda capacidade de ocupar o
lugar central na economia mundial? Têm como assegurar à sua classe
média um padrão de consumo que faz girar as rodas das
indústrias de todo o mundo (mediante um colossal déficit da
balança comercial)? Em resumo: o rei está nu.
Mas não é de hoje que a economia mundial está dando sinais
de que existe algo de podre no reino de Wall Street. Em outubro de 1987, a
Bolsa de New York chegou muito perto do colapso. O boom tecnológico
(informática, telecomunicações, vias digitais,
indústria biotecnológica), combinado com a
"globalização" possibilitada pela queda do muro, deu um
novo fôlego à economia. Dez anos depois, entretanto, foi a vez de
a economia da Rússia naufragar, acabando com a festa dos especuladores
(oferecia os juros mais altos do mundo). No ano seguinte, foram os chamados
Tigres Asiáticos (Malásia, Coréia do Sul e
Tailândia), cujas economias haviam crescido por anos a taxas assombrosas.
Eram castelos de cartas: milhares de milhiões de dólares em
papéis e
títulos sustentavam a mais desenfreada especulação
imobiliária. Depois disso, foi a vez do estouro da Nasdaq, a bolsa das
chamadas empresas ponto com, as supervalorizadas empresas de Internet.
O estouro atual é mais grave, pois atinge um ponto de auge: os gigantes
do capitalismo estão indo para o buraco. Não há mais
nenhum boom tecnológico à vista para revitalizar a economia
mundial. Existe, entretanto, uma possibilidade, sempre colocada no horizonte
do capitalismo: a destruição em massa de equipamentos que
terão de ser repostos. Em uma palavra: guerra. E também o
aprofundamento do processo de pilhagem do que ainda resta dos países
periféricos. Em uma palavra: recolonização.
Guerra é o que está sendo fomentado na Palestina, contra o Iraque
(júnior já anunciou que o ataque acontecerá a qualquer
momento), no Afeganistão, na Caxemira, na Colômbia.
Recolonização, para o Brasil, atende pelo nome de ALCA:
privatização de Furnas, da Petrobrás, dos recursos
naturais, ocupação da Amazônia, anexação do
comércio e da indústria nacionais. Trata-se da
criação de uma "área do dólar", protegida
pela "fortaleza América" contra os investidores europeus e
asiáticos. A "guerra comercial" com a União
Européia e com o Brasil deflagrada pelas medidas
protecionistas anunciadas por júnior são uma
demonstração muito leve do espírito bélico e
arrogante que anima a Casa Branca.
A equipe que tomou o Capitólio de assalto não hesitará.
Lançará mão de todos os recursos para preservar o poder e
o lucro das megacorporações. Para ter as mãos livres, o
fraudulento júnior ataca selvagemente as liberdades democráticas
em seu próprio país, adotando como pretexto suprema
ironia! a "guerra ao terrorismo". Irá até as
últimas consequências, que ninguém duvide.
Nuvens cada vez mais pesadas se condensam no horizonte. É preciso, mais
do que nunca, organizar a resistência popular que vem se
manifestando nas ruas das capitais européias, na luta do povo palestino,
no campo e nas cidades da América Latina para derrotar os arautos
da destruição. A alternativa é a barbárie.
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Jornalista brasileiro.
O original deste artigo encontra-se na revista
"Caros amigos"
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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