O avanço do fascismo nos EUA
Campos de concentração para cidadãos americanos
A visão infernal do sr. Ashcroft

por Jonathan Turley [*]

Direitos humanos 'Made in USA': Prisioneiros afegãos detidos numa base naval americana. Foto oficial do Departamento da Defesa dos EUA. O anunciado desejo do Procurador Geral da República dos EUA, John Ashcroft, de instalar campos de concentração para cidadãos americanos que ele considera serem “combatentes inimigos” deixou de ser um embaraço político para transformar-se numa ameaça constitucional.

O plano de Ashcroft, revelado na semana passada mas pouco publicitado, permitir-lhe-ia que ordenasse o encarceramento por tempo indefinido de cidadãos dos EUA e priva-los-ia sumariamente dos seus direitos constitucionais e do acesso aos tribunais declarando-os “combatentes inimigos”.

O campo proposto desencadearia audiências do Congresso imediatas e levou Ashcroft a reconsiderar a oportunidade para esta importante iniciativa . Apesar de o Al Qaeda ser uma ameaça às vidas dos nossos cidadãos, Ashcroft tornou-se uma ameaça clara e actual às nossas liberdades.

O plano do campo foi forjado num momento de optimismo pelo pequenos círculo próximo a Ashcroft, o qual tem estado a observar cuidadosamente dois casos testes para verificar se esta visão poderia tornar-se uma realidade. Os casos de José Padilla e de Yaser Esam Hamdi determinarão se cidadãos dos EUA podem ser detidos sem acusações e sujeitos à autoridade arbitrária e não controlada do governo.

Hamdi foi detido sem acusação, apesar de os elementos factuais do seu caso serem virtualmente idênticos àqueles do caso de John Walker Lindh. Tanto Hamdi como Lindh foram capturados no Afeganistão como soldados de infantaria nas unidades Taliban. No entanto, a Lindh foi concedido um advogado e um julgamento, ao passo que Hamdi apodrece numa cela de um navio da Armada atracado em Norfolk, Va.

Esta semana, o governo recusou-se a acatar um juiz federal que ordenou que lhe fossem apresentadas as evidências fundamentais que justificariam o tratamento dado a Hamdi. O Departamento da Justiça insistiu que o juiz deve simplesmente aceitar sua declaração e não pode interferir com a autoridade absoluta do presidente em “tempo de guerra”.

No caso de Padilla, Ashcroft afirmou inicialmente que a prisão interrompeu um plano para detonar uma bomba radioactiva em Nova York ou em Washington, DC. Posteriormente a administração emitiu uma correcção embaraçosa de que não havia evidência de que Padilla estivesse numa tal missão. O que é claro é que Padilla é um cidadão americano e foi preso nos Estados Unidos — dois factos que deveriam desencadear a plena aplicação dos direitos constitucionais.

Ashcroft espera utilizar o selo de “combatente inimigo”, por ele fabricado, para qualquer cidadão que ele considere fazer parte de uma conspiração terrorista mais vasta.

Talvez devido às suas desacreditadas pretensões de impedir terrorismo radiológico, alguns colaboradores propuseram que um “comité de alto nível” recomendará quais os cidadãos que deverão ser despidos dos seus direitos constitucionais e enviado para os novos campos de Ashcroft.

Poucos teriam imaginado um Procurador Geral tentando restabelecer tais campos para cidadãos. Naturalmente, Ashcroft não está a considerar campos do tipo dos campos de internamento usados para encarcerar cidadãos nipo-americanos durante a II Guerra Mundial. Mas ele é responsável por pensar o mesmo em menor escala. Já aprendemos de penosas experiências que as autoridades não controladas, depois de tomarem o gosto, tornam-se facilmente insaciáveis.

Só agora estamos a ter uma visão completa da América de Ashcroft. Alguns dos seus antecessores sonharam em criar uma grande sociedade ou uma nação não algemada pelo racismo. Ashcroft parece sonhar com um país trancado em si próprio, organizadamente encerrado e controlado pelo seu julgamento de lealdade.

Por mais de 200 anos, a segurança e a liberdade foram encaradas como valores coexistentes. Agora Ashcroft e os seus ajudantes parece verem esta relação como linear, em que a segurança deve preceder a liberdade.

Uma vez que a nação nunca estará inteiramente livre de terrorismo, a liberdade tornou-se uma mera justificação retórica para segurança acrescida.

Ashcroft é um catalisador para a transmissão constitucional, encorajando os cidadãos a aceitarem a regra autocrática como o único caminho para evitar maciços ataques terroristas.

Seu grande problema tem sido preservar um nível de pânico e de medo a fim de induzir as pessoas livres a prescindirem dos direitos tão duramente conquistados pelos seus antepassados.

Em “Um homem para todas as estações”, Sir Thomas More foi confrontado por um jovem advogado, Will Roper, que pediu a mão da sua filha. Roper proclamou que deitaria abaixo todas as leis da Inglaterra para apanhar o diabo.

A resposta de More quase parece feita sob medida para Ashcroft: “E quando a última lei for deitada abaixo e o diabo virar-se sobre si, onde é que se esconderia, Roper, se as todas as leis foram esmagadas? Este país foi plantado com uma espessa camada de leis, de costa a costa, se o sr. as eliminar — e o sr. é exactamente o homem capaz de fazer isso — pensa realmente que poderia permanecer de pé com os ventos que soprariam então?”

Toda geração teve os seus Ropers e Ashcrofts, que encaram as nossas leis e tradições como meros obstáculos ao invés de protecções em tempos de perigo. Mas, antes que permitamos a Ashcroft despir o nosso panorama constitucional, devemos assumir uma postura erecta e ter a coragem de dizer “Basta”.

Toda geração tem o seu teste de princípios no qual as pessoas de boa fé não podem mais permanecer silenciosas em face da ambição autoritária. Se não nos pudermos juntar para combater a abominação de campos de concentração americanos, já perdemos o que estávamos a defender.

16/Ago/02
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[*] Jonathan Turley é professor de direito constitucional na George Washington University. Copyright © J. Turley 2002. Para uso razoável apenas/For fair use only.

A URL do original deste artigo é: http://globalresearch.ca/articles/TUR208A.html

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20/Ago/02