Os seus contornos, ainda mal definidos,
eram identificáveis na componente militar do sistema de poder da grande República e na
dinâmica da sua estratégia de dominação planetária.
Em comunicações apresentadas no II e no III Fóruns Sociais Mundiais,
em Porto Alegre, retomei o tema, chamando a atenção para uma crise inocultável de
civilização, política, económica, militar, ambiental e cultural.
O perigo do neofascismo nos EUA crescia. No corpo de oficiais das suas
Forças Armadas tomava forma um fascismo castrense, que se expressava através da
participação de estruturas de comando em crimes contra a humanidade (em Seberghan
chegou-se ao corte de línguas a prisioneiros, na presença de oficiais superiores da US
Army), em missões genocidas da Força Aérea, no discurso messiânico e racista de
generais e almirantes do Pentágono.
A velha tese da nação predestinada, a única capaz de salvar a
humanidade, foi assumida pelo presidente Bush que fez dela coluna mestra da Nova Ordem
Mundial, cujos cimentos teóricos foram reformulados após o 11 de Setembro. Uma
concepção maniqueista da vida foi posta a serviço da estratégia imperial de
retaliação. A luta contra o terrorismo passou a servir de suporte a uma política de
terrorismo de Estado, sem precedente pelo estilo. Na cruzada universal proclamada pela
Casa Branca, Deus foi mobilizado. O presidente informou o mundo de que o Senhor não era
neutral, apoiava a sua política. E advertiu: quem não estivesse com ela seria
considerado inimigo e como tal tratado.
A agressividade e a irracionalidade dessa estratégia configuravam um
assalto à razão.
Terei sido um dos primeiros escritores a utilizar a expressão IV Reich
para denunciar a ameaça ao conjunto da humanidade e à própria continuidade da vida,
ameaça cujos contornos se estavam tornando cada vez mais nítidos nos EUA.
Alguns historiadores e cientistas sociais, tomando como referência
exclusiva a Alemanha e a Itália, afirmam não haver condições mínimas para a
introdução do fascismo nos EUA.
Permito-me transcrever alguns trechos do que afirmei no II Fórum de
Porto Alegre:
"As sementes do fascismo já contaminaram, é inegável, muitos
pilotos e oficiais do exército presentes no cenário de horrores do Afeganistão (...). O
perigo de um fascismo de novo tipo torna-se mais difícil de identificar porque apresenta
características inéditas:
1. Não se enquadra nas definições clássicas do fascismo.
2. Surge como inseparável da dinâmica agressiva de um poder imperial
e como efeito da própria lógica da violência desencadeada pelas forças armadas que
funcionam como instrumento desse sistema de dominação mundial.
3. Sendo um fenómeno que se enraíza no corpo de oficiais, apresenta a
peculiaridade de, ao estruturar-se e fortalecer-se no país, no âmbito das suas guerras
de agressão, alastrar de fora para dentro, ou seja da periferia para os EUA, coração do
sistema.
"A dificuldade em admitir que a actual política de terrorismo de
Estado dos EUA ameaça desembocar no neofascismo reside precisamente no carácter e
tradição das instituições norte-americanas e na atipicidade da ideologia subjacente
às acções de genocídio praticadas com frequência cada vez maior por um poder militar
hegemónico. O hábito de associar o fascismo, quase mecanicamente, como modelo de Estado
e de organização da sociedade à Alemanha de Hitler e à Itália de Mussolini, leva a
esquecer que a sua implantação assumiu formas muito diferenciadas e que tanto o assalto
ao poder como o funcionamento do sistema não cabem em definições rígidas.
"O fascismo, tanto na Europa como fora dela, não obedeceu a um
modelo único. Se no III Reich e na Itália (aí só no inicio) contou com um forte apoio
de massas e teve como instrumento partidos que seguiam cegamente os líderes
carismáticos, isso não ocorreu nem na Espanha de Franco, nem no Portugal de Salazar. Nem
na Hungria de Horthy, nem na Roménia de Antonescu, nem na Croácia de Ante Pavelich, onde
foram sobretudo aspectos básicos da organização do Estado que tomaram como fonte de
inspiração os modelos alemão e italiano. O denominador comum a todos os fascismos
identificamo-lo no nacionalismo irracional e agressivo, com uma componente racista, na
tentativa de impor uma contracultura e na criação de aparelhos repressivos do tipo
Gestapo. Na ordem económica as diferenças foram transparentes (...).
"O caso do Chile, por exemplo, é um tema de reflexão
inesgotável tanto pelo que nele houve de específico no terreno político, económico e
militar, como pelas suas contradições. Aqueles que definem a ditadura terrorista de
Pinochet, na teoria e na prática, como fascista, sustentam na minha opinião com
fundamento que as forças armadas desempenharam ali o papel que no Reich alemão
foi assumido pelo partido nazi e pelos aparelhos policiais por ele criados.
"O fenómeno chileno ajuda a compreender num contexto diferente e
noutra dimensão a ameaça neofascista que o terrorismo de Estado estadunidense carrega no
ventre. O perigo agora é planetário e, repito, nasce em certa medida longe da sociedade
cujo sistema de poder o gerou. As expedições punitivas não tomam como alvos minorias,
nem partidos de esquerda ou organizações sindicais. O inimigo, imaginário, fabricado,
é agora outro: indivíduos transformados em gigantes demoníacos e sobretudo povos
paupérrimos, distantes e desarmados."
A transcrição foi longa, mas, assim creio, útil.
Quase dois anos transcorreram desde que escrevi esses parágrafos.
Admito que não perderam actualidade.
A crise de civilização agravou-se extraordinariamente e a estratégia
de dominação universal do sistema de poder dos EUA adquiriu uma agressividade maior. O
Afeganistão foi transformado num protectorado, mas os dois homens Osama Ben Laden
e o mollah Muhamad Omar então apontados como objectivo prioritário da guerra,
não foram capturados e encontram-se algures, em paradeiro desconhecido. Quase se não
fala mais deles, nem dos Talibã. No espaço afegão implantou-se uma situação caótica.
Fora de Kabul e das principais cidades, grupos armados hostis à ocupação
norte-americana controlam a maior parte do território. Entretanto, uma nova guerra, mais
brutal, ainda mais trágica pelas suas consequências foi empreendida pelos EUA (levando a
reboque a Inglaterra). O objectivo proclamado era "desarmar" o Iraque, acusado
de possuir armas de destruição maciça, e capturar (ou matar ) Sadam Hussein.
Para a humanidade foi sempre claro que a motivação dessa guerra era a
posse do petróleo iraquiano. A maioria opôs-se ao projecto. Dezenas de milhões de
cidadãos, nas maiores cidades do mundo, manifestaram-se nas ruas contra o genocídio em
preparação. A falsidade e hipocrisia da argumentação de Washington eram tão
transparentes que, sob a pressão dos povos, o Conselho de Segurança por
iniciativa da França, com o apoio da Alemanha, da Rússia e da China resistiu às
pressões e chantagens sobre ele então exercidas, e os EUA colocaram-se fora da lei
internacional. A sua cruzada "libertadora", condenada pelo tribunal da
consciência dos povos, apareceu à humanidade como uma suja e criminosa guerra pirata.
O Iraque foi bombardeado, destruídas as suas cidades, saqueados os
seus maravilhosos museus que guardavam a memória das antigas civilizações da
Mesopotâmia. Sadam Hussein não foi capturado e desconhece-se o seu paradeiro. Não foram
encontradas armas de destruição maciça; mas a Casa Branca e o Pentágono arquivaram
esses temas.
O Iraque foi transformado num protectorado, sob a presidência de um gauleiter
norte-americano nomeado pelo presidente Bush e os EUA já obtiveram do Conselho de
Segurança, agora submisso, o aval para o (des)governarem como bem entenderem, dispondo
das suas riquezas.
A submissão dos governos que em Fevereiro e Março se haviam oposto à
guerra ficará nos anais da história como exemplo de covardia e desprezo pela vontade dos
povos. Considerando a ocupação do Iraque um fato consumado, tratam de obter uma fatia na
distribuição do botim. O discurso da capitulação e da cumplicidade substituiu o
discurso do protesto contra o crime, que traduzia o clamor dos povos. As comadres
entenderam-se. Mas têm consciência da vassalagem imposta pelos EUA. Ivanov, o ministro
russo dos Negócios Estrangeiros, condensou numa síntese expressiva a situação criada
ao declarar que "a tendência é para a construção de um sistema unipolar de
relações internacionais baseadas na lógica do domínio militar e das acções
unilaterais".
Dentro de anos quando outras calamidades futuras hoje
imprevisíveis forem apenas recordação os historiadores certamente chamarão a
atenção para uma evidência: as guerras de agressão empreendidas no início do século
pelo sistema de poder dos EUA surgiram como consequência da crise estrutural do
capitalismo, incapaz de encontrar solução para ela, como sublinha István Meszaros.
Entretanto, o funcionamento de mecanismos accionados pela lógica do
"capitalismo senil" a expressão é de Samir Amin , interpretada
por um sistema de poder monstruoso, ameaça o conjunto da humanidade. E as sementes do
fascismo, como era previsível, começaram a germinar.
As guerras "preventivas" dos EUA lembram certas epidemias.
Quando começam, os efeitos da contaminação não podem ser avaliados.
Nos EUA, a necessidade da defesa de uma estratégia planetária
perigosamente agressiva e irracional, exigiu no plano interno mudanças drásticas na
acção governativa que abalaram fortemente a estrutura institucional do país, abrindo
nela fissuras pelas quais avança o fascismo.
Imediatamente após o 11 de Setembro, milhões de cidadãos não se
aperceberam nos EUA de que o discurso bushiano contra o terrorismo funcionava como
anestesia para golpes cirúrgicos que feriam garantias e liberdades constitucionais. A
destruição das Torres Gémeas de Manhattan foi invocada, a despropósito, para
justificar uma feroz vaga de xenofobia que levou, por exemplo, à criação de tribunais
militares para julgamento de estrangeiros suspeitos, a perseguições e humilhações
infligidas a imigrantes muçulmanos, à caça às bruxas nas universidades, ao
desaparecimento de clássicos da literatura em bibliotecas públicas, a gestos tão
simbólicos de uma mentalidade ultra-reaccionária como a proibição da canção de John
Lennon em defesa da paz.
Gente íntima do Presidente, como Cheney, Rumsfeld, Condoleeza Rice,
Perle deram uma contribuição significativa para a radicalização de um discurso
ideológico de matizes cada vez mais fascizantes, não obstante alguns dos seus autores,
por indigência cultural, não se aperceberem disso. Colin Powell, na ONU, e generais como
Tommy Franks ajudaram também a projectar uma imagem do sistema, da sua ética e
dinâmica, que suscita crescente repulsa dos povos.
A engrenagem que abre caminho ao neofascismo não poderia, no entanto,
servir com eficácia a estratégia de dominação se não tivesse como formidável e
decisivo instrumento um sistema mediático que exerce hoje um controlo hegemónico dos
meios de comunicação.
O tema tem sido exaustivamente tratado por autores como Chomsky e
Ramonet. Mas a complexidade e a gravidade dos estragos resultantes do funcionamento dessa
máquina diabólica tornam indispensável a retomada permanente do assunto.
O discurso clássico sobre os EUA como pátria da liberdade de
expressão foi sempre construído a partir de inverdades; hoje é ridículo.
As três grandes cadeias de televisão que emitem notícias durante 24
horas a NBC, a FOX e a CNN mantêm laços íntimos com o Poder. A grande
maioria das notícias que difundem são de fontes governamentais ou corporativas. A
manutenção dos índices de audiência exige não só um bom relacionamento com essas
fontes como a inclusão maciça de notícias sobre assuntos divertidos, histórias sobre
as guerras que façam a apologia do heroísmo norte-americano, a eliminação de temas
considerados incómodos, um grande volume de informações ligadas a negócios, desporto,
sexo, situação das grandes empresas transnacionais, comentários sobre ciência e arte
superficiais, etc.
A campanha supostamente anti-terrorista montada pelo Governo respondeu,
pelo estilo, ao interesse da grande maioria dos telespectadores. Para alimentá-la, as
notícias pré-fabricadas, recebidas de fontes ligadas à contra-informação, tornaram-se
imprescindíveis. "Exemplos perfeitos dessa relação escreve em Counter
Punch Peter Phillips, professor de Sociologia na Universidade de Sonoma são os
pools jornalísticos promovidos pelo Pentágono no Médio Oriente e em Washington
para transmitir informações pré-programadas sobre a guerra no Iraque a grupos
escolhidos de recebedores de notícias (jornalistas) que as distribuem depois a diferentes
órgãos de comunicação."
Os jornalistas que não se submetem e recusam colaborar servilmente com
o Poder são punidos, directa ou indirectamente, ou despedidos pelos grandes media, mesmo
quando são celebridades, como aconteceu com Geraldo Rivera e o neo-zelandês Peter
Arnett, da NBC.
As montagens criadas para impressionar o público e glorificar as
Forças Armadas são frequentes. Os resultados, contudo, nem sempre respondem a longo
prazo ao objectivo, como aconteceu com o famoso resgate da soldado Jessica Lynch. A BBC,
numa reportagem que enfureceu o Pentágono, demonstrou através de depoimentos
irrefutáveis que tudo foi forjado na "epopeia" que fez chorar milhões de
estadunidenses. Os iraquianos, quando tentaram entregar por iniciativa própria a
prisioneira Jessica a uma unidade norte-americana, foram recebidos a tiro. Posteriormente,
a força que se afirma tê-la resgatado entrou num hospital onde ela se encontrava. Nele
somente havia médicos, enfermeiros e doentes. Não houve ali qualquer combate. O filme é
uma invenção do começo ao fim. Mas Jessica deu entrada no panteão das heroínas dos
EUA. Hoje o acesso do cidadão estadunidense a notícias objectivas é cada vez mais
difícil. "O que existe a opinião é ainda de Peter Phillips é um
sistema noticioso complexo, concebido para entreter as pessoas, que protege a sua própria
essência, servindo o complexo militar-industrial mais poderoso do mundo."
Num país onde um abismo cultural separa as elites do cidadão médio,
a militarização da sociedade civil, em desenvolvimento, assume proporções
inquietantes.
Segundo John Gillis um analista militar conceituado a
militarização das consciências tornou-se imprescindível ao bom funcionamento do
sistema. O establishment está empenhado em preparar a sociedade civil para a
aceitação como fenómeno natural da produção de violência. Enquanto o militarismo era
tradicionalmente encarado "como uma série de crenças circunscritas a grupos sociais
específicos, a militarização abrange uma série de mecanismos que envolvem todo o
edifício social".
Jorge Mariscal, membro do projecto Yano que combate a militarização
do ensino, lembrou em artigo recente divulgado por Rebelión que a vida quotidiana,
nas suas infinitas formas, é marcada por esse fenómeno. A militarização avança nas
escolas. Contamina a juventude. Uma publicidade chocante na televisão, na imprensa, na
rádio, em cartazes afixados nas paredes apresenta as Forças Armadas como escola de
virtudes. O Corpo de Marines cultiva o auto-elogio, apresentando-se como uma tropa de
super-homens. O candidato a recruta, ao atravessar o portão do quartel, detém o olhar
numa estranha mensagem: "No coração de cada marine palpita o espírito do
guerreiro, uma pessoa imbuída do espírito especial que durante séculos definiu a
grandeza e o êxito. E nesta organização serás considerado parte da família. És
especial, és um lutador, vamos cuidar de ti".
O primarismo da mensagem reflecte bem a mentalidade predominante na
tropa de elite da US Navy.
A militarização da sociedade é acompanhada de um discurso político
que transforma a dureza, a insensibilidade e um conceito prussiano da disciplina em
virtudes. A tese do "letal e solidário" ilumina bem as contradições de uma
mentalidade patológica. Rumsfeld afirma que as Forças Armadas dos EUA são as mais
eficazes e "destruidoras" da história, mas simultaneamente as mais preocupadas
em "evitar mortes de civis".
A realidade desmente a afirmação. Peter Mass, em artigo publicado em The
New York Times, conta que, perto de Bagdad, o comandante de um esquadrão, quando os
seus homens dispararam contra veículos civis, gritou: "Os meus homens não tiveram
clemência. Formidável". O sargento Jeff Lujan, que ordenou aos seus soldados que
abrissem fogo contra um carro em que viajavam uma mulher e duas meninas, matando as três,
comentou: "Não tenho má consciência. Agimos correctamente, embora cometêssemos um
erro". O episódio, como muitos outros, similares, foi também relatado pelo The
New York Times.
O lema do «letal e solidário» inspirou uma subliteratura de guerra
orientada para a apologia do «humanismo americano». O caso do menino iraquiano, amputado
dos braços, que foi levado para o Koweit para lhe colocarem próteses é bem expressivo
da hipocrisia subjacente a esse falso humanismo. Toda a família do garoto pereceu no
bombardeamento, mas isso foi logo esquecido.
Nas grandes cidades, entre a juventude dos bairros da classe média, um divertimento que
está na moda é o painball um jogo durante o qual os participantes lutam
com selvajaria. Do choque faz parte a morte simulada. Em San Diego, os adeptos do painball
pagam 50 dólares para intervir nos jogos realizados na Base dos Marines.
O Presidente Bush considera "viris" esses jogos violentos.
Não é por acaso que, para estimular o espírito marcial, gosta muito de discursar em
bases militares, em fábricas de armas e em porta-aviões.
Um intelectual sério, James Carroll, publicou no Boston Globe,
na edição de 22 de Abril pp, um artigo lúcido, intitulado "Uma Nação
Perdida", em que alerta os seus compatriotas para as consequências dramáticas da
política que desinforma e tenta manipular as consciências para apresentar uma guerra
criminosa como acto legítimo e necessário.
"As celebrações fotográficas escreveu então dos
nossos jovens guerreiros, as glorificações dos prisioneiros estadunidenses libertados,
os heróicos rituais dos mortos na guerra assumem o carácter de uma estúpida
exploração dos homens e mulheres de uniforme. Primeiro foram levados a actuar em
circunstâncias duvidosas e agora eles próprios são convertidos em mitos como principal
justificação post-facto como se os EUA tivessem ido ao Iraque não para capturar
Sadam Hussein (desaparecido), ou para eliminar armas de destruição maciça (que não
havia ali) ou para salvar o povo iraquiano (caos), mas sim para apoiar os seus
soldados. Assim se converte a guerra na sua própria justificação. Tal confusão
sobre um ponto de tamanha gravidade, como as demais, revela uma nação perdida."
Denúncias corajosas como a de James Carroll são felizmente numerosas
nos EUA. Uma parcela ponderável do seu povo opôs-se à guerra e combate em defesa da paz
contra a política de militarização do planeta.
A contribuição de norte-americanos progressistas e corajosos como
Ramsey Clark e Noam Chomsky dois exemplos expressivos tem sido, aliás,
muito importante para a compreensão do perigo fascista e o funcionamento de um sistema de
poder que não hesita em tripudiar sobre a Constituição para limitar ou suprimir
direitos e liberdades.
Mas que não haja ilusões. O capitalismo não entrou ainda na fase da
agonia. Precisamente por não ter soluções para a crise, tornou-se mais agressivo e
procura, através do recurso às chamadas "guerras preventivas", evitar um
colapso sistémico que desencadearia um espantoso caos. Incapazes de inverter por meios
clássicos o brutal enfraquecimento da sua economia, os EUA, motor do capitalismo, optam,
no âmbito da sua política de dominação planetária, por aventuras guerreiras de
pilhagem de recursos naturais como as do Afeganistão e do Iraque, que lhes permitiram
simultaneamente assumir o controlo de áreas da Ásia de grande importância estratégica.
Os epígonos da Casa Branca tentam encontrar uma lógica nos actos da Administração Bush
condenados pela consciência dos povos. Mas buscam o impossível, porque a irracionalidade
marca já o funcionamento do sistema.
O grupo dito da Cabala, que hoje controla o Poder nos EUA, comporta-se
já como os aprendizes de feiticeiro. Desencadeou tempestades de efeitos imprevisíveis.
Mas o espectáculo do caos iraquiano não lhe travou a agressividade. Ameaça a Síria, a
insurreição colombiana, a Coreia do Norte, Cuba.
O Irão sobretudo é alvo de ameaças insistentes. As acusações
repetem, sem imaginação, as que precederam a agressão ao Iraque. O governo da
milenária terra de Dario e Cosroes é acusado de desenvolver capacidades nucleares, de
possuir armas de extermínio maciço e de cumplicidades com a Al Qaeda. O disco traz à
memória os produzidos pela propaganda nazi quando Hitler, em vésperas de os invadir,
apresentava pequenos países como ameaças ao III Reich.
A realidade é invertida. Uma organização tão prudente como a
Amnistia Internacional acaba de salientar no seu Relatório Anual que a insegurança no
mundo aumentou perigosamente desde o 11 de Setembro e que a responsabilidade cabe aos EUA.
A sua política de combate ao terrorismo, em vez de o reduzir contribuiu decisivamente
para o disseminar e estimular.
No tocante aos direitos humanos, os EUA, que teimam em se apresentar
como os campeões da sua defesa, violam-nos permanentemente, como também o sublinha a
Amnistia Internacional. A Base de Guantanamo foi convertida num campo de prisioneiros no
qual o emprego da tortura passou a ser tema de denúncias constantes.
De Washington chegam notícias de choques pessoais na própria equipa
presidencial. Demissões como a de Ari Flescher, o porta-voz da Casa Branca, suscitaram
uma vaga de especulações. No triângulo Departamento de Estado-Cia-Pentágono, a
estratégia das "guerras preventivas" teria deixado de ser consensual.
Por ora, estamos perante boatos. Não merecem a atenção que lhes tem
sido prestada. Mas é natural que, em Washington, as forças que controlam o poder comecem
a compreender que a ocupação das grandes cidades do Iraque não pôs fim à guerra. Nos
últimos dias militares estadunidenses foram abatidos a tiro, com frequência, em
diferentes províncias. A resistência do povo iraquiano organiza-se contra o invasor.
Para ele, uma longa guerra está a principiar.
O fantasma de um Vietnam árabe perturba já o sono dos generais do
Pentágono.
Perigos enormes anunciam-se num horizonte de lutas. Mas o gigante
americano tem pés de barro. Os mecanismos predatórios da globalização neo-liberal não
bastam para resolver a crise estrutural de um capitalismo doente. Até porque o mal é
incurável.
Entretanto, a tarefa prioritária e permanente para as forças
progressistas, em todo o mundo, é fazer frente, com firmeza e lucidez, à ameaça que
representa para a humanidade a estratégia neofascista de um sistema de poder que aspira a
militarizar o planeta, transformando-o num protectorado.
O processo de militarização e fascização da sociedade
norte-americana prossegue. E essa realidade não pode ser ignorada.
Havana, 30 de Maio de 2003
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