Correspondente da Al Jazeera em Espanha perseguido pelo juiz Garzón

O jornalista Taysir Alony, acusado de pertencer à Al Qaeda, destaca que aquela estação de televisão árabe mostra o sofrimento dos povos, "e isso incomoda os Estados Unidos". Lamenta que o juiz Garzón não respeite o princípio de presunção da inocência


"Sou alvo de perseguição pela cobertura objectiva que faço dos factos", afirma Taysir Alony, correspondente da cadeia de televisão do Qatar Al Jazeera , em Espanha e um dos poucos jornalistas que entrevistaram Osama Bin Laden. Ele vive ''angustiado e com medo'' desde 5 de Setembro, quando o juiz da Audiência Nacional de Espanha, Baltasar Garzón, ordenou a sua detenção e encarceramento por o considerar ''membro qualificado'' da Al Qaeda.

Após permanecer 48 dias na prisão de alta segurança de Soto del Real, foi posto em liberdade sob fiança por ''razões humanitárias'', pois tem problemas cardíacos. Na passada sexta-feira, Garzón negou-lhe autorização para assistir em França a um congresso sobre direitos humanos. ''Já estava à espera'', comentou o jornalista. O juiz fundamentou a proibição no suposto risco de fuga.

O correspondente de guerra, com dupla nacionalidade — síria e espanhola —, tornou-se uma referência informativa durante a guerra no Afeganistão, em 2001. Depois viajou para o Iraque, onde também desenvolveu um jornalismo "crítico, mas objectivo e profissional" sobre a guerra de ocupação, facto que, segundo diz, poderia constituir o motivo real da perseguição.

Em entrevista a La Jornada , Alony expressou a sua consternação perante a anulação das garantias judiciais mínimas em processos relacionados com o chamado "terrorismo internacional", e assegurou que Garzón e as instâncias judiciais e mediáticas espanholas ''nunca respeitaram o princípio de presunção de inocência''.

Garzón recusou repetidamente a liberdade sob fiança por motivos de saúde. Foi o juiz Guillermo Ruiz Polanco, também da Audiência Nacional, quem ordenou a sua libertação por esse motivo, impondo uma fiança de 6 mil dólares.

— No seu regresso do Iraque, veio para Espanha para abrir a delegação da Al Jazeera, mas o juiz Garzón ordenou a sua detenção.

— Para mim foi um choque desde o primeiro momento, quando me chamaram para prestar declarações, as visitas ao tribunal e a presença da polícia em minha casa. A detenção não foi violenta e devo dizer que os polícias se comportaram com profissionalismo; respeitaram a minha família e os meus filhos. Mas logo a seguir, mantiveram-me incomunicável durante três dias.

— Por que razões pensa que Garzón ordenou a sua detenção?

— Essa pergunta deve ser feita a Garzón, porque não estou nada convencido do que vem no sumário da acusação. A maior parte do que eles chamam provas, são relações de chamadas telefónicas que se fazem e sempre se fizeram entre os membros da comunidade de origem síria. Com esta lógica também deveriam deter outras 400 ou 500 pessoas que fizeram chamadas similares. Por isso, não entendo por que me escolheram a mim, sendo jornalista, pertencendo à Al Jazeera . Tenho a sensação que estou a pagar pelo trabalho jornalístico que realizei no Afeganistão e no Iraque, que me granjeou muita fama, mas também muitas dores de cabeça.

— A que atribui o facto de três juizes antes de Garzón terem arquivado o mesmo processo?

— Não sei, mas pergunto-me se acaso esses três juizes não serão profissionais e o seu critério não tem valor, já que consideraram que não existia matéria judicial. Também é preciso ter em conta que em todo o mundo há um antes e um depois do 11 de Setembro, e essa é a questão, já que agora se perdeu o critério e se anularam as garantias. No mundo árabe há pessoas de prestígio, incluindo chefes de Estado, que avalizaram a minha reputação como profissional e como pessoa, assim como apareceram dezenas de outras manifestações em meu favor. Ninguém acredita que eu seja um terrorista; isso apenas o crêem o senhor Garzón e os seus polícias.

— Que sente quando nos média aparece o seu nome como o de um perigoso terrorista?

— É lamentável. Estive em duas guerras que me afectaram, como é lógico, mas o que mais me abalou é o medo que sinto e senti nos últimos meses. Tenho temor de que se perca o critério, de que desapareça o estado de direito, já que durante este processo muita gente não respeitou a presunção de inocência. Pelo contrário, o acusado é culpado até que ele próprio prove a sua inocência, o que agora me vejo obrigado a fazer. O comportamento de alguns companheiros da imprensa espanhola foi decepcionante. Limitaram-se a contar o que vem na acusação, sem procurar outras fontes de informação, sem se preocuparem em investigar ou tratar de conhecer a minha versão. Aquilo que apresentaram como provas, não o são. Segundo os advogados, não há na acusação nenhum facto que se possa chamar assim, pois apenas apresentaram escutas telefónicas mal traduzidas e pior interpretadas.

— Sabe há quanto tempo a polícia espanhola o vigia?

— Quando me encontrava em Cabul, em 2001, soube pela primeira vez e através de El País , que tinha o telefone sob escuta desde há muito tempo. É uma prática habitual aqui em Espanha.

— Acha que, desde a guerra de Afeganistão, se converteu em inimigo dos Estados Unidos?

— Isto não passará de paranóia minha, serão apenas coincidências, mas muitos do que eles chamam erros, tocaram-me muito de perto, como o bombardeamento dos escritórios da Al Jazeera em Cabul e em Bagdad, ou o ataque ao hotel Palestina, no qual morreu José Couso. Por exemplo, nas noites em que bombardearam os escritórios de Cabul e de Bagdad, eu estava a falar ao telefone com a minha redacção ou tinha acabado de falar minutos antes.

— O que foi mais duro na sua passagem pela prisão?

— O mais duro é a injustiça e a impotência. Custou-me muito ter de ler a acusação. Não entendia como podia estar encarcerado por estas estupidezes e especulações dos que interpretam e analisam as chamadas.

— Acusa-se a Al Jazeera e o seu trabalho jornalístico de incentivar o ódio contra as forças de ocupação.

— Estas críticas à Al Jazeera já vêm desde o tempo de Bill Clinton. Diz-se que a nossa cobertura informativa acicata os sentimentos dos palestinianos e que somos parciais. No Iraque e no Afeganistão, mostramos o sofrimento do povo e isso incomodou as autoridades estadunidenses. Além disso, nós éramos os únicos com possibilidade de fazer reportagens nas profundezas das sociedades iraquiana e afegã, para mostrar parte da guerra e do pós-guerra. A sociedade tem direito a conhecer a parte da guerra e as reacções oficiais, mas também o que se passa com o cidadão comum iraquiano.

— É possível que existam células da Al Qaeda em Espanha ou noutros países europeus?

— Não creio que exista tal célula em Espanha, porque este país nunca foi objectivo do integrismo islâmico, ainda que, nos últimos dias, Espanha tenha sido objecto das ameaças de Bin Laden, mas somente enquanto país colaborador e aliado dos Estados Unidos.

— Foi testemunha da conduta das tropas estadunidenses no Iraque e no Afeganistão. Acha que essa conduta contribuiu para que a Al Qaeda ganhe adeptos nos países árabes?

— A atitude da tropa é eminentemente repressiva, o que creio ser fruto da ignorância. O povo afegão sofreu e padeceu pela ausência de segurança, já que depois da ocupação, os senhores da guerra governam tudo fora de Cabul. Triplicou-se a produção de droga no Afeganistão debaixo dos narizes dos americanos. Bin Laden e o mullah Omar continuam à solta. A situação das mulheres pouco melhorou e apenas superficialmente. O Afeganistão foi um fracasso total e no Iraque caminham para outro fracasso.

O original também se encontra em http://www.rebelion.org/medios/031212jornada.htm .
Tradução de Carlos Coutinho.


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info .

20/Dez/03