Barões do petróleo no encalço das reservas da
América Central e do México
por Micheline Ladouceur
[*]
A América Central e o México não estão ao abrigo de
novos desenvolvimentos associados aos interesses dos barões do
petróleo e do gás. Na esteira das medidas de
desregulamentação económica, a Guatemala tinha assinado
«acordos de paz» em 1996, iniciando um processo de
liberalização do mercado das terras (Fontierras). Essa
«pacificação», apoiada por Washington, coincidia com os
interesses da empresa petrolífera norte-americana
Union Pacific Resources Group Inc.
, que em 1998 obtinha o monopólio quase total das reservas de
hidrocarbonetos
[1]
. Em 1999, o governo guatemalteco construiu duas bases militares a fim de
garantir a «segurança» das refinarias e das
instalações petrolíferas da
Union Pacific.
Actualmente, a Guatemala apenas produz 0,02 % da produção
mundial de petróleo (25 000 barris por dia), mas a geologia da
região nórdica parece possuir vastas reservas petrolíferas
na floresta tropical do Petén calculadas em 1.400 milhões de
barris
[2]
. Na fronteira do Petén, na região de Marqués de Comillas,
em Chiapas (México), parecem existir igualmente importantes reservas de
petróleo e de gás em pleno coração dos
territórios autóctones. As empresas petrolíferas
canadianas
Seine River Resources
e
Alpine Oil Services Corporation
também obtiveram concessões em Chiapas
[3]
. O grande interesse das empresas petrolíferas (transnacionais
estrangeiras) por Chiapas provocou a expulsão forçada (e
violenta) de várias comunidades autóctones das suas terras. As
transnacionais desejam igualmente a supressão do movimento zapatista
(EZLN), que há muito denuncia os interesses petrolíferos e a
«guerra pelo petróleo» em Chiapas.
A militarização de Chiapas conduz a uma nova etapa nos finais dos
anos noventa, estreitamente associada aos interesses petrolíferos e das
transnacionais implicadas na pilhagem e na biopirataria (nomeadamente na
floresta de Lacandon, cercada pelo exército mexicano). O gigante
petrolífero Exxon, assim como outras mega-transnacionais
norte-americanas
(United Airlines, Intel, Walt Disney, Pulsar e McDonald)
, criaram uma organização internacional de
Protecção do Ambiente (ONG) cujo verdadeiro objectivo é
privatizar os recursos da biosfera de Monte Azules
[4]
. As populações autóctones e camponesas dessa reserva
ecológica correm o perigo de perder as suas terras na sequência do
plano oficial de expulsão dos «ocupantes» (camponeses sem
terra e comunidades autóctones) anunciado em Dezembro de 2002
[5]
.
O PLANO PUEBLA-PANAMÁ
O Plano Puebla-Panamá (conhecido pelo nome de PPP) constitui um projecto
de importância estratégica e económica para Washington.
Lançado oficialmente pelo México e pelo conjunto dos
países da América Central em Junho de 2001, esse plano compreende
vários corredores de desenvolvimento ligados por eixos de transporte
rodoviário, ferroviário e portuário. O PPP prevê
projectos nos sectores do gás e do petróleo, assim como um
«megacorredor de comércio fluvial» (portos). Este
último assenta na construção de um canal no istmo de
Tehuantepec que liga o Golfo do México ao Oceano Pacífico.
O referido Plano está intimamente ligado à
militarização dos «corredores». Engloba não
somente o eixo estratégico Este-Oeste, cuja finalidade consiste em
promover o comércio entre os Estados Unidos e a Ásia, mas
também um eixo Norte-Sul que liga o México e a América
Central à Colômbia e ao resto do continente sul-americano
[6]
. Por outras palavras, o PPP vem integrar-se no processo de
militarização do Plano Colômbia e na grande aposta
petrolífera na região andina. Prevê, nomeadamente, a
criação de inúmeros «corredores de pipeline» de
gás e de petróleo entre os Estados Unidos e a Venezuela, passando
pela Colômbia
[7]
. Esses corredores viriam substituir o transporte do petróleo por via
marítima.
Para uso exclusivo das transnacionais, o PPP facilitará assim a
privatização do conjunto dos recursos estratégicos
(água, petróleo, minério, floresta, biodiversidade)
[8]
. O PPP altera as regras do jogo no que se refere ao direito fundiário.
Exige a expropriação prévia de centenas de milhares de
hectares de terras no México e na América Central. É quase
certo que provocará uma nova vaga especulativa no mercado das terras.
Esta chamada «integração económica» (cujo papel
oculto consiste em destabilizar as estruturas económicas regionais) do
México e dos cinco países da América Central
incluirá ainda «corredores industriais» e «corredores
ecológicos» interligados por uma mega-rede de transporte (estradas,
caminhos de ferro e aeroportos). A fim de «proteger os
investimentos», serão dispostos efectivos militares em diversos
pontos estratégicos ao longo dos corredores
[9]
. (O Plano Puebla-Panamá insere-se na lógica da
militarização do conjunto da América Latina.) Esse
megaplano conduzirá à desterritorialização de
inúmeras populações camponesas (entre as quais se contam
os autóctones e os afro-americanos) de todos os países implicados.
A fim de facilitar o saque ecológico, o megaprojecto PPP prevê
iniciativas de protecção ambientais. Sob o signo dos chamados
«projectos verdes», o PPP prevê a criação de 300
zonas protegidas («bio-reservas») que integrariam a «passagem
pantera» ou Corredor Biológico Meso-americano (CBM), financiado
pelo Banco Mundial. A reserva de Monte Azules situada em Chiapas faz parte do
CBM
[10]
.
A gestão do CBM ficaria nas mãos das transnacionais, excluindo
qualquer participação das populações locais. Por
outro lado, esses «projectos verdes» de vocação
comercial provocarão a expulsão de várias comunidades das
suas terras, sob o pretexto de que estas últimas são
responsáveis pela destruição ambiental, nomeadamente pela
cultura de queimadas. Tal como o Plano Colômbia, o PPP fará
eclodir novos conflitos sócio-étnicos no conjunto do
território mexicano e centro-americano.
22/Ago/2003
____________
NOTAS
1- Gustavo Castro Soto, "
Petróleo, Gas y Plan Puebla-Panamá
" (segunda parte),
CIEPAC
, Chiapas, México, 29 de Outubro 2002,
http://www.ciepac.org/bulletins/200-300/bolec320.htm
2- Estudos das empresas
WesPac Technologies Corporation
e
Tradestar Corporation. In
Castro Soto,
op.cit
. Foi descoberto petróleo nas regiões de Alta Verapaz e no norte
do Petén.
3- Uma carta confidencial (obtida pelo jornal mexicano
La Jornada
) confirma a exploração petrolífera. Nesta região
petrolífera, a Shell e a Exxon dão assistência
técnica à Pemex (empresa petrolífera mexicana), quebrando
assim o monopólio desta última. A privatização da
Pemex faz parte da reforma fiscal exigida pelo FMI. Corporate Watch, "
Chiapas: Genetic Pirats and Black Gold
", edição do Verão de 2000,
http://www.corporatewatch.org.uk/magazine/issue11/cw11f3.html
4- Laguna Ocotal é considerada a região mais militarizada do
estado de Chiapas. Ryan Zinn, "
The Lacandon Jungle's Last Stand Against Corporate Globalization
",
Corpwatch
, 26 de Setembro de 2002,
http://www.corpwatch.org/issues/PID.jsp?articleid=4148
5- Seriam espulsos da região 250 autóctones. Hermann
Bellinghausen "
El gobierno mexicano prepara el desalojo de Monte Azules, Chiapas
",
La Jornada
, 17 de Dezembro de 2002,
http://www.rebelion.org/internacional/hermann171202.htm
6- Os corredores abrangem uma mega-região estratégica situada
entre o Atlântico e o Pacífico (tal como a Colômbia) e,
fazendo a ponte entre as Américas, o istmo americano compreende nove
Estados do Sul do México (Puebla, Veracruz, Oaxaca, Chiapas, Guerrero,
Tabasco, Campeche, Yucatan e Quintana Roo) e os sete países da
América Central.
7- Um gasoduto entre a Guatemala e o Yucatan e uma expansão para o resto
da América Central; um gasoduto submarítimo da Colômbia
até ao Panamá pelo norte; um gasoduto da Venezuela até
à Colômbia.
http://www.ciepac.org/bulletins/200-300/bolec318.htm
8- Várias megapotências transnacionais já se mostraram
altamente interessadas no plano mexicano. Esse projecto ambicioso significa uma
sobre-exploração dos recursos estratégicos que incluem a
exploração dos hidrocarburetos e dos minérios, a
privatização da água e das florestas (grandes
plantações de árvores), o desenvolvimento, privado, dos
recursos biogenéticos (biodiversidade), assim como o estabelecimento de
imensas explorações agrícolas por transnacionais como a
Monsanto
. Esta (tal como a
Coca-Cola
) já controla várias redes de aquedutos em várias cidades
mexicanas.
9- Miguel Pickard, "
PPP: Plan Puebla Panama, or Private Plans for Profit?
"
CorpWatch
, 19 de Setembro de 2002,
http://www.corpwatch.org/issues/PID.jsp?articleid=3953
10- O Corredor Biológico Meso-americano é uma iniciativa do Banco
Mundial e do Global Environmental Facility (GEF, agências e
organizações pública e privadas) e o projecto é
tornado operacional graças à participação da Nasa e
do CCAD nos Estados Unidos.
© Copyright Micheline Ladouceur, Centre de recherche sur la mondialisation
(CRM) 2003 For fair use only/ pour usage équitable seulement.
[*]
Geógrafa, do Centre de Recherche sur la Mondialisation
A URL do original é:
http://globalresearch.ca/articles/LAD308A.html
Traduzido para resistir.info por ASB.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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