Uma política energética irracional e suicida

por VGN [*]

Capa da revista VGN, nº 3. A queixa quanto à falta de recursos energéticos de Portugal é uma lenga-lenga arqui-repetida, atribuindo-se a culpa à natureza madrasta. Contudo, a verdade é que o país não aproveita os recursos que dispõe. Enquanto isso, continua a pagar todos os anos facturas colossais pelos 15 milhões de toneladas de petróleo que tem de importar. Dois exemplos espantosos revelam a dimensão deste desaproveitamento que quase se poderia classificar como suicida. Merecem ser analisados, pois são exemplares.

O primeiro exemplo, pouco falado, é o do gás natural. Como revelou o presidente da Partex Oil & Gas, no offshore do Algarve existem reservas de gás natural suficientes para 15 a 20 anos de consumo do país. Com o seu aproveitamento o país pouparia "entre 1400 e 1500 milhões de euros por ano", afirma António Costa e Silva. E explica que em 2002 foi efectuado o concurso público para conceder a exploração de dois blocos na região do sotavento algarvio e que em 2005 o consórcio liderado pela Repsol espanhola, juntamente com a RWE alemã, foi dado como vencedor do mesmo. Contudo, até hoje – oito anos depois! – os blocos ainda não foram adjudicados porque o governo português não assinou o respectivo contrato de adjudicação.

Mas tão espantoso quanto este atraso de oito longos anos é a razão alegada para a não assinatura do contrato. O Sr. Manuel Pinho, então ministro da Economia, disse que não o assinou "por causa das enormes pressões que foram feitas na altura pelos grupos com actividade económica no Algarve, sobretudo pelos interesses ligados ao turismo" (sic). A ignorância de quem fez tais pressões só é superada pela de quem as atendeu. Bastaria olhar para o vizinho ao lado e verificar que a exploração do gás natural no campo Poseidon, no golfo de Cadiz, prossegue desde 1976 — e que o sector turístico do Sul da Espanha em nada foi prejudicado com isso.

O segundo exemplo é o do biometano, recurso ainda totalmente desaproveitado em Portugal. Neste momento o país não produz nem um metro cúbico de biometano, embora disponha de todas as condições para isso. O governo português gosta de se gabar da sua política quanto às energias "renováveis", ou seja, importar biodiesel do Brasil e subsidiar à custa dos consumidores a produção de quilowatts-hora caríssimos. Mas, como se verifica, a dita política favorável às renováveis não se estende ao biometano. A sua cadeia da produção é bem conhecida:   resíduos –—> biogás –—> biometano. Contudo, Portugal fica-se no segundo passo desta cadeia e o actual governo nem sequer tem planos para o passo seguinte.

Esta ausência é tanto mais estranha porque neste momento assiste-se a um boom do biometano por toda a Europa. Em Madrid já há 350 autocarros de passageiros a circularem a biometano. Na zona de Gotemburgo, ao Sul da Suécia, já há milhares de veículos a circularem a biometano. A cidade de Lille já produz biometano, utilizado no seu transporte urbano de passageiros. A Suíça produz biometano e já tem disposições legais que permitem injectar o biometano produzido na rede de gás natural. A Grã-Bretanha e a Holanda também já produzem biometano. As autoridades de todos estes países não falam muito no Pico de Hubbert, mas estão conscientes dele e tomam medidas práticas para minimizar o impacto que vem aí.

Por outro lado, verifica-se que o atraso português no desenvolvimento do biometano acaba por ter efeitos cumulativos pois elimina a possibilidade de avançar para a etapa energética seguinte: a sua liquefacção. Muitos dos países mencionados acima já avançaram ou estão a avançar na produção do biometano liquefeito (BML), um combustível de alta densidade energética idêntico ao gás natural liquefeito (GNL). O BML tem a grande vantagem facilitar o transporte do biometano produzido localmente, o qual pode assim ser levado aos lugares de consumo por meio de camiões cisterna. Ou seja, é uma alternativa adicional à sua injecção nas redes de gás natural já existentes (nem sempre próximas dos locais de produção). Além disso, o BML pode ser utilizado directamente no transporte pesado de longo curso, com camiões ou autocarros dotados de reservatórios criogénicos.

Robert L. Hirsch, um dos maiores especialistas em energia dos EUA, publica este ano um novo livro, "Impending World Energy Mess", o qual actualiza as suas previsões quanto ao declínio da produção mundial de petróleo e os seus prováveis impactos. Afirma ele que a produção mundial do óleo já está no máximo ou próximo dele e que quando começar o declínio este poderá ser a taxas tão elevadas como 5 por cento ao ano. Sem entrar em considerações quanto ao ano preciso em que terá início o declínio ou a taxa precisa a que se verificará, deve-se desde já tirar uma conclusão estratégica da sua análise bem informada e nunca contestada, embora silenciada. A conclusão é que urge preparar desde já medidas de mitigação. Não é por não se falar de um problema que ele desaparece. No nosso burgo lusitano, as medidas de mitigação passam por duas grandes vias. Do lado da oferta, desenvolver recursos energéticos endógenos, como o gás natural e o biometano. Do lado da procura, generalizar a alternativa dos VGNs uma vez que o parque automóvel português é o principal consumidor do petróleo importado.

O original encontra-se na revista VGN.   Para descarregá-la (44,3 MB) clique http://www.apvgn.pt/capa/vgn_03.pdf.

Este editorial encontra-se em http://resistir.info/ .
10/Jan/11