Ouro verde, o dólar depois do Iraque
por Alejandro Nadal
A Casa Branca não se cansa de afirmar que a invasão do Iraque
nada tem a ver com o petróleo. Isso é mentir com a verdade
porque assegurar a supremacia dos Estados Unidos no novo século
americano passa mais pela consolidação da hegemonia do
dólar do que pelo controle físico dos campos de petróleo.
No estranho circuito económico mundial, os EUA produzem uns pedacinhos
de papel verde chamados "dólares" e o resto do mundo produz
bens e serviços que se compram com esses papelinhos verdes. As
economias do mundo competem para obter dólares a fim de pagar suas
dívidas (também denominadas em dólares) e acumular
reservas. Enquanto existir a certeza de que os dólares serão
aceites por todos, a economia mundial continuará a aceitar
dólares dos Estados Unidos em pagamento dos bens que exportam. No caso
de algumas mercadorias básicas, como o petróleo, a
cotação em dólares é crucial.
O investimento das reservas em activos estadunidenses cria um superávite
na conta de capital dos EUA e consolida a hegemonia do dólar. Mas esse
superávite é a contrapartida do défice monumental na conta
corrente estadunidense. Nos últimos 15 anos os Estados Unidos deixaram
de ser um credtor e converteram-se no maior devedor do mundo. Hoje os seus
passivos totais líquidos ultrapassam os 2,5 mil milhões de
dólares, o equivalente a 25 por cento do seu produto interno bruto.
Estima-se que em 2006 a posição devedora dos Estados Unidos venha
a atingir os 3,5 mil milhões de dólares. Em poucos anos pode
ultrapassar 50 por cento do PIB estadunidense, posição claramente
insustentável.
Ainda não se sabe como vai arrebentar esta situação, mas
há vários cenários plausíveis. Exemplo: Se para
enfrentar os seus compromissos financeiros (decorrentes do ruinoso resgate
bancário) o governo japonês se visse obrigado a vender os seus
activos financeiros denominados em dólares (o Japão possui 15 por
cento de todos os títulos do Tesouro estadunidense), isso desencadearia
um ataque contra o dólar, pois outros credores dos EUA procurariam fugir
dessa moeda.
Pode-se crer que o cenário é de ciência
ficção porque acredita-se qe o poderio militar estadunidense
permite fechar a brecha financeira, uma vez que o dólar é aceite
como moeda de referência porque está associado a uma
sensação de segurança. Mas isso não é
evidente: as forças económicas associadas à
liberalização financeira mundial não vão reconhecer
para todo o sempre essa parte da equação, sobretudo se existir
uma moeda capaz de competir com o dólar.
Por isso o vínculo entre a invasão do Iraque e a guerra
monetária é imediato: no ano 2000 o Iraque foi um dos primeiros
países a converter parte das suas reservas em euros. Os comentaristas
anglo-saxões prognosticaram que essa medida custaria milhões de
dólares ao Iraque. Na realidade, este obteve mais de 16 por cento de
lucros devido às mudanças no valor do euro medido em
dólares durante esse período. O Iraque não esteve
só: mais da metade das reservas do Irão foram convertidas em
euros. E no seio da OPEP, a Líbia promoveu a cotação em
euros desde há algum tempo. A Venezuela não ajudou o
dólar com seus esquema de troca petróleo-mercadorias com uns 13
países. Finalmente, a deterioração da
relação Washington-Riad foi determinante: a guerra permitiria
controlar as reservas do Iraque e conjurar a ameaça de
cotações em euros para o petróleo bruto.
A OPEP não é a única ameaça à hegemonia do
dólar. Como o rendimento de instrumentos denominados em dólares
é inferior, a Rússia duplicou o volume de reservas em euros,
passando a 20 por cento dos seus 48 mil milhões de dólares de
reservas. O Banco Central do Canadá, o Banco do Povo da China e o Banco
Central de Taiwan estão à procura de euros. Há um ano, 10
por cento das reservas de divisas de todo o mundo (uns 2,4 mil milhões
de dólares) era em euros e hoje esse montante ultrapassa 20 por cento.
HEGEMONIA FERIDA DE MORTE
O défice em conta corrente dos Estados Unidos continuará a
crescer (já atinge uns portentosos 5 por cento do PIB estadunidense) e o
valor do dólar continuará a cair. A Reserva Federal
enfrentará pressões económicas opostas. Reactivar a
economia exige taxas baixas, mas o financiamento do défice externo torna
necessário recompensar os credores externos. O valor do euro relativo
ao dólar nos próximos anos tenderá a subir. Mesmo que o
dólar experimente uma recuperação de curto prazo se se
estabilizar a situação no Iraque, a hegemonia do dólar
está ferida de morte. A turbulência internacional será
intensa nos próximos anos. Enquanto isso, a agenda social e ambiental
do mundo (pobreza e estancamento, mudança climática,
biodiversidade, desflorestação, aquíferos
sobre-explorados) ficará relegada a um plano secundário.
O original encontra-se no jornal mexicano
La Jornada
, de 14/Maio/2003.
Este artigo encontra-se em
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