A avidez capitalista curtocircuita a rede eléctrica
Flui instantaneamente de cidade a cidade, de estado a estado, de região
a região, inclusive através das fronteiras nacionais. Onde
há procura, penetra imediatamente. Onde não pode obter
benefícios, retrai-se. Em certas ocasiões, o fluxo interrompe-se
num momento crítico e surge uma crise. A complexa rede através
da qual viaja, enriquece muitas empresas, mas apenas algumas poucas
corporações gigantes dominam por completo o processo.
Não, não estamos a falar de electricidade. Falamos do Capital.
Para compreender porque, em 14 de Agosto, a rede eléctrica falhou mais
uma vez em grande parte dos Estados Unidos, convém lembrar que isto
é o mesmo que sucede à amplíssima riqueza social criada
pelo trabalho colectivo de milhões de trabalhadores no país mais
rico do mundo. Esta enorme riqueza foi empregue a criar a máquina
militar mais moderna e poderosa que em qualquer outro bloco de
nações do planeta e produziu uma classe de magnatas com activos
maiores que os de muitos países.
Foi por isso que, em pleno século XXI, a distribuição de
electricidade nos Estados Unidos sofreu um colapso monumental ?
Tal como o escândalo Enron e o colapso energético da
Califórnia demonstraram, os capitalistas amealharam imensas fortunas,
legal e ilegalmente, através da venda de electricidade como mercadoria.
Entre 1999 e 2000, a facturação total por serviços deste
tipo aumentou 32% e os lucros por acção chegaram aos 11%. Apesar
da estagnação do resto da economia, a média de
recuperação dos investimentos em serviços
energéticos é agora a maior já registada nos
últimos dez anos. Os dividendos por serviços deste tipo
são três vezes maiores que a média dos 500 do índice
Standard & Poor.
Ao mesmo tempo, estas empresas não tiveram interesse em investir na
actualização e melhoria da rede a gigantesca e complexa
linha que transporta os electrões dos grupos geradores aos consumidores.
O investimento em transporte de energia é actualmente metade do que era
há 10 anos.
Por isso, mesmo que exista excesso de capacidade na área de
produção suficiente para satisfazer os picos de procura
surgem estrangulamentos na área de transmissão. Os
computadores que comandam o fluxo de electricidade através da rede, do
vendedor ao comprador, estão programados para gerar avultados lucros
frequentemente à custa da eficiência e da
conservação da energia. A electricidade é enviada a cada
vez maiores distâncias, ainda que com perdas de potência pelo
caminho.
Durante mais de um século, a disponibilidade fiável de energia
eléctrica foi absolutamente indispensável ao crescimento do
capitalismo norte-americano. Isto tornou-se dolorosamente claro para as classes
dominantes durante a Grande Depressão, quando o afundamento de numerosas
empresas energéticas contribuiu para a implosão da economia.
Tal e como muitos dos capitalistas fazem, então e agora, encantados por
atacarem o Estado, os astutos representantes políticos dos grandes
negócios na Administração Roosevelt tentaram resgatar do
caos a sua própria classe, decretando um pacote de medidas que
assegurariam o acesso à energia eléctrica através dos
Estados Unidos a preços relativamente baixos, garantindo o lucro
às empresas privadas da energia. Muitas destas empresas pertenciam a
proprietários locais.
Contudo, o tremendo crescimento da procura de electricidade das últimas
décadas estimulou o apetite do grande capital e aquela
regulação tornou-se-lhe agora insatisfatória. Os seus
grupos de pressão actuaram no sentido de obterem
desregulamentações parciais em algumas áreas.
Enver Masud, que dirigiu o Estudo da Rede de Energia Nacional dos EUA em 1980,
e o Estudo de Fiabilidade Eléctrica Nacional em 1981, para o
Departamento de Energia norte--americano, escreveu em 18 de Agosto no
Christian Science Monitor:
Em contrapartida, a desregulamentação foi mal denominada. O
que realmente sucedeu foi que as novas leis e regulações foram
aplicadas e um sistema bem comprovado, que favorecia a
minimização de custos, foi substituído por outro, sem ter
em conta que este favorecia a maximização de lucros.
Também rompeu a obrigatoriedade de garantir uma fiabilidade completa do
sistema.
A mudança das normas tornou mais fácil encerrar as centrais
eléctricas menos rentáveis, a separar a propriedade das centrais
da das redes de transporte, e despedir em todo o processo grande número
de trabalhadores. O controle da indústria passou de companhias menores
às corporações de maior capacidade e agora nas
mãos de bancos e das empresas financeiras que estão por
trás das mesmas.
QUEM SÃO OS DONOS DA INDÚSTRIA?
OS GRANDES BANCOS
A maior força da indústria energética hoje em dia
não são as grandes companhias de gás natural ou de energia
eléctrica, mas sim os grandes bancos como Goldman Sachs, Morgan Stanley
e Citigroup, como recordava o
New York Times
de 19 de Agosto. Estas companhias de Wall Street movimentaram-se
agressivamente dentro do mercado da energia, comprando centrais
electroprodutoras, assinalava o
Times,
porque os lucros em perspectiva são atractivos e a capacidade
subtilizada... pode ser comercializada em mercados abertos de forma
rentável.
Quem tivesse um rádio de pilhas, podia ter escutado em Nova York,
durante o apagão, a Radio Bloomberg, que se designa a si própria
como a única Estação de Rádio Global do
Mundo. Sim, o presidente da municipalidade, Michael Bloomberg, o
também milionário proprietário do império da
comunicação e das notícias financeiras. Enquanto
milhões de pessoas desesperavam, aquela estação de
rádio dizia que a cidade enfrentava muito bem o apagão
referindo-se decerto ao seu presidente e aos outros funcionários.
Claro que Wall Street tinha de ser uma das zonas em que a energia foi
restabelecida primeiro. As luzes de néon iluminavam Times Square 12
horas antes que milhões de residentes pudessem utilizar os seus
frigoríficos, elevadores ou ventiladores. Ainda não se tinham
ligado os semáforos em muitas zonas. O metro estava parado. As
temperaturas subiam nos arranha-céus.
Em Detroit e Cleveland, milhões de pessoas enfrentavam outro problema
perigoso, a juntar aos outros, que era o facto de o corte de energia ter
deixado inutilizáveis as bombas de água. Mas em Wall Street,
os preços da energia ferveram na sexta-feira, no dia seguinte ao
apagão, chegando a mais de US$ 1000 por Megawatt-hora, quando o
preço médio rondava os US$ 100 (
New York Times
, 19 de Agosto).
Os bancos e as empresas financeiras de Wall Street que haviam adquirido
recentemente o negócio da energia tiveram um mês de Agosto
brilhante.
Investiram esse dinheiro a reconstruir a rede energética? Apesar de
todas as advertências quanto à possibilidade de um desastre, nada
fizeram. Na realidade estão a repartir esses rendimentos entre
proprietários e accionistas. A interpretação que os meios
de comunicação deram do que se chamou o Grande Apagão de
2003, é que este se produziu pela falha da maquinaria capitalista em
introduzir no processo de melhoria da rede eléctrica uma ferramenta para
daí retirar vantagens lucro. Esse é o mantra
do capitalismo: se não é rentável, não
faças. Certamente, em consequência do apagão, os
políticos e os meios de comunicação exigirão
maiores taxas de juro e apoios governamentais para custear novas e melhores
linhas eléctricas. O secretário da Energia Spencer Abraham
já apareceu na televisão a anunciar que provavelmente os
consumidores irão ter de pagar 50 mil milhões de dólares
de facturas adicionais pelo consumo de electricidade.
De qualquer modo, a sobrecarga de toda a nova construção
recairá com todo o seu peso sobre a classe trabalhadora, especialmente
sobre as comunidades negras, consumidores e contribuintes sem posses para pagar
advogados caros, que lhes possam encontrar os buracos da lei. Além
disso, a indústria criticará com mais força as leis de
carácter ambiental, culpando-as de limitar a produção,
ainda que o problema não seja esse.
OS DESASTRES SÃO CADA VEZ MAIORES
O recente corte de energia foi ainda pior que as maciças falhas de
electricidade que pararam o Noroeste em 9 de Novembro de 1965, que paralisaram
a cidade de Nova York em 13 de Julho de 1997 e que, no tórrido
Verão de 1996, causaram apagões em 11 estados do Oeste, em
Alberta e na Columbia Britânica no Canadá, e na Baixa
Califórnia no México. Após aqueles desastres,
efectuaram-se estudos do funcionamento da rede eléctrica. Formaram-se
novas organizações o Conselho de Fiabilidade
Eléctrica do Norte da América foi a resposta da indústria
depois de 1965 e montaram-se mecanismos para isolar o problema na
eventualidade de cortes. De maneira que não se esperava que novos
apagões tornassem a ocorrer. No entanto, aconteceram e num dia em que
os termómetros registavam 32º C temperatura normal para esta
época do ano. E desta vez afectaram um total de 50 milhões de
pessoas nos Estados Unidos e no Canadá.
É possível que os capitalistas individuais não sejam muito
inteligentes, mas têm muita gente inteligente a trabalhar para eles. A
sua classe foi advertida repetidas vezes que o sistema de transporte da
electricidade é antiquado e inadequado. E agora, novo colapso, que
custou aos seus negócios milhares de milhões de dólares
sem contar com a desordem, os inconvenientes e o perigo a que
expôs dezenas de milhões de famílias.
Contudo, para a classe dominante tal como o antiquado sistema de
controle de tráfico aéreo, que levou Nova York ao colapso uns
dias depois do apagão, por causas não relacionadas os
custos reais do desastre parecem ser mais aceitáveis que a
necessária revisão da infra-estrutura.
Tudo isto parece irracional, mas não devemos ater-nos à
irracionalidade dos indivíduos e sim à irracionalidade de um
sistema económico que se recusa a mudar, quando o mundo já mudou
substancialmente. O capitalismo revolucionou os meios de produção
durante os últimos 200 anos, mas não pode conciliar os interesses
a longo prazo da Humanidade composta na sua maioria de trabalhadores
agora enredados na teia duma economia global com a sua necessidade de
obter lucros imediatos para uns poucos privilegiados.
Ironicamente, o seu desejo de rentabilidade cresce precisamente quando o
sistema produz bens a preços baixos em quantidades crescentes. A
crescente crise de superprodução conduz os administradores do
capital a correr riscos acrescidos e a tomar decisões que podem melhorar
o seus resultados momentâneos, ao mesmo tempo que aumenta o potencial de
um desastre futuro.
Os políticos, de Bush a Bloomberg, teceram elogios à
população pela sua calma e conduta ordeira durante o corte. Foi
uma táctica, certamente, para distrair a atenção das
causas e dos problemas e do seu próprio papel, tanto como pilares do
capitalismo estadunidense, como responsáveis pelo delineamento da
política pública.
Contudo, o que o povo trabalhador mostrou foi, sem dúvida, que
não precisa dos Bush nem dos Bloomberg, nem dos proprietários das
companhias eléctricas, nem tão pouco dos bancos. Demonstrou ter
capacidade e habilidade para realizar bem o trabalho, qualquer que ele seja.
Os que clamam por uma maior regulação estatal da indústria
energética esquecem quem são os donos do governo. Não
apenas Halliburton ou Enron, mas também centenas de outras empresas
ladras encarregaram-se de colocar a sua gente nas cadeiras do poder
político. Quando as raposas cuidam do galinheiro, as galinhas acabam na
panela.
À medida que o capitalismo se torne mais e mais disfuncional, é
necessário encontrar forma de romper os laços da propriedade
privada e unir a riqueza económica e o povo. Os Panteras Negras tinham
uma palavra de ordem que conseguia sintetizar esta ideia:
Power to the People
(O Poder para o Povo).
O original encontra-se em
http://www.workers.org/mo/es_electrica0904.html
(Copyright 2003, Workers World Service. Todos los derechos reservados. Permiso
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