Um conto de terrorismo energético

por Pedro A. Prieto [*]

I- Em primeiro lugar os factos, principiando pela Tabela 1
        Tabela 1- Panorama energético mundial no presente
II- Acende-se o sinal vermelho nos reservatórios mundiais
III- Quanto mais se queimar, pior
IV- Contradições e cinismos energéticos
V- O problema não se inicia com o fim da produção e sim com o seu pico máximo
VI- O hidrogénio e as pilhas de combustível: o novo mito
VII- Um óbvio e perigoso desequilíbrio
        1- Primeiro mundo: voracidade sem limites
        2- Segundo mundo: curta auto-suficiência básica
        3- Terceiro e quarto mundo: os pilhados
        4- Quinto mundo: as não-pessoas. A mãe de todas as batalhas já cá está.
        5- Referências


1- As cada vez mais frequentes façanhas bélicas dos EUA contra o chamado terrorismo e a sua férrea obsessão em arbitrar com exclusividade e ao mesmo tempo ser parte interessada no mal chamado processo de paz do Médio Oriente, estão há muito a suscitar debates sobre se se trata de novas tentativas de distrair a opinião pública norte-americana de algum problema interno de saias, mais ou menos manchadas no caso de Clinton, ou se se trata de beneficiar os negócios do papá e seus amigalhaços do cartel multinacional petroleiro, no caso de Bush.

2. Ou como por vezes se diz, para desviar a atenção de temas internos ou eleitorais, esta última opinião apoiada por aqueles que acreditam que tudo na vida política se reduz a eleições municipais ou inclusive nacionais, ou aspectos da economia nacional, tão estreitamente vigiada por aqueles que exercem o controle directo da mesma.

3- O empenho doentio por entrar no Iraque, tentando vinculá-lo a todo custo ao terrorismo, procurando os três pés de Bin Laden junto ao gato de Saddam Hussein, o tentando ver a palha das armas de destruição maciça no olho do Iraque, enquanto se ocultam as traves nucleares, químicas, bacteriológicas, génicas, transgénicas e sobretudo mediáticas nos próprio olho ou no do amigo israelense, para não estender a muitos outros igualmente culpáveis de possuírem as ditas cujas.

4- Este artigo aponta noutra direcção: o governo dos EUA, em conivência circunstancial ou pelo menos com uma evidente subordinação daqueles da Europa, com o silêncio oneroso do Japão e o ambíguo e calculado jogo da Rússia, estão actualmente com uma política muito calculada e nada errática, tendente ao controle absoluto do sistema energético mundial.

5- Sua estratégia oculta é que qualquer pessoa, grupo ou país que se oponha ou questione o referido domínio energético universal ou tente manobrar os recursos do seu próprio subsolo seja tachado imediatamente de "terrorista", "radical", "fanático", "integrista" ou "fundamentalista" e posto em listas negras de terroristas mais procurados, grupo a exterminar ou país canalha.

6- Qualquer um que não se submeta no absoluto receberá um certificado de indesejabilidade, ou será considerado ameaça ao "processo" de paz ou à paz mundial, acusado de procurar a desestabilização das democracias ocidentais e de fomentar e financiar o terror ou de por em perigo os tão sagrados como imprecisos "interesses nacionais".

7- Receberá portanto bloqueios e exclusões terríveis da domesticada ONU e deve preparar-se para uma mais que possível invasão militar a ferro e fogo, seja está patrocinada pelas próprias Nações Unidas ou até de forma unilateral pelos EUA, dispostos a negar ou até a anular qualquer organismo que se oponha aos seus desígnios.

8- Todos os meios de difusão ajudam, com fervorosa insistência, a generalizar a imagem e criar o estereótipo, e até a indústria de Hollywood já substituiu o velho cliché obsessivo do Vietname e está a desenvolver uma intensa actividade de bombardeio psicológico das populações do mundo, com centenas de filmes e séries que fixam o conceito maniqueu do binómio CIA-Mossad, cheio de bons que salvam o mundo, sempre in extremis , de terroristas, radicais, fanáticos, integristas e fundamentalistas, modelo Bin Laden ou Sadam Hussein, sempre muito maus.

9- Os atentados do 11 de Setembro serviram de disparador pois dotaram-nos de carta branca para avassalar o direito internacional, tão trabalhosamente acordado entre as nações, e para contrapor estes ataques com uma violência de género semelhante e finalidade tão indiscriminada como a das Torres Gémeas.

10- A cada vez mais surpreendente superposição da nova geografia do terror com a dos países com maiores reservas de petróleo bruto assim o demonstra.

I- EM PRIMEIRO LUGAR OS FACTOS, COMEÇANDO PELA TABELA 1

Tabela 1

11- Os dados foram extraídos basicamente do Relatório estatístico sobre energia da British Petroleum do ano 2001 e coincidem, no substancial e sobretudo em produções e consumos, ainda que não tanto em reservas provadas, com os Agência Mundial da Energia, e muitos peritos mundiais deste assunto (Richard C. Duncan, Colin J. Campbell, Jean Laherrère, Youngquist, etc) e muitos outros publicados por diversas fontes do sector. Estes dados excluem os consumos de madeira e biomassa, sempre mais difícil de homologar.

12- As reservas que se consideram provadas, contando com os métodos actuais de exploração e sondagem.

13- As conversões para Megawatts por hora (MWh), efectuadas a fim de obter uma unidade comum, foram feitas com os seguintes factores de conversão: barril de petróleo = 1,593 MWh; 1 metro cúbico de gás natural = 0,01 MW. Os dados apresentados pela British Petroleum em milhões de barris ou milhões de toneladas (1 tonelada = 7,33 barris) equivalentes de petróleo foram convertidos para MWh ainda que com risco de sobreavaliar a contribuição energética da energia nuclear.

14- As reservas hidroeléctricas, estimadas no grau actual de aproveitamento das bacias mundiais que é da ordem dos 25%. Ou seja, supondo que o aproveitamento total (agressões ecológicas à parte, como a barragem chinesa das Três Gargantas) pode multiplicar a produção actual quatro vezes.

15- Se bem que estes dados sejam totalmente públicos, surpreende o enorme desconhecimento das graves carências que anunciam a médio prazo para toda a Humanidade e, sobretudo, a total ausência de tratamento deste tema nos meios de comunicação. Da Tabela 1 extraem-se as seguintes conclusões imediatas:

II- ACENDE-SE O SINAL VERMELHO NAS RESERVAS MUNDIAIS

16- Ao ritmo de consumo de 2001, resta no planeta petróleo para uns 40 anos ; gás natural para uns 60; urânio para uns 67 anos e carvão para uns 232 anos. Tudo isto supondo que nenhum destes combustíveis tenha que substituir aqueles que se vão esgotando primeiro, sendo o petróleo aquele que se vai esgotar primeiro e o que maior peso suporta no actual consumo humano mundial: 40% de toda a energia fóssil e nuclear que o planeta consome.

17- O gasto actual de combustíveis fósseis é de tal magnitude que convém pô-lo em perspectiva para nos darmos conta do que estamos a fazer ao planeta:

18- O petróleo consumido e que se queima no planeta Terra equivale ao do jacto que sairia de uma tubagem de dois metros de diâmetro (se a viscosidade do petróleo o permitisse) a cerca de 150 km/h, durante as 24 horas do dia e os 365 dias do ano.

19- O gás natural queimado anualmente equivale a um cubo de 14 km de lado, se estivesse à pressão ambiental.

20- O carvão que se queima a cada ano são uns 1200 milhões de camiões de cinco toneladas cada um. Ou seja, aproximadamente uma tonelada por pessoa na Terra e por ano.

21- A madeira consumida anualmente, se se pusesse em volume ocuparia uma altura equivalente à da torre Eiffel (300 m) e teria 3,5 km de lado.

22- A ausência total de colocações sérias de substituição energética, ou melhor, de mudança de modelo de consumo e crescimento incessante, já indica por si só as verdadeiras intenções dos governos mais consumistas. A escassez de petróleo é a mais alarmante, pois é o combustível considerado de maior "qualidade", isto é, o de extracção, transporte e sobretudo armazenagem e combustão mais fáceis.

III- QUANTO MAIS SE QUEIMAR, PIOR

23- Se aquilo que os organismos internacionais chamam de "reservas provadas" pudessem, digamos, duplicar, como sugerem alguns optimistas quando são confrontados com este quatro terrífico, seja por arte de magia ou por uma sobre-exploração das jazidas existentes ou por uma busca desesperada e descobertas felizes de novos jazidas, ainda está por ver se se deveria queimar todo o combustível fóssil e nuclear que conhecemos nas reservas actuais e o que podemos encontrar e se o planeta, os seres vivos, definitivamente, podem aguentar isso, não só pela contaminação adicional de partículas, que crescerá de forma exponencial na medida em que se utilizem as reservas menos puras, como também porque consumir é aquecer e do que se trata é de não aquecer mais o ambiente.

24- As soluções desesperadas do tipo de utilização intensiva e exaustiva de biomassa, partindo de matéria orgânica que seria preciso cultivar, para produzir metanol ou etanol, levariam a cultivos que duplicariam os 11 milhões de quilómetros quadrados actualmente cultivados para alimentação humana e animal, só para fermentar plantas destinadas a combustível, se for preciso substituir todo o fóssil ou nuclear que hoje se queima.

25- As buscas frenéticas de franjas betuminosas ou de carvões vários para convertê-los em petróleo são outro exemplo de fuga para a frente que só prolonga a agonia das reservas uns poucos anos mais, para deixar o planeta muito mais contaminado do que já está e aumentarão exponencialmente o efeito entrópico, isto é, o esforço energético extra e os efeitos secundários que custará ao planeta Terra por estes combustíveis tão impuros em condições de serem usados por motores de combustão interna.

26- Para os optimistas irredutíveis que continuam a pensar que os seus governos "darão um jeito a tempo", deve-se insistir, mais uma vez, em que qualquer coisa que produza energia produz calor e poluição lançando-os para o ambiente. Trata-se precisamente de evitar isso e não de perpetuá-lo.

27- A deplorável actuação das principais potências industriais nas últimas conferências mundiais sobre o meio ambiente e o seu posterior desprezo absoluto às recomendações são um segundo indicador sombrio da sua vontade nula de resolver este assunto delicado e de que suas vontades apontam mais para a resolução disto pela via das armas, ainda que se saiba antecipadamente que o pão de hoje que comerão tirando-os aos outros seja a fome de amanhã para eles mesmos.

28- Além disso, aqueles que acreditam na falácia de que a utilização mais intensa das novas tecnologias ajudará a aumentar as reservas e portanto a produção, o aqueles que acreditam que quando aumentar o preço poder-se-ão justificar novas técnicas de exploração que agora não são rentáveis para aumentar essas reservas e produções, confundem a velocidade das imperiosas leis das física com o toucinho dos postulados economicistas, nada científicos, por outro lado.

29- Porque, para dar um exemplo, nos EUA, em 1950, custava um barril de petróleo de energia (exploração, perfuração, bombagem, transporte, refinação, distribuição, etc) extrair 50 barris. Hoje, com um barril de petróleo extraem-se só cinco barris e todo o mundo já sabe que daqui a uma década extrair um barril de energia custará outro na imensa maioria dos poços estadunidenses.

30- Nesse momento, e nesses numerosos sítios, já não se extrairão mais barris de petróleo, ainda que o preço do barril fosse de mil dólares, porque é uma impossibilidade física, não económica. É o exemplo da moto que tem um reservatório com uma autonomia para andar 200 km e o posto de abastecimento mais próximo fica a 100 km. Acontece que a moto não serve para mais nada senão ir e vir para encher o reservatório, independentemente do preço do combustível.

IV- CONTRADIÇÕES E CINISMOS ENERGÉTICOS

31- As durações estimadas dos combustíveis fósseis e nucleares no planeta foram calculadas com base em duas hipóteses: uma contraditória e outra cínica. A contraditória é que os dados da Tabela 1 implicam que o consumo de 2001 será mantido estável até esgotar as reservas, ao passo que a realidade dos modelos económicos imperantes continua a planificar cegamente crescimentos económicos, logo energéticos, entre 2% e 6% ao ano (cumulativo) em quase todos os países.

32- Outra coisa é que as leis físicas, não as económicas nem as políticas, o permitam. Se é primeiro o ovo da recessão económica e por isso da queda da procura de combustíveis ou se se trata da galinha do limite máximo de produção mundial de petróleo e isso é que provoca o travão económico, ainda que ninguém o queira confessar.

33- Por outro lado, o sacrossanto objectivo de crescer sem limites. Uns 3% de crescimento anual implica, matematicamente, duplicar o consumo em apenas 25 anos e portanto encurtar as reservas nessa proporção. Como apontamento, nas três décadas dos anos 60 a 90, a Humanidade consumiu, transformou ou queimou mais energia do que em toda a sua História anterior. Este modelo é inaguentável e explodirá irremediavelmente antes de um quarto de século.

34- A hipótese cínica é que os dados de duração das reservas da Tabela 1 estão a supor que os pobres do planeta, que representam 75% da população humana, apenas consomem 25% da energia, renunciam a alcançar o nível de bem estar dos poderosos; isto é, renunciam ao "American way of life" ou, mais exactamente, aceitam manter-se nos níveis de consumo actuais.

35- Do contrário, o consumo mundial deveria multiplicar-se umas nove vezes e as reservas mundiais se reduziriam numa proporção e com uma rapidez que, além de não poder ser, como dizia o toureiro, torna-se impossível. Isto também diz muito acerca da atitude dos poderosos, continuamente anunciando, de forma hipócrita, que ajudarão os pobres, quando a realidade mundial está a gritar que não há vontade alguma de fazê-lo, enquanto continuem os modelos económicos e as formas de vida actuais.

V- O PROBLEMA NÃO SE INICIA COM O FIM DA PRODUÇÃO E SIM COM O SEU PICO MÁXIMO

36- Ainda que restem apenas quatro décadas para acabar o petróleo se se mantiver o ritmo de consumo actual, e já se viu que não se mantém, mas que nas últimas décadas cresceu pelo menos uns 2% ao ano (acumulados), o problema principal da falta de energia colocar-se-á não dentro de quatro décadas: começará a manifestar os seus sintomas exactamente quando a produção chegar ao seu pico máximo de produção, que é muito antes.

37- King Hubbert — perito mundialmente conhecido por prever que a produção dos poços de petróleo segue uma curva em forma de sino, desde o ponto de descobrimento, passando pelo de pico máximo, para a seguir declinar inexoravelmente — realizou medidas de uma multidão de curvas de exploração de poços e chegou à conclusão de que a somatória de curvas em sino de cada poço produz uma curva em sino da exploração petrolífera de cada país. E a somatória das curvas em sino de todos os países produtores impõe uma curva de exploração do petróleo mundial, também em forma de sino.

38- Hubbert previu nos anos 50, com assombrosa exactidão, que os EUA chegariam ao seu pico máximo de produção em 1970. Aqueles que então o chamaram de louco hoje o veneram como o pai das previsões petrolíferas. Os EUA começaram o seu declínio precisamente naquele ano e hoje produz menos da metade produzida em 1970 e deve importar mais da metade do petróleo que consome.

39- A curva de produção e reservas dos EUA é mais significativa, por ser a mais antiga (seus poços foram os primeiros a ser explorados ao máximo). O caso americano é um exemplo de como os recursos não renováveis, como o seu próprio nome indica, esgotam-se irremediavelmente e sem que a mais impressionante tecnologia ou os recursos financeiros mais poderosos possam evitá-lo.


40- Isto, por sua vez, tem uma evidente implicação no constante aumento da dependência dos EUA em relação ao ouro negro e reflecte perfeitamente os nervosos movimentos de quem se enlaçou a si próprio com uma corda para acabar enforcado e começa-se a ver sob a árvore, com sua incessante voracidade e sua fé cega e integrista em que o sistema do "American Way of Life" seria o melhor dos possíveis e portanto não era assunto de discussão e só podia continuar a fazer o que sabia: crescer ad infinitum . O gráfico a seguir ilustra para onde vai o futuro nos EUA:

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41- As curvas inexoráveis de Hubbert prevêem, segundo quem as interpreta, que o petróleo de todo o mundo chegará ao seu pico máximo de produção entre 2004 e 2010 (Colin J. Campbell, Richard C. Duncan, Walter Youngquist, Jean Lahèrrére e muitas outras fontes que cita com grande respeito, inclusive o grande gurú Jeremy Rifkin no seu último livro sobre o assunto, intitulado "A economia do hidrogénio").

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42- As diferenças de interpretação sobre quando se alcança o pico para cair de forma inevitável vão, no caso dos mais optimistas, até 2015 (Agência Internacional de Energia, IEA, em inglês) ou 2030 (United States Geological Survey, USGS). No fundo é o mesmo, porque inclusive se isso fosse certo toda a sociedade industrial já teria que estar em estado de alerta máximo, transformando-se em outro tipo de consumo para chegar a tempo, mas não há combustível alternativo para 40% do consumo energético humano, nem há tempo para transformar toda a sociedade industrial.

43- Por outro lado, estão os avisos aos navegadores, emitidos por geólogos de grande reputação mundial, no sentido de que suas próprias previsões de chegar ao pico entre 2004 e 2010, poderiam ser optimistas e poderíamos já estar atingindo o tecto se, como temem, os dados das reservas, feitos pelos principais produtores mundiais nos anos 80 e 90, sempre em alta, sem relação com prospecções reais, se tivessem verificado por motivos espúrios, como por exemplo que as quotas da OPEP se fixavam, em parte, pelo volume de reservas que se lhes supunham, ou também porque a maior volume de reservas, maiores créditos nos centros financeiros mundiais.

44- O ano 2020 é amanhã mesmo, em termos históricos. E aí radica o grande problema. Não quando acabe totalmente (menos de meio século: também amanhã em termos históricos) e sim quando se comece a produzir menos em cada ano do que no anterior, irremediavelmente e para sempre, por imposição das leis físicas. Como vão reagir os políticos e os economistas, que só sabem programar crescimentos? E do que estão à espera?

45- Porque esse é o momento da ruptura do sistema económico cujo dogma é o crescimento contínuo. É o momento no qual os ministro da Economia e os primeiros-ministros têm de começar a reconhecer que suas economias não crescerão e não sabem inventar outra coisa senão o crescimento económico numa fita sem fim. Veremos mais adiante quais são os países e grupos humanos que começarão primeiro o seu pranto e a ranger os dentes...

SOLAR E EÓLICA? SIM, MAS...

46- As energias alternativas não aparecem na Tabela 1 porque continuam a ser insignificantes a nível mundial em 2002. O problema de substituir por energia solar e/ou eólica os consumos tradicionais actuais e futuros, no pouco espaço de tempo que se dispõe, é que a sua produção é basicamente em forma eléctrica e esta forma de energia é hoje apenas 12,5% do consumo total mundial (ainda que os rendimentos mundiais de transformação tenham que queimar para isso cerca de 27% dos combustíveis fósseis e 100% dos nucleares).

47- Assim, além de ter de produzir sistemas solares e/ou eólicos para substituir os combustíveis fósseis e nucleares nas poucas décadas disponíveis, o que poderia ser tecnicamente possível, haveria que reestruturar, no mínimo, as três quartas partes da sociedade industrial mundial que hoje consome em forma não eléctrica. E isso já é uma obra de envergadura ciclópica.

48- Pensemos que se ter a infra-estrutura actual custou-nos queimar a metade da energia fóssil e 150 anos de trabalho em todo o mundo, transformar no mínimo 70% da mesma em duas décadas pode levar o resto da energia fóssil disponível. E depois?

49- Gostaria de acreditar que isto também é possível, como sugerem as organizações ecologistas e como acredita o inefável novo apóstolo do hidrogénio, Jeremy Rifkin, mas a julgar pela orientação puramente belicista que estão a tomar os países mais industriais em torno das fontes convencionais de energia, parece que já descartaram essa opção e movem-se exclusivamente pelo caminho do extermínio bélico de todo potencial adversário dos recursos minguantes do planeta.

50- Sistemas como a aviação civil mundial, os exércitos ou a maquinaria agrícola, como os tractores, são impossíveis de imaginar com propulsão eléctrica. O transporte marítimo, a maquinaria de obras públicas e mineira, de difícil aproveitamento e o transporte terrestre também, a menos que mudem drasticamente os modelos sociais, algo que nem sequer se vê esboçado de forma séria.

51- Finalmente, convém precisar que a substituição nesta escala planetária representaria, com as células fotovoltaicas de maior rendimento, ocupar entre 250 mil e um milhão de quilómetros quadrados de superfície de continentes em zonas muitos ensolaradas e suporiam uma transferência complicada das zonas de produção para as actuais zonas de consumo e da zonas diurnas para as nocturnas e seria também muito difícil a armazenagem das enormes quantidades de energia procuradas.

52- Se bem que preferível ao fóssil e ao nuclear, o solar torna-se em algo não tão ecológico se for preciso faze-lo a essa escala. E isto sem considerar que, do ponto de vista energético é bastante duvidoso que uma célula fotovoltaica não consuma mais energia (fóssil geralmente) na sua produção do que aquela que vai gerar ao longo de toda a sua vida útil, estimada nuns 30 anos. Algo semelhante acontece com a energia eólica.

NUCLEAR? NÃO, OBRIGADO

53- Quanto às energias nucleares alternativas, fala-se da fusão. Mas este artigo nem a considera, por várias razões. Uma delas são as ingentes perdas caloríficas que teria (da ordem dos 80% da energia útil, que multiplicaria exponencialmente os problemas do aquecimento atmosférico).

54- Além disso, parece pouco realizável a instalação de cerca de 8000 centrais nucleares que haveria que instalar, de potência semelhante às 430 actuais que estão em serviço, as quais apenas contribuem hoje com 7% das necessidades humanas de energia. Nem há dinheiro para fazer tantas centrais em tão pouco tempo, nem há reservas de urânio para alimentá-las, se se fizessem.

55- Porque se agora há urânio para 60 anos para 6% ou 7% de contribuição energética mundial, se a energia nuclear tivesse que alcançar, digamos 50% do consumo energético mundial, restaria urânio para apenas uma década, que é, no mínimo, o tempo que levaria para construir umas 200 centrais nucleares, se houvesse dinheiro e fé em que iriam servir para algo. Como na frase do toureiro: o que não pode ser, não pode ser, e além disso é impossível.

56- A energia da fusão dizem que poderia ser uma alternativa, mas é se estivesse comercialmente disponível antes de um século, o que é muito improvável, para não dizer impossível e supondo que os pobres possam pagar estas custosíssimas e pouco duradouras estruturas e que o combustível, que se diz ilimitado (quando se referem ao deutério), não se esgota, como o urânio, porque a reacção, no único modelo que se experimenta, exige também um isótopo radioactivo de trítio, que sai do lítio, que também é muito escasso na crosta terrestre.

57- Além, é claro, de produzir electricidade, com o problema que antes já se assinalou.

VI- O HIDROGÉNIO E AS PILHAS DE COMBUSTÍVEL: O NOVO MITO

58- Desde há alguns anos estão a desenvolver-se grandes campanhas, que julgo intencionalmente planificadas, para fazer ver que o hidrogénio é nossa fonte de salvação e tentar apresentá-lo como o combustível do futuro, limpo, ecológico, não poluidor e ilimitado. A campanha teve o apoio, como jóia, do famoso Jeremy Rifkin, autor de "O fim do trabalho", que agora publicou "A economia do hidrogénio".

59- Tal como com "O fim do trabalho", seu espectacular arranque de voo de águia, com uma multidão de dados bem elaborados, que contam grandes verdades, termina com um final de galináceo. Se no fim do trabalho sua brilhante exposição sobre os males que afligem os mundo moderno termina com um convite a que os postos de trabalho destruídos pela maquinaria e pela brutalidade capitalista sejam supridos com voluntariados, ONGs e demais corpos de paz, em "A economia do hidrogénio" sua não menos brilhante exposição dos males que afligem o mundo industrial e capitalista e o esgotamento iminente e inexorável do petróleo termina com uma apologia do hidrogénio digna de melhor causa.

60- A relevante posição de Rifkin, como assessor de muitos governos ocidentais em temas variados, cobrador de conferências e gurú das sociedades modernas, fez com que a sua conclusão, não por ser tão acientífica, como é científica toda a sua exposição prévia, não tenha caído em saco roto: a União Europeia acaba de dotar mais de dois mil milhões de Euros aos desenvolvimentos energéticos alternativos, especialmente aqueles baseados no hidrogénio. Certamente era essa a sus intenção: que os sumarentos e substanciais fundos europeus fossem cair nas mãos dos que são assessorados por Rifkin. Terminarão em mãos de grandes multinacionais como a BMW, Volkwagen, Mercedes e demais multinacionais francesas e alemãs que já a tempos diziam que estavam a investir nestes desenvolvimentos.

61- Mas o problema do hidrogénio é que não é uma fonte de energia. É, no melhor dos casos, um simples transportador de energia e, mais correctamente, um sumidouro de energia. Isto é, o hidrogénio não se encontra livre na natureza, como o petróleo, o gás ou o carvão e portanto obter hidrogénio também custa energia.

62- Quando alguém extrai x unidades de energia da natureza e para isso emprega menos de x unidades de energia, à matéria obtida denomina-se fonte de energia. Mas se, como no caso do hidrogénio, para separar este elemento do composto químico no qual se encontre (seja este a água, muito abundante, ou o gás natural, do qual se extrai a metade do hidrogénio produzido no mundo) se gasta mais energia para obte-lo do que a que a seguir proporciona o hidrogénio quando se queima, o assunto vai mal: temos um sumidouro de energia.

63- Isto é o que dizem as leis da termodinâmica e é o que diz o próprio Rifkin no princípio do seu livro. Mas a seguir, como muitos outros, esquece-se da lei mais inexorável do universo e passa a brincar com as maquinetas de movimento perpétuo, proibidas expressamente pela física e pela razão, por muito bem que a pintem. São equações bonitas e desejáveis, mas impossíveis. São como a escada fechada em quatro troços que pintam com falsa perspectiva e que sempre sobe ou baixa indefinidamente.

64- Se existissem essas máquinas de movimento perpétuo ou essas maravilhosas escadas, todos nós escolheríamos chegar ao ponto desejado baixando, que é mais cómodo, nunca subindo. De modo que os inventores do motor de água, que não polui, já podem ir explicando com que outra energia vão obter o hidrogénio que impulsionará a sociedade futura. E tem de explicar com mais pormenor do que Rifkin, para que o acreditemos, porque se para isso se apoiam na energia eólica ou na solar, apaguem a luz e vamos embora.

VII- UM ÓBVIO E PERIGOSO DESEQUILÍBRIO

65- A evidência da premente escassez energética das próximas décadas ou anos faz-se ainda mais patente para os grandes consumidores, quando se analisa a relação desequilibrada entre as produções, os consumos e as reservas dos principais países, como se vê nas Tabelas 2 e 3.

66- TABELAS 2 E 3 — BALANÇO ENERGÉTICO DO PETRÓLEO E DO GÁS NAS ÁREAS PRINCIPAIS

Tabela 2


Tabela 3

1- PRIMEIRO MUNDO: VORACIDADE SEM LIMITES

67- No grupo 1, os EUA e os países europeus têm uma produção importante, mas reservas alarmantemente esgotadas: apenas quatro ou cinco anos, se tivessem de viver com os seus próprios recursos e somente um par de décadas, se mantiverem estável o nível de importação actual de petróleo (uns 60% do total que consomem; parece incrível que não se fale deste facto incontestável!).

68- O Japão, que não tem nem produção própria nem reservas, está numa situação ainda mais dramática e frágil. O seu programado crescimento económico obriga a um aumento incessante da produção energética, tornando ainda mais aguda a dependência do exterior.

69- Tenha-se em conta que a Europa atinge neste momento o pico máximo de produção, que os EUA já ultrapassaram em 1970, mas como as suas reservas totais são menores e o seu consumo quase tão elevado quanto o norte-americano, seu declínio será igualmente rápido e doloroso.

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70- Todos eles necessitam imperiosamente das produções dos países produtores e seus volumes de procura de petróleo importado, que não cessam de aumentar para manter a maquinaria em funcionamento, exigem produtores importantes, além dos secundários, para saciar momentaneamente tão tremendo apetite.

71- No caso dos EUA ou da Europa, suas reservas totais debaixo do solo, somadas a uma política de armazenagem maciça em tanques (aquilo que se denomina nos EUA como "reserva estratégica", que é de uns seis meses de consumo nacional e que na Europa deve andar em torno dos três), permite-lhes suprir com suas produções próprias algum momento pontual de possível desabastecimento exterior, o que lhes confere uma certa invulnerabilidade estratégica a curto prazo.

72- Mas o elevado consumo e as praticamente esgotadas reservas próprias dos países deste grupo tão voraz obrigam-nos , de forma cada vez mais premente, a assegurarem-se também da continuidade do fluxo energético dos países produtores a mais longo prazo.

73- O aumento da dependência petrolífera dos países ricos ocidentais do grupo 1 da tabela 2 é a verdadeira "mãe de todas as batalhas", que está a criar tensões mundiais cada vez mais evidentes. Suas minguantes reservas nacionais e uma economia cada vez com mais apetite energético foram-nos obrigando a "submeter" cada vez mais países produtores às suas exigências de consumo.

74- O grosso dos países que se poderiam denominar "amigos" no golfo Pérsico (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados, Qatar e outros), ou dos Brunei no sudeste asiático e o México no pátio traseiro dos EUA, asseguravam, até agora e ainda durante talvez mais alguns anos, um fluxo contínuo e barato de petróleo.

75- Mas as procura dispara à medida que a economia cresce e os poços mundiais começam a atingir o tecto e muitos já estão em franco declínio. Não menos de 14 dos 42 países principais já estão na lado declinante da curva de Hubbert e cada ano consegue-se-lhes "ordenhar" menos petróleo.

76- Este duplo efeito põe muito nervosos tanto os principais consumidores como os produtores. Assim, alguns países deixam de ser "estáveis" (ou seja, obedientes na oferta de um fornecimento contínuo e barato, como se lhes exige) e outros, que estavam fora da sua órbita de obediência ou dela se afastaram, vai-se-lhes "estabilizando" de bom grado ou pela força.

77- A bota militar norte-americana entrou na Arábia Saudita, no Kuwait e nos Emirados com a desculpa da invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, e tudo indica que os 12 anos de presença infiel nos lugares mais santos do Islão vão-se converter numa eternidade tão grande quanto a duração das reservas que ali os mantêm. Já ninguém se lembra da famosa visita da embaixadora norte-americana em Bagdad a Saddam Hussein no dia anterior à invasão.

2) SEGUNDO MUNDO: AUTO-SUFICIÊNCIA BÁSICA A CURTO PRAZO

78- A Rússia (com a Comunidade de Estados Independentes, CEI) e a China resolvem os seus consumos basicamente com as suas produções actuais, mas nem sequer a Rússia passa do meio século com o seu próprio consumo e do quarto de século se continuar a exportar ao ritmo actual para obter divisas e pagar as dívidas que contraiu com o sistema financeiro capitalista mundial, especialmente agravadas após a queda do comunismo.

79- A Rússia, que a metade da população dos EUA, consome oito vezes menos energia e resta-lhe quase o dobro de reservas que as dos EUA --- considerando a Chechenia parte indissolúvel da Rússia.

80- É lógico que sua posição estratégica quanto a isto seja defender, por todos os meios, suas próprias jazidas dos apetites dos mais consumistas (a forma em que estão a esmagar as tentativas na Chechenia e o interesse ocidental em que a Rússia mantenha essa ferida aberta, possivelmente alimentando-a, assim parece indicar) e por outro lado que adoptem atitudes críticas quanto às tentativas do grupo 1 de ficar com a exclusividade das reservas dos países dos grupos 3 e 4.

81- Os pouco mais de três lustros de produção e consumo petrolífero que restam à China, com os seus recursos próprios, dão a este país um pouco mais de corda que aos EUA e Europa e um pouco menos que à Rússia. A China, que tem uma população cerca de quatro vezes maior que os EUA, consome quatro vezes menos que o colosso. Isto significa que cada norte-americano equivale a 15 chineses, energeticamente falando.

82- O grande problema da China é que, com o seu sistema híbrido de comunismo para consumo interno e capitalismo selvagem para o exterior, está muito comprometida com crescimentos económicos, ergo energéticos, da ordem dos 5% ao ano. Se conseguirem manter esse modelo de crescimento mais dez anos estarão a enfrentar os EUA e a Rússia na luta pelos recursos do golfo Pérsico.

83- A invasão do Afeganistão --- que ao contrário do que deram a entender os media ocidentais não tem recursos energéticos (nem petróleo nem gás), mas é um país ponte entre a China e o golfo Pérsico --- tem assim uma justificação económica e estratégica inquestionável.

84- Outros media destacaram que se o Afeganistão não tem recursos, os países fronteiriços (aqueles do grupo 5 da tabelas 2 e 3) sim têm imensas reservas e esta é a razão oculta da invasão. Os dados da British Petroleum desmentem-no claramente: apenas uns 2% das reservas mundiais de petróleo e gás natural, cuja produção actual, além disso, é consumida por eles próprios.

85- Isso não serve nem de aperitivo para a voracidade estadunidense e europeia.

3) TERCEIRO E QUARTO MUNDO: OS PILHADOS

86- As reservas dos grupos 3 e 4 são na realidade o grosso das reservas mundiais para o meio século que resta de existência à civilização industrial. Para os países do grupo 1, o imediato é que essas reservas não sejam reclamadas por ninguém como suas, ainda que no momento aceitem que pequenas quantidades destinem-se a países terceiros.

87- Isto resolve-lhes os próximos anos de consumo. Não podem permitir que este princípio sagrado seja questionado nem por países terceiros nem por nacionais destes mesmos países. Não podem permitir sequer que os seus proprietários nominais se atrevam a ditar-lhes nem sequer uma política de preços do petróleo bruto. A cronologia dos factos na área desde finais dos anos 70 é reveladora quanto a isto.

88- Uma imprevista mudança de governo e de controle do Irão, que realmente chega a aterrorizar os países do grupo 1 (este é o verdadeiro sentido do terror na área: o de que os países do grupo 1 possam perder o controle dos recursos energéticos dos países dos grupos 3 e 4).

89- O subsequente ataque iraquiano ao Irão, apenas um ano depois, muito promovido e apoiado pelos países do grupo 1, que teve como consequência a destruição de muitas vidas humanas e graves desastres sociais, económicos e militares no Irão e no Iraque, a perda da capacidade negociadora de ambos com os países do grupo 1, o afundamento dos preços do petróleo e o certificado de óbito operacional da OPEP.

90- O preço do petróleo bruto não só não subiu nas duas décadas seguintes como baixou de uns 30 para uns 12 dólares por barril. Com os dados de produção da Tabela 1 poder-se-ia fazer um cálculo grosso daquilo que deixaram de receber os países produtores e do que deixaram de pagar os principais consumidores. Excelentes notícias para o Ocidente.

91- O aparecimento de militares norte-americanos na Arábia Saudita para, a partir dali, proporcionar um silencioso e efectivo apoio logístico (AWACS) ao Iraque, durante a sua primeira guerra com o Irão e as primeiras tímidas recusas de alguns sauditas, pela quantidade de tradições islâmicas que violavam. Esta presença converteu-se em permanente.

92- A estranha invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, um dia depois da visita da embaixadora norte-americana em Bagdad a Saddam Hussein, que justificou a presença militar maciça, que uma década depois tornou-se claro que se converteu em permanente, dos exércitos dos países do grupo 1 no golfo Pérsico e que estes países poderiam por as reservas do Iraque em quarentena.

93- Isto apesar de lhes ter custado que, na sua queda do cavalo, o despeitado Saddam Hussein, por duas vezes manipulado pelos países do grupo 1, lhes queimasse 1% de todas as reservas mundiais de petróleo, dinamitando todos os poços kuwaitianos, antes da sua vergonhosa retirada deste país, criado também pelos mesmos delinquentes que criaram o Brunei.

94- De facto, a única coisa em que Saddam Hussein teve razão foi em denominar a isto "a mãe de todas as batalhas", ainda que a verdadeira seja, antes, aquela que se vai verificar até ao final em todo o grande resto dos recursos energéticos do golfo Pérsico. Se não houvesse existido Saddam Hussein, os países do grupo 1 teriam que inventar um: é o tonto útil perfeito.

95- O que é mais importante, para os países do grupo 1, é que o Ocidente consagrou convincentemente o papel de terrorista, radical, fanático, integrista ou fundamentalista a todo aquele que se lhes oponha naquela área.

96- A partir de agora, todo aquele que questione a presença de tropas estrangeiras (leia-se norte-americanas) no golfo Pérsico, ou que tenha tido a desgraça de possuir debaixo do seu solo importantes reservas das poucas que vão restando, sem ter subordinado sua política e seus recursos a uma obediência cega ao Ocidente, será um terrorista mundial e, como tal, declarado inimigo público número 1 da civilização ocidental e dos valores democráticos e servirá para justificar ainda mais a presença militar estadunidense e os golpes baixos às infra-estruturas destes já castigados países.

97- O caso de Bin Laden é de manual: enquanto seu objectivo foi lançar russos para fora do Afeganistão, foi apoiado e abundantemente armado pela CIA e pela condescendente monarquia saudita, tão louvada então quanto criticada agora.

98- Ninguém, a não ser os russos, questionava então seus métodos terroristas. Basta ir às videotecas e alugar Rambo III, se é que não foi retirado por pudor para ocultar as misérias da propaganda de Hollywood.

99- Nele, um asselvajado Silvester Stallone apoiava descaradamente os simpáticos talibans. Os Bin Laden de então eram bem louvados pelo Ocidente como "Freedom Fighters", ou combatentes pela liberdade, enquanto punham bombas nos mercado de Cabul, rebentavam dezenas de civis para apanhar algum oficial soviético em compras.

100- Mas quando, uma vez expulsos os russos do Afeganistão, atreveu-se a fixar como objectivo que também os militares norte-americanos saíssem da sua terra, o que teve de sair foi ele e agora todos os atentados do planeta, tenha-os ou não cometidos, serão postos na sua conta e será perseguido sem quartel até à sua eliminação, como exemplo.

101- Com esta estratégia, os países do grupo 1 dedicam-se a "ordenhar" intensa e cientificamente as reservas dos países controlados dos grupos 3 e 4. A alguns países, como o Iraque, a Líbia e o Irão, parecia ter sido atribuído o papel de reserva final do petróleo bruto mundial.

102- Naturalmente estão a ser conscientemente mantidos, pelos EUA e os restantes países do grupo 1, em estado de "animação suspensa", a golpes de bloqueio e isolamento económico e militar, como se deduz da Tabela 2 pelas suas produções actuais, até que as reservas dos demais dos grupos 3 e 4 se vão esgotando.

103- Nos próximos anos assistiremos a progressivos endurecimentos destas condições nos países estigmatizados pelas listas negras do omnipotente Departamento de Estado norte-americano, ou a castigos muito severos, sempre com a bandeira do anti-terrorismo, a todo aquele que tente mover-se e quando lhes chegar o momento, da sua maravilhosa conversão ao jogo democrático, com mudança do líder terrorista não homologado por líder democrático homologado, que abrirá sem condições as últimas torneiras aos seus também democráticos colegas do Grupo 1.

104- As recentes atitudes extremamente agressivas dos EUA em relação ao Iraque em particular e as intoleráveis atitudes racistas e de discriminação dos mil milhões de muçulmanos, aos quais o secretário da Defesa decidiu fichar se cruzarem qualquer fronteira dos EUA, não são senão uma confirmação de que até as reservas que estavam em "animação suspensa" começam a ter de ser utilizadas. É o princípio do fim. O ditador e genocida Saddam só tem razão numa coisa: a mãe de todas as batalhas vem aí.

4) O QUINTO MUNDO: AS NÃO-PESSOAS. A MÃE DE TODAS A BATALHAS JÁ CÁ ESTÁ.

105- O aviso final que este artigo tenciona dar aos cidadãos que vivem confortavelmente nos países do hoje privilegiado grupo 1 é que não devem pensar que os males que padecem os países do grupo 3 e especialmente os proscritos ou semiproscritos do grupo 4, assim como a mortandade sem precedentes e sem preocupação do resto dos países da Terra, são boas notícias para eles e para o seu padrão de vida consumista e ocidental.

106- E menos ainda para os seus filhos e netos. Até mesmo no caso de terem êxito no seu empenho estratégico, ou seja, mesmo que consigam uma paz de cemitério nos países produtores enquanto eles continuam a consumir à larga, quando o quinto mundo estiver praticamente desaparecido e o terceiro e o quarto estiverem muito exauridos, terão de acabar lutando entre si.

107- Algumas reacções de distanciamento ou dissensão da França e da Alemanha em relação a acções dos EUA no Golfo e sobretudo no Magreb, ao qual a Europa não pode renunciar devido aos fluxos de gás que a alimentam, ou as disputas em bolsas petrolíferas residuais, como as da R. D. do Congo ou Angola assim começam a indicar. A oposição da Rússia e da China, com muito medo e precaução mas com insistência, às manobras de invasão permanente do golfo Pérsico também corroboram esta opinião.

108- O resto dos países do mundo, cujos magros consumos actuais serão previsivelmente os primeiros a deixar de serem abastecidos pelos países produtores, quando a produção mundial de bruto alcançar o topo, em muito poucos anos, talvez agora mesmo, e comece a cair pela pendente da curva de Hubbert.

109- Em muito poucas décadas todos nós estaremos a lutar pelos últimos barris das jazidas. De facto, a luta já principiou, ainda que os cidadãos dos países do grupo 1 ainda não se tenham dado conta porque não sofreram na sua carne (guerra Irão-Iraque; bloqueio e isolamento do Irão; bloqueio e isolamento do Iraque; segundo ataque "aliado" ao Iraque; guerra permanente em Angola; guerra aberta na Chechenia; ataque aéreo à Líbia; bloqueio e isolamento da Líbia; apoio mal dissimulado ao governo pro-ocidental argelino, para arrebentar umas eleições que escapavam à rotina e perpetuação da situação de guerra civil por omissão activa; preparação de "forças de pacificação" do norte da África na NATO, como que por acaso, entre outros indícios) e sobretudo, a cunha artificial de Israel, imposta a ferro e fogo sobre o genocídio palestino e contra as tão numerosas quanto inúteis disposições de uma ONU manipulada e impotente à qual os EUA castigam com o veto reiterado, para dispor de um porta-aviões ocidental na zona, a partir do qual descarregue os golpes contra todos os islâmicos que se movam.

110- Os serviços de inteligência do mundo ocidental sabem muito bem (se está até nas estatísticas públicas, como não vão saber?) que os países da OPEP detêm hoje mais de 78% das reservas mundiais de petróleo e que no ano 2008 da OPEP produzirá mais que o resto dos países produtores do mundo. No ano 2020, os cinco principais países da OPEP (Arábia Saudita, Iraque, Irão, Kuwait e Emirados Árabes Unidos) produzirão mais petróleo que o resto dos países do mundo e suas reservas serão mais de 90% das reservas mundiais de petróleo.

111- Os serviços de inteligência e militares da maioria dos países sabem-no e têm de estar a trabalhar com as curvas publicadas e conhecidas das produções actuais e previstas, com o estado das reservas provadas de petróleo e sobretudo com sua previsível evolução para baixo, em praticamente todos os casos, a partir da próxima década.

112- Essas curvas, já mostradas para os EUA, a Europa e o mundo geral, são mais que dramáticas para as restantes grandes regiões do planeta:

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113- A experiência com a situação da produção, consumo e reservas dos próprios EUA é muito significativa. É essa trágica história que nem a mais refinada tecnologia nem os mais gigantescos recursos financeiros puderam evitar. Que deslize, irremediavelmente, costa abaixo pela curva de Hubbert (expressão do próprio Rifkin que certamente a retirou dos conceitos já conhecidos pelos geólogos de "slope", "slide" e "cliff" (declive, deslizamento e precipício) para qualificar as três fases, cada uma mais pronunciada que a anterior, da queda pela curva de Hubbert.

114- O esgotamento imediato (em termos históricos) do petróleo é tão imparável quanto a chegada ao pico de produção petroleira máxima nos EUA. Pior pois há outros dados igualmente alarmantes: desde 1979, o consumo mundial per capita de energia tem diminuído incessantemente, porque os crescimentos de última hora só puderam ser, na parte achatada da curva de consumo mundial, inferiores ao crescimento global da população.

115- Alguém, e esse alguém contabiliza-se em silenciosas centenas de milhões de seres humanos, desde 1979 está a perder poder energético, ergo económico e aquisitivo; isto é, vital, e nós não tomamos conhecimento.

116- Mas há outros dados igualmente preocupantes: desde 1969 os descobrimentos de novos poços petrolíferos não fizeram senão diminuir. Hoje descobre-se um novo barril de petróleo por cada quatro que se consomem e como as reservas existentes são limitadas, adivinhe quem vem reduzi-las drasticamente. A falta de descobertas não se deve que se tenha perdido interesse pelo petróleo. Muito pelo contrário, fizeram-se investimentos gigantescos e nada. Hoje descobre-se menos de 15% do que se descobriu em 1969.

117- A queda das descobertas também segue uma curva como a de Hubbert e já está muito em baixo. Se a matemática não falha, ninguém pode descobrir mais petróleo do que se descobre, logo o pico de descobertas de 1969 é o relâmpago que nos avisa que o inevitável trono do pico máximo de produção está a cair.

118- Estas são, certamente, as primeiras partes de um todo na "mãe de todas as batalhas" e aumentarão quando os países do grupo 4 conseguirem as armas de destruição maciça que os dos grupos 1 e 2 insistem em ter exclusividade. Desde os do Paquistão até os da Índia.

119- O gás natural, no qual muitos depositam suas expectativas para: a) substituir gradualmente o petróleo ou b) produzir outros combustíveis, como o que está mais na moda, o hidrogénio, está claro que não vai poder suportar essa pressão.

120- Se agora o mundo industrial consome 40% de toda a sua energia em forma de petróleo e o gás apenas consome pouco mais da metade do seu equivalente energético (incluindo uma multidão de variantes azotadas para fertilizantes) e apesar desse menor consumo restam-lhe reservas provadas semelhantes às do exaurido petróleo, se tiver que substituí-lo não duraria senão um instante, para não falar das dificuldades materiais em toda a indústria para a sua substituição.

121- Além disso o gás natural tem pior capacidade de armazenamento e transporte. Ver a Tabela 3 com os movimentos mundiais é concluir que a maior parte do gás que se consome no mundo verifica-se a muito pouca distância dos furos de origem. O gás que se envia liquefeito em navios metaneiros ou por gasoduto entre países que não sejam estritamente fronteiriços, é anedótico, salvo no caso do norte de África com o sul da Europa e da Rússia com o norte da Europa.

122- No filme "2002, uma odisseia no espaço", da obra de Arthur C. Clarke, há uma cena, no princípio, na qual dois grupos de primatas disputam um charco de água durante uma seca. Os primatas representam uma etapa muito primitiva da Humanidade.

123- Quando a luta principia, um monólito, que simboliza uma espécie de inteligência superior muito avançada ou uma materialização da divindade, insufla inteligência suficiente num dos primatas de um grupo, de modo que aprende a utilizar um osso comprido de animal como ferramenta ou arma de guerra. Com ele, destroçam o grupo antagónico que só sabia usar as mãos e os dentes e apossam-se da escassa fonte de água.

124- Esta descoberta, a passagem à condição de "homo habilis", apresenta-se como um salto para a frente da Humanidade. Em questão de reservas fósseis, os seres humanos não parecem haver progredido nada desde então e todos os indícios mostram que os governos mais poderosos, aqueles que têm o poder tecnológico, químico, bacteriológico ou nuclear vão dedicar-se a defender, a todo custo, os últimos bolsões de petróleo daqueles que só podem usar suas armas convencionais e a não permitir que os grupos antagónicos utilizem nenhum outro tipo de alavanca semelhante à que eles possuem na sua disputa pela escassez.

125- Não há indícios sérios de que os norte-americanos nem os europeus ou japoneses estejam a pensar ou planificar como reduzir sua dieta dos cerca de 9.000 watts de consumo permanente e contínuo per capita (como se cada cidadão vivesse permanentemente como umas 90 lâmpadas de 1000 watts ligadas à sua cabeça!) para os 1.100 watts permanentes de cada habitante chinês, ou melhor ainda, para os menos de 400 watts permanentes de cada cidadão hindu, típicos de uma sociedade agrícola preindustrial, nem se vê vontade de mudar o modelo social e de consumo no escasso tempo disponível.

126- No pior dos casos, pensaram e concluíram que não é possível. Só esta dramática conclusão final justificaria a atitude primitiva, selvagem e militarista de domínio e controle dos grupos 3 e 4 e do resto dos países do mundo da parte dos países privilegiados do grupo 1, incluindo o férreo controle ideológico que estamos a ver nestes dias, disfarçado de luta contra o terrorismo islâmico mundial.

5- REFERÊNCIAS

  • As tabelas extraídas do relatório público da British Petroleum, no formato .xls e .pdf, em http://www.bp.com/centres/energy2002/
  • http://www.worldenergyoutlook.org/ Dados da Agência Mundial de Energia, para contrastar e confirmar os dados da British Petroleum.
  • http://www.dieoff.com , de Jay Hanson. Excelente sítio web no qual há múltiplos artigos acerca do tema energia: gás, petróleo, carvão, hidratos, hidrogénio, urânio, etc.
  • http://www.dieoff.com/42/Countries/42Countries.htm . Contido no sítio anterior (as curvas deste artigo foram extraídas daqui, que por sua vez as tomam de um dos últimos relatórios de Richard C. Duncan).
  • http://www.energycrisis.com . Daqui se chega a muitos outros sítios com interesse.
  • http://hubbertpeak.com
  • "La economia del hidrógeno", de Jeremyh Rifkin. Ediciones Piados Ibérica, SA, Barcelona, 20002. Título original: "The hydrogen economy", Penguim Putnam, Inc., New York, 2002.
  • "Estratégia solar", de Hermann Scheer. Plaza y Janes editores, 1993.

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    [*] Engenheiro técnico de telecomunicações. Tese apresentada na Conferência Internacional "A obra de Karl Marx e os desafios do século XXI" , em Havana, de 5 a 8 de Maio de 2003.

    O original deste artigo encontra-se em http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/index.htm

    Acerca do mesmo assunto em 11/Set/2002 resistir.info publicou Petróleo, pico de Hubbert, ambiente & crise: A mudança para um novo paradigma energético , de Jorge Figueiredo.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
  • 07/Mai/03