Um conto de terrorismo energético
I- Em primeiro lugar os factos, principiando pela Tabela 1
Tabela 1- Panorama
energético mundial no presente
II- Acende-se o sinal vermelho nos reservatórios mundiais
III- Quanto mais se queimar, pior
IV- Contradições e cinismos energéticos
V- O problema não se inicia com o fim da produção e sim
com o seu pico máximo
VI- O hidrogénio e as pilhas de combustível: o novo mito
VII- Um óbvio e perigoso desequilíbrio
1- Primeiro mundo: voracidade
sem limites
2- Segundo mundo: curta
auto-suficiência básica
3- Terceiro e quarto mundo: os
pilhados
4- Quinto mundo: as
não-pessoas. A mãe de todas as batalhas já cá
está.
5- Referências
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1- As cada vez mais frequentes façanhas bélicas dos EUA contra o
chamado terrorismo e a sua férrea obsessão em arbitrar com
exclusividade e ao mesmo tempo ser parte interessada no mal chamado processo de
paz do Médio Oriente, estão há muito a suscitar debates
sobre se se trata de novas tentativas de distrair a opinião
pública norte-americana de algum problema interno de saias, mais ou
menos manchadas no caso de Clinton, ou se se trata de beneficiar os
negócios do papá e seus amigalhaços do cartel
multinacional petroleiro, no caso de Bush.
2. Ou como por vezes se diz, para desviar a atenção de temas
internos ou eleitorais, esta última opinião apoiada por aqueles
que acreditam que tudo na vida política se reduz a
eleições municipais ou inclusive nacionais, ou aspectos da
economia nacional, tão estreitamente vigiada por aqueles que exercem o
controle directo da mesma.
3- O empenho doentio por entrar no Iraque, tentando vinculá-lo a todo
custo ao terrorismo, procurando os três pés de Bin Laden junto ao
gato de Saddam Hussein, o tentando ver a palha das armas de
destruição maciça no olho do Iraque, enquanto se ocultam
as traves nucleares, químicas, bacteriológicas, génicas,
transgénicas e sobretudo mediáticas nos próprio olho ou no
do amigo israelense, para não estender a muitos outros igualmente
culpáveis de possuírem as ditas cujas.
4- Este artigo aponta noutra direcção: o governo dos EUA, em
conivência circunstancial ou pelo menos com uma evidente
subordinação daqueles da Europa, com o silêncio oneroso do
Japão e o ambíguo e calculado jogo da Rússia, estão
actualmente com uma política muito calculada e nada errática,
tendente ao controle absoluto do sistema energético mundial.
5- Sua estratégia oculta é que qualquer pessoa, grupo ou
país que se oponha ou questione o referido domínio
energético universal ou tente manobrar os recursos do seu próprio
subsolo seja tachado imediatamente de "terrorista",
"radical", "fanático", "integrista" ou
"fundamentalista" e posto em listas negras de terroristas mais
procurados, grupo a exterminar ou país canalha.
6- Qualquer um que não se submeta no absoluto receberá um
certificado de indesejabilidade, ou será considerado ameaça ao
"processo" de paz ou à paz mundial, acusado de procurar a
desestabilização das democracias ocidentais e de fomentar e
financiar o terror ou de por em perigo os tão sagrados como imprecisos
"interesses nacionais".
7- Receberá portanto bloqueios e exclusões terríveis da
domesticada ONU e deve preparar-se para uma mais que possível
invasão militar a ferro e fogo, seja está patrocinada pelas
próprias Nações Unidas ou até de forma unilateral
pelos EUA, dispostos a negar ou até a anular qualquer organismo que se
oponha aos seus desígnios.
8- Todos os meios de difusão ajudam, com fervorosa insistência, a
generalizar a imagem e criar o estereótipo, e até a
indústria de Hollywood já substituiu o velho cliché
obsessivo do Vietname e está a desenvolver uma intensa actividade de
bombardeio psicológico das populações do mundo, com
centenas de filmes e séries que fixam o conceito maniqueu do
binómio CIA-Mossad, cheio de bons que salvam o mundo, sempre
in extremis
, de terroristas, radicais, fanáticos, integristas e fundamentalistas,
modelo Bin Laden ou Sadam Hussein, sempre muito maus.
9- Os atentados do 11 de Setembro serviram de disparador pois dotaram-nos de
carta branca para avassalar o direito internacional, tão trabalhosamente
acordado entre as nações, e para contrapor estes ataques com uma
violência de género semelhante e finalidade tão
indiscriminada como a das Torres Gémeas.
10- A cada vez mais surpreendente superposição da nova geografia
do terror com a dos países com maiores reservas de petróleo bruto
assim o demonstra.
I- EM PRIMEIRO LUGAR OS FACTOS, COMEÇANDO PELA TABELA 1
11- Os dados foram extraídos basicamente do Relatório
estatístico sobre energia da British Petroleum do ano 2001 e coincidem,
no substancial e sobretudo em produções e consumos, ainda que
não tanto em reservas provadas, com os Agência Mundial da Energia,
e muitos peritos mundiais deste assunto (Richard C. Duncan, Colin J. Campbell,
Jean Laherrère, Youngquist, etc) e muitos outros publicados por diversas
fontes do sector. Estes dados excluem os consumos de madeira e biomassa,
sempre mais difícil de homologar.
12- As reservas que se consideram provadas, contando com os métodos
actuais de exploração e sondagem.
13- As conversões para Megawatts por hora (MWh), efectuadas a fim de
obter uma unidade comum, foram feitas com os seguintes factores de
conversão: barril de petróleo = 1,593 MWh; 1 metro
cúbico de gás natural = 0,01 MW. Os dados apresentados pela
British Petroleum em milhões de barris ou milhões de toneladas
(1 tonelada = 7,33 barris) equivalentes de petróleo foram convertidos
para MWh ainda que com risco de sobreavaliar a contribuição
energética da energia nuclear.
14- As reservas hidroeléctricas, estimadas no grau actual de
aproveitamento das bacias mundiais que é da ordem dos 25%. Ou seja,
supondo que o aproveitamento total (agressões ecológicas à
parte, como a barragem chinesa das Três Gargantas) pode multiplicar a
produção actual quatro vezes.
15- Se bem que estes dados sejam totalmente públicos, surpreende o
enorme desconhecimento das graves carências que anunciam a médio
prazo para toda a Humanidade e, sobretudo, a total ausência de tratamento
deste tema nos meios de comunicação. Da Tabela 1 extraem-se as
seguintes conclusões imediatas:
II- ACENDE-SE O SINAL VERMELHO NAS RESERVAS MUNDIAIS
16-
Ao ritmo de consumo de 2001, resta no planeta petróleo para uns 40 anos
; gás natural para uns 60; urânio para uns 67 anos e
carvão para uns 232 anos. Tudo isto supondo que nenhum destes
combustíveis tenha que substituir aqueles que se vão esgotando
primeiro, sendo o petróleo aquele que se vai esgotar primeiro e o que
maior peso suporta no actual consumo humano mundial: 40% de toda a energia
fóssil e nuclear que o planeta consome.
17- O gasto actual de combustíveis fósseis é de tal
magnitude que convém pô-lo em perspectiva para nos darmos conta do
que estamos a fazer ao planeta:
18- O petróleo consumido e que se queima no planeta Terra equivale ao
do jacto que sairia de uma tubagem de dois metros de diâmetro (se a
viscosidade do petróleo o permitisse) a cerca de 150 km/h, durante as 24
horas do dia e os 365 dias do ano.
19- O gás natural queimado anualmente equivale a um cubo de 14 km de
lado, se estivesse à pressão ambiental.
20- O carvão que se queima a cada ano são uns 1200
milhões de camiões de cinco toneladas cada um. Ou seja,
aproximadamente uma tonelada por pessoa na Terra e por ano.
21- A madeira consumida anualmente, se se pusesse em volume ocuparia uma
altura equivalente à da torre Eiffel (300 m) e teria 3,5 km de lado.
22- A ausência total de colocações sérias de
substituição energética, ou melhor, de mudança de
modelo de consumo e crescimento incessante, já indica por si só
as verdadeiras intenções dos governos mais consumistas. A
escassez de petróleo é a mais alarmante, pois é o
combustível considerado de maior "qualidade", isto é, o
de extracção, transporte e sobretudo armazenagem e
combustão mais fáceis.
III- QUANTO MAIS SE QUEIMAR, PIOR
23- Se aquilo que os organismos internacionais chamam de "reservas
provadas" pudessem, digamos, duplicar, como sugerem alguns optimistas
quando são confrontados com este quatro terrífico, seja por arte
de magia ou por uma sobre-exploração das jazidas existentes ou
por uma busca desesperada e descobertas felizes de novos jazidas, ainda
está por ver se se deveria queimar todo o combustível
fóssil e nuclear que conhecemos nas reservas actuais e o que podemos
encontrar e se o planeta, os seres vivos, definitivamente, podem aguentar isso,
não só pela contaminação adicional de
partículas, que crescerá de forma exponencial na medida em que se
utilizem as reservas menos puras, como também porque consumir é
aquecer e do que se trata é de não aquecer mais o ambiente.
24- As soluções desesperadas do tipo de utilização
intensiva e exaustiva de biomassa, partindo de matéria orgânica
que seria preciso cultivar, para produzir metanol ou etanol, levariam a
cultivos que duplicariam os 11 milhões de quilómetros quadrados
actualmente cultivados para alimentação humana e animal,
só para fermentar plantas destinadas a combustível, se for
preciso substituir todo o fóssil ou nuclear que hoje se queima.
25- As buscas frenéticas de franjas betuminosas ou de carvões
vários para convertê-los em petróleo são outro
exemplo de fuga para a frente que só prolonga a agonia das reservas uns
poucos anos mais, para deixar o planeta muito mais contaminado do que já
está e aumentarão exponencialmente o efeito entrópico,
isto é, o esforço energético extra e os efeitos
secundários que custará ao planeta Terra por estes
combustíveis tão impuros em condições de serem
usados por motores de combustão interna.
26- Para os optimistas irredutíveis que continuam a pensar que os seus
governos "darão um jeito a tempo", deve-se insistir, mais uma
vez, em que qualquer coisa que produza energia produz
calor
e
poluição
lançando-os para o ambiente. Trata-se precisamente de evitar isso e
não de perpetuá-lo.
27- A deplorável actuação das principais potências
industriais nas últimas conferências mundiais sobre o meio
ambiente e o seu posterior desprezo absoluto às
recomendações são um segundo indicador sombrio da sua
vontade nula de resolver este assunto delicado e de que suas vontades apontam
mais para a resolução disto pela via das armas, ainda que se
saiba antecipadamente que o pão de hoje que comerão tirando-os
aos outros seja a fome de amanhã para eles mesmos.
28- Além disso, aqueles que acreditam na falácia de que a
utilização mais intensa das novas tecnologias ajudará a
aumentar as reservas e portanto a produção, o aqueles que
acreditam que quando aumentar o preço poder-se-ão justificar
novas técnicas de exploração que agora não
são rentáveis para aumentar essas reservas e
produções, confundem a velocidade das imperiosas leis das
física com o toucinho dos postulados economicistas, nada
científicos, por outro lado.
29- Porque, para dar um exemplo, nos EUA, em 1950, custava um barril de
petróleo de energia (exploração, perfuração,
bombagem, transporte, refinação, distribuição, etc)
extrair 50 barris. Hoje, com um barril de petróleo extraem-se só
cinco barris e todo o mundo já sabe que daqui a uma década
extrair um barril de energia custará outro na imensa maioria dos
poços estadunidenses.
30- Nesse momento, e nesses numerosos sítios, já não se
extrairão mais barris de petróleo, ainda que o preço do
barril fosse de mil dólares, porque é uma impossibilidade
física, não económica. É o exemplo da moto que tem
um reservatório com uma autonomia para andar 200 km e o posto de
abastecimento mais próximo fica a 100 km. Acontece que a moto
não serve para mais nada senão ir e vir para encher o
reservatório, independentemente do preço do combustível.
IV- CONTRADIÇÕES E CINISMOS ENERGÉTICOS
31- As durações estimadas dos combustíveis fósseis
e nucleares no planeta foram calculadas com base em duas hipóteses: uma
contraditória e outra cínica. A contraditória é
que os dados da Tabela 1 implicam que o consumo de 2001 será mantido
estável até esgotar as reservas, ao passo que a realidade dos
modelos económicos imperantes continua a planificar cegamente
crescimentos económicos, logo energéticos, entre 2% e 6% ao ano
(cumulativo) em quase todos os países.
32- Outra coisa é que as leis físicas, não as
económicas nem as políticas, o permitam. Se é primeiro o
ovo da recessão económica e por isso da queda da procura de
combustíveis ou se se trata da galinha do limite máximo de
produção mundial de petróleo e isso é que provoca o
travão económico, ainda que ninguém o queira confessar.
33- Por outro lado, o sacrossanto objectivo de crescer sem limites. Uns 3% de
crescimento anual implica, matematicamente, duplicar o consumo em apenas 25
anos e portanto encurtar as reservas nessa proporção. Como
apontamento, nas três décadas dos anos 60 a 90, a Humanidade
consumiu, transformou ou queimou mais energia do que em toda a sua
História anterior. Este modelo é inaguentável e
explodirá irremediavelmente antes de um quarto de século.
34- A hipótese cínica é que os dados de
duração das reservas da Tabela 1 estão a supor que os
pobres do planeta, que representam 75% da população humana,
apenas consomem 25% da energia, renunciam a alcançar o nível de
bem estar dos poderosos; isto é, renunciam ao "American way of
life" ou, mais exactamente, aceitam manter-se nos níveis de consumo
actuais.
35- Do contrário, o consumo mundial deveria multiplicar-se umas nove
vezes e as reservas mundiais se reduziriam numa proporção e com
uma rapidez que, além de não poder ser, como dizia o toureiro,
torna-se impossível. Isto também diz muito acerca da atitude dos
poderosos, continuamente anunciando, de forma hipócrita, que
ajudarão os pobres, quando a realidade mundial está a gritar que
não há vontade alguma de fazê-lo, enquanto continuem os
modelos económicos e as formas de vida actuais.
V- O PROBLEMA NÃO SE INICIA COM O FIM DA PRODUÇÃO E SIM
COM O SEU PICO MÁXIMO
36- Ainda que restem apenas quatro décadas para acabar o
petróleo se se mantiver o ritmo de consumo actual, e já se viu
que não se mantém, mas que nas últimas décadas
cresceu pelo menos uns 2% ao ano (acumulados), o problema principal da falta de
energia colocar-se-á não dentro de quatro décadas:
começará a manifestar os seus sintomas exactamente quando a
produção chegar ao seu pico máximo de
produção, que é muito antes.
37- King Hubbert perito mundialmente conhecido por prever que a
produção dos poços de petróleo segue uma curva em
forma de sino, desde o ponto de descobrimento, passando pelo de pico
máximo, para a seguir declinar inexoravelmente realizou medidas
de uma multidão de curvas de exploração de poços e
chegou à conclusão de que a somatória de curvas em sino de
cada poço produz uma curva em sino da exploração
petrolífera de cada país. E a somatória das curvas em
sino de todos os países produtores impõe uma curva de
exploração do petróleo mundial, também em forma de
sino.
38- Hubbert previu nos anos 50, com assombrosa exactidão, que os EUA
chegariam ao seu pico máximo de produção em 1970. Aqueles
que então o chamaram de louco hoje o veneram como o pai das
previsões petrolíferas. Os EUA começaram o seu
declínio precisamente naquele ano e hoje produz menos da metade
produzida em 1970 e deve importar mais da metade do petróleo que consome.
39- A curva de produção e reservas dos EUA é mais
significativa, por ser a mais antiga (seus poços foram os primeiros a
ser explorados ao máximo). O caso americano é um exemplo de como
os recursos não renováveis, como o seu próprio nome
indica, esgotam-se irremediavelmente e sem que a mais impressionante tecnologia
ou os recursos financeiros mais poderosos possam evitá-lo.
40- Isto, por sua vez, tem uma evidente implicação no constante
aumento da dependência dos EUA em relação ao ouro negro e
reflecte perfeitamente os nervosos movimentos de quem se enlaçou a si
próprio com uma corda para acabar enforcado e começa-se a ver sob
a árvore, com sua incessante voracidade e sua fé cega e
integrista em que o sistema do "American Way of Life" seria o melhor
dos possíveis e portanto não era assunto de discussão e
só podia continuar a fazer o que sabia: crescer
ad infinitum
. O gráfico a seguir ilustra para onde vai o futuro nos EUA:
41- As curvas inexoráveis de Hubbert prevêem, segundo quem as
interpreta, que o petróleo de todo o mundo chegará ao seu pico
máximo de produção entre 2004 e 2010 (Colin J. Campbell,
Richard C. Duncan, Walter Youngquist, Jean Lahèrrére e muitas
outras fontes que cita com grande respeito, inclusive o grande gurú
Jeremy Rifkin no seu último livro sobre o assunto, intitulado "A
economia do hidrogénio").
42- As diferenças de interpretação sobre quando se
alcança o pico para cair de forma inevitável vão, no caso
dos mais optimistas, até 2015 (Agência Internacional de Energia,
IEA, em inglês) ou 2030 (United States Geological Survey, USGS). No
fundo é o mesmo, porque inclusive se isso fosse certo toda a sociedade
industrial já teria que estar em estado de alerta máximo,
transformando-se em outro tipo de consumo para chegar a tempo, mas não
há combustível alternativo para 40% do consumo energético
humano, nem há tempo para transformar toda a sociedade industrial.
43- Por outro lado, estão os avisos aos navegadores, emitidos por
geólogos de grande reputação mundial, no sentido de que
suas próprias previsões de chegar ao pico entre 2004 e 2010,
poderiam ser optimistas e poderíamos já estar atingindo o tecto
se, como temem, os dados das reservas, feitos pelos principais produtores
mundiais nos anos 80 e 90, sempre em alta, sem relação com
prospecções reais, se tivessem verificado por motivos
espúrios, como por exemplo que as quotas da OPEP se fixavam, em parte,
pelo volume de reservas que se lhes supunham, ou também porque a maior
volume de reservas, maiores créditos nos centros financeiros mundiais.
44- O ano 2020 é amanhã mesmo, em termos históricos. E
aí radica o grande problema. Não quando acabe totalmente (menos
de meio século: também amanhã em termos
históricos) e sim quando se comece a produzir
menos
em cada ano do que no anterior, irremediavelmente e para sempre, por
imposição das leis físicas. Como vão reagir os
políticos e os economistas, que só sabem programar crescimentos?
E do que estão à espera?
45- Porque esse é o momento da ruptura do sistema económico cujo
dogma é o crescimento contínuo. É o momento no qual os
ministro da Economia e os primeiros-ministros têm de começar a
reconhecer que suas economias não crescerão e não sabem
inventar outra coisa senão o crescimento económico numa fita sem
fim. Veremos mais adiante quais são os países e grupos humanos
que começarão primeiro o seu pranto e a ranger os dentes...
SOLAR E EÓLICA? SIM, MAS...
46- As energias alternativas não aparecem na Tabela 1 porque continuam
a ser insignificantes a nível mundial em 2002. O problema de substituir
por energia solar e/ou eólica os consumos tradicionais actuais e
futuros, no pouco espaço de tempo que se dispõe, é que a
sua produção é basicamente em forma eléctrica e
esta forma de energia é hoje apenas 12,5% do consumo total mundial
(ainda que os rendimentos mundiais de transformação tenham que
queimar para isso cerca de 27% dos combustíveis fósseis e 100%
dos nucleares).
47- Assim, além de ter de produzir sistemas solares e/ou eólicos
para substituir os combustíveis fósseis e nucleares nas poucas
décadas disponíveis, o que poderia ser tecnicamente
possível, haveria que reestruturar, no mínimo, as três
quartas partes da sociedade industrial mundial que hoje consome em forma
não eléctrica. E isso já é uma obra de envergadura
ciclópica.
48- Pensemos que se ter a infra-estrutura actual custou-nos queimar a metade
da energia fóssil e 150 anos de trabalho em todo o mundo, transformar no
mínimo 70% da mesma em duas décadas pode levar o resto da energia
fóssil disponível. E depois?
49- Gostaria de acreditar que isto também é possível,
como sugerem as organizações ecologistas e como acredita o
inefável novo apóstolo do hidrogénio, Jeremy Rifkin, mas a
julgar pela orientação puramente belicista que estão a
tomar os países mais industriais em torno das fontes convencionais de
energia, parece que já descartaram essa opção e movem-se
exclusivamente pelo caminho do extermínio bélico de todo
potencial adversário dos recursos minguantes do planeta.
50- Sistemas como a aviação civil mundial, os exércitos
ou a maquinaria agrícola, como os tractores, são
impossíveis de imaginar com propulsão eléctrica. O
transporte marítimo, a maquinaria de obras públicas e mineira, de
difícil aproveitamento e o transporte terrestre também, a menos
que mudem drasticamente os modelos sociais, algo que nem sequer se vê
esboçado de forma séria.
51- Finalmente, convém precisar que a substituição nesta
escala planetária representaria, com as células fotovoltaicas de
maior rendimento, ocupar entre 250 mil e um milhão de quilómetros
quadrados de superfície de continentes em zonas muitos ensolaradas e
suporiam uma transferência complicada das zonas de produção
para as actuais zonas de consumo e da zonas diurnas para as nocturnas e seria
também muito difícil a armazenagem das enormes quantidades de
energia procuradas.
52- Se bem que preferível ao fóssil e ao nuclear, o solar
torna-se em algo não tão ecológico se for preciso faze-lo
a essa escala. E isto sem considerar que, do ponto de vista energético
é bastante duvidoso que uma célula fotovoltaica não
consuma mais energia (fóssil geralmente) na sua produção
do que aquela que vai gerar ao longo de toda a sua vida útil, estimada
nuns 30 anos. Algo semelhante acontece com a energia eólica.
NUCLEAR? NÃO, OBRIGADO
53- Quanto às energias nucleares alternativas, fala-se da fusão.
Mas este artigo nem a considera, por várias razões. Uma delas
são as ingentes perdas caloríficas que teria (da ordem dos 80% da
energia útil, que multiplicaria exponencialmente os problemas do
aquecimento atmosférico).
54- Além disso, parece pouco realizável a
instalação de cerca de 8000 centrais nucleares que haveria que
instalar, de potência semelhante às 430 actuais que estão
em serviço, as quais apenas contribuem hoje com 7% das necessidades
humanas de energia. Nem há dinheiro para fazer tantas centrais em
tão pouco tempo, nem há reservas de urânio para
alimentá-las, se se fizessem.
55- Porque se agora há urânio para 60 anos para 6% ou 7% de
contribuição energética mundial, se a energia nuclear
tivesse que alcançar, digamos 50% do consumo energético mundial,
restaria urânio para apenas uma década, que é, no
mínimo, o tempo que levaria para construir umas 200 centrais nucleares,
se houvesse dinheiro e fé em que iriam servir para algo. Como na frase
do toureiro: o que não pode ser, não pode ser, e além
disso é impossível.
56- A energia da fusão dizem que poderia ser uma alternativa, mas
é se estivesse comercialmente disponível antes de um
século, o que é muito improvável, para não dizer
impossível e supondo que os pobres possam pagar estas
custosíssimas e pouco duradouras estruturas e que o combustível,
que se diz ilimitado (quando se referem ao deutério), não se
esgota, como o urânio, porque a reacção, no único
modelo que se experimenta, exige também um isótopo radioactivo de
trítio, que sai do lítio, que também é muito
escasso na crosta terrestre.
57- Além, é claro, de produzir electricidade, com o problema que
antes já se assinalou.
VI- O HIDROGÉNIO E AS PILHAS DE COMBUSTÍVEL: O NOVO MITO
58- Desde há alguns anos estão a desenvolver-se grandes
campanhas, que julgo intencionalmente planificadas, para fazer ver que o
hidrogénio é nossa fonte de salvação e tentar
apresentá-lo como o combustível do futuro, limpo,
ecológico, não poluidor e ilimitado. A campanha teve o apoio,
como jóia, do famoso Jeremy Rifkin, autor de "O fim do
trabalho", que agora publicou "A economia do hidrogénio".
59- Tal como com "O fim do trabalho", seu espectacular arranque de
voo de águia, com uma multidão de dados bem elaborados, que
contam grandes verdades, termina com um final de galináceo. Se no fim
do trabalho sua brilhante exposição sobre os males que afligem os
mundo moderno termina com um convite a que os postos de trabalho
destruídos pela maquinaria e pela brutalidade capitalista sejam supridos
com voluntariados, ONGs e demais corpos de paz, em "A economia do
hidrogénio" sua não menos brilhante exposição
dos males que afligem o mundo industrial e capitalista e o esgotamento iminente
e inexorável do petróleo termina com uma apologia do
hidrogénio digna de melhor causa.
60- A relevante posição de Rifkin, como assessor de muitos
governos ocidentais em temas variados, cobrador de conferências e
gurú das sociedades modernas, fez com que a sua conclusão,
não por ser tão acientífica, como é
científica toda a sua exposição prévia, não
tenha caído em saco roto: a União Europeia acaba de dotar mais
de dois mil milhões de Euros aos desenvolvimentos energéticos
alternativos, especialmente aqueles baseados no hidrogénio. Certamente
era essa a sus intenção: que os sumarentos e substanciais fundos
europeus fossem cair nas mãos dos que são assessorados por
Rifkin. Terminarão em mãos de grandes multinacionais como a BMW,
Volkwagen, Mercedes e demais multinacionais francesas e alemãs que
já a tempos diziam que estavam a investir nestes desenvolvimentos.
61- Mas o problema do hidrogénio é que não é uma
fonte
de energia. É, no melhor dos casos, um simples
transportador
de energia e, mais correctamente, um
sumidouro
de energia. Isto é, o hidrogénio não se encontra livre
na natureza, como o petróleo, o gás ou o carvão e portanto
obter hidrogénio também custa energia.
62- Quando alguém extrai x unidades de energia da natureza e para isso
emprega menos de x unidades de energia, à matéria obtida
denomina-se
fonte
de energia. Mas se, como no caso do hidrogénio, para separar este
elemento do composto químico no qual se encontre (seja este a
água, muito abundante, ou o gás natural, do qual se extrai a
metade do hidrogénio produzido no mundo) se gasta mais energia para
obte-lo do que a que a seguir proporciona o hidrogénio quando se queima,
o assunto vai mal: temos um
sumidouro
de energia.
63- Isto é o que dizem as leis da termodinâmica e é o que
diz o próprio Rifkin no princípio do seu livro. Mas a seguir,
como muitos outros, esquece-se da lei mais inexorável do universo e
passa a brincar com as maquinetas de movimento perpétuo, proibidas
expressamente pela física e pela razão, por muito bem que a
pintem. São equações bonitas e desejáveis, mas
impossíveis. São como a escada fechada em quatro troços
que pintam com falsa perspectiva e que sempre sobe ou baixa indefinidamente.
64- Se existissem essas máquinas de movimento perpétuo ou essas
maravilhosas escadas, todos nós escolheríamos chegar ao ponto
desejado baixando, que é mais cómodo, nunca subindo. De modo que
os inventores do motor de água, que não polui, já podem ir
explicando com que outra energia vão obter o hidrogénio que
impulsionará a sociedade futura. E tem de explicar com mais pormenor do
que Rifkin, para que o acreditemos, porque se para isso se apoiam na energia
eólica ou na solar, apaguem a luz e vamos embora.
VII- UM ÓBVIO E PERIGOSO DESEQUILÍBRIO
65- A evidência da premente escassez energética das
próximas décadas ou anos faz-se ainda mais patente para os
grandes consumidores, quando se analisa a relação desequilibrada
entre as produções, os consumos e as reservas dos principais
países, como se vê nas Tabelas 2 e 3.
66-
TABELAS 2 E 3 BALANÇO ENERGÉTICO DO PETRÓLEO E
DO GÁS NAS ÁREAS PRINCIPAIS
1- PRIMEIRO MUNDO: VORACIDADE SEM LIMITES
67- No grupo 1, os EUA e os países europeus têm uma
produção importante, mas reservas alarmantemente esgotadas:
apenas quatro ou cinco anos, se tivessem de viver com os seus próprios
recursos e somente um par de décadas, se mantiverem estável o
nível de importação actual de petróleo (uns 60% do
total que consomem; parece incrível que não se fale deste facto
incontestável!).
68- O Japão, que não tem nem produção
própria nem reservas, está numa situação ainda mais
dramática e frágil. O seu programado crescimento
económico obriga a um aumento incessante da produção
energética, tornando ainda mais aguda a dependência do exterior.
69- Tenha-se em conta que a Europa atinge neste momento o pico máximo
de produção, que os EUA já ultrapassaram em 1970, mas como
as suas reservas totais são menores e o seu consumo quase tão
elevado quanto o norte-americano, seu declínio será igualmente
rápido e doloroso.
70- Todos eles
necessitam
imperiosamente das produções dos países produtores e seus
volumes de procura de petróleo importado, que não cessam de
aumentar para manter a maquinaria em funcionamento, exigem produtores
importantes, além dos secundários, para saciar momentaneamente
tão tremendo apetite.
71- No caso dos EUA ou da Europa, suas reservas totais debaixo do solo,
somadas a uma política de armazenagem maciça em tanques (aquilo
que se denomina nos EUA como "reserva estratégica", que
é de uns seis meses de consumo nacional e que na Europa deve andar em
torno dos três), permite-lhes suprir com suas produções
próprias algum momento pontual de possível desabastecimento
exterior, o que lhes confere uma certa invulnerabilidade estratégica a
curto prazo.
72- Mas o elevado consumo e as praticamente esgotadas reservas próprias
dos países deste grupo tão voraz
obrigam-nos
, de forma cada vez mais premente, a assegurarem-se também da
continuidade do fluxo energético
dos países produtores a mais longo prazo.
73- O aumento da dependência petrolífera dos países ricos
ocidentais do grupo 1 da tabela 2 é a verdadeira "mãe de
todas as batalhas", que está a criar tensões mundiais cada
vez mais evidentes. Suas minguantes reservas nacionais e uma economia cada vez
com mais apetite energético foram-nos obrigando a "submeter"
cada vez mais países produtores às suas exigências de
consumo.
74- O grosso dos países que se poderiam denominar "amigos" no
golfo Pérsico (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados, Qatar e outros),
ou dos Brunei no sudeste asiático e o México no pátio
traseiro dos EUA, asseguravam, até agora e ainda durante talvez mais
alguns anos, um fluxo contínuo e barato de petróleo.
75- Mas as procura dispara à medida que a economia cresce e os
poços mundiais começam a atingir o tecto e muitos já
estão em franco declínio. Não menos de 14 dos 42
países principais já estão na lado declinante da curva de
Hubbert e cada ano consegue-se-lhes "ordenhar" menos petróleo.
76- Este duplo efeito põe muito nervosos tanto os principais
consumidores como os produtores. Assim, alguns países deixam de ser
"estáveis" (ou seja, obedientes na oferta de um fornecimento
contínuo e barato, como se lhes exige) e outros, que estavam fora da sua
órbita de obediência ou dela se afastaram, vai-se-lhes
"estabilizando" de bom grado ou pela força.
77- A bota militar norte-americana entrou na Arábia Saudita, no Kuwait
e nos Emirados com a desculpa da invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990,
e tudo indica que os 12 anos de presença infiel nos lugares mais santos
do Islão vão-se converter numa eternidade tão grande
quanto a duração das reservas que ali os mantêm. Já
ninguém se lembra da famosa visita da embaixadora norte-americana em
Bagdad a Saddam Hussein no dia anterior à invasão.
2) SEGUNDO MUNDO: AUTO-SUFICIÊNCIA BÁSICA A CURTO PRAZO
78- A Rússia (com a Comunidade de Estados Independentes, CEI) e a China
resolvem os seus consumos basicamente com as suas produções
actuais, mas nem sequer a Rússia passa do meio século com o seu
próprio consumo e do quarto de século se continuar a exportar ao
ritmo actual para obter divisas e pagar as dívidas que contraiu com o
sistema financeiro capitalista mundial, especialmente agravadas após a
queda do comunismo.
79- A Rússia, que a metade da população dos EUA, consome
oito vezes menos energia e resta-lhe quase o dobro de reservas que as dos EUA
--- considerando a Chechenia parte indissolúvel da Rússia.
80- É lógico que sua posição estratégica
quanto a isto seja defender, por todos os meios, suas próprias jazidas
dos apetites dos mais consumistas (a forma em que estão a esmagar as
tentativas na Chechenia e o interesse ocidental em que a Rússia mantenha
essa ferida aberta, possivelmente alimentando-a, assim parece indicar) e por
outro lado que adoptem atitudes críticas quanto às tentativas do
grupo 1 de ficar com a exclusividade das reservas dos países dos grupos
3 e 4.
81- Os pouco mais de três lustros de produção e consumo
petrolífero que restam à China, com os seus recursos
próprios, dão a este país um pouco mais de corda que aos
EUA e Europa e um pouco menos que à Rússia. A China, que tem uma
população cerca de quatro vezes maior que os EUA, consome quatro
vezes menos que o colosso. Isto significa que cada norte-americano equivale a
15 chineses, energeticamente falando.
82- O grande problema da China é que, com o seu sistema híbrido
de comunismo para consumo interno e capitalismo selvagem para o exterior,
está muito comprometida com crescimentos económicos,
ergo
energéticos, da ordem dos 5% ao ano. Se conseguirem manter esse modelo
de crescimento mais dez anos estarão a enfrentar os EUA e a
Rússia na luta pelos recursos do golfo Pérsico.
83- A invasão do Afeganistão --- que ao contrário do que
deram a entender os media ocidentais não tem recursos energéticos
(nem petróleo nem gás), mas é um país ponte entre a
China e o golfo Pérsico --- tem assim uma justificação
económica e estratégica inquestionável.
84- Outros media destacaram que se o Afeganistão não tem
recursos, os países fronteiriços (aqueles do grupo 5 da tabelas 2
e 3) sim têm imensas reservas e esta é a razão oculta da
invasão. Os dados da British Petroleum desmentem-no claramente: apenas
uns 2% das reservas mundiais de petróleo e gás natural, cuja
produção actual, além disso, é consumida por eles
próprios.
85- Isso não serve nem de aperitivo para a voracidade estadunidense e
europeia.
3) TERCEIRO E QUARTO MUNDO: OS PILHADOS
86- As reservas dos grupos 3 e 4 são na realidade o grosso das reservas
mundiais para o meio século que resta de existência à
civilização industrial. Para os países do grupo 1, o
imediato é que essas reservas não sejam reclamadas por
ninguém como suas, ainda que no momento aceitem que pequenas quantidades
destinem-se a países terceiros.
87- Isto resolve-lhes os próximos anos de consumo. Não podem
permitir que este princípio sagrado seja questionado nem por
países terceiros nem por nacionais destes mesmos países.
Não podem permitir sequer que os seus proprietários nominais se
atrevam a ditar-lhes nem sequer uma política de preços do
petróleo bruto. A cronologia dos factos na área desde finais dos
anos 70 é reveladora quanto a isto.
88- Uma imprevista mudança de governo e de controle do Irão, que
realmente chega a aterrorizar os países do grupo 1 (este é o
verdadeiro sentido do
terror
na área: o de que os países do grupo 1 possam perder o controle
dos recursos energéticos dos países dos grupos 3 e 4).
89- O subsequente ataque iraquiano ao Irão, apenas um ano depois, muito
promovido e apoiado pelos países do grupo 1, que teve como
consequência a destruição de muitas vidas humanas e graves
desastres sociais, económicos e militares no Irão e no Iraque, a
perda da capacidade negociadora de ambos com os países do grupo 1, o
afundamento dos preços do petróleo e o certificado de
óbito operacional da OPEP.
90- O preço do petróleo bruto não só não
subiu nas duas décadas seguintes como baixou de uns 30 para uns 12
dólares por barril. Com os dados de produção da Tabela 1
poder-se-ia fazer um cálculo grosso daquilo que deixaram de receber os
países produtores e do que deixaram de pagar os principais consumidores.
Excelentes notícias para o Ocidente.
91- O aparecimento de militares norte-americanos na Arábia Saudita
para, a partir dali, proporcionar um silencioso e efectivo apoio
logístico (AWACS) ao Iraque, durante a sua primeira guerra com o
Irão e as primeiras tímidas recusas de alguns sauditas, pela
quantidade de tradições islâmicas que violavam. Esta
presença converteu-se em permanente.
92- A estranha invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, um dia depois da
visita da embaixadora norte-americana em Bagdad a Saddam Hussein, que
justificou a presença militar maciça, que uma década
depois tornou-se claro que se converteu em permanente, dos exércitos dos
países do grupo 1 no golfo Pérsico e que estes países
poderiam por as reservas do Iraque em quarentena.
93- Isto apesar de lhes ter custado que, na sua queda do cavalo, o despeitado
Saddam Hussein, por duas vezes manipulado pelos países do grupo 1, lhes
queimasse 1% de todas as reservas mundiais de petróleo, dinamitando
todos os poços kuwaitianos, antes da sua vergonhosa retirada deste
país, criado também pelos mesmos delinquentes que criaram o
Brunei.
94- De facto, a única coisa em que Saddam Hussein teve razão foi
em denominar a isto "a mãe de todas as batalhas", ainda que a
verdadeira seja, antes, aquela que se vai verificar até ao final em todo
o grande resto dos recursos energéticos do golfo Pérsico. Se
não houvesse existido Saddam Hussein, os países do grupo 1 teriam
que inventar um: é o tonto útil perfeito.
95- O que é mais importante, para os países do grupo 1, é
que o Ocidente consagrou convincentemente o papel de terrorista, radical,
fanático, integrista ou fundamentalista a todo aquele que se lhes oponha
naquela área.
96- A partir de agora, todo aquele que questione a presença de tropas
estrangeiras (leia-se norte-americanas) no golfo Pérsico, ou que tenha
tido a desgraça de possuir debaixo do seu solo importantes reservas das
poucas que vão restando, sem ter subordinado sua política e seus
recursos a uma obediência cega ao Ocidente, será um terrorista
mundial e, como tal, declarado inimigo público número 1 da
civilização ocidental e dos valores democráticos e
servirá para justificar ainda mais a presença militar
estadunidense e os golpes baixos às infra-estruturas destes já
castigados países.
97- O caso de Bin Laden é de manual: enquanto seu objectivo foi
lançar russos para fora do Afeganistão, foi apoiado e
abundantemente armado pela CIA e pela condescendente monarquia saudita,
tão louvada então quanto criticada agora.
98- Ninguém, a não ser os russos, questionava então seus
métodos terroristas. Basta ir às videotecas e alugar Rambo III,
se é que não foi retirado por pudor para ocultar as
misérias da propaganda de Hollywood.
99- Nele, um asselvajado Silvester Stallone apoiava descaradamente os
simpáticos talibans. Os Bin Laden de então eram bem louvados
pelo Ocidente como "Freedom Fighters", ou combatentes pela liberdade,
enquanto punham bombas nos mercado de Cabul, rebentavam dezenas de civis para
apanhar algum oficial soviético em compras.
100- Mas quando, uma vez expulsos os russos do Afeganistão, atreveu-se
a fixar como objectivo que também os militares norte-americanos
saíssem da sua terra, o que teve de sair foi ele e agora todos os
atentados do planeta, tenha-os ou não cometidos, serão postos na
sua conta e será perseguido sem quartel até à sua
eliminação, como exemplo.
101- Com esta estratégia, os países do grupo 1 dedicam-se a
"ordenhar" intensa e cientificamente as reservas dos países
controlados dos grupos 3 e 4. A alguns países, como o Iraque, a
Líbia e o Irão, parecia ter sido atribuído o papel de
reserva final do petróleo bruto mundial.
102- Naturalmente estão a ser conscientemente mantidos, pelos EUA e os
restantes países do grupo 1, em estado de "animação
suspensa", a golpes de bloqueio e isolamento económico e militar,
como se deduz da Tabela 2 pelas suas produções actuais,
até que as reservas dos demais dos grupos 3 e 4 se vão esgotando.
103- Nos próximos anos assistiremos a progressivos endurecimentos
destas condições nos países estigmatizados pelas listas
negras do omnipotente Departamento de Estado norte-americano, ou a castigos
muito severos, sempre com a bandeira do anti-terrorismo, a todo aquele que
tente mover-se e quando lhes chegar o momento, da sua maravilhosa
conversão ao jogo democrático, com mudança do líder
terrorista não homologado por líder democrático
homologado, que abrirá sem condições as últimas
torneiras aos seus também democráticos colegas do Grupo 1.
104- As recentes atitudes extremamente agressivas dos EUA em
relação ao Iraque em particular e as intoleráveis atitudes
racistas e de discriminação dos mil milhões de
muçulmanos, aos quais o secretário da Defesa decidiu fichar se
cruzarem qualquer fronteira dos EUA, não são senão uma
confirmação de que até as reservas que estavam em
"animação suspensa" começam a ter de ser
utilizadas. É o princípio do fim. O ditador e genocida Saddam
só tem razão numa coisa: a mãe de todas as batalhas vem
aí.
4) O QUINTO MUNDO: AS NÃO-PESSOAS. A MÃE DE TODAS A BATALHAS
JÁ CÁ ESTÁ.
105- O aviso final que este artigo tenciona dar aos cidadãos que vivem
confortavelmente nos países do hoje privilegiado grupo 1 é que
não devem pensar que os males que padecem os países do grupo 3 e
especialmente os proscritos ou semiproscritos do grupo 4, assim como a
mortandade sem precedentes e sem preocupação do resto dos
países da Terra, são boas notícias para eles e para o seu
padrão de vida consumista e ocidental.
106- E menos ainda para os seus filhos e netos. Até mesmo no caso de
terem êxito no seu empenho estratégico, ou seja, mesmo que
consigam uma paz de cemitério nos países produtores enquanto eles
continuam a consumir à larga, quando o quinto mundo estiver praticamente
desaparecido e o terceiro e o quarto estiverem muito exauridos, terão de
acabar lutando entre si.
107- Algumas reacções de distanciamento ou dissensão da
França e da Alemanha em relação a acções dos
EUA no Golfo e sobretudo no Magreb, ao qual a Europa não pode renunciar
devido aos fluxos de gás que a alimentam, ou as disputas em bolsas
petrolíferas residuais, como as da R. D. do Congo ou Angola assim
começam a indicar. A oposição da Rússia e da
China, com muito medo e precaução mas com insistência,
às manobras de invasão permanente do golfo Pérsico
também corroboram esta opinião.
108- O resto dos países do mundo, cujos magros consumos actuais
serão previsivelmente os primeiros a deixar de serem abastecidos pelos
países produtores, quando a produção mundial de bruto
alcançar o topo, em muito poucos anos, talvez agora mesmo, e comece a
cair pela pendente da curva de Hubbert.
109- Em muito poucas décadas todos nós estaremos a lutar pelos
últimos barris das jazidas. De facto, a luta já principiou,
ainda que os cidadãos dos países do grupo 1 ainda não se
tenham dado conta porque não sofreram na sua carne (guerra
Irão-Iraque; bloqueio e isolamento do Irão; bloqueio e
isolamento do Iraque; segundo ataque "aliado" ao Iraque; guerra
permanente em Angola; guerra aberta na Chechenia; ataque aéreo
à Líbia; bloqueio e isolamento da Líbia; apoio mal
dissimulado ao governo pro-ocidental argelino, para arrebentar umas
eleições que escapavam à rotina e
perpetuação da situação de guerra civil por
omissão activa; preparação de "forças de
pacificação" do norte da África na NATO, como que por
acaso, entre outros indícios) e sobretudo, a cunha artificial de
Israel, imposta a ferro e fogo sobre o genocídio palestino e contra as
tão numerosas quanto inúteis disposições de uma ONU
manipulada e impotente à qual os EUA castigam com o veto reiterado, para
dispor de um porta-aviões ocidental na zona, a partir do qual
descarregue os golpes contra todos os islâmicos que se movam.
110- Os serviços de inteligência do mundo ocidental sabem muito
bem (se está até nas estatísticas públicas, como
não vão saber?) que os países da OPEP detêm hoje
mais de 78% das reservas mundiais de petróleo e que no ano 2008 da OPEP
produzirá mais que o resto dos países produtores do mundo. No
ano 2020, os cinco principais países da OPEP (Arábia Saudita,
Iraque, Irão, Kuwait e Emirados Árabes Unidos) produzirão
mais petróleo que o resto dos países do mundo e suas reservas
serão mais de 90% das reservas mundiais de petróleo.
111- Os serviços de inteligência e militares da maioria dos
países sabem-no e têm de estar a trabalhar com as curvas
publicadas e conhecidas das produções actuais e previstas, com o
estado das reservas provadas de petróleo e sobretudo com sua
previsível evolução para baixo, em praticamente todos os
casos, a partir da próxima década.
112- Essas curvas, já mostradas para os EUA, a Europa e o mundo geral,
são mais que dramáticas para as restantes grandes regiões
do planeta:
113- A experiência com a situação da
produção, consumo e reservas dos próprios EUA é
muito significativa. É essa trágica história que nem a
mais refinada tecnologia nem os mais gigantescos recursos financeiros puderam
evitar. Que deslize, irremediavelmente, costa abaixo pela curva de Hubbert
(expressão do próprio Rifkin que certamente a retirou dos
conceitos já conhecidos pelos geólogos de "slope",
"slide" e "cliff" (declive, deslizamento e
precipício) para qualificar as três fases, cada uma mais
pronunciada que a anterior, da queda pela curva de Hubbert.
114- O esgotamento imediato (em termos históricos) do petróleo
é tão imparável quanto a chegada ao pico de
produção petroleira máxima nos EUA. Pior pois há
outros dados igualmente alarmantes: desde 1979, o consumo mundial per capita
de energia tem diminuído incessantemente, porque os crescimentos de
última hora só puderam ser, na parte achatada da curva de consumo
mundial, inferiores ao crescimento global da população.
115- Alguém, e esse alguém contabiliza-se em silenciosas
centenas de milhões de seres humanos, desde 1979 está a perder
poder energético, ergo económico e aquisitivo; isto é,
vital, e nós não tomamos conhecimento.
116- Mas há outros dados igualmente preocupantes: desde 1969 os
descobrimentos de novos poços petrolíferos não fizeram
senão diminuir. Hoje descobre-se um novo barril de petróleo por
cada quatro que se consomem e como as reservas existentes são limitadas,
adivinhe quem vem reduzi-las drasticamente. A falta de descobertas não
se deve que se tenha perdido interesse pelo petróleo. Muito pelo
contrário, fizeram-se investimentos gigantescos e nada. Hoje
descobre-se menos de 15% do que se descobriu em 1969.
117- A queda das descobertas também segue uma curva como a de Hubbert e
já está muito em baixo. Se a matemática não falha,
ninguém pode descobrir mais petróleo do que se descobre, logo o
pico de descobertas de 1969 é o relâmpago que nos avisa que o
inevitável trono do pico máximo de produção
está a cair.
118- Estas são, certamente, as primeiras partes de um todo na
"mãe de todas as batalhas" e aumentarão quando os
países do grupo 4 conseguirem as armas de destruição
maciça que os dos grupos 1 e 2 insistem em ter exclusividade. Desde os
do Paquistão até os da Índia.
119- O gás natural, no qual muitos depositam suas expectativas para:
a) substituir gradualmente o petróleo ou b) produzir outros
combustíveis, como o que está mais na moda, o hidrogénio,
está claro que não vai poder suportar essa pressão.
120- Se agora o mundo industrial consome 40% de toda a sua energia em forma de
petróleo e o gás apenas consome pouco mais da metade do seu
equivalente energético (incluindo uma multidão de variantes
azotadas para fertilizantes) e apesar desse menor consumo restam-lhe reservas
provadas semelhantes às do exaurido petróleo, se tiver que
substituí-lo não duraria senão um instante, para
não falar das dificuldades materiais em toda a indústria para a
sua substituição.
121- Além disso o gás natural tem pior capacidade de
armazenamento e transporte. Ver a Tabela 3 com os movimentos mundiais é
concluir que a maior parte do gás que se consome no mundo verifica-se a
muito pouca distância dos furos de origem. O gás que se envia
liquefeito em navios metaneiros ou por gasoduto entre países que
não sejam estritamente fronteiriços, é anedótico,
salvo no caso do norte de África com o sul da Europa e da Rússia
com o norte da Europa.
122- No filme "2002, uma odisseia no espaço", da obra de
Arthur C. Clarke, há uma cena, no princípio, na qual dois grupos
de primatas disputam um charco de água durante uma seca. Os primatas
representam uma etapa muito primitiva da Humanidade.
123- Quando a luta principia, um monólito, que simboliza uma
espécie de inteligência superior muito avançada ou uma
materialização da divindade, insufla inteligência
suficiente num dos primatas de um grupo, de modo que aprende a utilizar um osso
comprido de animal como ferramenta ou arma de guerra. Com ele,
destroçam o grupo antagónico que só sabia usar as
mãos e os dentes e apossam-se da escassa fonte de água.
124- Esta descoberta, a passagem à condição de "homo
habilis", apresenta-se como um salto para a frente da Humanidade. Em
questão de reservas fósseis, os seres humanos não parecem
haver progredido nada desde então e todos os indícios mostram que
os governos mais poderosos, aqueles que têm o poder tecnológico,
químico, bacteriológico ou nuclear vão dedicar-se a
defender, a todo custo, os últimos bolsões de petróleo
daqueles que só podem usar suas armas convencionais e a não
permitir que os grupos antagónicos utilizem nenhum outro tipo de
alavanca semelhante à que eles possuem na sua disputa pela escassez.
125- Não há indícios sérios de que os
norte-americanos nem os europeus ou japoneses estejam a pensar ou planificar
como reduzir sua dieta dos cerca de 9.000 watts de consumo permanente e
contínuo per capita (como se cada cidadão vivesse permanentemente
como umas 90 lâmpadas de 1000 watts ligadas à sua cabeça!)
para os 1.100 watts permanentes de cada habitante chinês, ou melhor
ainda, para os menos de 400 watts permanentes de cada cidadão hindu,
típicos de uma sociedade agrícola preindustrial, nem se vê
vontade de mudar o modelo social e de consumo no escasso tempo
disponível.
126- No pior dos casos, pensaram e concluíram que não é
possível. Só esta dramática conclusão final
justificaria a atitude primitiva, selvagem e militarista de domínio e
controle dos grupos 3 e 4 e do resto dos países do mundo da parte dos
países privilegiados do grupo 1, incluindo o férreo controle
ideológico que estamos a ver nestes dias, disfarçado de luta
contra o terrorismo islâmico mundial.
5- REFERÊNCIAS
As tabelas extraídas do relatório público da British
Petroleum, no formato .xls e .pdf, em
http://www.bp.com/centres/energy2002/
http://www.worldenergyoutlook.org/
Dados da Agência Mundial de Energia,
para contrastar e confirmar os dados da British Petroleum.
http://www.dieoff.com
, de Jay Hanson. Excelente sítio web no qual
há múltiplos artigos acerca do tema energia: gás,
petróleo, carvão, hidratos, hidrogénio, urânio, etc.
http://www.dieoff.com/42/Countries/42Countries.htm
. Contido no sítio
anterior (as curvas deste artigo foram extraídas daqui, que por sua vez
as tomam de um dos últimos relatórios de Richard C. Duncan).
http://www.energycrisis.com
. Daqui se chega a muitos outros sítios com interesse.
http://hubbertpeak.com
"La economia del hidrógeno", de Jeremyh Rifkin. Ediciones
Piados Ibérica, SA, Barcelona, 20002. Título original: "The
hydrogen economy", Penguim Putnam, Inc., New York, 2002.
"Estratégia solar", de Hermann Scheer. Plaza y Janes
editores, 1993.
________
[*]
Engenheiro técnico de telecomunicações. Tese apresentada na
Conferência Internacional "A obra de Karl Marx e os desafios do século XXI"
, em Havana, de 5 a 8 de Maio de 2003.
O original deste artigo encontra-se em
http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/index.htm
Acerca do mesmo assunto em 11/Set/2002 resistir.info publicou
Petróleo, pico de Hubbert, ambiente & crise: A mudança para um novo paradigma energético
, de Jorge Figueiredo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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