Eleições presidenciais em El Salvador:
Ventos favoráveis a uma mudança real
por Schafik Jorge Handal
[*]
Chegamos a um momento crucial da nossa história contemporânea:
esgotou-se irremediavelmente um modelo de economia e de direcção
do país, copiado do estrangeiro. Anunciado no início com
promessas de prosperidade em todas as áreas da vida e que pelo
contrário, nos trouxe estagnação, desemprego, incremento
da emigração, mais delinquência, aumento exponencial da
corrupção, destruição do ambiente,
deterioração profunda da saúde da população,
fracasso do sistema educativo e frustração massiva da juventude
que ainda não vê espaços no presente nem encontra
concerteza um lugar no futuro do solo pátrio.
Crise de sobrevivência para o sector agropecuário e para a micro,
pequena e média empresa, desindustrialização,
empantanamento e profundas iniquidades nas práticas da
integração centro-americana, franco desprestígio dos
três órgãos do Estado, autoritarismo e bloqueio de toda a
concertação, perca acelerada de soberania e
autodeterminação nacional, manipulação, em alguns
casos desenfreada, da opinião pública, com riscos, crescentes
para a democracia e graves ameaças de sofrimentos ainda maiores, dada a
fanática insistência neste modelo neoliberal fundamentalista do
pequeno grupo de donos do país, do partido Arena, do governo e dos
principais meios de comunicação, que enriqueceram de maneira
insaciável com esta tragédia do povo salvadorenho, e que agora,
cegos pelo dogmatismo neoliberal, se apegam a um extremismo desesperado e
amedrontador para evitar a mudança que já não pode ser
impedida.
Face a este panorama adverso, praticamente todos os sectores económicos
e sociais se pronunciam pela mudança, à excepção
desse pequeno grupo dos donos do país e de quem os apoia.
De acordo com uma sondagem, esta opinião é compartilhada por 80%
da população, incluindo a maioria dos que tradicionalmente votam
Arena.
A direcção da Arena e o seu candidato só podem oferecer
mais do mesmo, e apostam na divisão profunda da nação,
difundindo o temor, medo e aterrorizando, em vez de discutir as mudanças
que o país necessita urgentemente, num clima elevado e de
reflexão.
A FMLN previu e disse claramente, desde o início da
aplicação do modelo neoliberal, que este traria
consequências nefastas, mas não quiseram ouvir-nos os que estavam
mergulhados no frenesim do enriquecimento vertiginoso e fascinados com a chuva
de elogios dos seus mentores estrangeiros. Alguns deles lamentam agora o seu
erro.
A mudança hoje é a ideia e a aspiração mais
generalizada no nosso país, é a motivação que pode
unir a nação, que tanto necessita de pôr termo à
confrontação. Para que haja uma mudança não
necessitamos de trazer e implantar outro modelo estrangeiro de nenhum outro
país. Temos um modelo de Estado, de país e de sociedade definido
pela Constituição da República, que tem sido ou ignorado e
esquecido, ou então contrariado e violado.
Mesmo nós que nos confrontamos no conflito armado dos anos setenta e
oitenta, ou no conflito político desde os Acordos de Paz, podemos e
devemos hoje unir esforços, talentos e vontades para delinear e
construir a mudança. O Coronel David Munguía Payes pronunciou
há poucas semanas, uma frase que me impressionou muito pela sua sensatez
e profunda sabedoria: "não podemos mudar o passado,
disse
, mas podemos construir juntos o futuro".
A FMLN e os seus candidatos oferecem a sua profunda vocação
democrática, a sua provada vontade concertadora e includente, a sua
provada e demonstrada honestidade.
No decurso da minha larga trajectória como esquerda e como pessoa, ponho
à consideração e ao debate dos cidadãos o nosso
programa de governo e a plataforma eleitoral para a todos ouvir; incluindo
aqueles que se declaram nossos inimigos. Com todos queremos dialogar e
construir o futuro.
Os entendimentos e pactos programáticos não têm natureza
ideológica, são coincidências e convergências
políticas, que preservam a identidade de cada um e asseguram à
pátria a saída do desastre social e económico em que se
encontra e evitam uma nova escalada na confrontação.
Nisto se firma a esperança do povo salvadorenho, que deseja superar a
crise com o menor sofrimento possível.
Esta é a esperança salvadorenha, na qual está comprometida
a FMLN, cada uma e cada um dos seus militantes. Para tornar realidade essa
esperança, iremos visitar as famílias de casa em casa, em todas
as cidades e distritos. Para que se realize essa esperança, estamo-nos
reunindo e vamos continuar a reunir com todas as personagens, assim como com
instituições e organizações, sem
excepção. Algumas personagens situadas no campo dos nossos
adversários, com quem me reuni mais de uma vez, sabem que digo a verdade.
Resolver a crise que o país atravessa e construir um futuro melhor
requer, claro está, alguns sacrifícios da parte dos que
beneficiaram a mãos cheias do modelo aplicado pelos governos da Arena,
mas a esses digo: vale a pena fazer esses sacrifícios, que
não
vos tornarão pobres e desvalidos, mas antes trarão felicidade
à pátria e satisfatória tranquilidade e prestigio
às vossas famílias e descendentes!
Queremos que a mudança de governo, a alternância
democrática, decorra tranquila e harmoniosamente, mas ao mesmo tempo
queremos deixar claro que nada nem ninguém, seja quem for,
distorcerá, comprará, domesticará ou corromperá a
nossa vontade de cumprir perante o povo salvadorenho o nosso histórico
compromisso de encabeçar a sua luta para mudar esta injusta realidade e
construir um porvir assente no postulado constitucional que diz: "El
Salvador reconhece a pessoa humana como a origem e o fim da actividade do
Estado", cuja obrigação é "assegurar aos
habitantes da república o gozo da liberdade, a saúde, a cultura,
o bem-estar económico e a justiça social.
Apelamos a todos os sectores, a todas as forças sociais e
políticas a concertar no decurso da discussão do programa que
propomos hoje, uma grande aliança pela mudança, que una a
nação e transforme o país.
Esta será a façanha do povo em democracia, especialmente a
façanha da juventude, a quem pertence o futuro. E esta obra e o seu
progresso constante serão definitivamente assegurados porque faremos da
democracia a componente inseparável do desenvolvimento económico
e social.
O vento latino-americano agora está favorável, como no tempo dos
nossos venerados precursores da independência pátria, em 5 de
Novembro de 1811 e em 15 de Setembro de 1821.
Digo ao povo salvadorenho e aos povos latino-americanos e caribenhos:
Não faltaremos a este encontro com a história!
Discurso de Schafik Jorge Handal
como candidato à Presidência da República
Estimado(a) Compatriota:
A nossa Pátria aproxima-se de um momento crucial. Em Março do
próximo ano, terás a oportunidade histórica de participar,
com o teu voto, na mudança tão largamente esperada em El
Salvador. Trata-se de uma mudança a favor do bem-estar da tua
família, a favor do desenvolvimento e da democracia no nosso país.
Nunca antes foi tão visível e esteve tão perto a
possibilidade de mudança. E nunca como agora o valor da tua
decisão foi tão elevado. Hoje está ao alcance da tua
mão pôr fim a 15 anos de governos areneros, que
trouxeram mais pobreza e mais corrupção. Foram 15 anos de enganos
e frustrações às esperanças dos salvadorenhos e
salvadorenhas.
Coube-me a honra de ser o candidato da FMLN à Presidência da
República nas próximas eleições. Ao longo de toda
a minha vida enfrentei numerosos desafios. Desde muito jovem tomei a
decisão de acompanhar e participar nas causas justas do povo. E ainda
que isso me tenha acarretado perseguições, encarceramentos e
exílio, sempre encontrei a força necessária para seguir em
frente, confiando em que a justiça e a verdade finalmente triunfariam.
Hoje, quando a hora dessa grande mudança se aproxima, estou convencido
que lutar ao lado do povo salvadorenho por um futuro melhor foi o caminho mais
correcto que pude seguir na vida.
Ser Candidato Presidencial da FMLN é, sem dúvida, o maior desafio
que enfrentei ao longo da minha trajectória política. Estou
consciente dos numerosos e complexos problemas que afectam a nossa sociedades e
que requerem urgentes soluções. Nas minhas
deslocações pelo país constatei que as pessoas
simplesmente já se cansaram de esperar. Acabou o tempo para as
promessas e discursos demagógicos do partido Arena. Chegou a hora de
actuar.
É por isso que quero hoje compartilhar contigo a minha visão e o
meu compromisso com as mudanças que tu e a tua família esperam.
Considero, em primeiro lugar, que como Presidente da República terei de
levar a cabo
três
tarefas fundamentais, em concertação com todos os sectores
nacionais. A primeira é
combater a pobreza
, a segunda é
retirar o país da crise económica
, e a terceira é
ampliar e aprofundar a democracia
. Com isto, assentaremos as bases de uma sociedade mais justa, conforme ao
modelo definido pela Constituição da República.
Nos meus encontros com agricultores, operários, camponeses, militares,
profissionais, empresários de todas as dimensões, jovens e
mulheres, e outros sectores, cheguei à conclusão de que esses
objectivos abrangem as necessidades mais sentidas pela população.
Nestes grandes objectivos empenharei todas as minhas energias e a minha
vontade, acompanhado do Dr. Guillermo Mata Bennett, incansável defensor
da saúde e demais direitos sociais dos salvadorenhos e salvadorenhas, e
de toda a FMLN e outros agrupamentos cívicos e políticos que
encabeçam este vigoroso e imparável movimento pela mudança.
É urgente lançar um plano nacional de combate frontal à
pobreza. O nosso Governo executará de imediato um programa de
reforma social
, que permita assegurar às famílias
alimento, saúde, educação e trabalho
. A execução de uma profunda reforma dos sistemas de
saúde e educação, que garanta a todas as pessoas o acesso
gratuito a estes direitos humanos fundamentais, será uma das primeiras
acções do novo Governo. Também adoptaremos
políticas económicas que recuperem e reactivem a nossa
agricultura, que apoiem os pequenos e médios empresários, que
fortaleçam as capacidades dos produtores nacionais, que promovam
económica e socialmente os nossos irmãos e irmãs que se
viram obrigados a emigrar, que façam de El Salvador um lugar onde os
investimentos nacionais e estrangeiros queiram estabelecer-se. Poremos fim
às privatizações e procederemos à revisão
das privatizações da ANTEL, da distribuição da
energia eléctrica, das pensões e outros serviços
públicos, para que os utilizadores tenham acesso a serviços de
qualidade, com tarifas acessíveis e justas. Aplicaremos uma
política fiscal que reduza os impostos aos que têm menores
rendimentos e que assente no princípio de que quem tem mais, contribua
mais. Distribuiremos a despesa e o investimento do Estado de maneira
descentralizada, para que as zonas do país que hoje estão
abandonadas possam superar o seu atraso. Vamos pôr de novo a circular o
colón
, para que, num autêntico sistema bi-monetário, onde circulem
colóns e dólares, sejas tu e não o Governo quem decida
qual moeda que queres usar.
Tenho plena confiança em que podemos construir juntos, todas e todos, um
El Salvador melhor. Confio na capacidade das pessoas. Nós, salvadorenhos
e salvadorenhas somos pessoas laboriosas, que com um Governo comprometido com
as necessidades do povo, podemos resolver os problemas e seguir em frente. El
Salvador deve ser um país onde valha a pena viver, onde possamos todos e
todas encontrar uma oportunidade para trabalhar, para ver crescer os nossos
filhos, para progredir e viver com segurança e dignidade.
Vamos projectar o nosso país para o resto do mundo, para aproveitar
todas as oportunidades que o século XXI nos oferece, em matéria
económica, tecnológica, científica, cultural e de
cooperação para o nosso próprio desenvolvimento como
sociedade. Somos parte de uma comunidade global e como tal procuraremos
estabelecer relações com todos os povos do mundo, baseando-nos
nos princípios do respeito mútuo, autodeterminação
e apoio à paz mundial. Com os Estados Unidos cultivaremos uma
relação de amizade e cooperação. Faremos
diligências para que sejam respeitados os direitos dos emigrantes
salvadorenhos, a começar pelo direito à residência
permanente.
O nosso compromisso com aquelas centenas de milhares de compatriotas que
deixaram o país por falta de oportunidades é claro e firme.
Trabalharemos para baixar os custos das passagens aéreas e as
comissões sobre as remessas dos emigrantes. Daremos incentivos aos
empresários salvadorenhos no exterior que queiram investir no seu
país e garantiremos que as comunidades de emigrantes possam fazer chegar
sem obstáculos a sua ajuda aos seus lugares de origem. Negociaremos com
o Governo do México uma amnistia para os emigrantes salvadorenhos
detidos na sua busca de um melhor destino e procuraremos que seja dado um
tratamento humano a todos aqueles compatriotas que passam por esse país
irmão com aquele propósito. Asseguraremos que se implemente o
direito ao voto dos nossos concidadãos no exterior e que possam eleger
directamente os seus representantes na Assembleia Legislativa.
Nas nossas relações com o mundo, estaremos sempre a favor do
respeito pelo Direito Internacional. Não permitiremos que o
território nacional seja utilizado para preparar e lançar
acções terroristas, nem para que aqui opere o narcotráfico
e a lavagem de dinheiro.
O Programa de Governo da FMLN será discutido nos próximos dias
com todos os sectores nacionais. Queremos que esse Programa inclua as
exigências e pontos de vista de todos aqueles que até hoje
têm sido excluídos, que não têm sido ouvidos e que
têm sido prejudicados pela perversa política económica dos
governos da Arena. Esta consulta será apenas o início daquilo
que caracterizará o meu Governo: faremos um governo de
concertação, um governo aberto às opiniões de todos
os sectores. Ao contrário da Arena, que consentiu a
corrupção como prática quotidiana de muitos
funcionários públicos, combateremos sem tréguas nem
excepções os corruptos e os corruptores. Faremos um governo
transparente e honesto, aberto ao escrutínio do povo. É esta a
base da sabedoria de qualquer governante democrático: ouvir o seu
povo,
actuar à vista do povo e, o mais importante, trabalhar junto a ele.
Procurando impedir a mudança, a Arena recorre a uma desesperada campanha
de boatos e mentiras. Incapaz de resolver os problemas das pessoas, procura
difundir o medo e a desconfiança. Pretende persuadir as pessoas que
apesar de se estar muito mal com a Arena, é preferível continuar
mal a optar pela mudança. A essa campanha, respondemos com a
Constituição na mão, pois o Governo da FMLN
cumprirá e respeitará a Constituição da
República e os direitos das pessoas nela consagrados. Daremos
soluções nacionais aos problemas nacionais, respeitando os
costumes, a fé religiosa, as tradições e valores da nossa
gente. Governaremos pela própria cabeça e não copiaremos
sistemas ou modelos de nenhum outro país. O nosso Governo não
realizará, nem permitirá, nenhum confisco. Pelo
contrário, garantiremos os títulos e escrituras da propriedade, e
a segurança jurídica para os investimentos. Asseguraremos que tu
e a tua família desfrutem da propriedade e dos resultados do trabalho.
Compatriota:
A hora da mudança chegou: confiemos nas nossas energias, nas nossas
capacidades. Decidamo-nos a vencer o medo, a apatia e a
frustração. Temos hoje a oportunidade, que poucas vezes se
apresenta tão real e tão próxima, de conseguir a
mudança que desejamos para a nossa Pátria. Derrotemos juntos a
pobreza, a exclusão, a mentira, a corrupção e o
autoritarismo encarnados pelos governos areneros.
Desde a assinatura dos Acordos de Paz, promovidos pela FMLN, iniciamos o
caminho da democratização do país. Aproximamo-nos do
momento de concluir esta obra:
erradiquemos a pobreza, tiremos o país da crise económica e
garantamos uma efectiva democracia para todos e todas.
Está nas tuas mãos consegui-lo!
Com o meu apreço e fé no futuro melhor para El Salvador,
Schafik Jorge Handal
[*]
Candidato da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN)
à Presidência da República (2004-2009).
O original encontra-se em
http://www.FMLN.org.sv/
. Tradução de Carlos Coutinho.
Estes discursos encontram-se em
http://resistir.info
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