O domínio dos transportes rodoviários de mercadorias pelos privados, o "lock-out" dos patrões, o preço do gasóleo e a manipulação da opinião pública

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Como consequência de uma politica de transportes desastrosa dos sucessivos governos, actualmente 91% ( segundo o Eurostat, 94,3% ) do transporte interno de mercadorias é rodoviário, cabendo ao transporte marítimo apenas 5,3%, e ao transporte ferroviário somente 3,4% do total.

Como a presença do Estado é nula no transporte rodoviário de mercadorias, ele encontra-se totalmente nas mãos de privados, embora seja estratégico para o abastecimento da população e das empresas. O nº 4 do artº 57 da Constituição da República dispõe que " é proibido o lock-out ", ou seja, a paralisação das empresas por parte dos patrões (infelizmente, muitos jornalistas ainda confundem greve e "lock-out "). Apesar disso, acabou-se de assistir a um " lock-out" , por parte dos patrões das empresas dos transportes de mercadorias que, se se prolongasse, teria graves consequências no abastecimento de produtos essenciais à população e à economia.

Uma das razões para o " lock-out " dos patrões era o aumento significativo dos preços do gasóleo num curto período de tempo. Por isso interessa analisar mais uma vez esta questão.

Ao longo de todo o ano de 2010, exceptuando o mês de Junho, o preço do gasóleo em Portugal sem impostos foi sempre superior ao preço médio da União Europeia (Gráfico I). Em Janeiro de 2011, o preço de venda sem impostos do gasóleo em Portugal (0,692€/litro) era ao preço na UE27 (0,649€/litro) em 6,6%, e o peso dos impostos, medido em percentagem do preço de venda ao público, era em Portugal (46,7% do PVP) inferior ao peso dos impostos na União Europeia (50,1% do PVP). É fácil concluir que o elevado preço de venda ao público do gasóleo, incluindo impostos, em Portugal (superior ao verificado em 19 países da UE27) se deve, em primeiro lugar, ao facto de o preço de venda sem impostos do gasóleo em Portugal ser superior ao de 24 países da UE27, e só depois ao peso da carga fiscal. E isto contrariamente ao que as petrolíferas pretendem fazer crer, manipulando a opinião pública.

Se a comparação for feita com Espanha conclui-se que, em Janeiro de 2011, o preço de venda do gasóleo sem impostos em Portugal (0,692€/litro) era superior ao preço de venda do gasóleo sem impostos em Espanha (0,673€/litro), e que a carga fiscal sobre o gasóleo em Portugal (46,7% do preço de venda) era superior à carga fiscal em Espanha (44% do preço de venda). No entanto, se admitir que a carga fiscal em Portugal fosse igual à da Espanha (44% do PVP), o preço de venda de gasóleo ao público em Portugal, incluindo impostos, devia ser igual a 1,237 €/litro, e não os 1,3€/litro que os portugueses foram obrigados a pagar. Portanto, o facto de o preço de venda do gasóleo em Portugal ser superior ao de Espanha, isso deve-se, em primeiro lugar, ao facto das petrolíferas venderem o gasóleo em Portugal, sem impostos, a um preço superior ao que vendem em Espanha, e só depois à carga fiscal.

Apesar do preço do gasóleo sem impostos em Espanha ser inferior ao preço sem impostos em Portugal, a Comissão Nacional da Concorrência espanhola num relatório, que divulgou em 2010, considera que " o diferencial em relação à`UE da margem bruta de distribuição é mais elevado " (pág. 10) e isso " se poderia dever, entre outras razões, ao menor peso da comercialização de combustíveis através de hipermercados em Espanha" (pág. 29), ou seja, a uma concorrência insuficiente entre empresas, portanto que não tem como justificação aumento de custos. Em Portugal, com o preço de venda sem impostos superior ao preço sem impostos em Espanha, governo e AdC mantêm-se cegas e passivos, e acham a situação normal.

Contrariamente ao que pretendem fazer crer as petrolíferas, para produzirem a gasolina ou gasóleo que vendem num certo dia não utilizam petróleo adquirido nesse dia, ou mesmo na semana anterior. A GALP tem capacidade de armazenagem para três meses. Por isso, utiliza petróleo adquirido várias semanas ou meses antes. Para além disso, as petrolíferas não fazem aquisições para o consumo de um dia, mas fazem contratos a médio prazo a preços bem definidos. Portanto, embora as petrolíferas aumentem o preço dos combustíveis logo que se verificam aumentos do preço do petróleo, é evidente que a razão desses aumentos não é a subida do preço do petróleo verificada no dia, ou na semana anterior à venda desse combustível como pretendem fazer crer, manipulando a opinião pública. E isto porque utilizam para produzir esse combustível petróleo que tinham armazenado e adquirido a um preço que não é o que serve de justificação para subir o preço da gasolina e do gasóleo.

Interessa ainda referir que, entre 31 de Janeiro e 3 de Março de 2011, o preço do gasóleo em Portugal sem impostos aumentou 10%, enquanto o preço de venda ao público, portanto com impostos subiu 6,6%; portanto o aumento percentual verificado no preço sem impostos foi superior em 51% ao preço de venda ao público, que inclui impostos. Os comentários são desnecessários.

Como consequência de uma politica de transportes profundamente errada seguida pelo sucessivos governo apostou-se, em Portugal, fundamentalmente no transporte rodoviário, um transporte caro, altamente poluente, e gerador de dependência externa (das importação de petróleo) em prejuízo de outros meios transportes, como são o marítimo e o ferroviário, onde se registou um profundo desinvestimento em que o fecho crescente de linhas é a parte visível.

Esta politica desastrosa levou ao investimento maciço em auto-estradas, que determinou que, em 2011, Portugal tenha uma rede de auto-estradas de 2.571 km, ou seja, mais do que toda a linha ferroviária electrificada do País, cuja extensão tem apenas 1.449 km. Aquela rede de auto-estradas, concretizadas através das Parceria Publico Privadas tem custos futuros insuportáveis para os portugueses. Os dados oficiais revelam as consequências dessa politica de desastre.

Quadro 1 – Transporte interno de mercadorias por modos de transportes
Quadro 1.
Fonte : Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres

Em toneladas transportadas, em 2000, 85,1% do transporte interno de mercadorias em Portugal era rodoviário; 8,3% marítimo e apenas 6,7% era feito através da ferrovia, o que revela já uma profunda distorção no sistema de transportes português. Nove anos depois, ou seja, em 2009, já 91,3% do transporte de mercadorias em Portugal era rodoviário, 5,3% era marítimo e apenas 3,4% era feito pela ferrovia. E a administração da CP tenciona continuar esta politica desastrosa tendo já anunciado o fecho de mais linhas, e o governo associou-se a ela com o anúncio da privatização da CP, ou de parte dela. Como a presença do Estado é nula no transporte rodoviário de mercadorias, este encontra-se totalmente nas mãos de privados, embora seja estratégico para o abastecimento da população e das empresas. E apesar do nº 4 do artº 57 da Constituição da República dispor que "é proibido o lock-out", que é " qualquer decisão unilateral do empregador que se traduza na paralisação total ou parcial da empresa", e não uma greve como diziam vários jornalistas nas suas peças, os patrões das empresas de transportes de mercadorias decidiram paralisar as suas empresas, ficando claro o perigo que representa esse domínio (no Chile foi precisamente um "lock-out" dos patrões das empresas de transportes que criou as condições para a ditadura militar)

A ESPECULAÇÃO NO PREÇO DO GASÓLEO

O gráfico seguinte, construído com dados divulgados pela Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, mostra a evolução do preço do gasóleo sem impostos na UE27 e em Portugal.

GRAFICO I
Gráfico 1.

Em 2010, exceptuando o mês de Junho, o preço do gasóleo sem impostos em Portugal foi sempre superior ao preço médio da UE27, o que representou um lucro extraordinário significativo para as petrolíferas a operar em Portugal. O quadro seguinte, com dados da Direcção Geral de Energia de Janeiro de 2011 (os últimos disponíveis) mostra a situação no inicio de 2011.

Quadro 2 – Preço do gasóleo sem impostos (PST) e com impostos (PVP) em Portugal, e percentagem que os impostos representam do PVP pago pelo consumidor – Jan.2011
PAÍS
Gasoleo - Jan2011 – Euros / litro
PST
(Preço sem impostos)
Em euros
% PST de Portugal
é superior (+)
ou inferior (-)
ao dos outros países
PVP
(Preço Venda ao Público)
Em euros
Peso dos impostos
(Em % PVP)
Alemanha 0,636 8,8% 1,317 51,7%
Áustria 0,610 13,5% 1,255 51,4%
Bélgica 0,654 5,8% 1,278 48,8%
Bulgária 0,614 12,8% 1,114 44,9%
Chipre 0,662 4,6% 1,153 42,6%
Dinamarca 0,670 3,4% 1,333 49,7%
Eslovénia 0,607 14,1% 1,235 50,9%
Espanha 0,673 2,9% 1,202 44,0%
Estónia 0,625 10,8% 1,222 48,8%
Finlândia 0,716 -3,3% 1,287 44,4%
França 0,634 9,2% 1,270 50,1%
Grécia 0,718 -3,6% 1,406 48,9%
Holanda 0,653 6,0% 1,293 49,5%
Hungria 0,666 3,9% 1,287 48,2%
Irlanda 0,582 18,9% 1,272 54,2%
Itália 0,685 1,0% 1,330 48,5%
Letónia 0,653 6,0% 1,203 45,7%
Lituânia 0,654 5,9% 1,156 43,5%
Luxemburgo 0,649 6,7% 1,103 41,2%
Malta 0,643 7,7% 1,210 46,9%
Polónia 0,637 8,7% 1,190 46,4%
PORTUGAL 0,692 0,0% 1,300 46,7%
Reino Unido 0,606 14,2% 1,556 61,1%
República Checa 0,666 3,9% 1,334 50,1%
Rep. Eslovaca 0,648 6,8% 1,248 48,1%
Roménia 0,625 10,8% 1,150 45,7%
Suécia 0,676 2,4% 1,452 53,5%
UNIÃO EUROPEIA 0,649 6,6% 1,301 50,1%
Fonte. Direcção Geral de Energia - Ministério da Economia

Em Janeiro de 2011, o preço de venda do gasóleo antes de impostos, ou seja, o preço que reverte totalmente para as empresas era, em Portugal, superior ao praticado em 24 países da União Europeia (apenas na Finlândia e na Grécia era cerca de 3% inferior ao de Portugal). Nessa data, o preço do gasóleo sem impostos em Portugal era 6,6% superior ao preço médio da União Europeia (27 países). Por outro lado, o peso dos impostos, medido em percentagem do preço de venda a público do gasóleo, representava em Portugal 46,7% do preço de venda ao público, enquanto a média na União Europeia era de 50,1%.

Se a comparação for feita com Espanha, conclui-se que o preço de venda do gasóleo antes de impostos em Espanha (0,673€/litro) era inferior ao de Portugal (0,692€/litro), enquanto o preço de venda a publico (PVP) em Espanha (1,202€/litro) era inferior ao de Portugal (1,3€/litro), devido precisamente ao facto da carga fiscal em Portugal ser superior à espanhola. Em Portugal representava 46,7% do preço de venda ao (PVP), enquanto em Espanha representava 44%,portanto menos 2,7 pontos percentuais. No entanto, não é a diferença da carga fiscal que determina que o preço de venda ao público em Portugal seja 8,15% superior ao preço praticado em Espanha. Para concluir isso basta ter presente o seguinte: se a carga fiscal em Portugal fosse igual a 44% do preço de venda, e não a 46%, o preço de venda ao público devia ter sido1,237€/litro, portanto um preço ainda superior ao preço espanhol em 2,9%.

O AUMENTO VERIFICADO NO PREÇO DO GASÓLEO SEM IMPOSTOS EM PORTUGAL FOI 51% SUPERIOR AO AUMENTO VERIFICADO NO PREÇO DE VENDA AO PÚBLICO DE JANEIRO E MARÇO DE 2011

As petrolíferas para produzir produtos refinados (por ex., gasolina ou gasóleo) não utilizam petróleo adquirido no mesmo dia, ou na semana ou semanas anteriores. A GALP tem armazéns para armazenar petróleo para a produção de três meses. Consequentemente, o petróleo utilizado num dia foi adquirido muito antes. Para além disso, as petrolíferas não fazem aquisições para um dia, mas fazem contratos a médio prazo, com preços bem definidos e com quantidades elevadas. Portanto, o aumento dos preços dos combustíveis não resulta do aumento do preço do petróleo verificado nesse dia ou nas semanas anteriores como pretendem fazer crer as petrolíferas, manipulando a opinião pública. O quadro 3, construído com dados divulgados pela Direcção de Energia, mostra que o preço do gasóleo sem impostos em Portugal aumentou mais do que preço de venda ao público nos três primeiros meses de 2011.

Quadro 3- Aumento dos preços do gasóleo sem impostos e com impostos em Portugal durante os três primeiros meses de 2011
Data
Preço sem impostos
Euros/litro
Preço de Venda Público
Euros / litro
31-01-2011 0,699 1,308
24-01-2011 0,706 1,316
17-01-2011 0,703 1,313
10-01-2011 0,687 1,293
03-01-2011 0,674 1,277
Média Jan.2011 0,694 1,301
28-02-2011 0,746 1,366
21-02-2011 0,737 1,355
14-02-2011 0,728 1,344
07-02-2011 0,720 1,334
Média Fev.2011 0,733 1,350
14-03-2011 0,779 1,406
07-03-2011 0,769 1,394
Média Mar.2011 0,774 1,400
Variação 31 de Jan2011 a 3 Mar.2011 10,0% 6,6%
Fonte: Direcção Geral de Energia -Ministério da Economia

Entre 31 de Janeiro e 3 de Março de 2011, segundo a Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, o preço do gasóleo em Portugal sem impostos aumentou 10%, enquanto o preço de venda ao público, portanto com impostos subiu 6,6%; portanto o aumento percentual verificado no preço sem impostos foi superior em 51% ao preço de venda ao público, que inclui impostos. É evidente que uma das causas do aumento do preço de venda ao publico do gasóleo é precisamente a subida elevada verificada no preço antes dos impostos, ou seja, no preço que reverte integralmente para as empresas, que constitui a fonte dos seus elevados lucros. E isto apesar das petrolíferas pretenderem fazer crer o contrário com o claro objectivo de manipular a opinião pública.

Em Espanha, apesar do preço do gasóleo sem impostos ser inferior ao registado em Portugal, mesmo assim a Comissão Nacional de Concorrência (CNC), que corresponde a Autoridade de Concorrência (AdC) portuguesa, considera-o excessivo e diz que resulta da concorrência insuficiente que se verifica no mercado espanhol como consta do "INFORME DE SEGUIMENTO DEL INFORME DE CARBURANTES PARA AUTOMOCIÓN DE LA CNC" que divulgou em 2010. e que citamos textualmente no inicio deste estudo. Em Portugal, a AdC, apesar dos preços dos combustíveis sem impostos serem superiores aos espanhóis considera a situação normal, e nada diz nem nada faz. O governo, como é seu hábito quando estão em jogo os interesses dos grupos económicos e financeiros, mantém-se mudo e quieto, e nada faz também.

18/Março/2011
[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
21/Mar/11