Até 2010 ficaram por utilizar 6.439,6 milhões € de fundos comunitários do QREN
– Mas agravam-se as assimetrias regionais e a situação económica do país

por Eugénio Rosa [*]

No estudo anterior mostramos, utilizando dados do INE, que as desigualdades entre as 30 regiões (NUTS III) do País continuam a ser muito grandes. Por outro lado, a situação económica e social do País está-se a agravar devido às quebras no investimento, no consumo privado e público provocada pela política de obsessão de reduzir tanto e em apenas 3 anos o défice orçamental. Segundo o "Boletim Económico - Inverno 2010" do Banco de Portugal publicado já este ano, o investimento registou, em 2010, uma diminuição de -5% e, em 2011, prevê uma nova redução de -6,8%. E prevê também que, em 2011, o Consumo Privado sofra uma quebra de -2,7%, e o Consumo Público de -4,6%, o que determinará que o País caia novamente na recessão económica com consequências graves a nível de falência de empresas e do desemprego.

Enquanto a situação económica e social agrava-se por falta de investimento e de consumo, uma parte significativa dos Fundos Comunitários ficaram por utilizar. E isto devido também à falta de disponibilidades financeiras do Estado, dominado pela obsessão do défice, e das empresas, devido às dificuldades crescentes em obter crédito junto da banca para comparticipar com a sua parte (efeitos colaterais). O quadro seguinte, construído com dados do Boletim Informativo nº 10 do QREN divulgado já este ano, revela a baixa execução verificada no QREN.

Quadro 1 – Fundos Comunitários programados para o período 2007-2013, para o período 2007 -2010 e fundos comunitários utilizados no período 2007 a 2010
PROGRAMAS OPERACIONAIS
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 2007 A 2013
(Período total de execução do QREN)
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 1/1/2007 ATÉ 31/12/2010
(Fundos Comunitários que podiam ter sido utilizados até 31/12/.2010)
FUNDOS COMUNITÁRIOS UTILIZADOS NO PERIODO DE 1/1/2007 ATÉ 31/12/2010
(Despesa validada até 31/12/2010)
FUNDOS COMUNITÁRIOS NÃO UTILIZADOS ATÉ 31/12/2010,
(mas que podiam ter sido)
Fundos Comunitários utilizados até 31/12/2010 em % do Programado para o período 2007-2013
Euros
Euros
Em euros
Em % do Programado até 2010
Euros
Em % do programado 2007-2013
POT Factores Competitividade (FEDER+FC) 3.103.789.011 1.720.757.867 689.186.000 40,1% 1.031.571.867 22,2%
POT Potencial Humano (FSE) 6.117.387.866 3.415.008.960 1.948.152.000 57,0% 1.466.856.960 31,8%
POT Valorização Território (FEDER+FC) 4.658.544.223 1.924.651.261 932.268.000 48,4% 992.383.261 20,0%
POR Norte (FEDER) 2.711.645.133 1.503.351.123 390.829.000 26,0% 1.112.522.123 14,4%
POR Centro (FEDER) 1.701.633.124 943.394.855 261.294.000 27,7% 682.100.855 15,4%
POR Alentejo (FEDER) 868.933.978 481.741.823 94.966.000 19,7% 386.775.823 10,9%
POR´s Açores (FEDER+FSE+DE) 1.156.349.049 641.083.335 385.843.000 60,2% 255.240.335 33,4%
PO Assistência Técnica 92.413.996 93.308.651 39.825.000 42,7% 53.483.651 43,1%
QREN -Total -Convergência 20.410.696.380 10.723.297.875 4.742.363.000 44,2% 5.980.934.875 23,2%
POR Lisboa 306.689.171 170.030.181 54.653.000 32,1% 115.377.181 17,8%
POR Algarve 174.952.016 136.999.452 21.117.000 15,4% 115.882.452 12,1%
PO´s Madeira (FEDER+FSE) 445.549.004 346.096.238 118.654.000 34,3% 227.442.238 26,6%
QREN-TOTAL 21.337.886.571 11.376.423.746 4.936.787.000 43,4% 6.439.636.746 23,1%
Fonte: Boletim Informativo nº 10 - QREN; Programação Financeira de cada um dos programas operacionais

Até 31/12/2010, de acordo com a programação financeira de cada um dos programas operacionais do QREN, Portugal podia ter utilizado 11.376,4 milhões de euros, mas só utilizou 4.936,7 milhões de euros (43,4%), tendo ficado por utilizar 6.439,6 milhões de euros (56,6%). Se a análise for feita por programas a situação de alguns deles, em termos de execução, é ainda mais grave. Assim, até 31/12/2010, em relação ao Programa Factores de Competitividade, que tem como objectivo apoiar as empresas na modernização, na melhoria do seu perfil tecnológico e no aumento das exportações ficaram por utilizar 1.031,5 milhões € (59,9%); no Programa Potencial Humano, que tem como objectivo a qualificação dos portugueses, apesar de ser o programa com mais elevada taxa de execução (57%), porque o financiamento público (União Europeia e Estado Português) é a 100%, ficaram por utilizar 1.466,8 milhões € (43%); no programa Valorização do Território, que tem também como objectivo o combate às assimetrias regionais, não foram utilizados 992,3 milhões € (51,6%). Mas é fundamentalmente nos programas operacionais regionais, que têm como objectivo precisamente reduzir as desigualdades entre as diferentes regiões do País, que são ainda muito grandes como mostramos no estudo anterior, e promover o seu desenvolvimento que a taxa de execução ou de utilização é mais baixa. Assim, no Programa Operacional Regional da região Norte foi utilizado apenas 26% dos Fundos Comunitários, ficando por utilizar 1.112,5 milhões €; no POR da região do Centro foi utilizado somente 27,7% ficando por utilizar 682,1 milhões €; no POR da região do Alentejo foi utilizado apenas 19,7% ficando por utilizar 386,7 milhões €; nos POR´s da RA dos Açores a taxa de execução foi de 60,2%, ficando por utilizar 255,2 milhões €; no POR da região de Lisboa a taxa de execução foi de 32,1% ficando por utilizar 115,3 milhões €; no POR da região do Algarve a taxa de execução até 31/12/2010 foi de 15,2%, ficando por utilizar 115,8 milhões €; e nos POR´s da RA da Madeira a taxa de execução foi de 34,3%, ficando por utilizar, até ao fim de 2010, 277,4 milhões €.

Se a análise for feita não com base nos valores programados para serem utilizados no período 2007-2010, mas sim para o período 2007-2013, até ao fim de 2010, foram utilizados apenas 23,1% do total de Fundos Comunitários, havendo Programas Operacionais, como são os das regiões do Alentejo e do Algarve com taxas de execução, respectivamente, de apenas 10,9% e 11,1% ao fim de quatro anos de execução do QREN.

É certo que a parcela de fundos comunitários não utilizados poderão ser nos anos seguintes. Mas o certo é que foram postos de trabalho que podiam ter sido já criados e não o foram; empresas que podiam ter sido modernizadas e que ainda não o foram; é produção de perfil tecnológico mais elevado e, consequentemente, mais competitivo, que podia ter sido obtida e que o não foi; é qualificação de portugueses que podia ter sido feita mas que não foi; são desigualdades regionais que já podiam ter sido reduzidas e que também o não foram. E, para além de tudo isto, poder de compra que se perdeu devido ao aumento de preços. Futuramente para fazer o mesmo tem de pagar muito mais. Só em 2010, devido ao aumento de preços, estimamos que se tenham perdido 100 milhões € de poder de compra nos Fundos Comunitários que não foram utilizados.

O GOVERNO SÓ AGORA ACORDOU PARA A GRAVIDADE DA BAIXA EXECUÇÂO DO QREN, MAS PARECE QUE APENAS EM PALAVRAS

Uma das 50 "famosas" medidas apresentadas pelo governo de Sócrates para "promover o emprego e o crescimento económico" é duplicar a utilização dos fundos comunitários durante o ano 2011, ou seja, realizar num único (2011) tanto como o feito nos quatro anos anteriores (2007-2010). Em valores isso significa o seguinte. Para o período 2007-2013, que é período de tempo que, em princípio, devia vigorar o QREN estão programados para serem utilizados 21.337,8 milhões € de Fundos Comunitários. No período 2007-2010 foram utilizados somente 4.936,7 milhões €, ou seja, apenas 23,1%. O governo de Sócrates pretende que, no fim de 2011, se tenha atingido 40% do valor programado para o período 2007-2013, ou seja, 8.535,1 milhões € de Fundos Comunitários, o que significa que, durante o ano de 2011, tenham de ser utilizados 3.598,3 milhões € de Fundos Comunitários. Mas para se poder utilizar este montante, as empresas e o governo português terão também de comparticipar com uma parte da despesa realizada, já que a União Europeia não financia sozinha, mas co-financia em média em 64%, o que significa que o restante (26%) da despesas realizada tenha de ser financiada ou pelo Estado português ou pelas empresas, ou conjuntamente por ambos.

Para poderem ter sido utilizados 4.936,7 milhões € de fundos comunitários até 31/12/2010, o Estado português teve de comparticipar com 1.639,8 milhões €, e as empresas com 1.141,2 milhões €, ou seja, por cada 100€ de despesa, 64€ foram pagos com fundos comunitários, 21,2€ pelo Orçamento do Estado ou da Segurança Social, e 14,8 € pelas empresas. Tendo como base a mesma proporção, em 2011, para serem utilizados 3.596 milhões € de Fundos Comunitários, como pretende o governo, será necessário que o Estado português comparticipe com 1.195 milhões €, e as empresas com 832 milhões €. E a questão que se coloca é seguinte: Será isso possível, estando o governo dominado pela obsessão de reduzir o défice orçamental, e as empresas com graves dificuldades em obter crédito junto da banca e em vender o que produzem? – É a pergunta que deixamos para reflexão do leitor. É também previsível que os efeitos da politica seguida, e as consequências da recessão económica, também se façam sentir aqui.

05/Fevereiro/2011
[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
07/Fev/11