Privatizações agravam défice externo e endividamento do
país
mas Passos Coelho quer privatizar a preços de saldo tudo que
resta do sector público
RESUMO DESTE ESTUDO
Numa altura em que o défice e a divida externa são os problemas
mais graves que Portugal enfrenta, privatizar todas empresas publicas, com
excepção dos Hospitais EPE, mas mesmo estes pretende-se entregar
à gestão privada, como consta do Programa do governo é
criar as condições para que aquele défice e aquela divida
continuem a aumentar. E para concluir basta ter presente os últimos
dados do INE e do Banco de Portugal sobre transferência de riqueza e de
rendimentos para o exterior.
O Produto Interno Bruto (PIB) dá-nos o valor de riqueza (novo) criado
anualmente no país. O Rendimento Nacional Bruto (RNB) corresponde
à riqueza que fica no país, e que todos os anos é
distribuída, embora de uma forma muito desigual, pelos portugueses. E
segundo o INE, m 1995, o RNB era superior ao valor do PIB em 176 milhões
. A partir desse ano, que corresponde à entrada para U.E., essa
situação inverteu-se passando o RNB a ser inferior ao PIB, e com
a entrada para a zona Euro em 2000 esta relação agravou-se ainda
mais e de tal forma que, em 2010, o Rendimento Nacional Bruto foi inferior ao
Produto Interno Bruto em 5.872 milhões . Produzimos pouco, mas uma
parcela desse pouco é ainda transferida para o estrangeiro ficando menos
para ser distribuída de uma forma ainda por cima muito desigual em
Portugal. Isto determinou que, em 2010 por ex., o PIB por habitante em Portugal
(cerca de 67% da média da U.E), era apenas de 16.236 , mas o RNB
era somente de 15.684 por português.
Uma das causas deste desnatação da reduzida riqueza criada
são os gigantes volumes de rendimentos transferidos todos os anos para o
estrangeiro. Segundo o Banco de Portugal, só em 3 anos, e em plena crise
(2008-2010), a soma dos débitos da Balança de Rendimentos
Portuguesa, ou seja, dos rendimentos transferidos para o estrangeiro atingiu
54.987 milhões , o que determinou que a Balança de
Rendimentos de Portugal tenha apresentado, nesse período, um saldo
negativo acumulado de 24.562 milhões . Este saldo negativo
representou (contribuiu) em média, neste período, para 42,9% do
Saldo negativo da Balança Corrente e de Capital, que é o saldo
das relações do nosso País com o exterior, o qual alimenta
o endividamento crescente do País, pois Portugal, devido a este saldo
negativo, é obrigado todos os anos a pagar ao estrangeiro mais do que
recebe. E aquela contribuição negativa da Balança de
Rendimentos tem aumentado, pois, entre 2008 e 2010, passou de 36% para 46,9% do
saldo da Balança de Transacções.
Uma das causas dos elevados rendimentos transferidos para o estrangeiro
são precisamente os lucros e dividendos recebidos por estrangeiros que
se apoderaram de empresas ou de partes de capital de empresas portuguesas,
nomeadamente de empresas públicas estratégicas que foram
privatizadas. Um exemplo concreto conhecido para tornar esta
relação mais clara. Uma parcela significativa do lucro
extraordinário de mais de 5.000 milhões que a Portugal
Telecom obteve com a venda da empresa brasileira VIVO à espanhola
Telefónica, que ainda por cima não pagou impostos ao Estado
português, foi distribuído aos accionistas. A prová-lo
está o facto de que o dividendo distribuído por
acção desta empresa tenha aumentado, entre 2009 e 2010, em
173,9%. E isto apesar da grave crise que o País e a generalidade dos
portugueses enfrentam. E como informa ufano o Conselho de
Administração da PT no Relatório e Contas de 2010,
pág. 92:
"A PT tem uma estrutura accionista diversificada, com cerca de dois
terços do seu capital social detido por accionistas estrangeiros,
essencialmente repartidos entre a Europa, os Estados Unidos e o Reino Unido,
que representam aproximadamente 29%, 21% e 13%, respectivamente da base
accionista. O mercado Português representa cerca de 36% da base
accionista".
É evidente que uma fatia substancial daqueles lucros distribuídos
pela PT, que não pagaram impostos em Portugal, foram transferidos para o
estrangeiro agravando ainda mais o défice externo do País.
Apesar desta evidência, Passos Coelho pretende privatizar de tudo que
resta do SEE (CTT, ANA, TAP, GALP, EDP, REN, CGD com excepção da
parte bancária, CP carga, carreiras com maior procura dos transportes
colectivos de Lisboa e do Porto, e as participações que o Estado
ainda tem em muitas empresas). A privatização das empresas
públicas que restam, para além do Estado perder alavancas
importantes de desenvolvimento e lucros, irá contribuir para agravar
ainda mais o problema do défice e da divida externa portuguesa,
até porque a maioria destas empresas cairão imediatamente em
mãos de estrangeiros pois os grupos económicos
"nacionais" estão profundamente endividados. E isto junta-se
ao IRS extraordinário que confiscará 800 milhões de
subsídio do Natal, que Passos Coelho declarou durante a campanha
eleitoral que nunca faria (a palavra para ele não tem valor) o que, para
além de agravar a situação social (as famílias
perderão esse dinheiro para acudir às dificuldades), vai agravar
mais a recessão económica (as vendas das empresas cairão
800 milhões ). É para dizer, que o Chile teve os seus
"Chicago boys" no governo com consequências desastrosas para
aquele pais, Portugal tem agora no governo os seus "FMI boys". E uns
e outros comungam da mesma cartilha.
|
Passos Coelho na defesa do seu programa de privatizações, que tem
como objectivo vender a privados as empresas ou parte do capital de empresas
que ainda pertencem ao Estado, naturalmente a preço de saldo devido
à situação difícil dos "mercados", um dos
argumentos que utilizou para justificar tal politica é que era uma forma
de captar capital estrangeiro para a nossa economia. Está-se longe do
argumento inicial utilizado por Cavaco Silva para iniciar as
privatizações criar grupos económicos nacionais
competitivos que a experiencia veio mostrar ser falso pois o capital das
grandes empresas privatizadas já se encontra total ou parcialmente sob o
controlo estrangeiro Actualmente, devido ao elevado grau de endividamento dos
grupos "nacionais" qualquer empresa publica privatizada cairá
também imediatamente ou a curto prazo sob o controlo estrangeiro. Apesar
disso, o argumento utilizado por Passos Coelho, para além de revelar uma
grande falta de dignidade na defesa dos interesses nacionais, mostra
também uma grande ignorância sobre a realidade económica
portuguesa. Observem-se os dados seguintes do INE.
Quadro 1- Riqueza que é produzida em Portugal (PIB) e riqueza que fica
em Portugal (RNB)
ANOS
|
PIB a preços de mercado
(O que é produzido em Portugal)
Milhões
|
Rendimento nacional bruto
(RNB - O que fica em Portugal)
Milhões
|
SALDO das transferências do e para o estrangeiro
Milhões
|
SALDO das transferências do e para o estrangeiro
% do PIB
|
1995
|
87.745
|
87.921
|
+176
|
+0,2%
|
1996
|
93.087
|
93.084
|
-3
|
0,0%
|
1997
|
100.981
|
100.358
|
-623
|
-0,6%
|
1998
|
110.104
|
109.267
|
-838
|
-0,8%
|
1999
|
118.370
|
117.198
|
-1.172
|
-1,0%
|
2000
|
127.008
|
124.372
|
-2.635
|
-2,1%
|
2001
|
134.137
|
130.703
|
-3.435
|
-2,6%
|
2002
|
140.142
|
137.896
|
-2.246
|
-1,6%
|
2003
|
143.015
|
141.632
|
-1.383
|
-1,0%
|
2004
|
148.827
|
147.238
|
-1.589
|
-1,1%
|
2005
|
153.728
|
151.440
|
-2.288
|
-1,5%
|
2006
|
160.274
|
155.439
|
-4.834
|
-3,0%
|
2007
|
169.319
|
163.945
|
-5.374
|
-3,2%
|
2008
|
171.983
|
165.836
|
-6.148
|
-3,6%
|
2009
|
168.587
|
161.761
|
-6.826
|
-4,0%
|
2010
|
172.699
|
166.828
|
-5.872
|
-3,4%
|
2011-1ºTrim
|
43.332
|
41.939
|
-1.393
|
-3,2%
|
SOMA
|
2.243.339
|
2.196.857
|
-46.482
|
|
Fonte: INE, Contas Nacionais Anuais Preliminares -
2011
Em 1995, o Rendimento Nacional Bruto (RNB), ou seja, a riqueza que ficava em
Portugal e era distribuída internamente, era superior ao valor do PIB em
176 milhões .Isto significou que Portugal teve ao seu dispor um
valor superior ao que produziu (176 milhões vieram do
estrangeiro). A partir desse ano, que corresponde à entrada para U.E.,
essa situação inverteu-se passando o RNB a ser inferior ao PIB, e
com a entrada para a zona Euro em 2000 esta relação agravou-se
ainda mais e de tal forma que, em 2010, o Rendimento Nacional Bruto (RNB) foi
inferior ao Produto Interno Bruto (PIB) em 5.872 milhões .
Produzimos pouco, mas uma parcela desse pouco é ainda transferida para o
estrangeiro ficando menos para ser distribuída de uma forma ainda por
cima muito desigual em Portugal.
A privatização das empresas públicas quanto muito
poderá aliviar a situação transitoriamente, enquanto
determinará a perda de uma importante fonte de receitas para o Estado,
pois os privados só estão interessados em adquirir o que der
lucro, e constituirá uma causa permanente de transferência de
lucros e dividendos para o estrangeiro, agravando o saldo negativo da
Balança de Rendimentos e, consequentemente, do défice e da divida
externa. Um exemplo concreto recente e conhecido tornará tudo isto muito
mais claro. O lucro extraordinário de mais de 5.000 milhões
que a Portugal Telecom obteve com a venda da empresa brasileira VIVO
à espanhola Telefónica, que ainda por cima não pagou
impostos ao Estado português, foi distribuído aos accionistas (o
dividendo distribuído por acção aumentou, entre 2009 e
2010, em 173,9%), sendo os países de origem desses accionistas os
constantes do gráfico I, que está na pág. 92 do
Relatório e Contas de 2010 da PT.
Como afirma ufano o Conselho de Administração da PT no mesmo
relatório
"A PT tem uma estrutura accionista diversificada, com cerca de dois
terços do seu capital social detido por accionistas estrangeiros,
essencialmente repartidos entre a Europa, os Estados Unidos e o Reino Unido,
que representam aproximadamente 29%, 21% e 13%, respectivamente da base
accionista. O mercado Português representa cerca de 36% da base
accionista"
(pág. 92).
Uma das causas das elevadas transferências da riqueza criada em Portugal
para o estrangeiro são precisamente as transferências de lucros e
dividendos obtidos por entidades estrangeiras, nomeadamente grandes grupos
económicos, que se apoderaram de empresas portuguesas ou de partes do
seu capital, nomeadamente das empresas públicas privatizadas. O quadro
seguinte construído com dados do Boletim Estatístico de Junho de
2011 do Banco de Portugal torna mais claro as consequências nefastas
dessa politica para o País.
Quadro 2 Saídas (Débito) de rendimentos, Saldo negativo da
Balança de
Rendimentos e da Balança Corrente e de Capital Portuguesa
Período: 2008/2010
ANOS
|
DEBITO (saídas de rendimentos) da Balança de Rendimentos
Portuguesa
Milhões
|
SALDO da Balança de Rendimentos de Portugal
Milhões
|
SALDO da Balança Corrente e de Capital Portuguesa
Milhões
|
% que SALDO negativo da Balança de Rendimentos representa no Saldo
negativo da Balança Correntes e de Capital Portuguesa
|
2008
|
-20.270
|
-7.817
|
-21.736
|
36,0%
|
2009
|
-17.010
|
-8.728
|
-18.402
|
47,4%
|
2010
|
-17.707
|
-8.017
|
-17.084
|
46,9%
|
SOMA
|
-54.987
|
-24.562
|
-57.222
|
42,9%
|
Fonte : Banco de Portugal, Boletim Estatístico - Junho de 2011
Segundo o Banco de Portugal, só em três anos, e em plena crise
(2008-2010), a soma dos débitos da Balança de Rendimentos
Portuguesa, ou seja, dos rendimentos transferidos para o estrangeiro atingiu
54.987 milhões . Deste total, 12.484,3 resultaram de lucros e
dividendos de investimentos directos em empresas, e 23.202,7 milhões
de investimentos em carteira (acções,
obrigações, etc). Tudo isto determinou que a Balança de
Rendimentos de Portugal tenha apresentado, nesse período, um saldo
negativo acumulado de 24.562 milhões (6.690 milhões
referentes a investimentos directos, e 9.685,6 milhões relativos
a investimentos de carteira). Portanto, fica assim claro que uma parte muito
importante do saldo negativo da Balança de Transacções
correntes do País se deve ao saldo negativo da Balança de
Rendimentos (36,9% em 2008 e 46,9% em 2010) o qual alimenta o endividamento
crescente do País, pois Portugal, devido a este saldo negativo da
Balança de Transacções Correntes, é obrigado todos
os anos a pagar ao estrangeiro mais do que recebe. E segundo o Banco de
Portugal uma fatia importante do elevado débito da Balança de
Rendimentos resulta da transferência de lucros e de dividendos para o
exterior. A privatização das empresas públicas que restam,
para além de o Estado perder alavancas importantes de desenvolvimento,
que passam a ser controlados por grandes económicos, nomeadamente
estrangeiros, e de receitas para o OE, irá contribuir para agravar ainda
mais o problema do défice e da divida externa portuguesa. E, segundo o
Banco de Portugal, em 2010, a divida liquida (Activo - Passivo) do País
atingia 186.515 milhões , e a divida bruta (Passivo) 506.096
milhões .
02/Julho/2011
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
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http://resistir.info/
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