O "Passe social +": incompetência ou intenção de
agravar a injustiça social e enganar a opinião pública
para aumentar ainda mais os preços dos transportes?
No dia 1 de Setembro devia começar a ser vendido o "Passe social
+". O governo tem procurado apresentar na sua propaganda este "Passe
social +" como uma medida que, diferentemente do governo anterior, revela
sensibilidade social. No entanto, uma análise objectiva desta medida,
abordando aspectos que têm sido esquecidos quer pelos media quer em
declarações politicas, revela o alcance limitado e mesmo perverso
desta medida.
De acordo com a
informação divulgada pelo Metro-Porto
, o "Passe social +" tem, em relação ao actual passe, um
desconto de 25%. Para o poder adquirir, segundo também o Metro-Porto,
"os clientes devem ter rendimentos anuais inferiores a 7629,86, o
que dá 544,99/mês (um sujeito passivo) ou a 15.259,72
anuais (dois sujeitos passivos), o que dá o mesmo valor médio
mensal por cada um. Para o poder adquirir são obrigados a apresentar,
para além do Bilhete de identidade e Cartão de contribuinte, a
declaração anual de IRS de 2010 (modelo 3) autenticada pela
Repartição das Finanças, que centenas de milhares de
portugueses estão dispensados por lei, por isso não possuem e
não podem apresentar. E nas bilheteiras certamente dirão para ir
à Repartição das Finanças pedir uma
declaração que estão dispensados, e esta terá
dificuldades em fazer ou levará muito tempo para o fazer por falta de
dados.
O CARACTER LIMITADO DA MEDIDA
O "passe social +" só vigora no Porto e em Lisboa, portanto os
portugueses vivendo em outras regiões do país, cujos
preços de transportes também tiveram aumentos significativos,
mesmo com rendimentos baixos não terão aquele desconto, portanto
um tratamento desigual. Depois, não se esclarece se o rendimento a
considerar é o ilíquido ou o liquido. Parece que é o
rendimento ilíquido, portanto os encargos familiares com filhos ou com
pessoas doentes ou deficientes, por ex., não são considerados.
Depois a nível de casal, mesmo que um dos membros tenha um rendimento
ilíquido mensal inferior a 544,99/mês, se o outro tiver um
salário ou pensão superior à anterior, por ex., em
200/mês, ficam os dois sem direito ao "passe social +".
PARA ADQUIRIR O "PASSE SOCIAL +" EXIGE-SE UMA
DECLARAÇÃO DE IRS QUE MUITOS PORTUGUESES ESTÃO DISPENSADOS
POR LEI, E POR ISSO NÃO A POSSUEM
Mas a incompetência e a falta de sensibilidade social deste governo
não fica por aqui. Não sabemos se quem aprovou esta medida sabe,
mas parece que desconhece que, de acordo com o artº 58º do
Código do IRS, estão dispensados de apresentar
declaração de IRS: (a) Os contribuintes com pensões anuais
inferiores a 6000/ano (valor da dedução especifica);(b) E
os trabalhadores com rendimentos de trabalho dependente de montante anual
inferior a 4104 (dedução especifica). Portanto, todos estes
não possuem declaração de IRS que possam apresentar. E
são muitos pensionistas que estão nessa situação
como mostra o gráfico seguinte.
Portanto, 77%, ou seja, cerca de 1.400.000 reformados recebiam, em 2009,
pensões mensais de valor inferior a 419,21 por mês. E, em
2010, as pensões até 628,83 tiveram um aumento de apenas
1,25% (+7,86) e, em 2011, todas as pensões foram congeladas
não tendo qualquer aumento, portanto, a situação
não se alterou. Na CGA, em 2010 os aposentados com pensões
até 250 por mês eram 55.980, e até 500 por
mês somavam 93.750.
Por outro lado, e agora em relação aos trabalhadores do activo,
segundo o Boletim Estatístico do Banco de Portugal de Agosto de 2011, em
Junho deste ano o número de trabalhadores com um horário de
trabalho inferior a 20 horas por semana, portanto com salários a tempo
parcial igual a metade ou menos do recebido por um trabalhador a tempo completo
era de 444,3 mil. E segundo o INE, em 2010, 122 mil trabalhadores tinham
salários líquidos até 310, e 1279,7 mil entre
310 e 600. E muitos destes, devido às baixas
remunerações que auferem estão também dispensados
de apresentar declaração de IRS.
A pergunta que imediatamente se coloca é esta: Como é se pode
exigir a estes portugueses a apresentação de uma
declaração de rendimento de IRS quando, por lei, estão
isentos de fazer tal declaração e por isso não a possuem?
E é precisamente entre estes que estão a maioria com mais baixos
rendimentos, que poderia beneficiar do "Passe social +". E para obter
uma declaração na Repartição de Finanças que
estão dispensados será um percurso infindável que
certamente poucos terão êxito, e a maioria certamente
desistirá, até porque as Finanças não
passarão tal declaração sem antes investigarem se isso
é verdadeiro. E existirão muitos milhares nessa
situação. Se não foi incompetência certamente
existiu a intenção premeditada de reduzir a um número
irrisório o número de portugueses com acesso efectivo a este tipo
de passe.
A MAIORIA DOS RENDIMENTOS SUJEITOS A TAXAS LIBERATÓRIAS (juros,
rendimentos de capital, mais-valias, etc.) NÃO SÃO ENGLOBADOS E
POR ISSO NÃO CONSTAM DA DECLARAÇÃO DE IRS
Mas a incompetência deste governo e a falta de sensibilidade social deste
governo não fica por aqui. De acordo com a alínea a) do artº
58º do Código do IRS estão também dispensados de
apresentar de declaração de IRS em relação aos
rendimentos tributados pelas chamadas taxas liberatórias constantes do
artº 71 do Código do IRS. E quais esses rendimentos que, por
estarem sujeitos a taxas liberatórias, os contribuintes poderão
optar em não incluir na sua declaração de rendimentos?
Segundo aquele artigo do Código do IRS são os juros de
depósitos à ordem e a prazo, os rendimentos de títulos de
divida pública (ex. certificados de aforro), bem como rendimentos de
capital referidos no artº 5º do Código de IRS. Em resumo,
todos estes rendimentos estão sujeitos a uma taxa liberatória de
21,5% e, por essa razão, os contribuintes poderão optar em
não inclui-los na sua declaração de IRS (é o que a
maioria faz) e por isso no Modelo 3 destes contribuintes exigido para adquirir
o "passe social +" não constam estes rendimentos apesar de os
auferirem. Em 2010, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira
elaborado pelo Banco de Portugal, a banca pagou 12.626 milhões de
"juros e encargos similares", cuja esmagadora maioria não
consta das declarações de IRS. Em 2011 será certamente
muito mais pois as taxas de juro aumentaram muito E não são
apenas estes rendimentos que não constam da declaração. Os
rendimentos de capital e de títulos de divida pública, as
mais-valias, não englobadas, não constam da
declaração de IRS que se tem de apresentar para o "Passe
social +".
É evidente que uma medida deste tipo vai agravar ainda mais as
injustiças sociais existentes no país. O que tem de novo e grave
é ser um novo agravamento provocado por uma medida que é
apresentada à opinião pública para combater as
desigualdades sociais, enganando-a.
E isto já para não falar da evasão e fraude fiscal em
larga escala que continua a existir em Portugal, o que determina que as
declarações de rendimentos para efeitos de IRS não sejam
um documento fiável para avaliar o rendimento de um sujeito passivo ou
de uma família, pois só aqueles que têm rendimentos de
pensões ou de salários é que são obrigados a
declarar integralmente o rendimento que recebem.
Uma medida que pretensamente visava fazer uma "discriminação
positiva" (pagar menos quem menos recebe) tem como consequência a
destruição de um serviço público de transportes de
passageiros acessível a toda a população, que devia
promover o transporte público, em substituição do
transporte individual, mais poluente e mais caro em termos quer individuais
quer do país. Parece que a intenção é abrir o
caminho a aumentos futuros muito elevados nos preços dos transportes
colectivos de passageiros, com a desculpa que os mais pobres já
estão defendidos com o "Passe social +", procurando assim
transformar os transportes colectivos em fonte de lucros criando assim as
condições que tornem apetecíveis, para os grupos
económicos, as privatizações que este governo tenciona
fazer neste sector.
31/Agosto/2011
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|