O discurso de Cavaco Silva, as medidas anunciadas por Sócrates e a imposição de Passos Coelho para que "o PS faça o seu trabalho"
por Eugénio Rosa
[*]
No discurso de tomada de posse como presidente da República, Cavaco
Silva afirmou textualmente o seguinte:
"Sem crescimento económico, os custos sociais e de
consolidação serão insuportáveis". E
"há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum
dos cidadãos".
No entanto, no mesmo discurso, e à laia de
orientação para um futuro governo, também acrescentou
textualmente o seguinte, tendo até repetido duas vezes: "
É crucial a realização de reformas estruturais destinadas
a diminuir o peso da despesa pública, a reduzir a presença
excessiva do Estado na economia
e a melhorar o desempenho e a eficácia da administração
pública".
E repetiu:
"Aumentar a eficiência e a transparência do Estado e
reduzir o peso das despesa pública não apenas de natureza
estrutural, mas também conjuntural".
Portanto, um discurso contraditório e mesmo ambíguo. A
diminuição do "peso do Estado na Economia", que falou
Cavaco Silva, apenas se consegue privatizando ainda mais (o pouco que resta), e
ao desbarato agravado pela crise que se atravessa (a privatização
das empresas nacionalizadas foi iniciada por Cavaco Silva e os resultados
desastrosos já são bem conhecidos por todos os portugueses,
bastando lembrar os preços que hoje tem-se de pagar pelos
combustíveis e electricidade em Portugal). A diminuição do
peso da despesa pública de que falou Cavaco Silva, atendendo à
estrutura do OE, em que 66,3% das despesas totais sem juros do Estado em 2011
são com as Funções Sociais, só se alcança
cortando principalmente nas despesas com prestações sociais, com
pensões, com a saúde, com a educação, etc., pois
são estas as despesas que têm maior peso na despesa
pública.
As medidas implementadas em 2010, começaram a fazer os seus efeitos principalmente a partir do início do 2º semestre de 2010. Num período de apenas 7 meses (Jun2010/Jan2011), o número de desempregados a receber subsídio diminuiu em 58.813; o numero de crianças a receber abono de família reduziu-se em 391.777 (até Dez-2010, pois ainda não existem dados de Jan2011); e o número de beneficiários do RSI baixou em 62.752. E isto numa altura em que a maioria das famílias portuguesas enfrentam graves dificuldades. No Orçamento da Segurança Social para 2011, o governo já tinha diminuído significativamente as verbas destinadas ao pagamento daquelas prestações sociais o que, sem as medidas agora anunciadas pelo governo, já determinaria uma maior redução nos apoios sociais. Assim, em subsídios de desemprego tinham sido dispendidos, em 2010, 2.248 milhões e para 2011 estão orçamentados apenas 2.092 milhões (-156 milhões ); em abonos de família, foram gastos, em 2010, 965 milhões e para 2011 só estão 747 milhões (-218 milhões ); e em RSI, foram dispendidos, em 2010, 520 milhões e, para 2011, só estão 400 milhões (-120milhões ). Portanto, em 2011, só em relação a estas três prestações sociais estão orçamentados menos 494 milhões . E Sócrates veio agora também anunciar a intenção de congelar o valor destas prestações sociais e reduzir ainda mais o número de portugueses em dificuldades que as recebem, para assim conseguir reduzir o défice orçamental para 4,6% em 2011, para 3% em 2012 e apenas 2% em 2013, já que uma das medidas é precisamente a "Redução adicional da despesa com prestações sociais e aumento das contribuições sociais". É clara a insensibilidade social. CONGELAMENTO DAS PENSÕES E REDUÇÃO DO SEU VALOR NOMINAL Em 2011, as pensões incluindo as mais baixas de valor mensal de 187 foram congeladas. E os preços aumentaram em Fevereiro de 2011, relativamente a igual mês de 2010, já em 3,5%. A perda de poder de compra dos pensionistas é muito elevada. Apesar disso, o governo anunciou a continuação do congelamento das pensões em 2012 e 2013 e mais impostos sobre os pensionistas. E isto porque uma das medidas que Sócrates anunciou é a "suspensão da aplicação da regra de indexação das pensões", ou seja, da actualização das pensões que ficará dependente do arbítrio do governo. E como este está dominado pela obsessão em reduzir o défice, é de prever que o queira fazer à custa novamente do congelamento das pensões. Por outro lado, o governo anunciou duas medidas que vão reduzir o valor nominal das pensões de muitas centenas de milhares de pensionistas. E essas duas medidas a aplicar já em 2012 são as seguintes: (a) "Conclusão da convergência no regime de IRS de pensões e rendimentos de trabalho"; (b) "Contribuição especial aplicável a todas as pensões (com impactos semelhante à redução de salários na função pública)". Para compreender o impacto da primeira destas duas medidas é necessário ter presente o seguinte: actualmente, 6000 do valor anual da pensão de um reformado ou aposentado não está sujeito a IRS (é chamada dedução especifica). Em relação aos rendimentos de um trabalhador no activo apenas 72% do valor de 12 vezes o valor do IAS (enquanto o IAS não atingir 450, será utilizado este valor), o que dá 3.888 é que não está sujeita a IRS. Portanto, o governo pretende reduzir já em 2012 a dedução especifica dos pensionistas de 6000 para apenas 3.888, o que determinaria um aumento do IRS a pagar pelos pensionistas com um valor de pensão anual superior a 6000, que passariam a pagar IRS sobre mais 2.112 (6000-3888) , que até aqui não estava sujeito a IRS.. Estima-se que seriam atingidos por esta medida, se fosse aplicada, 750.000 pensionistas, sendo 350.000 da CGA, e 400.000 da Segurança Social. Para além disso, o governo pretende aplicar já a partir do inicio de 2012 aos pensionistas com pensão superior a 1.500/mês, quer da Segurança Social quer da CGA, um corte semelhante ao que fez este ano nas remunerações dos trabalhadores da Função Pública. Isto determinaria que todos aqueles que recebem pensões superiores a 1.500 ilíquidos por mês sofreriam um corte entre 3,5% e 10%, sendo a redução média no valor nominal das pensões de 5%. E isto apesar destes pensionistas terem as suas pensões congeladas há mais de 3 anos, e de terem sofrido vários aumentos da carga fiscal. Se tal medida for aplicada, cerca de 140.000 da Função Publica e 120.000 pensionistas da Segurança Social, veriam as suas pensões diminuir em valor. NOVOS AUMENTOS DE IMPOSTOS QUE ATINGIRÃO TODOS OS PORTUGUESES O governo pretende aumentar novamente os impostos para assim aumentar a receita fiscal em 0,9% do PIB (1.620 milhões ) em 2012, e em 0,4% do PIB (720 milhões ) em 2013. E pretende fazer isso aumentando os seguintes impostos: (1) Revendo e limitando os benefícios e deduções fiscais em sede de IRS (volta de novo a intenção de reduzir, a partir do 2º escalão de IRS, os benefícios fiscais com despesas de saúde); (2) Racionalizando a estrutura das taxas de IVA, o que significa ou eliminar a taxa reduzida de 6% e a intermédia de 13%, ou passar produtos para a taxa de IVA mais elevada, que é actualmente de 23%. Para além disso, o governo também pretende aumentar os impostos específicos sobre o consumo (o tabaco, produtos petrolíferos e bebidas alcoólicas, imposto automóvel tabaco, etc). REDUÇÃO DAS INDEMNIZAÇÕES PAGAS PELAS EMPRESAS QUANDO DESPEDEM Para além de medidas anteriores, o governo anunciou que tenciona também reduzir as indemnizações pagas pelas empresas quando despedem trabalhadores de um mês de salário por cada ano de serviço para apenas 10 dias de salário, e introduzir um limite máximo de 12 meses de indemnização. Para se poder ficar com uma ideia do ganho extraordinário que teriam os patrões se esta medida fosse implementada e, consequentemente, do prejuízo dos trabalhadores atingidos pelo despedimento, basta ter presente o seguinte. Segundo o estudo "Emprego, Contratação colectiva de trabalho e protecção da mobilidade profissional em Portugal" de 2010 do Ministério do Trabalho, a média de destruição de empregos em Portugal durante o ano de 2009 foi de 154.501 emprego por mês (pág. 148) e a duração média dos contratos a prazo em Portugal é de dois anos e os contratos por tempo indeterminado é de 13 anos. Como o salário médio em Portugal, segundo o Ministério do Trabalho, era de 918 euros por mês, logo por cada ano de serviço a redução das indemnizações pagas pelas empresas para apenas um terço, determinaria que aqueles 154.501 trabalhadores cujos empregos foram destruídos num mês recebessem de indemnização menos 95 milhões por cada ano de serviço. Tomando como base despedidos durante um ano e uma duração média do contrato de dois anos (e a media dos contratos permanentes é de 13 anos) este medida do governo daria um ganho extraordinário mínimo aos patrões que avaliamos em 2.270 milhões por ano (como as indemnizações entram no cálculo dos custos do factor trabalho é uma forma de o diminuir, e de apresentar "bom serviço" a Merkel) UM PROGRAMA QUE ATIRARIA O PAÍS PARA UMA RECESSÃO ECONÓMICA MAIS PROFUNDA E PROLONGADA E AGRAVARIA AINDA MAIS AS CONDIÇÕES DE VIDA Para se poder ter uma ideia do impacto global das medidas em execução e as agora anunciadas pelo governo para reduzir de uma forma brutal o défice orçamental, construiu-se o quadro 2 que inclui o impacto delas sobre a economia e a sociedade portuguesa. Quadro 2 Medidas adicionais de redução da despesa pública e aumento de impostos
No período 2011/2013, Sócrates quer introduzir alterações nas leis fiscais que, segundo o próprio governo, determinarão um aumento de impostos de 4.074 milhões ; por outro lado, realizou e pretende realizar cortes na despesa pública de 8.800 milhões , o que somando dá 12.874 milhões . Este aumento significativo de impostos e uma redução tão grande no consumo e no investimento terá certamente um efeito fortemente contraccionista sobre a economia portuguesa contribuindo para a atirar para uma recessão mais profunda e prolongada, com consequências sociais insuportáveis. No entanto, interessa recordar que o governo não tem poderes para aumentar impostos, já que isso é da competência exclusiva da Assembleia da República. E aí se verá quem está verdadeiramente contra mais este pacote do governo de Sócrates e, depois, qual será a atitude de Cavaco Silva depois do discurso que fez na tomada de posse como presidente da República. Passos Coelho continua a dizer que é preciso que o "PS faça o seu trabalho", ou seja, esta politica, e pediu aos grandes patrões que lhe forneçam ideias para elaborar o seu programa do governo (e aqueles foram pródigos fornecendo "320 ideias" que analisaremos num próximo estudo), o que mostra que um governo do PSD será um governo dos e para os grandes patrões, ou seja, dos grandes grupos económicos e financeiros. Recorde-se que o responsável pela elaboração do programa do PSD é Eduardo Catroga, que sempre esteve em conselhos de administração de grandes grupos económicos e financeiros.
13/Março/2011
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Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
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