INE presta-se a ocultar os dados do desemprego, como quer o governo
Apesar de o desemprego ser o problema social mais grave e dramático que
Portugal enfrenta neste momento, o governo tem tentado a todo o custo
escondê-lo. Sócrates na sua mensagem de Natal não falou uma
única vez do desemprego, e irrita-se com quem fale dele. O governo
até chegou ao ponto de eliminar as medidas extraordinárias que
permitiam a maior número de desempregados receberem o subsídio.
Tal eliminação determinou o corte do subsídio a 10.291
desempregados até Dezembro de 2010, como afirmou muito ufano o
secretário de Estado da Segurança Social em conferência de
imprensa. O corte, por sua vez, foi utilizado pelo governo como
justificação de que o desemprego teria sido contido apesar
de os dados divulgados trimestralmente pelo INE mostrarem precisamente o
contrário. O desemprego na verdade continua a aumentar em Portugal.
Assim, o governo tem feito tudo o que pode para desacreditar os números
do desemprego. Primeiro, ignorando os dados do INE e utilizando apenas aqueles
divulgados pelo IEFP (Instituto de Emprego e Formação
Profissional). Os do IEFP são facilmente manipuláveis, pois
não são conhecidas publicamente as regras da sua
construção (o qual continua a não divulgar as causas da
eliminação todos os meses, em média, de 49 mil
desempregados inscritos nos ficheiros dos Centros de Emprego). A
intenção é claramente reduzir o impacto a nível de
opinião pública dos dados do INE, que até agora eram
razoavelmente confiáveis.
Mas agora é a própria presidente do INE que decide dar uma ajuda
ao governo: resolveu colaborar na sua campanha para ocultar a
situação dramática do desemprego em Portugal.
A referida senhora acaba de anunciar que o inquérito trimestral sobre o
emprego e desemprego em Portugal,
passará, por razões financeiras, a ser feito por telefone.
O anúncio consta numa
nota disponível no sítio web do INE
.
Esta medida põe em causa a consistência técnica dos dados,
os quais deixam de reflectir a verdadeira situação do desemprego
em Portugal.
A própria nota do INE informa que os dados não são
comparáveis com os da série divulgada até aqui, até
porque o conteúdo do inquérito é intencionalmente ou por
motivos técnicos alterado. É provável que possam ter sido
excluídas perguntas incómodas (até a este momento
não conhecemos o conteúdo do inquérito que o INE tenciona
utilizar). Mas para concluir que os dados do novo inquérito não
traduziriam a totalidade do desemprego efectivo basta ter presente o seguinte.
Os inquérito que têm sido feitos por telefone em Portugal utilizam
a base de telefones fixos, logo não abrange a totalidade da
população
[1]
.
Em Portugal existem cerca de 150 telefones móveis por 100 habitantes,
e muitos lares já não têm telefones fixos. E mesmo que o
INE tivesse acesso à base de telefones móveis, que não
é pública, colocar-se-ia um problema com grande complexidade
técnica a resolver: é que o número de telefones
móveis deve rondar os 15 milhões, portanto um total muito
superior à população total, já que muitos
portugueses têm vários telemóveis (que telefones e como
seriam seleccionados para amostra?). Para além disso,
muitos desempregados não têm telefone nem fixo nem móvel,
pois não têm dinheiro para o pagar, por isso seriam
excluídos. É absurdo fazer um inquérito ao desemprego por
telefone, já que deixaria muitos desempregados de fora do
inquérito.
Assim, o universo inquirido passaria a ser assim inferior ao real ficando,
logo à partida, muitos desempregados não abrangidos pelo
inquérito obtendo-se uma informação insuficiente sobre o
desemprego em Portugal.
Além disso,
o inquérito sobre o emprego e o desemprego é naturalmente um
inquérito longo que é difícil responder por telefone
levando muitos dos contactados a não responder o que diminuiria ainda
mais a fiabilidade dos resultados do inquérito.
Em resumo, um inquérito ao emprego e desemprego em Portugal feito por
telefone certamente não traduziria a verdadeira dimensão do
desemprego em Portugal, o que agradará certamente o governo no seu
desejo de ocultar a verdadeira situação.
As razões apresentadas pelo presidente do INE para justificar tal medida
não têm qualquer consistência. Em primeiro lugar, porque os
custos financeiros não são muito elevados até porque a
amostra inquirida, determinada com base em critérios científicos,
abrange apenas 22.773 pessoas, conforme consta do quadro 3 da
publicação Documento metodológico
Inquérito ao Emprego do INE" (ver imagem). Em
segundo lugar, porque a situação real portuguesa é
diferente da existente em muitos países da União Europeia. Somos
um dos países onde as desigualdades são maiores, onde a
miséria é mais elevada, e onde as condições de vida
população são mais precárias. Ignorar isto é
viver em outro mundo. Finalmente, porque a fiabilidade dos resultados do
inquérito que é feito compensa largamente os seus custos (a
relação custo/beneficio é largamente positiva). Só
conhecendo-se com rigor a dimensão verdadeira do desemprego em Portugal
é que se poderão tomar medidas adequadas para o combater. Mas
esse não é o objectivo deste governo.
04/Janeiro/2011
[1] O número de telefones fixos em Portugal é muito inferior ao
número de telefones móveis: a proporção é
cerca de 4 para 15 milhões.
Adenda
A conferência de imprensa dada pela presidente do INE pouco esclareceu do
que é importante e deixou ainda mais dúvidas
Já depois de elaborada a nota anterior sobre a alteração
metodológica que o INE pretende introduzir a nível do
inquérito sobre o emprego e desemprego em Portugal, e perante a critica
generalizada, a presidente do INE deu uma conferencia de imprensa. Esta tinha
como objectivo, segundo os seus responsáveis, esclarecer as
dúvidas que se levantaram sobre a fiabilidade futura dos dados sobre o
desemprego. No entanto, nessa conferencia, de acordo com os relatos dos
órgãos de comunicação social, a presidente, que se
irritou quando as perguntas eram incómodas, não esclareceu as
questões mais importantes, tendo deixado ainda mais dúvidas sobre
a fiabilidade técnica dos dados futuros sobre o desemprego em Portugal.
Em primeiro lugar, a responsável pelo INE informou que só a
primeira entrevista seria presencial e as seguintes seriam feitas às
mesmas pessoas, se elas aceitassem, através de telefone. No entanto,
não esclareceu como é que resolveria o problema dos que
não têm telefone, porque não têm dinheiro para o
pagar. Será que o INE vai oferecer um telefone? Ou serão
excluídos no futuro?
Em segundo lugar, e isso, a nosso ver, é mais grave porque põe em
causa a credibilidade cientifica dos resultados, a amostra deixaria de ser
aleatória a partir da primeira entrevista, passando a ser fixa,
já que seriam depois inquiridos sempre os mesmos. Por outras palavras,
só na primeira vez é que os inquiridos seriam escolhidos
aleatoriamente (ao acaso de uma forma cientifica), e depois seriam os mesmos,
ou seja, fixos. A fixação da amostra ao longo do tempo permite,
como é evidente, manipulações fáceis. Basta
arranjar emprego para um conjunto de inquiridos, e como são fixos ao
longo de vários trimestres há tempo para isso, e desta forma
alteram-se os resultados. Só a introdução da aleatoriedade
na construção da amostra em cada trimestre é que
permitiria, a nosso ver, garantir, por um lado, a representatividade da amostra
e, por outro lado, que aquela manipulação fosse praticamente
impossível, já que os inquiridos poderiam ou mesmo mudariam em
cada inquérito impedindo assim que pudesse haver certeza de que qualquer
processo de manipulação resultaria, o que o desmotivaria à
partida.
Finalmente, outra questão que a responsável do INE não
esclareceu, e isso é grave sob o ponto de vista da credibilidade
técnica dos resultados do inquérito (e não só),
é a quebra da série temporal (continuidade temporal) dos dados.
Dessa forma, será impossível comparar os dados sobre o desemprego
obtidos em 2001 e nos anos seguintes com os dos anos anteriores a 2011. Esta
quebra de continuidade deve ter como razão a eliminação de
várias perguntas que existiam no inquérito anterior e que
deixarão de constar do novo inquérito. E as questões que
interessava que tivessem sido esclarecidas e que não foram, de acordo
com o divulgado pelos órgãos de comunicação social,
foram as seguintes: Que perguntas foram eliminadas? Por que razão foram
eliminadas? Quais as comparações com os dados anteriores que
deixaram de se poder fazer? E qual a sua importância para se poder ter
dados completos críveis sobre o emprego e desemprego efectivo e real em
Portugal e suas características?
Portanto, tudo isto são questões que deviam ter sido, a nosso
ver, total e cabalmente esclarecidas pelos responsáveis do INE. Segundo
os dados divulgados pelos media, parece que não foram.
A justificação dada pela responsável pelo INE de que a
taxa de respostas havia diminuído não colhe, até porque
estudos realizados levaram à conclusão que a taxa de resposta
é superior nos inquéritos presenciais do que nos
inquéritos feitos por telefone. Assim também não colhe a
justificação de que o INE já havia gasto centenas de
milhares euros na montagem de uma espécie de call center
para fazer inquéritos, e que agora não podia recuar. Antes de o
fazer deviam ter analisado muito bem todas aquelas questões e
esclarecido cabalmente tanto os parceiros sociais como todo o País. O
que está em jogo é a credibilidade técnica de dados sobre
o problema social mais grave e dramático que os portugueses enfrentam
neste momento. Esperamos que o bom senso impere neste campo, e que os
responsáveis do INE façam o trabalho que parece não terem
querido ou sabido fazer.
06/Janeiro/2011
Ver também:
INE altera modo de recolha de informação sobre o desemprego
INE muda inquérito ao emprego sem prever efeitos estatísticos
Estatísticas do emprego deixam de ser directamente comparáveis com os dados existentes
Eurostat diz que INE deve explicar efeito das alterações
INE: "Nada fazia prever, em 2007 ou 2008, o que veio a acontecer ao desemprego"
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|