Governo deixou de utilizar €7071 milhões de fundos comunitários no período Janeiro/2007 – Março/2011

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Neste momento, está em curso uma autêntica operação de manipulação da opinião pública, procurando fazer crer que a antecipação de fundos comunitários constituiria uma importante ajuda a Portugal, pois contribuiria para diminuir as dificuldades actuais. Essa eventual antecipação é até apresentada, de uma forma clara ou velada, como já uma vitória do novo governo e uma prova de que a Comissão Europeia, leia-se Durão Barroso, está empenhada em ajudar Portugal. Comentadores com acesso privilegiado aos media, por falta de informação ou intencionalmente, estão a participar nessa campanha multiplicando os "benefícios" de tal eventual antecipação.

Mas a verdade sobre os fundos comunitários, que é ocultada aos portugueses, é bem diferente. Até 31 de Março de 2011, Portugal não havia utilizado 7.071 milhões € de fundos comunitários que a UE pôs ao dispor do País até a essa data. Dito de outra forma, até ao fim de Março de 2011, Portugal só tinha conseguido utilizar 44,8% dos fundos comunitários programados para serem utilizados no período compreendido entre Janeiro de 2007 e Março de.2011.

Se a análise for feita por programas a gravidade da situação ainda se torna mais clara. Até 31 de Março de 2011 não foram utilizados, podendo-o ser, a nível do Programa Factores de Competitividade, designado também por COMPETE, que tem como objectivo o apoio à inovação e modernização das empresas, 1.054 milhões €; no Programa Potencial Humano (POPH), que visa o aumento da qualificação dos portugueses não foram utilizados 1.397 milhões €; no programa Valorização do Território, que tem como objectivo combater as assimetrias regionais e desenvolver as diversas regiões do País, nomeadamente as mais atrasadas, ficou por utilizar, até ao fim de Março de 2011, 1.717,9 milhões €; em relação aos Programas das Regiões Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve ficaram por utilizar 2.387,2 milhões € de fundos comunitários; na RA da Madeira ficaram por utilizar até 31/3/2011, podendo-o ser, 220,5 milhões; e na RA dos Açores, ficaram por utilizar 240,7 milhões € de fundos comunitários até 31/3/2011.

E a pergunta que naturalmente se coloca é a seguinte: Por que razão isto aconteceu, quando era tão necessário que os fundos comunitários do QREN fossem utilizados atempadamente no combate à grave crise que o País enfrenta? Que razões terão impedido até Março de 2011 a não utilização de 7.071,8 milhões € de fundos comunitários quando isso era possível pois constava da programação aprovada pela Comissão Europeia? Para além das razões que estão associadas à falta de eficácia e eficiência das entidades públicas e privadas na utilização dos fundos comunitários, a causa mais importante da não utilização, neste momento, de um montante tão elevado de fundos comunitários prende-se com o facto de os beneficiários tanto privados como públicos não disporem de meios financeiros para suportar a parte que lhes cabe na despesa total. Como estão profundamente endividados e como a banca está a cortar no crédito e a não financiar a economia, entidades públicas e privadas estão cada vez mais impossibilitadas de utilizar os fundos comunitários porque não dispõem de meios financeiros para suportar a sua parte. Isso só não acontece no Programa Potencial Humano, onde os beneficiários privados são financiados a 100% com fundos públicos (fundos comunitários mais fundos públicos nacionais) e por essa razão a taxa de utilização é de 61,6%, enquanto no COMPETE, que é um programa fundamental de apoio às empresas, a taxa de utilização dos fundos comunitários foi apenas de 42,5%, e no Programa de Valorização do Território (desenvolvimento das diferentes regiões) atingiu apenas 37,6% até 31/3/2011. Um exemplo, para mostrar a gravidade da situação. No Programa Factores de Competitividade, no Eixo 3, existiam 628 milhões € de fundos comunitários destinados à modernização da Administração Pública. Como até 31/12/2010 haviam sido utilizados apenas 3,2% devido ao facto dos serviços públicos enfrentarem graves dificuldades financeiras, na última reunião da Comissão de Acompanhamento em que participamos, a autoridade de gestão apresentou uma proposta com o objectivo de transferir, da Administração Pública, 400 milhões € para sistemas de incentivos a privados. Fala-se muito da necessidade de modernizar a Administração Pública para diminuir os "custos de contexto" suportados pelos cidadãos e pelas empresas, mas depois a prática governamental é totalmente contrária às declarações oficiais.

Uma solução para a escassa utilização dos fundos comunitários seria conseguir que a UE aumentasse a comparticipação comunitária no financiamento dos projectos que, excepto o POPH, varia de reembolsáveis, 50%, máximo 85%, diminuindo a dos beneficiários assim como criar linhas de crédito bonificadas de apoio a projectos com participação comunitária. Mas por isto o governo não se interessa e os comentadores oficiais nos media não falam, preocupando-se com a antecipação de mais fundos comunitários, quando já não se consegue utilizar atempada e totalmente os que já estão disponíveis. Tal só pode ser entendido como fruto de um grande desconhecimento e como mais um acto de propaganda e de manipulação da opinião pública.

Um dos problemas mais graves que o Pais enfrenta neste momento, em que o governo pretende cortar ainda mais drasticamente na despesa e no investimento público para reduzir o défice orçamental, é a falta de investimento produtivo que modernize e aumente a competitividade das empresas portuguesas, para que estas possam não só exportar mais mas também, e isso tem sido sistematicamente esquecido pelos responsáveis políticos, substituir o muito que se importa actualmente, e que contribui para o agravamento do défice externo e do endividamento do País, assim como criar emprego. E os fundos comunitários disponíveis no QREN, se utilizados de uma forma atempada, eficiente e eficaz, podiam dar um importante contributo para isso. No entanto, os últimos dados já referentes a 2011, sobre a execução do QREN, divulgados pelas respectivas autoridades de gestão, continuam a revelar atrasos inadmissíveis, nomeadamente nesta fase de grandes dificuldades para o País e para os portugueses. O quadro que se apresenta seguidamente, construído com esses dados oficiais, mostra a situação de atraso que se verifica também nesta área vital para o País poder sair da situação de crise em que se encontra.

Quadro 1- Nível de execução dos diferentes programas operacionais do QREN, período 01/01/2007 a 31/03/2011
PROGRAMAS OPERACIONAIS
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 2007 A 2013
(Período total de execução do QREN)
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 1/1/2007 ATÉ 31/3/2011 (Fundos Comunitários que podiam ter sido utilizados até 31/3/.2011)
FUNDOS COMUNITÁRIOS UTILIZADOS NO PERIODO DE 1/1/2007 ATÉ 31/3/2011
(Despesa validada até 31/3/2011)
FUNDOS COMUNITÁRIOS NÃO UTILIZADOS ATÉ 31/3/2011, (mas que podiam ter sido)
Fundos Comunitários utilizados até 31/3/2011 em % do programado para o período 2007-2013
Euros
Euros
Euros
Em % do programado até 31/3/2011
Euros
Em % do programado
2007-2013
POT Factores Competitividade – COMPETE (FEDER+FC) 3.103.789.011 1.833.735.839 779.060.000 42,5% 1.054.675.839 25,1%
POT Potencial Humano (FSE) 6.117.387.866 3.636.768.182 2.239.762.000 61,6% 1.397.006.182 36,6%
POT Valorização Território (FEDER+Fundo Coesão) 4.658.544.223 2.752.291.088 1.034.394.000 37,6% 1.717.897.088 22,2%
POR Norte (FEDER) 2.711.645.133 1.602.055.052 522.989.000 32,6% 1.079.066.052 19,3%
POR Centro (FEDER) 1.701.633.124 1.005.334.329 325.871.000 32,4% 679.463.329 19,2%
POR Alentejo (FEDER) 868.933.978 513.371.034 124.263.000 24,2% 389.108.034 14,3%
POR´s Açores (FEDER+FSE+DE) 1.156.349.049 683.174.460 442.461.000 64,8% 240.713.460 38,3%
PO Assistência Técnica 92.413.996 99.229.107 45.347.000 45,7% 53.882.107 49,1%
QREN -Total -Convergência 20.410.696.380 12.125.959.091 5.514.147.000 45,5% 6.611.812.091 27,0%
POR Lisboa 306.689.171 181.193.672 59.541.000 32,9% 121.652.672 19,4%
POR Algarve 174.952.016 141.811.781 23.925.000 16,9% 117.886.781 13,7%
PO´s Madeira (FEDER+FSE) 445.549.004 358.460.632 137.931.000 38,5% 220.529.632 31,0%
QREN-TOTAL 21.337.886.571 12.807.425.175 5.735.544.000 44,8% 7.071.881.175 26,9%
Fonte: Indicadores Conjunturais de Monitorização - Boletim Informativo nº 11 -Informação reportada a 31 de Marçode201, QREN; Programação Financeira de cada um dos programas operacionais

De acordo com a programação inicial negociada com a Comissão Europeia, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Março de 2011 a União Europeia pôs ao dispor de Portugal 12.807,4 milhões €. No entanto, até 31 de Março de 2011, Portugal só havia utilizado 5.735,5 milhões de euro, tendo ficado por utilizar, podendo-o ser, 7.071,8 milhões de euros.

Se analisarmos o utilizado por Programas, constatamos que, até 31/3/2011, a taxa de utilização variava entre 61,6% no Programa Potencial Humano e 16,9% no Programa do Algarve. No POR Açores a taxa de utilização atingia 64,8%; no Programa Factores de Competitividade: 42,5%; nos Programas da Madeira: 38,5%; no Programa Regional de Lisboa: 32,9%; no Programa Valorização do Território: 37,6%; no Programa Regional do Centro: 32,4%; no Programa Regional do Norte: 32,6%; e no Programa do Alentejo: 24,2%. Ao fim de 4 anos e 3 meses de QREN as taxas de utilização dos fundos comunitários são um autêntico escândalo.

Se a análise for feita tomando como base milhões de euros não utilizados até ao fim de Março de 2011, a situação ainda se torna mais chocante. Por exemplo, a nível do Programa Factores de Competitividade ficaram por utilizar, podendo o ser, 1.054 milhões € de fundos comunitários; no Programa Potencial Humano, que tem como objectivo a qualificação dos portugueses, não foram utilizados 1.397 milhões €; no programa Valorização do Território que tem como objectivo o combate às assimetrias regionais ficou por utilizar, até ao fim de Março de 2011, 1.717,8 milhões €; no Programa Regional do Norte: 1079 milhões €; no do Centro, 679,4 milhões €; etc, etc. É um autêntico escândalo a situação existente neste campo, nomeadamente quando se verifica uma gravíssima crise económica e social e o disparar do desemprego.

Exceptuando o caso do POPH em que os privados são financiados a 100% com fundos públicos (comunitários e nacionais), nos restantes programas operacionais como os Fundos Comunitários não comparticipam com a totalidade da despesa, uma parte desta tem de ser suportada pelas entidades beneficiárias. E como estas, devido à crise e ao corte no crédito, não têm meios financeiros para suportarem a sua comparticipação, uma parte significativa dos fundos comunitários já disponibilizados a Portugal não são utilizados.

É certo que os fundos não utilizados transitam para o período seguinte (é esta a resposta habitual do governo e dos responsáveis pela gestão destes fundos quando levantamos esta questão), mas a não utilização atempada significa capacidade de compra que foi perdida devido à inflação; qualificação de trabalhadores que não foi realizada; problemas regionais cuja resolução foi mais uma vez adiada; capacidade produtiva do Pais que não foi criada nem modernizada; bens transaccionáveis destinados à substituição de importações ou às exportações que não foram produzidos; milhares de postos de trabalho que não foram criados quando eram tão necessários para reduzir o grave problema do desemprego

CONTINUA A NÃO SE CONSEGUIR FAZER UMA AVALIAÇÃO DO VERDADEIRO IMPACTO DA EXECUÇÃO DOS PROGRAMAS DO QREN

Tal como sucedeu nos Quadros Comunitários anteriores, também neste – o QREN – ao fim de quatro anos de execução (2007/2010), e de se ter já gasto 5.735 milhões € de fundos comunitários e mais de 1.909 milhões € de fundos públicos nacionais, não existem dados disponíveis que permitam avaliar o impacto deste esforço financeiro público, a nível da modernização e aumento de competitividade das empresas, na alteração do perfil produtivo através do investimento na inovação e no I&DT, no aumento da produção nacional e das exportações, no combate às assimetrias regionais, no desenvolvimento das diferentes regiões do País, no aumento da qualificação dos portugueses. Fala-se no Programa Novas Oportunidades, e na formação e qualificação de adultos ao longo da vida mas não se consegue saber quantos trabalhadores obtiveram certificações profissionais, e em que áreas, e quantos trabalhadores obtiveram certificados do 9º ano e do 12º ano. E qual foi o impacto da formação realizada quer na sua carreira profissional quer no aumento da produtividade e competitividade das empresas, e no melhoramento dos serviços públicos. É um autêntico escândalo o que se continua a verificar com a aplicação de fundos comunitários e de fundos públicos nacionais.

Os dados que são normalmente divulgados referem-se fundamentalmente ao volume de gastos, ao número de pessoas abrangidas pela formação, ao número de empresas beneficiadas. Mas dados para se poderem avaliar o impacto positivo ou negativo não são recolhidos, nem tratados, nem divulgados. Este ano, no POPH, e só ao nível do Eixo 1– Formação Inicial (para jovens, não para trabalhadores adultos que estão no mercado de trabalho e que são a esmagadora maioria dos abrangidos por este programa comunitário) é que constam do Relatório de execução de 2010 o número de formandos que obtiveram certificados escolares em 2010: 12º ano: 106.485 (mais certificados que no sistema oficial); 9º ano: 45.599. Mas em relação ao Eixo 2– Adaptabilidade e aprendizagem ao longo da vida, em que consta que, em 2010, 397.137 trabalhadores foram abrangidos pelos Centros de Novas Oportunidades, e 287.088 trabalhadores participaram em formações modulares, continua a nada constar sobre os resultados dessa formação.

Gastam-se milhares de milhões de euros mas depois não existe qualquer preocupação em saber qual o impacto a nível de qualificação das pessoas, da modernização do tecido produtivo, no aumento da produção e das exportações e no desenvolvimento das diversas regiões do Pais, e se os objectivos foram alcançados e, se não foram, por que razão. Os próprios representantes da Comissão Europeia, que participam em todas as reuniões das comissões de acompanhamento, não manifestam qualquer preocupação em conhecer o impacto do esforço financeiro. Nas duas comissões (POPH e POFC), em que participamos em representação da CGTP, temos levantado sistematicamente esta questão embora ainda com reduzidos resultados até a esta data.

Assim, vai este país e ninguém pede responsabilidades, quando se fala e se multiplicam os comentários nos media sem conhecer a situação neste campo e sem se fazer qualquer esforço para informar os portugueses com objectividade, preocupando-se apenas em agradar ao poder.

25/Junho/2011

[*] Economista, edr2@netcabo.pt


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