Corte abusivo nos vencimentos dos trabalhadores da AP
o que dispõe a Lei 55-A/2010 e o que os serviços
estão a fazer
Os trabalhadores da Administração da Administração
Pública sofreram em Janeiro deste ano o primeiro corte nos seus
vencimentos. Vários trabalhadores enviaram-nos alguns dados do seu
"Talão de vencimento" perguntando se o corte feito estava de
acordo com o disposto na lei. E constatamos que em vários casos, a nosso
ver, os serviços estavam a fazer cortes superiores aos que resultariam
da aplicação da lei, como estes já não fossem
suficientes. Por isso, para não receberam um vencimento ainda mais
reduzido, é necessário que os trabalhadores que sofreram cortes
nos seus salários controlem esses cortes, e se concluírem que
eles foram superiores aos que deviam resultar da aplicação da
lei, aconselhamos a reclamarem. Neste estudo vamos, por um lado, mostrar por
que razão achamos que a própria lei está a ser aplicada
incorrectamente, pelos serviços, em vários casos e, por outro
lado, fornecer aos trabalhadores informação para que eles possam
defender-se controlando a aplicação da lei no seu caso concreto
pois, como é evidente, é manifestamente impossível
responder individualmente a todos que tenham dúvidas.
O QUE DISPÕE A LEI 55-A/2010 E O QUE OS SERVIÇOS ESTÃO A
FAZER
Os cortes nos vencimentos dos trabalhadores da Administração
Pública encontram-se regulados no artº 19 da Lei 55-A/2010, que se
transcreve na integra em anexo, para que qualquer trabalhador interessado,
tenha acesso fácil a ele, o possa interpretar defender. Seguidamente
apresentamos a interpretação que fazemos do disposto no artº
19º da Lei 55-A/2010.
Em primeiro lugar interessa definir o que é a remuneração
total ilíquida mensal que, segundo a lei, está sujeita à
redução (corte). E essa definição consta do nº
4 do artº 19º da lei que se transcreve em anexo. Segundo a
alínea a) do nº4 (ver anexo), a remuneração total
ilíquida inclui "todas as prestações
pecuniárias, designadamente, remuneração base,
subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos,
gratificações, subvenções, senhas de
presença, abonos, despesas de representação e trabalho
suplementar, extraordinário ou em dias de descanso"; mas não
inclui, de acordo com a alínea b) do artº 4º (ver anexo)
"os montantes abonados a título de subsídio de
refeição, ajudas de custo, subsídio de transporte ou
reembolso de despesas efectuadas nos termos da lei e os montantes
pecuniários que tenham natureza de prestação social".
Se o trabalhador recebe suplementos remuneratórios ou
prestações pecuniárias fixadas em percentagem da
remuneração base o valor do suplemento ou da
prestação para determinar a remuneração total
ilíquida é calculado com base no valor da
remuneração base antes do corte (nº 7 do artº
19º). Por outro lado, se um trabalhador recebe uma
indemnização ou compensação quando termina um
contrato, essa indemnização não está sujeita, a
nosso ver, ao corte porque não é uma retribuição de
trabalho, mas sim uma compensação por um prejuízo que
teve, que é a perda do emprego. E é o valor assim obtido que deve
ser considerado para se saber se o trabalhador está sujeito ou
não ao corte de vencimento e, em caso afirmativo, qual é a
percentagem de redução (corte).
No cálculo da remuneração total ilíquida sujeita
à redução (corte) existe uma questão muito
importante que os serviços estão a resolver incorrectamente que
resulta, a nosso ver, de uma aplicação incorrecta da lei, o que
está a determinar cortes abusivos e superiores aos que já
resultam da lei, como estes fossem insuficientes.
E essa questão é a seguinte. Muitos trabalhadores receberam em
Janeiro de 2011, por atraso no processamento da responsabilidade dos
serviços, remunerações por trabalho realizado, não
em 2011, mas sim em 2010. Pudemos ver vários "Talões de
vencimento" de Janeiro de 2011 que incluíam a
remuneração de trabalho extraordinário realizado em
Novembro de 2010 e mesmo em Outubro de 2010. E os serviços consideraram
essa remuneração como fosse de trabalho prestado depois da
entrada em vigor da lei 55-A/2010, ou seja, prestado em 2011, embora o
não fosse, e somaram esse valor ao do mês em que foi recebido e
sujeitaram essa parte da remuneração também a um corte
que, segundo a interpretação que fazemos da Lei, é
incorrecto lesando ainda mais esses trabalhadores. E isto porque aplicaram
retroactivamente uma lei que, a nosso ver, só se aplica à
remuneração por trabalho prestado em 2011.
A própria lei fiscal dá um tratamento diferente a rendimentos de
anos anteriores. Nos casos em que o trabalhador recebe no ano seguinte um
rendimento referente ao ano anterior, a lei fiscal encontra uma
solução diferente para que o contribuinte não seja
gravemente lesado (pagar um imposto muito superior ao devido) que se encontra
regulado no artº 74º do Código do IRS com o titulo
"Rendimentos produzidos em anos anteriores". E as
situações são diferentes. Isto porque, no caso da lei
fiscal, esses rendimentos estavam sujeitos ao pagamento de IRS nos anos
anteriores, enquanto em relação ao corte dos vencimentos
não existia em 2010 qualquer lei que determinasse esse corte. Repetindo,
porque esta questão é muito importante, a Lei 55-A/2010 só
entrou em vigor em 2011, e não existia em 2010 qualquer lei que
determinasse o corte dos vencimentos, diferentemente do que se verificava na
área fiscal em que já estava em vigor o Código do IRS.
Assim, as remunerações de trabalho prestado em 2010, embora
recebidas em 2011, não deviam entrar para o cálculo da
remuneração ilíquida total mensal para efeitos de
redução de vencimento, e muito menos sujeita a um corte
determinado por uma lei que só começou a vigorar em 2011 porque
quando esse trabalho foi prestado ela não existia.
Esta interpretação incorrecta da lei por parte dos
serviços poderá criar situações graves. É o
caso de trabalhadores que têm um vencimento mensal inferior a 1500
por mês, mas que devido ao facto de em Janeiro de 2011 receberem
remunerações a que têm direito por trabalho prestado em
2010 e essa remuneração ser considerada para cálculo da
remuneração total ilíquida, esse facto determinar uma
soma superior a 1500, e portanto serem sujeitos à
redução de vencimento quando, por aplicação da
lei, não estarem sujeitos a qualquer corte. E essa
situação poderá acontecer também em 2011. E isto
porque como corte é calculado mensalmente, se for adoptado o mesmo
procedimento este ano basta acontecer que o pagamento do trabalho
extraordinário, por ex., referente a vários meses seja pago num
único mês, para que a remuneração recebida num
mês suba bastante, e o trabalhador fique sujeito a um corte de
vencimento, quando se ela fosse considerado em relação ao
mês em que o trabalho foi efectivamente prestado, isso não
aconteceria. Há outra situação perversa para a qual
queremos chamar já atenção. Poderá suceder que um
trabalhador com uma remuneração base de 1.350 fique
sujeito, em vários meses, ao corte de vencimento porque a
remuneração base mais o trabalho extraordinário é
superior a 1.500. Muito serviços estão a fazer o corte
não na remuneração total mas sim em cada uma das suas
componentes (remuneração base, trabalho extraordinário,
etc). Será que o corte feito na remuneração base de
1.350 vai-se eternizar para além de 2011? Por outras palavras qual
será a remuneração base a considerar no inicio de 2012? O
artº 19º dispõe que o corte é sobre a
remuneração total ilíquida mensal e não sobre as
diferentes componentes da remuneração total como muitos
serviços estão a fazer. É uma questão para a qual
queremos chamar já a atenção porque os trabalhadores
poderão ser ainda mais lesados no futuro.
COMO SE CALCULAM OS CORTES NOS VENCIMENTOS TOTAIS ILIQUIDOS SUPERIORES A
1500
A remuneração ilíquida total mensal calculada da forma que
explicamos indicada anteriormente é que deverá ser utilizada para
saber se o trabalhador está sujeito à redução da
remuneração, e qual é valor do corte. E como se calcula o
corte no vencimento ilíquido mensal? Da seguinte forma: Se a
remuneração ilíquida total mensal for de valor superior a
1500 está sujeita, de acordo com o nº 1 do artº
19º, aos seguintes cortes : (a) Se a remuneração total
ilíquida for superior a 1500 e inferior a 2000 está
sujeita a um corte de 3,5%; (b) Se a remuneração total
ilíquida for superior a 2000 e inferior ou igual a 4165, a
parcela até 2000 está sujeita a um corte de 3,5%, e o
excedente está sujeito a um corte de 16%,no entanto o corte total
não pode ultrapassar 10% da remuneração total
ilíquida; (c) Se a remuneração total ilíquida
mensal for superior a 4165 o valor total da remuneração
está sujeito a um corte de 10%.
Três exemplos imaginados para tornar tudo isto mais ainda claro.
Suponha-se que o trabalhador tem uma remuneração mensal
ilíquida (tenha-se presente que este valor é calculada em cada
mês e pode ser diferente de mês para mês, bastando para isso
que num mês o trabalhador tenha horas extraordinárias e em outro
não), repetindo, suponha-se que o trabalhador num mês tem uma
remuneração mensal ilíquida total de 1700 e no outro
de 1900; portanto, num mês o corte é de 59,5
(1700 x 3,5%), e no outro mês é já de 66,5
(1900 x 3,5%). Se a remuneração ilíquida total
mensal for de 3000, na parcela até 2000 ele sofre um corte
de 3,5%, ou seja, de 70 (2.000 x 3,5% = 70) , e na parcela
restante que é 1000 (3000-2000= 1000) sofre um
corte de 16% que é igual a 160 (1000 x 16%=160);
portanto, no total este trabalhador sofrerá um corte no seu vencimento
de 230, o que corresponde a uma redução de 7,6% no seu
vencimento total ilíquido que é 3000, portanto inferior a
10% com dispõe a lei. Se o trabalhador tiver num mês uma
remuneração total ilíquida superior a 4165, por ex.,
4500, ele sofre um corte na sua remuneração total de 10% o
que, corresponde, neste caso, a 450 (4500 x 10% = 450).
Por outro lado, mesmo que o valor da remuneração ilíquida
total mensal seja superior a 1.500, o corte tem um limite. E esse limite
é o que resulta do nº 5 do artº 19º que dispõe
concretamente o seguinte: "Nos casos em que da aplicação do
disposto no presente artigo resulte uma remuneração total
ilíquida inferior a 1500, aplica-se apenas a
redução necessária a segurar a percepção
daquele valor." Portanto, de acordo com o nº5 do artº 19º o
corte não poderá determinar que o trabalhador fique com uma
remuneração total ilíquida definida nos termos do
nº4, portanto antes dos descontos para IRS, ADSE e CGA, inferior a
1500. Finalmente, e de acordo a alínea d) do nº 4 do
artº 19º os descontos devidos, nomeadamente para IRS, ADSE e CGA,
são calculados sobre a vencimento total ilíquido mensal
após terem sido feitos os cortes nas diferentes componentes de
remuneração
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
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