O BCE financia a especulação dos bancos
A banca em Portugal lucrou 3.828 milhões em três
anos à custa das famílias, das empresas e do Estado
Dilema actual: ou esta situação é alterada
rapidamente ou o país tem de sair da zona euro
Tal como aconteceu antes da crise de 2008, em que os bancos financiaram os
especuladores, a uma taxa de juro baixa, para que pudessem depois obter
elevados lucros, agora também o Banco Central Europeu (BCE) está
a financiar a banca a uma taxa de juro também muito baixa (1%),
não impondo quaisquer limites na utilização desse
dinheiro, para que depois os bancos possam obter lucros extra à custa
das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas
também às famílias e às empresas. É um
esquema que interessa tornar claro para todos, embora os comentadores oficiais
com acesso privilegiado aos media nunca se refiram a ele, procurando assim
ocultá-lo. Por isso vamos voltar a ele. E esse esquema
"diabólico" é o seguinte.
Antes de ter entrado para a Zona Euro, Portugal possuía um Banco Central
(Banco de Portugal) que podia emitir moeda (escudos), e que comprava divida ao
Estado a uma taxa reduzida, assegurando assim o seu financiamento e
também garantindo que nunca o Estado entrasse em falência porque o
Banco de Portugal disponibilizava sempre os meios financeiros para que o Estado
pagasse os seus compromissos. As únicas limitações eram em
relação à divida externa, que teria ser paga em divisas o
que obrigava o Estado a recorrer fundamentalmente ao endividamento interno
para se financiar, e a necessidade de evitar que a inflação
disparasse.
Com a entrada para o euro, o Banco de Portugal e o Estado português
perderam esse poder que passou para o Banco Central Europeu (BCE). Só
ele é que pode emitir euros. Para além disso, foi introduzida uma
norma nos Estatutos do BCE que proíbe que este banco compre directamente
dívida aos Estados. No entanto, pode comprar dívida soberana, ou
seja, dos Estados, no chamado "mercado secundário" onde
têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a
situação caricata que permite à banca especular com a
divida emitida pelos Estados, que é a seguinte: o BCE não pode
comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já
pode comprá-la aos bancos que a adquirem. E então o esquema
especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa
dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o
seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao
Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou
mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo
empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.
Vejamos então quais têm sido os efeitos para Portugal deste
sistema especulativo, que tem sido sistematicamente ocultado pelo governo e
pelos comentadores oficiais, financiado pelo BCE, banco este que, em principio,
devia servir os Estados que constituem a Zona Euro e não a
especulação.
EM APENAS TRÊS ANOS A DIFERENÇA DE TAXAS DE JURO DEU À
BANCA PORTUGUESA UM LUCRO DE 3.828 MILHÕES DE EUROS
O quadro seguinte, construído com dados do Boletim Estatístico do
Banco de Portugal, mostra, de uma forma quantificada, os custos para as
famílias, para as empresas e para o Estado, daquele mecanismo
especulativo criado na Zona do Euro e financiado pelo BCE, no período
2008-2010.
Quadro 1 Financiamento da banca pelo BCE, juros pagos ao BCE, e juros
depois cobrados pela banca pela concessão de empréstimos com os
meios cedidos pelo BCE
ANOS
|
Recursos obtidos pela banca do BCE
Milhões
|
Taxa de juro cobrada pelo BCE
|
Juro anual pago banca ao BCE
Milhões
|
Taxa de juro média cobrada pela banca em Portugal segundo Banco Portugal
|
Juros cobrados pela banca em Portugal dos empréstimos do BCE
Milhões
|
Margem Financeira Liquida
(Diferença de juros que reverteu para a banca em Portugal)
Milhões
|
2008
|
14.407
|
1%
|
144
|
6,87%
|
990
|
846
|
2009
|
19.419
|
1%
|
194
|
5,05%
|
981
|
786
|
2010
|
48.788
|
1%
|
488
|
5,50%
|
2.683
|
2.195
|
SOMA
|
|
|
826
|
|
4.683
|
3.828
|
Fonte: Boletim Estatístico -Março 2011 -Banco de
Portugal
Segundo o Boletim Estatístico de Março de 2011 do Banco de
Portugal, a banca a operar em Portugal obteve, do BCE, financiamento no valor
de 14.407 milhões em 2008; de 19.419 milhões em
2009; e de 48.788 milhões , pagando uma taxa de juro de apenas 1%,
o que determinou que, por este volume de empréstimos, deverá ter
pago ao BCE cerca de 826 milhões . Segundo também o Boletim
do Banco de Portugal, a banca cobrou pelos empréstimos que, com esse
dinheiro obtido do BCE, depois concedeu a particulares, a empresas e ao
Estado, taxas de juro médias que variaram entre 5,05% e 6.87%, o que
permitiu à banca embolsar, nos três anos, juros que somaram 4.683
milhões . Se subtrairmos a esta receita de 4.683 milhões
, os juros que teve de pagar ao BCE 883 milhões -
ainda restam 3.828 milhões , que constitui a sua margem financeira
liquida obtida só com o financiamento do BCE à taxa de 1%.
A BANCA AUMENTOU TAMBÈM OS LUCROS LIQUIDOS À CUSTA DE IMPOSTOS
NÃO PAGOS
Mas não é apenas o BCE e os mecanismos criados na Zona do Euro
que financiam a especulação dos mercados, ou seja, dos bancos
à custa das populações. Como isso já não
fosse suficiente, em Portugal, através da multiplicação de
benefícios fiscais concedidos à banca, aprovados pelos sucessivos
governos e mantidos numa altura em que são impostos sacrifícios
à maioria dos portugueses, os lucros da banca têm aumentado
também à custa dos impostos que não paga. O quadro
seguinte, construído com dados também constantes do Boletim
Estatístico do Banco de Portugal de Março de 2011, mostra como a
banca continua a gozar de elevados benefícios fiscais, determinando a
perda de elevada receita fiscal para o Estado.
Quadro 2 Resultados Antes de Impostos, Imposto pago e Imposto que a
banca devia pagar, e Lucro Liquido em 2009 e 2010
ANOS
|
Resultados da banca Antes Impostos
Milhões
|
Impostos Pagos
Milhões
|
Taxa de Imposto paga (efectiva)
|
Imposto que a banca devia pagar
(IRC: 24,9%+1,5% derrama=26,4%) (*)
Milhões
|
Imposto que a banca não pagou mas que devia ter pago
Milhões
|
LUCROS LIQUIDOS
Milhões
|
2009
|
2.247
|
446
|
19,8%
|
594
|
148
|
1.801
|
2010
|
2.543
|
329
|
12,9%
|
672
|
343
|
2.214
|
SOMA
|
4.790
|
775
|
16,2%
|
1.266
|
491
|
4.015
|
Variação entre 2009-10
|
+13,2%
|
-26,2%
|
-34,8%
|
+13,3%
|
+131,5
|
+22,9%
|
Fonte: Boletim Estatístico - Março 2011 -Banco de Portugal; (*) A
taxa de IRC para os lucros até 12.500 é de 12,5%, sendo a
taxa de 25% aplicada aos restantes lucros
Segundo o Banco de Portugal, entre 2009 e 2010, os Resultados Antes de Impostos
da banca em Portugal aumentaram 13,2%, mas o valor dos impostos pagos sobre os
lucros (IRC + derrama) diminuíram em -26,2%, pois passaram de 446
milhões para 329 milhões , o que determinou que os
Lucros Líquidos da Banca tenham aumentado (+22,9%), portanto mais do
que a subida registada nos Resultados Antes de Impostos (13,2%). O aumento mais
elevado nos Lucros Líquidos da banca deve-se ao não pagamento dos
impostos que qualquer outra empresa está sujeita. Em 2 anos apenas
(2009/2010), a banca em Portugal devia ter pago mais 491 milhões
de impostos se tivesse pago a taxa legal. A taxa média efectiva de
impostos sobre lucros paga pela banca em Portugal foi, em 2009, de 19,2% e, em
2010, de apenas 12,9%, o que dá uma taxa média de 16,2% para o
período 2009-2010, quando a taxa legal é de 26,4% (24,9% de IRC +
1,5% de derrama). A injustiça fiscal no nosso País atingiu uma
dimensão nunca antes atingida depois do 25 de Abril, e quando a carga
fiscal sobre trabalhadores e pensionistas cresceu muito.
A ESPECULAÇÃO COM A DÍVIDA SOBERANA PORTUGUESA FINANCIADA
PELO BCE
Este ano, segundo o OE-2011, o Estado Português necessita de 45.000
milhões para financiar, por um lado, os empréstimos cujo
prazo de pagamento termina este ano e, por outro lado, para cobrir o
défice orçamental que Sócrates e Passos pretendem que
corresponda a 4,6% do PIB (7.980 milhões ). Se Portugal tiver de
pagar taxas de juro entre 8% e 9%, um empréstimo naquele montante
custará ao País cerca de 3.825 milhões de euros por
ano só de juros. Se a banca emprestar aquele valor e se depois conseguir
vender essa dívida ao BCE pagando uma taxa de juros de apenas 1%, o
encargo que ela terá será de 450 milhões por ano, o
que determinará que a sua margem financeira liquida será de 3.375
milhões /ano. E em 2012, para além daqueles 45.000
milhões , o Estado português precisará de se
financiar em mais 35.000 milhões , o que determinará que os
encargos anuais só com juros, se se mantiver a mesma taxa,
aumentarão em mais 2.975 milhões .
Tenha-se presente que a
soma destes dois empréstimos representa apenas metade da dívida do
Estado. E este tem mais juros a pagar pela restante metade da divida. É
uma situação incomportável e insustentável para o
País e para os portugueses. É urgente por cobro a este esquema
diabólico que tem como objectivo financiar os lucros da banca, que foi
responsável pela grave crise financeira que enfrentamos, à custa
dos contribuintes portugueses e do crescimento da economia portuguesa.
As agências de
"rating",
cujos lucros aumentaram significativamente em 2010, e uma parte importante
das suas receitas são pagas pelos bancos (em 2010, as receitas da
Standard & Poor´s e Moody´s
atingiram 3,5 mil milhões , e os seus lucros 1,31 mil
milhões ), acabam por participar de uma forma perversa
são parte interessadas em
todo este esquema, que só terminará, quando a banca for eliminada
do circuito de intermediação, e
os Estados da Zona Euro puderem financiar-se junto do BCE
, embora de uma forma controlada e com limites. A não acontecer isto,
os países como Portugal, para não deixarem de poder
financiar-se, terão de sair da Zona Euro, e os seus bancos centrais
adquirirem novamente o poder para emitir moeda
. Eis o dilema que se coloca e que se terá de enfrentar. O recurso ao
chamado Fundo Europeu de Estabilização Financeira não
resolverá o problema, pois não impedirá a
especulação, como provam os casos da Irlanda e Grécia.
04/Março/2011
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|