A responsabilidade dos banqueiros pela crise que Portugal enfrenta e pelo estrangulamento financeiro actual das empresas
por Eugénio Rosa
[*]
Os banqueiros em Portugal têm procurado fazer passar a mensagem junto da
opinião pública que não têm qualquer
responsabilidade pela grave crise económica que o País enfrenta,
já que ela resultaria da crise internacional e das más politicas
governamentais seguidas no passado de que eles não tiraram qualquer
proveito. Tem-se assistido, desta forma, a uma autêntica
operação de branqueamento e de desresponsabilização
dos banqueiros, procurando fazer crer a opinião pública que eles
são diferentes e muito melhores do que os banqueiros dos outros
países. E como têm apoios e defensores poderosos nos principais
media essa mensagem tem sido repetida até a exaustão procurando
que, de tanto repetida, acabe por ser aceite como verdadeira pela
opinião pública. Por isso, interessa analisar de uma forma
objectiva o que tem sido a politica da banca em Portugal nos últimos
anos, como ela contribuiu para a crise actual, e como está a estrangular
financeiramente as empresas, o que determinará o aumento significativo
do desemprego. Nessa análise utilizar-se-á dados oficiais
indicando ao leitor as fontes.
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Em 1997, o valor dos "Activos" dos cinco maiores bancos a operar em
Portugal já representavam cerca de 46% dos "activos" de toda a
banca no nosso País, enquanto nos países da U.E. os cinco maiores
bancos detinham, em média, 37% do valor dos "Activos" da
banca de cada um dos países. Em 2009, essa percentagem dos cinco maiores
bancos a operar em Portugal já tinha aumentado para cerca de 70%,
enquanto nos países da União Europeia, os cinco maiores bancos de
cada um dos países da U.E. controlavam em média, no mesmo ano,
apenas 42% do valor total dos "activos" bancários desses
países. Em 2009, o grau de concentração bancária em
Portugal era 66% superior à média dos países da
União Europeia. Esta elevadíssima concentração
bancária no nosso País, muito superior à verificada nos
restantes países da U.E., dá, aos cinco maiores bancos a operar
em Portugal (CGD, o MIllennium BCP, o BES, o Santander-Totta e o BPI), um
imenso poder que lhes permite condicionar o poder politico e todo o processo de
desenvolvimento no nosso País. Apesar do "Memorando do FMI-BCE-CE
constar já "
a definição de um calendário mais ambicioso para a venda
do negócio segurador do grupo Caixa
(Fidelidade-Mundial e Império-Bonança),
e de um programa para a alienação gradual de todas as
subsidiárias non core e, se necessário, de uma
redução das actividades no estrangeiro
" (ponto 2.5), Passos Coelho, em declarações a jornais
estrangeiro, já veio dizer que pretende "ir mais longe", ou
seja, privatizar ainda mais o que, a concretizar-se, só poderá
determinar o aumento do domínio da economia e da sociedade portuguesa e,
consequentemente, todo o processo de crescimento e de desenvolvimento em
Portugal pelos grupos financeiros como, o que já existe, ainda
não fosse suficiente. Isso só poderá agravar ainda mais as
dificuldades actuais.
No período 2007-2009, os "Capitais Próprios" da banca a operar em Portugal representavam uma pequena percentagem dos seus "Activos" em média 6,1%-o que significa que ela vive fundamentalmente de capitais alheios, que não pertence aos banqueiros. Dito de outra forma, em média por cada 100 euros de "Activos" (e "Activos" corresponde aquilo que banca possui mais aquilo que tem a receber), apenas 6,1 euros pertencem aos "banqueiros". Esta elevada alavancagem (Activos em média 16,5 vezes superiores aos Capitais Próprios) têm permitido aos banqueiros gerirem um gigantesco volume de capitais alheios em seu proveito, ou seja, com objectivo de obter elevados lucros. Em Dezembro de 2010, segundo o Banco de Portugal, o capital alheio gerido pela banca em Portugal atingia o gigantesco montante de 498.907 milhões (2,8 vezes o PIB português), enquanto os "Capitais Próprios", ou seja, o que pertencia aos accionistas da banca era apenas de 32.844 milhões (6,2%). A BANCA EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE DESCAPITALIZADA DEVIDO À MAIOR PARTE DOS LUCROS NÃO SEREM INVESTIDOS MAS DISTRIBUIDOS PELOS ACCIONISTAS O quadro seguinte, construído com dados dos Relatórios de Sustentabilidade Financeira do Banco de Portugal, mostra que os banqueiros têm descapitalizado a banca a operar em Portugal. Quadro 2- Variação dos Lucros Líquidos e dos Capitais Próprios da banca 2007/2010
Fonte: Relatório de estabilidade financeira, Maio 2011, Banco de Portugal Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de descapitalizar a banca. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca depois do pagamento de impostos atingiram 8.972 milhões . Mas os "Capitais Próprios" da banca, durante este período, aumentaram somente em 4.571 milhões , sendo a diferença de 4.401 milhões . Portanto, apesar da redução verificada nos "Capitais Próprios" em 2008, uma parte daquela diferença de 4.401 milhões de lucros líquidos foram distribuídos aos accionistas. E tal conclusão é ainda reforçada pelo facto de nos poucos aumentos de capital que se registaram participarem novos accionistas. A BANCA A OPERAR EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE ENDIVIDADA E SEM CAPACIDADE PARA FINANCIAR A ECONOMIA O crédito em Portugal tem diminuído o que tem contribuído para o estrangulamento financeiro das empresas, estando já a pôr em causa a própria sobrevivência de muita delas. Quadro 3 Variação do crédito a clientes, dos depósitos e do rácio de transformação
Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito diminuiu em Portugal em 1.965 milhões , apesar dos depósitos e outros empréstimos dos clientes à banca terem aumentado em 12.080 milhões . Isto resultou do facto da estar a ser pressionada quer pelas empresas de rating quer pelo FMI e BCE para diminuir o seu rácio de transformação (quociente do valor do crédito a dividir pelos recursos de clientes). Efectivamente, entre Dez.2009 e Dez.2010, a banca reduziu esse rácio de 146% para 138%, ou seja, reduziu o crédito de 1,46 para 1,38 por cada euro de depósitos. E futuramente terá de reduzir ainda mais, pois a pressão externa (agências de rating, FMI e BCE) é que desça para 120% a fim de fazer desalavancagem do sector bancário ". Estando a banca descapitalizada, e os banqueiros não querendo ou não tendo meios para capitalizar a banca, a "solução" será reduzir ainda mais o crédito, nomeadamente à economia, o que, o que só poderá levar à falência muitas mais empresas, e ao aumento ainda mais rápido do desemprego. O aumento do rácio de capital Tier 1 para 9% em 2011 e para 10% em 2012, imposto pela "troika" à banca, está a determinar um maior domínio da banca pelo capital estrangeiro, pois é este que está a participar mais nos aumentos de capital. E como tudo isto já não fosse suficiente o FMI-BCE-BdP irão fazer uma análise do crédito concedido pelos bancos mais importantes o que poderá levar à detecção de "esqueletos", aumentando as dificuldades da banca e, consequentemente, do financiamento à economia. A POLITICA DE CRÉDITO DA BANCA CONTRIBUIU TAMBÉM PARA A GRAVE CRISE ACTUAL Movidos pela avidez de lucros fáceis e rápidos, os banqueiros portugueses levaram a cabo nos últimos anos uma politica de crédito distorcida e profundamente danosa para o País. Quadro 4- A politica de credito da banca em Portugal no período 2000-2010
Entre Dez/2000 e Dez/2010, o crédito à actividade produtiva (agricultura e indústria transformadora) aumentou apenas 41,2%, enquanto à "Construção e actividade imobiliária" cresceu 127,5%; à "Habitação" em 156,8%; e ao "Consumo" subiu 137,4%. Esta politica de crédito imposta pela banca e danosa para o desenvolvimento do País determinou que, em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representasse apenas 5,5% do credito total (em 2000, correspondia a 7,7%), enquanto o crédito à "Construção e actividade imobiliária" representasse 12,6%, à "habitação" 34,6% e ao "Consumo" 4,9% do credito total. E os banqueiros e os seus defensores ainda têm descaramento de dizer que não têm culpas na grave crise que enfrenta o País e que são diferentes, para melhor naturalmente, do que os banqueiros de outros países? A avidez de lucros elevados e fáceis, e a má gestão também caracteriza a gestão da banca em Portugal, o que contribuiu para a gravidade da crise actual e para os problemas que a banca enfrenta actualmente. É NECESSÁRIO QUE O ESTADO CONTROLE A BANCA, QUE APOIE PONDO-A AO SERVIÇO DO PAÍS Os bancos que operam em Portugal estão profundamente endividados, descapitalizados, fragilizados e incapazes de obter financiamentos externos para financiar a economia. No "Memorando de entendimento", estão previstos 35.000 milhões de euros para avales do Estado à banca para esta poder obter financiamentos; e 12.000 milhões de euros para aumentos de capital da banca à custa do endividamento do Estado. Embora as dificuldades da banca sejam neste momento enormes, pondo em causa o próprio financiamento da economia e das famílias, o apoio do Estado mesmo nestas condições só seria admissível se passasse a controlar, por ex. através da participação maioritária no capital dos bancos que apoiasse, e a pôr esses bancos ao serviço do desenvolvimento do País pois, se isso não acontecer, é de prever que a politica dos banqueiros que contribuiu também para o estado a que o País se encontra continue. Como a experiência já provou, eles estão mais interessados em obter lucros rápidos e fáceis, mesmo que isso seja à custa do desenvolvimento e da criação de condições geradoras de graves crises económicas e sociais com consequências dramáticas (estagnação, recessão, desemprego, desigualdades e da pobreza).
22/Junho/2011
[*]
Economista ,
edr2@netcabo.pt
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