Por que o desemprego em Portugal aumentou tanto no 1º trim/2011
– O ataque generalizado ao estado social

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Cartaz eleitoral. Segundo dados que o INE acabou de divulgar, entre o 4º Trim/2010 e o 1º Trim/ 2011 o desemprego oficial aumentou de 619 mil para 688,9 mil, e a taxa oficial de desemprego subiu de 11,1% para 12,4%. Se somarmos ao número oficial de desempregados, os "inactivos disponíveis", que são os desempregados que no período de referência não procuraram trabalho, e também o "subemprego visível". que é constituído por aqueles que por não conseguirem arranjar emprego a tempo completo e trabalham algumas horas para sobreviverem, obtém-se, segundo o INE, 1.000.600 portugueses, o que corresponde a 17,7% da população activa, que praticamente não têm emprego. Este aumento tão elevado do desemprego num único trimestre não resultou do facto de a situação se ter alterado radicalmente num período tão curto mas sim, como confessa o próprio INE nas Estatísticas do Emprego do 1º Trim/2011 (págs. 34-35), de que anteriormente muitos portugueses eram considerados pelo INE como estando empregados quando efectivamente estavam desempregados. Esta confissão tardia do INE vem dar razão às críticas que temos feito aos números oficiais do desemprego em Portugal de não traduzirem a gravidade real da situação.

O "Estado social", tão utilizado ultimamente por Sócrates na campanha eleitoral para atacar o PSD, sofreu nos últimos anos ataques violentos por aquele que agora o utiliza tanto na sua campanha eleitoral. O "Memorando de entendimento" assinado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS contém também uma estratégia de estrangulamento financeiro e de destruição do "Estado social". Poul Thomsen, que chefiou a missão do FMI, e que participou na sua elaboração, teve mesmo o descaramento de dizer que " Há definitivamente demasiado Estado em Portugal " (DN, 06/05/2011).

Uma das formas mais graves de ataque ao "Estado social" é a negação do direito ao trabalho a centenas de milhares de trabalhadores, cujo número não pára de aumentar, associado à redução cada vez maior do apoio aos desempregados atirando já muito mais de metade para a pobreza. Apesar deste desemprego elevado a previsão para os próximos anos é que o desemprego aumente ainda mais com a recessão económica em que Portugal já está mergulhado. Segundo o INE, no período 1996-2010, a taxa de desemprego só diminuiu quando o crescimento económico atingiu em média 4% ao ano, que foi entre 1996 e 2000. Neste período, a taxa de desemprego caiu de 7% para 4%. A partir de 2000 até 2010, em que a taxa média de crescimento económico foi inferior a 1%, a taxa de desemprego não parou de aumentar tendo subido, entre 2000 e 2010, de 4% para 11%, ou seja, mais que duplicou (2,75 vezes). Com Portugal em recessão económica desde o 1º Trim/2011, o aumento da taxa desemprego vai acelerar, prevendo-se que a taxa oficial de desemprego atinja, em 2013, com base na "nova metodologia" do INE, 14%. E a taxa efectiva de desemprego, em 2013, poderá atingir cerca de 20% da população activa portuguesa, o que significa a recusa a cerca de um milhão e cem mil portugueses do direito ao trabalho e a um emprego digno. Isso constitui certamente o ataque mais dramático e grave ao"Estado social". Como mostra a evidência empírica (ver Gráfico 1) a taxa de desemprego aumentará sempre enquanto o crescimento económico não for superior a 2%. Isso é impossível com as medidas fortemente recessivas do"Memorando", as quais, a serem implementadas, levarão o País a uma recessão de "magnitude elevada". segundo o próprio Banco de Portugal (p.25, 2010).

Apesar do aumento continuo do desemprego o apoio aos desempregados e às famílias no limiar da pobreza ou mesmo na pobreza tem continuamente diminuído. No 1º Trim/2009, o desemprego oficial atingia 496 mil portugueses, e o número de desempregados a receber subsidio de desemprego era de 299 mil, ou seja, correspondia a 60,4% do desemprego oficial. No 1º Trim/2011, o número oficial de desempregados atingiu já 688,9 mil, e o numero de desempregados a receber subsidio de desemprego era apenas 293 mil, o que correspondia somente a 42,6% do desemprego oficial. No período 2011-2013 a situação agravar-se-á ainda mais pois, de acordo com o "Memorando de entendimento" , o PS, o PSD e o CDS comprometeram-se, se forem governo, a reduzir a despesa com o apoio aos desempregados em 150 milhões € em 2012 (ponto 1.13 do "Memorando"). No que respeita ao combate à pobreza, entre Jan.2010.e Mar.2011, o número de beneficiários do RSI diminuiu de 428 mil para 331 mil, ou seja, em 97.000. E, segundo o "Memorando de entendimento", o PS, o PSD e o CDS também se comprometeram a reduzir a despesa com apoios sociais em 350 milhões € em 2013 (ponto 1.30 do Memorando). Se juntarmos a redução das despesas com o SNS em 550 milhões € em 2012, e em 375 milhões € em 2013 (aumento das taxas moderadoras, redução comparticipações, etc.) previstas igualmente no Memorando (pontos 1.10 e 1.29), fica-se com uma ideia mais clara da dimensão do ataque ao "Estado social", e da sua continuação que resultará das medidas previstas no "Memorando".

Um dos ataques mais graves ao "Estado social" é a recusa de um direito fundamental a centenas de milhares de portugueses, que é o direito ao trabalho e a um emprego digno consagrado na própria Constituição da República. Ora este direito fundamental é negado cada vez mais a milhares de portugueses como revelam os dados do INE constantes do quadro seguinte.

Quadro 1- Evolução do desemprego em Portugal entre 1ºTrim.2009 e 1ºTrim.2011
PORTUGAL
VALOR TRIMESTRAL - Milhares
Resultados obtidos com o método anterior de determinação do número de desempregados
Com o novo método
1ºTrim. 2009
2ºTrim. 2009
3ºTrim. 2009
4ºTrim. 2009
1ºTrim. 2010
2º Trim. 2010
3º Trim. 2010
4º Trim. 2010
1º Trim.
2011
POPULAÇÃO EMPREGADA 5.099 5.076 5.018 5.024 5.009 4.992 4.964 4.949 4.866
1-População Activa 5.595 5.584 5.565 5.587 5.601 5.581 5.573 5.568 5.555
2-Desemprego Oficial 495,8 507,7 547,7 563,3 592,2 589,8 609,4 619,0 688,9
3- Inactivos disponíveis (desempregados sem trabalho que não procuraram emprego no período de referência) 67,2 64,2 82,7 73,5 71,1 66,1 79,7 78,9 143,8
4- Subemprego visível ou desempregados sub-utilizados (desempregados que trabalham algumas horas para sobreviver) 61,3 63,3 66,5 67,2 66,0 74,1 72,4 71,0 173,9
5-Desemprego Efectivo (2+3+4) 624,3 635,2 696,9 704,0 729,3 730,0 761,5 768,9 1.006,6
6-Taxa Oficial de desemprego (2:1) 8,9% 9,1% 9,8% 10,1% 10,6% 10,6% 10,9% 11,1% 12,4%
7-Taxa Efectiva de desemprego (5):(4+1) 11,0% 11,2% 12,3% 12,4% 12,9% 12,9% 13,5% 13,6% 17,7%
Fonte : INE, Estatísticas d0 Emprego - 4ºTrim/2009 e de 2010, e 1º Trim/2011

Os dados do INE sobre a evolução do desemprego em Portugal revelam que, entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2011, se verificou em Portugal um aumento contínuo e elevado do desemprego. Entre Jan/2009 e Jan/2011, o desemprego oficial passou de 495,8 mil para 688,9 mil (+193,1 mil) e o desemprego efectivo cresceu, no mesmo período, de 624,3 mil para um milhão e seis mil (+382,3 mil). É evidente a negação de um direito que caracteriza qualquer "Estado social" a um número crescente e inaceitável de portugueses.

Entre o 4º Trim/2010 e o 1º Trim/2011, verifica-se um aumento anormal e muito grande do desemprego que convém analisar e explicar até para que fique clara as razões desse salto no desemprego. Na televisão, por ex., quando se referem a esta questão, a resposta habitual é "a mudança de metodologia" que, para a opinião pública, é natural que pouco diga. No entanto, a explicação torna clara as deficiências que têm as estatísticas oficiais do desemprego em Portugal.

Entre o 4º Trim./2010 e o 1º Trim./2011, o desemprego oficial aumentou de 619 mil para 688,9 mil (+69,9 mil); a taxa de desemprego oficial subiu de 11,1% para 12,4%. O desemprego efectivo, durante o mesmo período, cresceu de 768,9 mil para 1.006,6 mil (+237,7 mil), e a taxa efectiva de desemprego aumentou de 11% para 17,7%. Este aumento tão elevado no desemprego em Portugal não resultou de um alteração radical na situação real verificada no desemprego e na taxa de desemprego em apenas um trimestre, mas tem fundamentalmente como causas o facto de anteriormente muitos portugueses serem considerados pelo INE como estando empregados quando efectivamente estavam desempregados.

Assim segundo as próprias "Estatísticas do Emprego" do 1º Trimestre de 2011 (ver págs 34 e 35), até ao fim de 2010 eram considerados como estando empregados todos "os indivíduos que efectuavam um trabalho não remunerado para uma pessoa de família ou com vista ao auto-abastecimento". A partir do 1º Trim./2011, tais indivíduos passaram a ser, segundo o INE; "classificados como não empregados, tornando-se elegíveis para a classificação posterior como desempregados ou inactivos. Esta circunstância ajuda a explicar a redução observada na população empregada e o aumento da população desempregada e inactiva" , e nomeadamente nos "inactivos disponíveis" em que, entre o 4º Trim./2010 e o 1ºTrim./2011, aumentam de 78,9 mil para 143,8 mil. Também se verificaram alterações na definição de "subemprego visível" em que passaram "a ser consideradas as horas habitualmente trabalhadas em todas as actividades (principal e secundárias) e não apenas na actividade principal, como era anteriormente. É também introduzido um critério de disponibilidade para começar a trabalhar "as horas pretendidas", o que certamente explica o aumento de 71 mil para 173,9 mil verificado entre o 4ºTrim/2010 e o 1ºTrim/-2011. Este facto associado ao aumento registado também nos "inactivos disponíveis" explica a elevada subida registada no desemprego efectivo que, durante o mesmo período, aumentou de 768,9 mil para 1006,6 mil. Como o próprio INE reconhece as mudanças introduzidas "proporciona um maior rigor na identificação desses indivíduos e na captação das situações de fronteira". Portanto, era desemprego que, na sua maioria, já existia, mas que estava oculto e que agora se torna visível. Pela "anterior metodologia" a taxa de desemprego oficial só teria aumentado, entre o 4ºTrim/2010 e o 1ºTrim/2011, de 10,9% para 11,4%, e o número oficial de desempregados só teria subido de 619 mil para 633,3 mil, ou seja, menos 55,6 mil que o número oficial de desempregados. Este facto vem confirmar as críticas que fazíamos de que o número oficial de desempregados não era real, pois estava muito abaixo do efectivo. Apesar da melhoria verificada é de prever que a verdadeira situação ainda seja mais grave.

A SITUAÇÃO TENDERÁ A AGRAVAR-SE AINDA MAIS NO FUTURO COM A RECESSÃO ECONOMICA E COM A DESTRUIÇÃO DA ECONOMIA

Existe uma correlação negativa, ou seja, inversa entre a taxa de variação do PIB e a taxa do desemprego. Isto significa que quando o PIB cresce, a taxa de desemprego diminui; e, inversamente, quando o PIB diminui a taxa de desemprego aumenta. O gráfico seguinte, construído com dados divulgados pelo Eurostat e pela Comissão Europeia (Stastical Annex of European Economy – Spring 2011), mostra essa correlação negativa entre o PIB e o desemprego para o período 1996-2012 em Portugal permitindo tirar conclusões importantes.

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No período 1996-2000, o PIB cresceu em média 4% ao ano, e a taxa de desemprego caiu de 7% para 4%. A partir de 2000 e até 2010, verificou -se um crescimento anémico – a média do crescimento foi inferior a 1% por ano – e a taxa de desemprego disparou tendo atingido cerca de 11% em 2010. Como mostra o gráfico 1 só em 2007, com uma taxa decrescimento económico de 2% é que se verifica uma pequena paragem no aumento da taxa de desemprego. A partir de 2010, com a entrada de Portugal em recessão económica, o ritmo de aumento da taxa de desemprego vai inevitavelmente acelerar-se ainda mais, prevendo-se já antes da mudança de metodologia que a taxa oficial de desemprego atinja 13% em 2013 (agora com a nova metodologia, a taxa oficial de desemprego será certamente superior a 14%). É evidente que taxas de crescimento económico anémicas e recessão económica determinam um aumento contínuo do desemprego em Portugal. Para inverter esta situação é preciso não só produzir mais como tem sido dito, mas também aumentar o consumo de produtos nacionais, o que tem sido esquecido. Nada serve produzir mais se depois esse acréscimo de produção não se conseguir vender. E neste campo haverá que pressionar e mesmo tomar medidas para alterar a politica de compras das grandes empresas distribuidoras que, movidos apenas pelo lucro, preferem vender produtos estrangeiros, preterindo a produção nacional. È exemplo disso a cadeia "Pingo Doce" de Jerónimo Martins, que é o 5º maior importador de produtos estrangeiros, contribuindo assim para o endividamento crescente do País. A pressão da opinião pública era também importante. As medidas do "Memorando" levam à destruição da produção nacional

O DESEMPREGO AUMENTA MAS O APOIO AOS DESEMPREGADOS AINDA VAI DIMINUIR MAIS

O gráfico seguinte, construído com dados divulgados pelo INE (número de desempregados) e pela Segurança Social (desempregados a receber subsidio), mostra de uma forma clara que o desemprego e o apoio aos desempregados têm evoluído em Portugal em sentido oposto.

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No 1ºTrim/2009, o desemprego oficial atingiu 496 mil, e o número de desempregados a receber subsidio de desemprego somou 299 mil, ou seja, correspondia a 60,4% do desemprego oficial. No 1ºTrim/2011, o número oficial de desempregados atingia já 688,9 mil (o desemprego efectivo atingiu 1006,6 mil), mas o número de desempregados a receber subsidio de desemprego era apenas 293 mil, ou seja, somente 42,6% do desemprego oficial. Em 2011-2013 a situação agravar-se-á pois, segundo o "Memorando de entendimento", o PS, o PSD e o CDS comprometeram-se, se forem governo, a reduzir ainda mais o apoio aos desempregados em 150 milhões €. E isto apesar do aumento elevado que se verificará no desemprego em Portugal.

O APOIO AOS PORTUGUESES QUE ESTÃO NO LIMIAR DA POBREZA TAMBÉM DIMINUI

Com o aumento do desemprego, a pobreza está a aumentar em Portugal. Apesar disso o número de portugueses a receber o Rendimento Social de Inserção não tem parado de diminuir.

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Entre Jan/2010 e Mar/2011, o número de beneficiários do RSI passou de 428 mil para 331 mil. No período 2011-2013, segundo o "Memorando de entendimento", o PS, o PSD e o CDS comprometeram-se, se forem governo, a reduzir a despesa com este apoio social em 350 milhões €. Outro apoio social que sofreu uma quebra significativa foi o das bolsas do ensino superior. Cerca de 20% dos estudantes (mais de 12.000) perderam o direito bolsa em 2011. O ataque ao "Estado social" é global e não se limitou apenas à redução de 603 mil crianças a receber abono de família entre Janeiro de 2010 e Janeiro de 2011 (passou de 1.772.000 para 1.119.000 segundo a S. Social).

21/Maio/2011
[*] Economista , edr2@netcabo.pt

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30/Mai/11