Por Cuba, pela humanidade
por José Reinaldo de Carvalho
[*]
Ainda se ouvem tiros em Bagdá, bairros residenciais continuam fumegando
depois dos bombardeios realizados pela coalizão agressora
anglo-americana, a crise humanitária que acomete a
população iraquiana assume proporções calamitosas;
enquanto isso, as autoridades diplomáticas e militares da
superpotência identificam novos alvos das futuras etapas da escalada
belicista. Mas parece que nada disso diz respeito às
preocupações do "mundo democrático", eis que
todos se encontram agora empenhados na solução do
"problema" dos direitos humanos em Cuba.
Um coro ensurdecedor, de que passaram a fazer parte até mesmo
respeitáveis vozes de dirigentes comunistas europeus e luminares da
literatura universal, reverberou acusações caluniosas e surradas
contra a revolucionária ilha, sentenciada como país que
não respeita os direitos humanos, às vésperas de mais uma
votação do requentado tema na Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas. No Brasil, estamos a braços com os
fernandinhos beira-mar da vida, com o terrorismo dos narcotraficantes erguendo
estados paralelos, infiltrados nas altas esferas, assistindo a cada dia a novos
episódios do permanente motim de prisões e febens, mas a
mídia e a direita tucano-pefelista preferem destacar o tema cubano. As
preocupações podem ser nobres, mas quem dá opinião
sobre temas da política internacional não tem o direito de
não enxergar o que se esconde por trás de cada fato, quem rege o
coro e quais as motivações de quem mexe a batuta. A campanha
desencadeada não é neutra, tem autor definido e roteiro
traçado. Trata-se de mais um episódio da luta de mais de quatro
décadas do imperialismo norte-americano contra Cuba. A
motivação é dar vida e força à
contra-revolução cubana, o escopo final é derrocar o
governo legitimamente constituído da República de Cuba.
A punição com duras penas de prisão de conspiradores
manipulados pelo Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana,
a soldo de organizações subversivas como a Fundação
Cubano-Americana e o Conselho pela Liberdade em Cuba, sediadas em Miami,
subvencionadas pelo governo norte-americano, e o fuzilamento autorizado por uma
condenação legal de três terroristas que atentaram contra a
segurança de cidadãos indefesos e contra a integridade
territorial do país, seqüestrando um barco de transporte de
passageiros, são fatos extraordinários, que alteram a normalidade
da vida, indicam tensão e a ocorrência de conflitos
políticos. São medidas duríssimas, extraordinárias,
extremas e como tais indesejadas pelo povo cubano, por seu governo, sua
liderança e seus amigos no exterior. É uma situação
incômoda para um país pacífico e humanista como Cuba. Mas
é dessas situações em que não se tem escolha. Ou se
adota a posição acertada, ou os prejuízos serão
fatais.
As autoridades judiciais cubanas proferiram a sentença de pena capital
contra os três terroristas seqüestradores como medida de autodefesa
do Estado cubano e da vida de seus cidadãos. Nos últimos sete
meses foram praticados em Cuba sete atentados terroristas de seqüestro,
dois deles de aviões que foram parar em Miami. No caso em tela,
seqüestrou-se um barco com 36 passageiros, entre eles mulheres e
crianças, submetidos a ameaças de morte e outros vexames.
É este um ato legítimo de dissidência política ou um
crime hediondo, típico do terrorismo passível de exemplar
punição? A tibieza das autoridades seria confundida com
permissividade, que abriria grave precedente. O país seria alvo de novos
atentados, atos de sabotagem, ações subversivas,
distúrbios de todo tipo, até criar-se o pretexto para um golpe de
força contra o governo legitimamente constituído. Agindo de
maneira exemplarmente dura contra os terroristas, as autoridades judiciais
cubanas impediram uma escalada ameaçadora à segurança dos
cidadãos e à integridade do país. É legítimo
que o Estado cubano se defenda e ao fazê-lo proteja a sociedade.
A dura sentença não foi proferida ao arrepio da lei. Sendo
revolucionário e socialista, o Estado cubano é também um
Estado de direito. Tem seu arcabouço jurídico,
Constituição, normas, códigos, leis e
instituições que os aplicam e administram.
Informações oficiais de Havana dão conta de que, embora de
duração curta, porque os fatos eram notórios e as provas
irrefutáveis, os processos foram abertos, tendo sido assegurados aos
acusados e à defesa o acesso a toda a documentação, o
direito de defesa e até de recurso ao Supremo Tribunal e ao Conselho de
Estado. Assim, além de legítima, a atitude das autoridades
judiciais cubanas foi também legal e o rito, embora curto, de acordo com
a legislação penal cubana, foi normal.
Cuba não é o único país do mundo em que vigora a
pena de morte. E nem me parece que qualquer país tenha autoridade moral
para condenar a nação socialista antilhana por desrespeito aos
direitos humanos. Muito menos os Estados Unidos, que sobre serem genocidas
pelos crimes de lesa-humanidade que têm perpetrado no curso da sua guerra
infinita, enfrentam gravíssimos problemas de direitos humanos no
interior de suas fronteiras e têm a maior população
carcerária do mundo, num dos mais cruéis sistemas prisionais. O
Brasil tem outras tradições e ordem jurídica distinta.
Nosso código penal não prevê a pena de morte e o desejo de
todos os que lutamos para superar revolucionariamente as iniqüidades
sociais do regime das classes dominantes é que numa sociedade
estruturada sobre novas bases econômicas e sociais, consigamos soerguer
uma ordem jurídica e política a mais próxima
possível dos nossos ideais socialistas, pacifistas e humanistas.
Nessa luta seremos sempre flexíveis na tática e nos
métodos, pusilânimes jamais. E não nos permitiremos
equívocos quanto ao lado em que nos posicionamos na luta de classes
(passe o termo, por favor, como ele é atual!), nem nos enganaremos
quando a tradução dessa luta for a defesa de princípios
revolucionários, da ética comunista, da perspectiva
histórica. Mais do que nunca estamos imersos na grande batalha de
idéias, em que o valor dos combatentes é a persistência em
meio às condições adversas e o que menos importa diante
dos ataques do inimigo são invencionices hipócritas sobre
direitos humanos e "democracia" vulgar.
Não há "direitos humanos" universalmente válidos
que se sobreponham ao direito à vida no quadro da
autodeterminação e da independência nacional. Aliás,
isto é reconhecido pelas Nações Unidas, através de
sua Carta, Convenções e Resoluções fundamentais.
Não há por que um revolucionário se acovardar diante dessa
evidência e escapar à questão de fundo: tem o povo cubano
ou não o direito inalienável de, no quadro de sua
independência, soberania e autodeterminação, escolher o
regime político e econômico, a organização social
que lhe convenha e nesse marco cultivar seus valores democráticos e
fruir os humanos direitos? É indubitável que sim e é isto
o que está em jogo. O imperialismo norte-americano e seus lacaios no
mundo opõem-se à existência de Cuba livre,
democrática, independente, revolucionária e socialista. Essa luta
dura mais de quatro décadas e parece que vai durar muito mais. Nas
condições de hoje, a oposição imperialista à
liberdade e à soberania se volta contra todos os povos e
nações. A ditadura planetária de Bush lançou o
repto: "Comigo ou escravizados a mim", por isso a defesa de Cuba
não se prende apenas à circunstância, antes é a
defesa de um princípio que tem a ver com o destino de todas as
nações e de toda a humanidade.
Diz a sabedoria popular que é nos momentos difíceis que se
conhecem os amigos. Nosso país, nosso povo e suas forças
progressistas, entre elas o Partido Comunista do Brasil, não
faltarão a Cuba nesta hora. Pela circunstância e por uma
questão de princípios.
17/Abr/2003
[*]
Jornalista. Vice-presidente nacional do PCdoB,
é responsável pela Secretaria de Relações
Internacionais do Comitê Central.
O original deste artigo encontra-se em
www.vermelho.org.br
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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