Segundas partes
podem ser perigosas
por Jorge Gómez Barata
[*]
Contra todos os prognósticos, contra as expectativas de Obama, de Havana
e do próprio Joe Biden, a sua vitória eleitoral ao invés
de contribuir para a distensão no conflito bilateral com Cuba
intensificou-o com uma escalada que supera o horizonte de Donald Trump.
Por se tratar de factos com impactos no interior de Cuba e por implicar a
soberania nacional, a intenção de impor à ilha um
serviço de INTERNET auspiciado e financiado pelo governo dos Estados
Unidos é de alta periculosidade, implica tensões imediatas e
extremas, sem excluir componentes militares. Trata-se de uma progressão
que pode levar ao ciber-espaço a persistente agressão
radiofónica iniciada em 1985 com a Rádio Martí.
A desmesura do projecto recorda os dias em que, perante a iminência da
vitória eleitoral de Ronald Reagan, o "Grupo de Santa
Fé" e a
Heritage Foundation
elaboraram o Documento de Santa Fé I, uma espécie de
Bíblia conservadora que foi aplicada ao pé da letra.
Em relação a Cuba aquele programa não podia ser mais
agressivo: "Os Estados Unidos... não podem aceitar o status de
Cuba... O preço que Havana deve pagar não deve ser baixo... Entre
outras medidas estará o estabelecimento da Radio Cuba Libre sob o
patrocínio do governo dos Estados Unidos... Se fracassar a propaganda,
há que lançar uma guerra de libertação nacional
contra Castro" (sic).
Com Reagan na Casa Branca, Havana assumiu com urgência o anúncio
da agressão radiofónica que podia incluir componentes militares e
começou-se a trabalhar em três direcções: (1) A
denúncia. (2) A criação de capacidades técnicas
para interferir nas transmissões. (3) A negociação para
evitar a confrontação. Altos cargos do Partido, do governo, das
forças armadas e peritos em todas as esferas envolvidas, fiscalizados
pessoalmente por Fidel e Raúl Castro, consagraram-se à busca de
opções de resposta.
Em Setembro de 1981 o presidente Reagan emitiu a Ordem Executiva 12323, pela
qual instalou a "Comissão Presidencial para a Radiodifusão
em direcção a Cuba". Paralelamente o Congresso aprovou a lei
H. R 5 427 que autorizou a criação de uma
estação de ondas médias, com um orçamento inicial
de 7,5 milhões de dólares.
Em 1984 nomearam-se os directores da estação,
designação que coube a importantes chefes
contra-revolucionários e ratificou-se Jorge Mas Canosa, então
influente líder anti-castrista, como presidente da Junta Assessora para
as Transmissões a Cuba. Em 20 de Maio de 1985 a estação
foi ao ar e também se fizeram as interferências de Cuba, que as
bloquearam. Em 1990 a agressão radiofónica ampliou-se à
televisão com idêntico resultado. Felizmente, em ambos os casos, a
eficiência tecnológica arquivou outras medidas.
A questão do momento é se Biden, aproveitando o desenvolvimento
das tecnologias para comunicações de serviço
público e a eficiência alcançada, está determinado a
impor à ilha um serviço de INTERNET pirata que obviamente
será ilegal, e se assumirá a responsabilidade histórica de
estender a agressão radiofónica e televisiva também ao
ciberespaço, pondo à prova Cuba que, em matéria de
soberania, carece de uma segunda face.
Nos 35 anos decorridos desde 1985, quando começaram as emissões
de rádio americanas para Cuba, às quais se juntou a
televisão em 1990, ambas com fracos resultados políticos, com
fundos federais, ou seja, com dinheiro dos contribuintes americanos, foram
consumidos cerca de mil milhões de dólares.
Desde então, não consigo lembrar de nenhum momento mais perigoso
do que o actual. Tranquiliza-me saber que o momento mais negro antecede a
aurora. Encontramo-nos lá.
02/08/2021
Ver também:
Russia experiments with Internet isolation
Ciber Cuba
Help Cubans access the internet
[*]
Economista, cubano.
O original encontra-se em
cubayeconomia.blogspot.com/2021/08/segundas-partespueden-ser-peligrosas.html
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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