As ideias feitas e a verdade escondida sobre Cuba
Precisamos falar mais de Cuba, camaradas. Porque muito foi dito mas talvez nem
tudo. O que não o foi o que
não pôde
ser dito , é que devemos apoiar Cuba. É dever nosso, dos
progressistas franceses, de prestar, hoje mais que nunca, o nosso apoio ao povo
cubano e à sua revolução, frente ao imperialismo.
É urgente o apoio a Cuba, não apenas porque ela é alvo de
uma verdadeira guerra de propaganda, de ataques mediáticos feitos de
mentiras e de calúnias, visando estabelecer um
pensamento único anti-cubano,
mas também porque a luta do povo cubano não diz apenas respeito
ao seu próprio futuro, nem mesmo apenas ao da América Latina,
esmagada por um neoliberalismo militarista que os povos rejeitam, mas que por
todo o lado lhes é imposto, à excepção de Cuba:
a
luta do povo cubano diz-nos respeito a todos.
Cuba prova-nos, com efeito, que é possível resistir. Ela
demonstra-nos que um povo
unido
pode resistir à mundialização capitalista e à sua
ordem iníqua, definidora dos contornos de um
apartheid
mundial e dos traços de um imperialismo com cara de
«smiling fascism»
(«fascismo sorridente»). Este povo consciente, consequente,
corajoso, que aguentou o choque durante a gravíssima crise dos anos 90,
reafirma cada vez mais a sua vontade de prosseguir um processo
revolucionário, cuja finalidade consiste num projecto de sociedade
autónoma, soberana, alternativa. Um projecto que se reivindica sempre
do
socialismo
.
É uma evidência que uma alternativa socialista na América
latina é intolerável para os Estados Unidos. Também
não é surpreendente que a fracção mais
reaccionária do seu
establishment
se encarnice contra a Cuba socialista. O que é surpreendente, pelo
contrário, é ver a nossa imprensa e os nossos dirigentes
políticos ditos
de esquerda
tomarem a iniciativa de escrever cartas e editoriais
para condenar Cuba, rivalizando na baixeza e na ignorância com a
reacção, sem considerarem necessário procurar saber algo
mais do que aquilo que diz a máquina de guerra mediática,
accionada pela extrema direita estadunidense. A pressão imperialista
contra Cuba levou a esquerda francesa a esfrangalhar-se pelas suas
próprias mãos e a apartar-se ainda mais das suas bases.
Para compreender o que anima e faz viver esta revolução, e
também o porquê de, apesar do bombardeamento dos médias,
tantos homens e mulheres se solidarizarem com Cuba, um pouco por todo o mundo
inclusive nos Estados Unidos, onde numerosos partidos políticos,
sindicatos, intelectuais se solidarizam com Cuba , é preciso ter a
noção (e a consciência) da violência das
relações que lhe são impostas pelos Estados Unidos. E por
isso torna-se necessário romper com este pensamento único
anti-cubano e desembaraçar-se das
ideias feitas
que nos impõem a propósito de Cuba.
O bloqueio seria um
«pretexto»
para dissimular o
«pesadelo castrista».
O bloqueio não é um pretexto, mas sim, na medida em que
atenta contra a integridade física de todo um povo, um
crime contra a humanidade
e todos os membros da ONU o rejeitam, à excepção
dos Estados Unidos, de Israel
e das ilhas Marshall. O bloqueio
não afecta apenas a entrada de bens e de capitais, mas atinge a
alimentação, a saúde
mesmo os medicamentos infantis!
Sofrimentos injustificáveis! É necessário que termine!
Cuba seria o resíduo anacrónico do sovietismo. Isto é
esquecer que a revolução cubana é o produto da
história das lutas do seu proletariado multirracial (rebeliões de
escravos, guerras de independência, lutas operárias e de
camponeses sem terra
), que convergiram e conduziram à
vitória de 1959.
Os Estados Unidos teriam desenvolvido a economia. É falso! Antes da
Revolução, o crescimento obedecia a uma lógica de
financeira:
lucros repatriados (por Morgan, Rockefeller
) sem desenvolvimento local.
Os Estados Unidos eram proprietários da ilha. A revolução
é
anti-imperialista.
A URSS teria mantido Cuba no estado de
«neocolonia».
Cuba não era certamente um país
desenvolvido
em 1990; mas poderemos esquecer que a ajuda soviética foi decisiva
para, pela primeira vez, colocar a economia do país ao serviço do
povo? Cuba não tem nada a ver com o resto da América Latina,
entregue à pilhagem da
finança.
A miséria reinaria em Cuba. Não será verdade que, mesmo no
auge da crise, em 1994, a FAO e a OMS publicaram dados sobre taxas de
carências nutricionais três vezes mais baixas em Cuba que no Chile
(modelo económico neoliberal), duas vezes mais baixas que na Costa Rica
(modelo social neoliberal)? Em 2003, Cuba é, segundo o PNUD, o
país que apresenta o IDH (indicador de desenvolvimento humano) mais
largamente superior ao PIB; o que significa que obtém os melhores
resultados sociais tendo em conta os recursos de que dispõe. Não
há em Cuba crianças iletradas, sem assistência, sem abrigo,
ou passando fome, porque os pilares do seu sistema social, apesar de abalados,
continuam de pé. Porque Cuba permaneceu
socialista.
O capitalismo teria sido restaurado. Prova: a dolarização.
Actualmente, não é possível falar de
transição para o capitalismo em Cuba. Os mecanismos de mercado
(turismo
) aumentaram as desigualdades, mas estas são limitadas
pelo facto de as reformas da revolução se fazerem sem
privatização, nem mercado financeiro, nem
acumulação de capital privado. A revolução
é
anti-capitalista.
Os fabricantes de ideias feitas sabem mentir, e melhor ainda caluniar.
Parece que
os portadores do vírus HIV são encerrados em
sidatórios.
Os doentes de SIDA beneficiam, em meio aberto, dos cuidados
terapêuticos mais avançados, gratuitos. Porque é que
não se diz que alguns investigadores cubanos se inocularam
voluntariamente com o vírus, a fim de testar em si próprios os
tratamentos que desenvolveram?
Na
«maior prisão do mundo»
, raros são os que podem sair do país. E que fazem os
milhares de médicos das missões internacionalistas? Este
internacionalismo seria
«cínico».
A ajuda à FLN argelina desde 1961, ao Vietname nos anos de
guerra? Cínica a luta (de armas na mão) pelo fim do
apartheid
sul-africano? Ter-me-ia agradado tanto que o nosso país tivesse sido
assim cínico!
Não há eleições em Cuba? É falso. É
preciso pertencer ao Partido Comunista para ser eleito? É falso. E o
partido único? O partido único não foi imposto nem
importado para Cuba. Surgiu como uma necessidade histórica: a de unir a
resistência de um povo face à agressão imperialista. Seria
preferível um
partido único do capital,
sob a capa do multipartidarismo?
Diz-se que
a corrupção é geral. Existe, e é combatida. Mas
se há algo que sabem os capitalistas estrangeiros, é que
não podem agir aí como fazem
por vezes
no Sul: em Cuba, os altos responsáveis da revolução e do
exército não são corrompíveis.
De Fidel Castro, o que não dizem! Mas Fidel não seria
preciso, mas é melhor dizê-lo, é admirado, é
amado pela grande maioria do seu povo, e por muitos outros além do seu.
Porque a categoria de homens a que pertence é a dos grandes
libertadores: os Bolívar, Martí, Lenine
Mas enfim, é uma
ditadura,
toda a gente o diz! Sim. todos aqueles que estão
autorizados a exprimirem-se
nos media do mercado. Há desaparecidos, torturados, assassinatos
políticos em Cuba? Não. Goulags,
«purgas estalinistas»,
terror? Na imaginação dos nossos especialistas em
«barbárie moderna»
certamente, mas não em Cuba.
E os 75 jornalistas e intelectuais, dissidentes
«capturados, atirados para o calabouço»
? Será esta acusação bem fundamentada, e
serão as sanções da União Europeia justificadas?
Jornalistas e intelectuais?
14 são diplomados pela universidade, dos quais 4 em jornalismo ou
comunicação, e entre estes 1 foi durante algum tempo jornalista.
Independentes?
Mas não certamente do Escritório de Interesses dos Estados Unidos
em Havana e do seu chefe, Cason, enviado por Bush para organizar a peso de
dólares a
«dissidência».
Os testemunhos de membros da Segurança do Estado cubano,
infiltrados há 10 anos no
Partido dos Direitos do Homem
ou
Associação dos Jornalistas Independentes,
lançaram luz sobre a forma como os ditos
dissidentes
trabalhavam ao serviço de uma potência estrangeira. Qual delas?
Aquela mesma que impõe o bloqueio e acolhe os grupos
«anti-castristas»
! A que incita à emigração ilegal, recusando
conceder vistos, mas oferecendo a nacionalidade estadunidense a todo o cubano
que entre no seu território (ainda que seja pela violência), que
classifica os fluxos migratórios procedentes de Cuba como uma
ameaça à sua segurança e a este pretexto ameaça a
ilha com uma guerra! Quem aceitaria em França a actividade de agentes
pagos pelo estrangeiro para desestabilizar o país?
Não defendem eles a
democracia
? Qual? A do povo? Ou a do país mais rico do mundo, que é
incapaz de alimentar, de alojar, de educar, de prestar assistência
médica a
toda a sua população
, que através de uma fraude eleitoral, colocou no poder um presidente
milionário, que espezinha o direito internacional, a ONU, a
opinião pública mundial, que faz sofrer ao povo iraquiano o que
se sabe, que domina sem partilha o sistema capitalista mundial, enquanto todos
nós desejamos
«um outro mundo possível»?
Dos cinco cubanos prisioneiros nos Estados Unidos, por terem tentado prevenir
as acções terroristas dos grupos anti-cubanos de Miami; das
centenas de prisioneiros da base de Guantanamo, ocupada pelos Estados Unidos
sobre o solo de Cuba; dos piratas do ar cubanos libertados sob
caução na Florida, não se fala. A retórica dos
direitos humanos é usada pelos Estados Unidos contra Cuba como arma
ideológica de destruição maciça para manipular as
consciências e neutralizar as resistências. Aos que já
não se lembram, os chilenos encarregam-se de lhe lembrar, 30 anos
depois, o golpe de Estado fascista contra Allende.
Como apoiar um regime que recorre à pena de morte? Os acontecimentos
recentes, graves (execução de três sequestradores),
não são o modo de existência da Revolução,
mas uma resposta à medida da terrível ameaça que o actual
governo dos Estados Unidos faz pesar sobre a ilha. O autor destas linhas,
opositor à pena de morte, recorda ainda com emoção e
orgulho o dia, não muito longínquo, em que ela foi banida do
Direito francês. Mas também compreende que o povo cubano tem
o direito
de se defender contra os seus inimigos, contra os que querem destruir a
Revolução, pelo exemplo e pela esperança que ela
representa para todos os povos do mundo, contra os que a ameaçam com uma
guerra militar.
Não nos enganemos no campo de combate! Tenhamos mais discernimento!
Era preciso Cuba, era preciso este povo heróico, era precisa esta
Revolução para desencadear tais calúnias!
«Que poder mágico é este de transformar a virtude em
vício
e o vício em virtude?»,
perguntava Robespierre, acrescentando: é preciso
«passar a verdade de contrabando».
Então, camaradas, sejamos os contrabandistas da verdade! E
esta verdade, podemos exprimi-la alto e bom som:
Viva Cuba!
[*]
Economista, investigador no CNRS. É autor
de um relatório apresentado à ONU sobre os efeitos do bloqueio e
coordenou a edição da obra colectiva
Cuba révolutionnaire
(L'Harmattan, 2003).
O original foi publicado em
L'Humanité
, 29/Set/2003. Tradução de Carlos Coutinho
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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