Resposta a Bush

Respeitamos rigorosamente os direitos dos outros países. Os nossos também devem ser respeitados.

por Fidel Castro Ruz [*]
Tradução de José Colaço Barreiros

Fidel na Assembleia Nacional do Poder Popular Camaradas:

Já está tudo dito e muito melhor do que poderia eu dizê-lo. O máximo que posso fazer é um resumo, considerando alguns aspectos.

Nos dias em que tomou posse, não desejávamos intercâmbios retóricos com o novo Presidente dos Estados Unidos. Embora não albergássemos a menor dúvida sobre a sua política em relação a Cuba, não víamos a utilidade de lançar a primeira pedra. Iríamos ser pacientes.

Um grupo de extrema direita tomara o poder nos Estados Unidos, e sabíamos dos seus acordos e compromissos contraídos desde antes das eleições com os grupos mafiosos de Miami para liquidar a Revolução Cubana, que não excluíam a minha própria eliminação física. O acaso acrescentou a peculiar circunstância de serem aqueles, por meio de fraude eleitoral, a decidir a eleição presidencial de Bush.

Na primeira etapa tiveram lugar as habituais manobras anticubanas de Genebra. Nada de novo, só que os métodos de pressão contra as delegações perante a Comissão dos Direitos Humanos foram mais brutais do que de costume.

Tinha quase decorrido um primeiro ano sem especiais novidades: os tradicionais ataques retóricos contra Cuba, a reunião do ALCA em Québec e a desacertada referência por parte de Bush nesse evento ao pensamento de Martí, que originou uma chuva de cartas das crianças e adolescentes cubanos explicando ao Presidente dos Estados Unidos, com a maior cortesia possível, quem era e como pensava o nosso Apóstolo e Herói Nacional, foram os factos de mais relevância nas relações bilaterais.

Na esfera internacional, a decisão de construir um escudo nuclear antimíssil, o desprezo pelos compromissos contraídos em Quioto e o anúncio de grandes despesas militares no desenvolvimento de novas e sofisticadas armas quando já nem sequer existia a guerra fria, deram um precoce sinal ao mundo do pensamento, do estilo e dos métodos da nova Administração da superpotência hegemónica.

A economia internacional começava a mostrar sintomas preocupantes por toda a parte: todos os índices e prognósticos se tornaram pessimistas. O mundo entrava numa incerta e desconcertante recessão. Os produtos básicos, de que vive a imensa maioria das nações do Terceiro Mundo, estavam de rastos, enquanto a globalização neoliberal, a privatização forçada, a dívida externa e os preços do petróleo atingiam o seu auge.

É no meio destas circunstâncias que têm lugar os acontecimentos trágicos, absurdos e injustificáveis de 11 de Setembro. O mundo prestou apoio unânime e solidariedade ao povo dos Estados Unidos. Sejam quais forem os erros e as incongruências da política exterior das Administrações desse país, ninguém deixou de se comover perante a atroz matança de milhares de norte-americanos inocentes, nascidos ali ou provenientes dos mais variados países.

Era a hora do exame de consciência e não de acirrar, multiplicar e capitalizar os ódios absurdos acumulados durante décadas inteiras. A nação superpoderosa devia ser imparcial; o resto do mundo tinha o dever de ser valente. O primeiro dependia dos seus líderes; o segundo, de um elementar sentido comum e dignidade. Tais virtudes não abundam. Não ocorreu nem uma coisa nem outra. O mais poderoso decretou um golpe de estado mundial a 20 de Setembro, 9 dias depois do repugnante acto terrorista, ao declarar em tom de guerra que todos os países tinham de escolher entre ser seus aliados ou ser seus inimigos. As Nações Unidas perderam a pouca autoridade que lhes conferia uma Carta viciada pelo mais antidemocrático dos procedimentos: o veto. Os demais estados, cerca de 184, que costumam entreter-se votando acordos quase sempre nobres, mas que nunca se aplicam, desta vez perderam até o seu direito à palavra.

Desde então só se ouve o ruído estridente da irracionalidade, das ameaças e das armas.

As crises económicas, com as suas sequelas de pobreza e de fome, multiplicam-se; o egoísmo cresce, a solidariedade debilita-se; as doenças, piores às vezes que as próprias guerras, ameaçam exterminar regiões inteiras. As ciências económicas deparam-se com problemas que jamais tinham nem sequer imaginado, amarradas a conceitos e categorias que, como pesado lastro, as afundam num mar de incerteza e impotência. Foi o que aprenderam nas grandes e prestigiosas universidades de um sistema económico e social que se tornou hoje anacrónico império mundial. A política deixou de ser a ilusão de arte nobre e útil com que sempre sonhou justificar-se, para se transformar em entretenimento banal e desprestigiado. É uma tragédia grande, mas não insolúvel. A própria insustentabilidade do sistema conduzirá a espécie humana à procura de soluções.

Voltando a pôr os pés na terra, no limitado espaço do planeta onde se encontra o nosso país, nós cubanos temos direito a gozar o modesto privilégio do dever cumprido. Somos fruto de grandes acontecimentos e correntes históricas que têm tido lugar ao longo de muitos séculos. Sociedade colonial e esclavagista, com fortes sentimentos anexionistas e anti-independentistas nas camadas crioulas mais ricas até há pouco mais de um século; luta titânica do crescente sector patriótico durante 30 anos, já próxima de conseguir os seus objectivos; sofrendo a intervenção de tropas de Estados Unidos a nação forjada com a tenacidade e o heroísmo dos seus melhores filhos, atraiçoada e vendida, arrastada ao sabor de forças infinitamente superiores, vemo-nos hoje, país pequeno, independente e absolutamente livre, erguido perante a potência imperial mais poderosa que já existiu, nada propensa à paz e ao respeito pelo direito dos povos.

Um caso tão singular não estava escrito em nenhum livro. Do profundo abismo do passado surgiram as ideias, os sentimentos e as forças que nos levaram, que nos mantêm e nos manterão aqui.

A seguir à vergonhosa manobra de Genebra, em que o governo dos Estados Unidos após brutais pressões consegue pela margem mínima uma vitória de Pirro, em Maio passado surgem factos bem perigosos: no dia 6 o governo dos Estados Unidos acusa-nos de efectuar investigações sobre armas biológicas; a 20, os discursos de Bush em Washington e Miami; a 21, reitera-se a inclusão de Cuba na sua lista de países que favorecem o terrorismo; no dia 1 de Junho, os insólitos pronunciamentos de Bush em West Point.

A 20 de Maio o Presidente dos Estados Unidos dedicou todo um dia a Cuba e à Revolução. Que grande honra! Lembra-se de nós, logo existimos!

Ignoro quando o Presidente dos Estados Unidos escreve os seus discursos, quando encomenda esse trabalho a um dos seus íntimos assessores, ou se são um híbrido de ambas as coisas. Em qualquer das circunstâncias, a arrogância, a demagogia e a mentira costumam ser companheiras inseparáveis de tais discursos. Nesse dia pronunciou dois: um na Casa Branca e outro em Miami. Mostrou-se pejorativo, insultuoso e pouco respeitoso para com o adversário. O mais importante não foram as ofensas e insultos. Quem carece de argumentos não tem outras armas senão a mentira e os adjectivos. O que se deve considerar como essencial são as suas macabras intenções, os seus planos insensatos e as suas ilusões.

Um exemplo de inconcebível falsidade e falta de respeito para com a opinião pública internacional deu-se quando, no discurso da Casa Branca, o senhor Bush afirmou tranquilamente que os Estados Unidos e os seus aliados e amigos conseguiram a liberdade em países como a África do Sul.

O mundo inteiro sabe, e as novas gerações devem saber, que foi em Cuito Cuanaval e no sueste de Angola que se decidiu o fim do apartheid, com a participação de mais de 40 mil combatentes cubanos nessa frente juntamente com soldados angolanos e namibianos. As administrações dos Estados Unidos armaram Savimbi, que semeou milhões de minas e matou centenas de milhares de civis. Guardaram um silêncio cúmplice sobre a posse de sete armas nucleares por parte da África do Sul, com a ideia de virem a ser usadas contra as tropas cubanas.

Bush confunde os seus desejos com as mais estranhas fantasias.

“Há 100 anos,” – disse em Miami – “o orgulhoso povo de Cuba declarou a sua independência e situou Cuba no caminho da democracia. Estamos aqui hoje para celebrar este importante aniversário.”

Para ele não existiu de modo nenhum a Emenda Platt, o engano, a traição, o direito de intervir, o ultraje à soberania de Cuba que esta constituiu. Não existiu sequer a história.

Fala de um “peter pan”, hoje seu ministro. E não disse que naquela monstruosa operação que teve esse nome, organizada pelas autoridades dos Estados Unidos na base de uma cínica e repugnante mentira, foram subtraídas clandestinamente do país 14 mil crianças cubanas.

A seguir recorre à melodramática historieta de um rapazinho cubano que chegou aos Estados Unidos em 1995 quando tinha dez anos de idade, que dentro de umas semanas se graduaria numa Escola Senior High School de Miami e seria o primeiro graduado desse plantel que ingressaria na Universidade de Harvard. Não teve nem podia ter sequer a mínima honestidade requerida para reconhecer que só uma criança proveniente de Cuba – único país do hemisfério onde desde o pré-escolar estão matriculados todos e cem por cento acaba o sexto grau com o dobro dos conhecimentos médios na língua e em matemática, conforme testemunha a UNESCO – pode entrar em Harvard com poucos anos de estudo posteriores; não se tratava de um imigrante do resto da América Latina, educado numa escola pública, nem de um menino índio ou negro norte-americano.

Imediatamente acrescenta que em Cuba não se deu nada a ninguém, “nada aos trabalhadores, aos camponeses e às famílias cubanas; só miséria e isolamento.”

Não tenta sequer explicar então porque é que quatro décadas de agressões, terrorismo, bloqueio e guerra económica por parte dos Estados Unidos, que para os enfrentar se requeria uma grande dose de consciência política, cultura, heroísmo e apoio popular, no entanto não puderam destruir ou enfraquecer absolutamente nada uma Revolução que nada teria feito pelo povo.

O senhor Bush acrescenta, entre outras superficialidades, que quando todas as nações do hemisfério escolheram o caminho da democracia, eu escolhi “a prisão, a tortura e o exílio para os cubanos que dizem o que pensam”. Esta caluniosa referência ao emprego da tortura no nosso país fá-la precisamente o chefe do Estado que formou em escolas especiais dezenas de milhares de latino-americanos que em quase todos os países de nosso hemisfério foram responsáveis por centenas de milhares de torturados, desaparecidos e mortos. O nosso pessoal de segurança nunca recebeu lições de tão experimentados mestres. Se o senhor Bush fosse capaz de demonstrar um único caso de tortura em Cuba ao longo de mais de quatro décadas de Revolução, estaríamos dispostos a erigir uma estátua de ouro, mesmo que seja fundindo a colecção do nosso museu numismático, para honrar a sua memória, como o menos mentiroso de todos os mentirosos do mundo.

Os que conhecem a fundo a nossa Pátria e a sua longa e acidentada história sabem que os princípios éticos da Revolução, que são o que explica a sua extraordinária força e capacidade de resistência, não são de modo nenhum os princípios do senhor Bush.

Nos incongruentes discursos que pronunciou a 20 de Maio anunciou:

“A minha Administração também trabalhará na procura de vias para a modernização da rádio e televisão 'Martí'”.

Como se pode apreciar, enquanto Cuba dedica todos os dias um número de horas cada vez maior na televisão aos programas escolares e da Universidade para Todos e investe recursos na ampliação a todo o país de um Canal Educativo que conta com crescente prestígio e apoio junto do povo, o governo dos Estados Unidos, para além da ofensa de utilizar o nome da nossa mais sagrada figura histórica, promete investir mais dinheiro na modernização de emissoras de rádio e televisão para agredir a nossa cultura e semear a desinformação, mentiras, veneno e subversão no nosso país.

Num arrebato que parecia delirante, confessa-se atónito por ter lido – sem que ninguém saiba onde leu – que nesta era moderna o regime cubano proíbe a venda de computadores ao público. Trata-nos como se fôssemos um país desenvolvido e rico. Ninguém se lembrou de lhe dizer que, apesar de tudo, Cuba é neste momento o único país deste hemisfério, incluindo possivelmente os Estados Unidos, em que cem por cento das escolas e centros de ensino, desde o pré-escolar até ao último curso universitário, contam com laboratórios e professores de informática, apesar do férreo e cruel bloqueio económico e tecnológico imposto ao nosso povo para o impedir de qualquer tipo de avanço em qualquer terreno.

O senhor Bush poderia ficar justificadamente atónito se fosse capaz de crer que o nosso país é hoje possivelmente o único do planeta que luta por uma cultura geral integral, onde quem possuir apenas os conhecimentos de uma carreira universitária será considerado dentro de breves anos um analfabeto funcional. Então poderemos competir com os cidadãos dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos não só em possibilidades de comunicar pela Internet em vários idiomas, mas também em níveis de educação e cultura. Mais valia que ele preparasse as crianças e os jovens do seu país para esse futuro já próximo, e sobretudo protegê-los do efeito destruidor e alienante da publicidade comercial e consumista.

E coisa mais vergonhosa e inadmissível: o senhor Bush afirmou que “se Cuba começar a adoptar reformas básicas importantes orientadas para o mercado” – quer dizer, para o capitalismo, – “então e só então trabalharia com o Congresso dos Estados Unidos para flexibilizar as restrições às viagens e ao comércio entre os nossos dois países.”

“Continuaremos a proibir o financiamento norte-americano às compras cubanas de produtos agrícolas norte-americanos porque isso não seria mais que um programa de ajuda estrangeira disfarçada, que só beneficiaria o regime actual.”

“Se o senhor Castro rejeitar a nossa oferta, estará a proteger os seus sequazes à custa do seu povo e por fim, apesar de todos os instrumentos de opressão, terá de responder perante o seu povo.” É precisamente o que estou a fazer, senhor Bush: a responder perante o povo, prestando-lhe contas da minha vida e do meu comportamento revolucionário, para elaborar juntamente com ele a resposta que devemos dar às exigências e ameaças que o senhor não devia nem tem o direito de fazer a um povo com a dignidade e o decoro do povo cubano.

Com ingénua ou insolente ousadia, o presidente Bush declara que “oferecerá bolsas nesse país a estudantes e profissionais cubanos que tenham a intenção de criar instituições civis independentes dentro de Cuba, e aos familiares dos presos políticos”.

Em Cuba os nossos adolescentes e jovens gozam de quase meio milhão de bolsas para todos os graus de ensino. Estas bolsas atribuem-se por aproveitamento académico ou por necessidades dos nossos estudantes, de acordo com as instituições de que se tratar. Ninguém entre as crianças e os jovens é discriminado. A ideia de que se possa fazer tal coisa por razões de carácter político é insultuosa e inadmissível.

O senhor Bush oferece bolsas de que o país não necessita de modo nenhum, e fá-lo com outros fins. Não se deve imaginar que vamos cooperar com um plano tendente a criar uma coisa parecida com um tipo de Escola das Américas para formar agentes subversivos e desestabilizadores ao serviço dos seus planos ingerencistas e imperiais.

Em Cuba, adicionalmente, atribuem-se todos os anos milhares de bolsas a jovens estrangeiros e não discriminamos ninguém por razões étnicas ou ideológicas. Seria preferível que o senhor Bush concedesse essas bolsas a jovens negros, índios ou de origem latino-americana nos Estados Unidos que não podem estudar.

Comete igualmente um erro o Governo dos Estados Unidos se conta de antemão com a impunidade de cidadãos que trabalhem a soldo de uma potência estrangeira – um delito que é castigado severamente pelas leis norte-americanas, – ou crê que receberão facilidades os que visitem Cuba disfarçados de qualquer forma para transportar fundos e conspirar abertamente contra a Revolução, ou que os funcionários do seu Serviço de Interesses terão o direito de percorrer o país à sua vontade organizando redes e conspirações, violando normas que regem a conduta dos diplomatas, com o pretexto de verificar a situação dos emigrantes ilegais que são devolvidos a Cuba. Não estamos dispostos a permitir violações da nossa soberania, nem humilhantes desacatos às normas que regem o comportamento dos diplomatas. Também não é admissível o contrabando de mercadorias através das malas diplomáticas. Será responsabilidade do Governo dos Estados Unidos se a insistência em tais práticas conduzir à anulação do acordo migratório, e até à retirada do Serviço de Interesses de Havana.

É algo que não desejamos, pois significaria um lamentável retrocesso nas poucas coisas em que se conseguiram avanços nas relações entre os dois países.

Contudo estamos dispostos a prescindir de qualquer coisa, até mesmo da vida, menos da dignidade e da soberania do nosso país. Não somos nós que agredimos, hostilizamos ou bloqueamos os Estados Unidos. Não exigimos que a sua constituição e o seu sistema económico e político sejam alterados. Respeitamos rigorosamente os direitos dos demais países. Os nossos também devem ser respeitados.

Já demos sobejas provas de um sincero espírito de cooperação em questões de interesse comum. De nossa parte surgiram três projectos de acordos bilaterais para a luta contra o tráfico de drogas, o tráfico de pessoas e o terrorismo.

Outro exemplo: perante a ilegal utilização da Base Naval de Guantánamo para a transformar em campo de prisioneiros estrangeiros, adoptamos as medidas pertinentes e oferecemos facilidades naquele terreno irregular e montanhoso para evitar acidentes que afectem tanto o pessoal militar norte-americano como os prisioneiros.

No seu discurso o senhor Bush fala de presos políticos em Cuba, mas nunca menciona os heróis cubanos prisioneiros do império condenados injustamente nos Estados Unidos a dezenas de anos de prisão e várias condenações perpétuas. Deste modo, eles falam de espiões lá e de presos políticos aqui; nós falamos de presos políticos lá e de presos contra-revolucionários e espiões aqui.

Finalmente, um ponto que não podemos omitir: o insulto e a ofensa quando afirmou em Miami que “o comércio com Cuba não faria outra cosa senão encher os bolsos de Fidel Castro e seus sequazes”.

Senhor Bush, eu não me pareço absolutamente nada com as corruptas personagens que o senhor honra com a sua amizade no mundo, ou com os que, seguindo receitas capitalistas e neoliberais, confiscaram ao Estado e transferiram para o exterior centenas de milhares de milhões de dólares, lavados grande parte deles por prestigiados e influentes bancos norte-americanos. O senhor, tão apegado às grandes fortunas como milionário e filho de milionário que é, talvez nunca possa compreender que existam pessoas insubornáveis e indiferentes ao dinheiro.

Não nasci totalmente pobre. O meu pai possuía milhares de hectares de terra. Com o triunfo da Revolução, essas terras foram entregues a operários e camponeses. Tenho a honra de poder dizer que não possuo nem conto nos meus haveres com um único dólar. Toda a minha fortuna, senhor Bush, cabe no bolso da sua camisa. Se algum dia precisasse dele para a guardar num lugar bem protegido de ataques preventivos e de surpresa, rogar-lhe-ia que mo emprestasse, e se é muita dou-lha adiantada como pagamento do aluguer.

É curioso observar que no ambidextro discurso do Presidente Bush a 20 de Maio, pronunciado duas vezes no mesmo dia, há uma subtil diferença. O da Casa Branca não menciona a palavra tortura nem a frase grosseira sobre os bolsos de Castro e seus sequazes. Estas incluiu-as no do Centro “James L. Knight” para o pleno gozo dos seus amigalhaços de Miami, os mesmos que, ao regresso de Elián ao seu lar e à sua família, espezinharam com fúria e incendiaram bandeiras norte-americanas, coisa que jamais aconteceu em Cuba desde o triunfo da Revolução.

Do seu discurso em West Point já falei em Santiago de Cuba. Hoje não são poucos no mundo, e inclusivamente no seu próprio país, os que compartilham da preocupação pela filosofia que o senhor ali exprimiu. Não vou acrescentar mais nada nesta ocasião. Só tenho o prazer de o informar que neste obscuro cantinho do mundo ninguém teme as suas ameaças de ataque repentino e de surpresa.

Todo o homem ou mulher vive uma contagem regressiva. Há muito tempo que entregámos à nossa causa cada minuto de vida que nos restar.

O senhor, por seu lado, perde autoridade. Na teoria possui o poder de ordenar a morte de uma grande parte do mundo, mas não pode fazê-lo sozinho. Para matar o resto do mundo, necessita de muita gente que o ajude. Entre os chefes militares e civis que manejam as estruturas do poder no seu país, há muitas pessoas cultas e informadas. Não basta uma ordem. Precisam de ser persuadidas e ficá-lo-ão cada vez menos na medida em que assessores políticos seus sem capacidade e experiência militar, e nem sequer política, cometam erros após erros. Não bastam mentiras truculentas ou invenções de ocasião para lançar ataques preventivos e de surpresa contra qualquer entre 60 ou mais países, ou contra vários deles, ou contra todos.

No seu país há igualmente milhões de cientistas, de intelectuais, de profissionais das mais variadas disciplinas que sabem distinguir entre o bem e o mal, que sabem de história e das terríveis realidades do mundo actual, que têm opiniões e formam opiniões. Existe também o resto do mundo que não esquece facilmente as tragédias a que podem conduzir as ideias e os conceitos que o senhor está a defender.

Diz-lho, sem agravo pessoal nem o propósito de ofendê-lo, quem só possui o modesto poder de meditar friamente, e há muito tempo que, juntamente com todo um povo valente e heróico, perdeu a noção do medo.

Viva o Socialismo!

[*] Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista de Cuba e Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da República de Cuba. Discurso pronunciado na sessão extraordinária da Assembleia Nacional do Poder Popular. Palácio das Convenções, 26 de Junho de 2002. Texto na íntegra.

O original deste discurso encontra-se em
http://www.granma.cubaweb.cu/terrorismo/articulo0171.html

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info .

02/Jul/02