O 27º aniversário do atentado terrorista contra a Embaixada

por Reinaldo Calviac Laffertté [*]

Estimados Carlos e Jorge, filhos de Adriana Corcho.

Estimados amigos.

Na tarde de 22 de Abril de 1976, foi colocada na Embaixada de Cuba em Lisboa –então situada no centro da cidade, no quinto andar do prédio da Avenida Fontes Pereira de Melo, nº 19– uma bomba de potência superior a seis quilos de TNT, que provocou a morte dos companheiros Adriana Corço Callejas e Efrén Monteagudo Rodríguez , funcionários da nossa representação diplomática.

É de assinalar que, logo a partir do momento em que se produziu o atentado, teve lugar uma concentração popular e espontânea diante da Embaixada, tendo os participantes expressado a sua solidariedade com o nosso povo e gritado, em coro, frases de repúdio ao fascismo, à reacção e à CIA.

Foram igualmente numerosas as cartas e telegramas enviados por famílias, trabalhadores e organizações, com a expressão do seu pesar e solidariedade para com o povo cubano.

Adriana Corcho , ao tempo com 36 anos e antiga estudante da Escola de Comércio de Havana, participara, na sua qualidade de militante da Juventude Socialista, em greves e manifestações contra a ditadura de Baptista. Em 1971 entrou no Ministério das Relações Exteriores e prestou serviços na Embaixada de Cuba em Espanha até 1975, ano em que passou a trabalhar na Embaixada de Cuba em Portugal. Em Lisboa se encontrava com o marido e os dois filhos pequenos.

Efrén Monteagudo , que no momento da morte tinha 33 anos, provinha de uma família muito humilde, motivo por que antes da Revolução não tinha conseguido concluir a escola primária, obrigado como estava a trabalhar devido à sua difícil situação económica. A sua condição social liga-o à Revolução desde terna idade e participou em diversas tarefas até a década de 70, ocasião em que ingressa no Ministério das Relações Exteriores, tendo cumprido missões nas embaixadas cubanas de Londres, Varsóvia e, finalmente, de Lisboa.

Depois de um processo judicial com múltiplas peripécias e que se prolongou por mais de cinco anos –que o advogado Levy Baptista, representante da Embaixada e das famílias das vítimas, classificou de vergonhoso– nem todos os implicados no criminoso atentado chegaram a ser julgados, nem aqueles que o foram receberam as condenações que mereceriam.

O atentado contra a Embaixada de Cuba em Lisboa foi uma das centenas de acções terroristas organizadas, estimuladas ou toleradas pelos governos norte-americanos desde o triunfo da Revolução e até hoje. Os executantes desses actos procederam, e continuam a proceder, com toda a impunidade naquele país e as consequências para o nosso implicam mais de 3.400 mortes.

Estamos agora a viver momentos dramáticos e de perigo extremo para a Humanidade. A guerra de conquista desencadeada contra o povo do Iraque, com absoluto desprezo pela opinião pública mundial e pela comunidade das nações, constitui a ruptura, por parte dos EUA, com as regras do convívio entre os povos, com a Carta das Nações Unidas e com os princípios, irrevogáveis, de soberania e autodeterminação, com intuitos similares aos que guiaram a Alemanha nazi quando abandonou a Liga das Nações.

A agressão contra o Iraque –primeiro episódio da proclamada teoria fascista da guerra preventiva e da guerra-relâmpago– articula-se com o poderoso sistema «à Goebbels» de propaganda e desinformação.

A Revolução Cubana, que os Estados Unidos procuram derrubar já desde há 44 anos, por meio de todo o tipo de agressões e sem lograr alcançar os seus objectivos, vive agora momentos particularmente perigosos.

Com a subida ao poder da actual Administração norte-americana, comprometida com os grupos de extrema-direita da comunidade cubana radicada em Miami, que apoiaram a campanha de Bush e desempenharam um papel-chave na sua eleição –em virtude da qual mais de uma vintena de representantes dessas organizações terroristas ocuparam importantes lugares no governo dos EUA– tem recrudescido a hostilidade para com Cuba.

Nesse contexto se inserem as provocatórias e desafiadoras actividades conspiratórias do Chefe e dos funcionários da Secção de Interesses dos Estados Unidos em Havana, que, em flagrante violação de todas as normas diplomáticas, com inaceitável ingerência nos assuntos internos e ao arrepio das leis do nosso país, se têm dedicado a organizar, financiar e proteger um grupo de mercenários cubanos.

Disfarçam-se eles de dissidentes e de jornalistas independentes , para actuarem como uma «quinta coluna» num pressuposto cenário de derrota da Revolução, objectivo para o qual os Estados Unidos gastaram, desde 1997, mais de vinte milhões de dólares.

Depois de ter actuado com tolerância durante muito tempo, perante a decisão dos Estados Unidos de converterem a sua representação em Havana em «Quartel-general» da subversão contra o nosso país –com o que se inculcava a ideia, entre esses mercenários, de que poderiam actuar impunemente, sob a protecção de uma nação poderosa–, não restou a Cuba outra alternativa que não fosse a aplicação das suas próprias leis.

Por outro lado, os EUA, que, como estipulam os acordos migratórios entre ambas as nações, deve outorgar um número não inferior a 20.000 vistos anuais aos cubanos que queiram emigrar para esse país ou nele visitar as suas famílias, desde Outubro do ano passado só concederam 505.

É para nós evidente que se pretende provocar desespero nos que desejam emigrar, deixando-os sem mais possibilidades que os processos ilegais, inclusivamente mediante o sequestro de aviões e de barcos, mandando assim «às urtigas» os referidos acordos migratórios.

Nos últimos sete meses ocorreram sete sequestros, com utilização de armas de fogo, granadas e armas brancas, pondo em risco as vidas dos passageiros. Muitos dos sequestradores são libertados quando chegam aos Estados Unidos e as naves cubanas arbitrariamente apresadas. O último acontecimento desta índole foi o sequestro do barco Baragua, que realiza trajectos na Baía de Havana. Essa embarcação foi sequestrada por um grupo de delinquentes com péssimos antecedentes penais, tendo a três deles sido aplicada a pena de morte, pelo perigo que dessa acção resultou para as vidas dos 36 passageiros, entre os que se contavam várias mães com os seus filhos, pelo tratamento brutal que deram aos sequestrados –ameaçados de morte à arma branca e de fogo– e pelos riscos para a segurança nacional.

Como seria de esperar, os Estados Unidos –com os recursos de que dispõem e com os dos seus aliados– desencadearam uma feroz campanha de mentiras e de deturpação dos factos, pretendendo criar na opinião pública uma imagem maligna de Cuba, com a intenção de desmobilizar os movimentos de solidariedade com o nosso país e de justificar acções ainda mais agressivas. Com esse empenhamento obteve êxito e o que mais dói é que pessoas lúcidas e ligadas à Revolução Cubana durante muitos anos, tenham dado mais crédito à desinformação dos media ou à de inimigos da Revolução –por ingenuidade, receio ou incapacidade de resistir a pressão mediática e do meio social que as rodeia– do que à informação provinda de Cuba, juntando-se a essa campanha com declarações ou artigos, ou refugiando-se no silêncio, justamente quando o nosso povo necessita mais do que nunca de solidariedade combativa e pública. Não deveriam perder de vista que estamos perante outro plano diabólico de uma tirania mundial neofascista, empenhada em utilizar todos os meios contra tudo aquilo que possa escapar ao seu domínio.

A Revolução foi obrigada à adopção de medidas duras, que não desejava, mas que eram inevitáveis dentro da estrita observância das leis. Compreendemos a honesta sensibilidade de todos os cidadãos que, na Europa, tiveram a possibilidade de eliminar a pena de morte. Mas já não nos merece igual respeito a falsa e politiqueira sensibilidade de quantos condenam Cuba e não são capazes de o fazer relativamente a George W. Bush que, durante os seis anos do seu mandato como Governador do Texas, assinou a execução de 152 pessoas e que, na sua actual qualidade de Presidente dos Estados Unidos, declarou que a pena de morte é uma medida “que ajuda a salvar vidas” .

Nós não partilhamos desse critério. Esperamos um dia eliminar a pena de morte do Código Penal, porque se não ajusta à nossa filosofia da vida, mas, nas condições de particular assédio e de guerra não-declarada contra Cuba, vimo-nos na necessidade de a adoptar com carácter excepcional, quando os danos que provoca, ou poderia provocar, devam receber explícita e exemplar condenação.

Poucos países no mundo terão feito tanto como Cuba pela vida, não só dos seus cidadãos como de muitos povos do mundo. Dói-nos tanto a morte de um condenado pelo tribunal como a dos milhares de vítimas da ilegítima guerra de conquista do Iraque ou das crianças que morrem todos os dias, sentenciadas pelo neoliberalismo à fome e à doença.

É injusto condicionar a atitude perante Cuba, nestes momentos difíceis, à luz das duras medidas que tivemos de adoptar, esquecendo a obra humanitária e solidária da Revolução e o seu exemplo de dignidade, independência e resistência em oposição ao mais poderoso Império da história.

Mais de 3.000 mortes –escandaloso crime colectivo!– reclamou o terrorismo incitado e financiado contra Cuba a partir do território norte-americano. E, no entanto, nenhuma dessas mortes mereceu parangonas de jornais, nem ilustres plumas indignadas, nem enraivecidos editoriais, como se os mortos se tivessem matado a si próprios, como se os nossos mortos, as nossas viúvas e os nossos órfãos fossem de categoria inferior e não merecedora dos alaridos humanitários que fora da Ilha se fazem em ocasiões muito escolhidas.

Ao mesmo tempo que a extrema-direita cubana em Miami, o próprio irmão do Presidente Bush, Governador da Florida, e outros membros da Administração, proclamam abertamente que, depois do Iraque, se deve actuar contra Cuba. Há um par de dias, houve funcionários daquele governo que deixaram filtrar para o diário New York Times que ao Presidente dos EUA foram submetidas várias propostas para incremento das sanções contra Cuba, medidas essas que deverão ser anunciadas em breve. Entre essas medidas referem-se a eliminação das remessas dos cubanos que residem nos Estados Unidos às respectivas famílias e a suspensão dos voos entre os Estados Unidos e Cuba.

No que se reporta às remessas, essas medidas afectarão centenas de milhares de núcleos familiares ou pessoas, cujo número é difícil de indicar com precisão, e a suspensão dos voos entre os dois países estimulará a emigração ilegal, justamente quando os EUA declaram, em tom ameaçador, que não tolerarão o êxodo de balseros .

Torna-se óbvio que essas medidas se destinam a desestabilizar o País e a agudizar o confronto, para justificar uma agressão militar. Apelamos a todos os nossos amigos para que denunciem esses planos diabólicos e se mobilizem para impedir que se consume a pretendida agressão contra o nosso povo!

Ao recordar hoje Adriana e Efrén , vítimas de um dos inúmeros criminosos atentados terroristas sofridos pelo nosso povo, nestes momentos difíceis, em honra da sua memória e do seu exemplo, asseguramos que defenderemos as conquistas da Revolução, à custa das nossas próprias vidas, como nos ensinaram Martí, Macedo, o Ché, Camilo e milhares de patriotas e mártires gloriosos, ao longo de mais de cem anos de luta. Nunca renunciaremos à nossa soberania e ao direito à autodeterminação, porquanto a nossa única opção, decidida há mais de quarenta anos, é Pátria ou Morte , com a certeza de que Venceremos ! !

Muito obrigado.

[*] Embaixador da República de Cuba em Portugal. Discurso pronunciado em 23 de Abril de 2003.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

23/Abr/03