O belo paradoxo da economia cubana em 2002

“Um ano de baixo crescimento e alto desenvolvimento”

por Osvaldo Martínez [*]

Pequeno crescimento enquanto medido pelo Produto Interno Bruto e alto desenvolvimento em termos de estabelecer bases essenciais para um desenvolvimento humano integral que transcenda o estreito limite das transacções mercantis e ultrapasse qualquer concepção sobre o desenvolvimento existente neste mundo globalizado, neoliberal, em profunda crise económica, e mais ainda, em crise de valores humanos.

Osvaldo Martínez Para avaliar o desempenho da economia cubana no ano que termina, é imprescindível abandonar o formalismo estatístico e o fetiche do crescimento do Produto Interno Bruto da forma como o faz tradicionalmente a metodologia concebida em economias estruturadas para obter lucro no mercado.

Segundo esta análise tradicional, o crescimento económico de 1,1% alcançado este ano seria escasso e inferior ao que nos propusemos em Dezembro passado.

Mas se formos ao essencial da nossa realidade cubana, o ano de 2002 foi de pequeno crescimento e de alto desenvolvimento. Pequeno crescimento enquanto medida do Produto Interno Bruto e alto desenvolvimento em termos de estabelecer bases essenciais para um desenvolvimento humano integral que transcenda o estreito limite das transacções mercantis e ultrapasse qualquer concepção sobre o desenvolvimento existente neste mundo globalizado, neoliberal, em profunda crise económica, e mais ainda, em crise de valores humanos.

O crescimento económico é necessário e importante, mas o mais importante é que cresçam bens, serviços e valores culturais para levantar e dignificar a condição humana, e não para a envilecer.

Para aumentar o crescimento do PIB dos Estados Unidos, para citar um exemplo, contribui a construção de prisões aos altos preços cobrados pelas empresas que obtêm os contratos e que armazenam os mais de 2 milhões de pessoas encarceradas nesse país e também a dispendiosa construção e funcionamento de centros de tratamento para as dezenas de milhões de toxicodependentes.

As despesas militares nos Estados Unidos, que contam com um orçamento de 379 mil milhões de dólares para produzir armas de destruição em massa e de todo tipo, para agredir e intimidar, fazem crescer o PIB desse país. O PIB limita-se a registar o crescimento de qualquer coisa – desejável ou indesejável socialmente – e maior será o crescimento quanto mais avultadas forem as transacções mercantis envolvidas.

É imprescindível então distinguir entre crescimento e desenvolvimento, embora inclusivamente no desfavorável cenário de crise económica globalizada actuando pelo segundo ano consecutivo, o crescimento da economia cubana medido segundo a insatisfatória metodologia internacional de cálculo do PIB, é superior à catástrofe latino-americana em que a média de crescimento das economias não bloqueadas pelos Estados Unidos, mas bloqueadas pelo neoliberalismo, foi de -0,5%.

Na América Latina colhem-se os tristes resultados de duas décadas de neoliberalismo disciplinado e submisso.

A economia da Argentina decresceu 11% no terceiro ano de uma crise que fez rebentar a bolha de sabão do elogiado modelo da dolarização que a curto prazo conduziria ao ingresso feliz no Primeiro Mundo e que pelo contrário conseguiu o ingresso infeliz na pobreza a mais de 50% dos argentinos e a exibição, num país com recursos agrícolas e ganadeiros de luxo, de crianças moribundas de desnutrição ao estilo dos campos de concentração nazis ou sob as grandes fomes do Sahel africano.

A economia do Uruguai decresceu 10,5%, e a nível regional a inflação – supostamente domesticada pelo neoliberalismo – reapareceu atingindo mesmo os 12%, enquanto a entrada de capitais retrocedeu aos níveis que tinha há 25 anos. Sete milhões de novos pobres no ano de 2002 vieram incorporar-se no imenso contingente da pobreza que ascende a 226 milhões de pessoas, das quais 92 milhões na indigência.

Uma fonte nada radical como é o Banco Interamericano de Desenvolvimento revelou no passado dia 2 de Dezembro que o alastrar da pobreza na América Latina castiga com particular crueldade as crianças menores de 14 anos, a ponto de em cada 100 crianças latino-americanas, 60 apresentarem sintomas de depressão e 6 acabarem por se suicidar.

Desta população infantil 60% são pobres e um terço dos menores de 2 anos está desnutrido numa região com elevado potencial de produção de alimentos. 30% das crianças não completam o ensino primário e 70% não termina o nível secundário. Assinala esta fonte que numa cidade da região em que foram estudados os chamados «meninos da rua», de cada 10 deles, 6 terminam no suicídio.

No ano que termina a economia de mais alto crescimento do PIB na América Latina foi a do Peru com 4,5% e isto permite-nos apreciar de novo a incongruência entre crescimento económico segundo a sua medida tradicional, e o desenvolvimento verdadeiro, o bem-estar social e inclusivamente o estado de opinião da população. Este crescimento mais alto na região coexiste nesse país com 49% da população na pobreza e 23,2% na indigência, com uma taxa de desemprego urbano de 9,7%, com uma mortalidade infantil no primeiro ano de vida de 37 por mil nados vivos, com um nível de analfabetismo de 10,8% para toda a população e de 15,7% para as mulheres. E coexiste também com recentes sondagens de opinião que reflectem uma aprovação de apenas 16% da população à gestão do actual governo.

No nosso país o ano de 2002 caracterizou-se por uma conjuntura económica internacional extremamente adversa que fez convergir sobre nós a pior combinação possível de factores gerados no exterior e dos quais não podemos isolar-nos nesta economia mundial em que a globalização é uma realidade determinante.

Com uma diminuição de 5% no turismo, com um gasto de mais de mil milhões de dólares para importar petróleo e interrupções no fornecimento proveniente da Venezuela, com ruinosos preços do açúcar, com três furacões altamente destruidores em dois anos, com a permanente pressão do bloqueio e com a recessão económica global que nos agride, não pode surpreender ninguém que na economia o ano de 2002 se tenha demonstrado tenso e obrigado a uma verdadeira proeza de resistência e criatividade para conservar intacta a vitalidade da economia, aumentar com intensidade o desenvolvimento social e até melhorar indicadores de qualidade de vida.

Nestas condições foi impossível evitar que alguns preços subissem nos mercados agro-pecuários, que o transportes públicos diminuíssem, que escasseasse mais o combustível doméstico, que piorasse o estado das estradas e que o estratégico esforço para gerar toda a electricidade com o petróleo bruto nacional, provocasse apagões durante este ano.

Mas seríamos míopes se os nossos olhos só focassem as insuficiências.

Juntamente com as insuficiências e acompanhando a honesta e revolucionária acção para as aliviar e melhor ainda erradicar, está à vista o grande conjunto de iniciativas realizadas ao longo do ano no contexto da Batalha das Ideias que apontam para uma transformação social dentro do socialismo, que torne irreversível a Revolução pela acção consciente de cubanas e cubanos solidários, de sólidos valores éticos e patrióticos, cultos, plenos.

Neste ano de 2002 a Batalha das Ideias intensificou a atenção numa nova escala e com novos conceitos, a sectores da população especialmente vulneráveis. Seria impossível fazer sequer um breve comentário sobre todas as acções em curso, pois levaria demasiado tempo, mas algumas delas não se podem omitir.

Para os jovens antes desvinculados do estudo e do trabalho, que era não poucas vezes o caminho para se vincular ao crime e às prisões, foi criado o revolucionário conceito de estudar como forma de emprego. Já 119 575 jovens se qualificam para a vida laboral e social nos Cursos de Superação Integral.

Para aqueles que só uma assistência social personalizada e minuciosa pode aliviar a sua situação, o crescimento dos trabalhadores sociais é a resposta humana adequada. Existem já quatro Escolas Formadoras de Trabalhadores Sociais em que estudam 7151 jovens.

No sector da Saúde integraram-se novas acções como as orientadas no sentido de detectar e tratar crianças com problemas nutricionais e a investigação sobre a situação das pessoas incapacitadas e os factores de diversa natureza que influem sobre eles.

Neste sector avançou durante o ano o programa para melhorar a disponibilidade de medicamentos que conseguiu elevar notavelmente essa disponibilidade e implicou investimentos em laboratórios, aquisição de matérias-primas, reparação de armazéns e também a reparação agora em curso de 2053 farmácias, dotação de meios de transporte a este sistema, desenvolvimento do serviço de localização de medicamentos e recuperação do serviço de estafetas.

Houve igualmente avanços no Programa de Formação Emergente de Enfermagem com a graduação de 741 estudantes no ano e a preparação em curso de mais 2776 estudantes. Iniciou-se na capital o programa para a reparação e equipamento de policlínicos concebidos como centros de cuidados primários de alta qualidade, bem como a reparação de consultórios dos médicos de família.

Na educação tem vindo a produzir-se uma profunda revolução que inclui a redução da quantidade de alunos a 20 por professor no ensino primário, o que já é realidade na cidade de Havana, o Programa de Formação Emergente de Professores e o Curso de Habilitação Pedagógica que já graduaram 9045 professores, a reparação e construção de novas escolas na capital, o início de uma transformação a fundo da Secundária Básica por meio da supressão de uma excessiva especialização na docência e a formação de professores com capacidades mais amplas para atender e formar estudantes.

O país marcha aceleradamente pelo caminho da Informatização do Ensino, como ingrediente-chave para ter acesso ao conhecimento no mundo contemporâneo. Foram introduzidos no ensino mais de 50 mil computadores, dos quais 24 mil no nível do Primário.

Juntamente com os computadores os meios audiovisuais (televisores e vídeos) constituem os instrumentos modernos para um ensino capaz de multiplicar várias vezes a capacidade de transmitir e incorporar conhecimentos. Ao anterior soma-se o desenvolvimento da Rede do Clube Jovem de Computação, a existência de Politécnicos de Informática com mais de 20 mil alunos, a presença de especialidades de Informatização em 11 Universidades e 14 Institutos Pedagógicos e a criação de um Centro Universitário especializado em Ciências Informáticas com a matrícula inicial de 2007 alunos.

Está a desenvolver-se nos municípios do país a municipalização do ensino universitário, que é em rigor a universalização da Universidade e que torna realidade em Cuba a Universidade para Todos que encheria de regozijo, com um salto no tempo, os que há mais de 80 anos fundaram com Julio Antonio Mella a Universidade Popular José Martí para que os pobres, os operários, os camponeses e os negros pudessem entrar em contacto com a Universidade.

Foi criado o Canal Educativo que já atinge as províncias havanesas, Santiago de Cuba, Camagüey e Pinar del Río.

A cultura, essa espada e escudo da nossa cubanidade, essa síntese da qualidade do desenvolvimento alcançado, recebeu este ano os investimentos nas escolas provinciais de Instrutores de Arte, nas novas escolas de Artes Plásticas, na reparação de teatros, no desenvolvimento da Editorial Libertad que distribuiu 6789 bibliotecas escolares, o desenvolvimento da Feira do Livro em 19 sedes com mais de 2 milhões de participantes no que foi um grande Festival de Cultura. Também para os mais de 300 mil compatriotas beneficiados pelas 1519 salas de televisão situadas em locais aonde não chega a electricidade, esta nova realidade foi um festival de informação e cultura.

Terminou há pouco com grande êxito a Primeira Olimpíada do Desporto Cubano, mas esta com a sua elevada qualidade, organização e lição ao mundo de desporto não mercantil, não foi a única acção neste sector. Também recebeu impulso a Medicina Desportiva, a criação de novos centros de treino, a reabilitação de instalações para a prática do desporto, a criação do moderno laboratório anti-doping, o Programa de Atenção a Atletas e ex-Atletas e o desenvolvimento da Escola Internacional de Educação Física e Desportos.

Muito do que acabamos de citar não se conta no crescimento do PIB. Quanto seria o crescimento real se pudéssemos medi-lo em termos de verdadeiro desenvolvimento, de atenção aos seres humanos, de sementeira de educação, saúde e cultura?

Entre os sucessos relevantes do ano de 2002 encontra-se a redução do desemprego para apenas 3,3%, um nível excepcionalmente reduzido em qualquer comparação internacional e que foi possível por uma decidida vontade de combater o desemprego aplicando métodos como o de estudar como forma de emprego e o crescimento da agricultura urbana que ocupa umas 320 mil pessoas e produz mais de 3,1 milhões de toneladas de sãos produtos de alto valor alimentar.

De novo aqui é necessário ter em conta a enorme diferença entre a realidade laboral cubana e o seu entorno latino-americano.

A 9 de Dezembro a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentou o seu Panorama Laboral da América Latina e Caraíbas 2002, onde qualificam de «desolador e trágico» o referido panorama.

A taxa de desemprego é de 9,3%, a pior nos últimos 25 anos e pressupõe 17 milhões de pessoas desempregadas em idade laboral. Poderíamos acrescentar que a realidade é ainda mais sombria, pois as estatísticas de emprego são das mais manipuladas pela forma de calcular o desemprego e por a cobertura se reduzir com frequência ao desemprego urbano e às vezes só às capitais, deixando de fora o desemprego rural e em cidades não capitais, onde geralmente é maior.

Este relatório da OIT revela que 70% dos novos empregos foram no sector informal carente de direitos e superexplorado. O défice de emprego chamado «decente» pela OIT, entendido como emprego formal com direito a prestação e segurança social, é de 93 milhões, isto é, 30 milhões mais que no início dos anos 90. Em cada cinco jovens, dois estão desempregados em países como a Argentina, Chile, Uruguai e Colômbia.

No ano de 2002 foi necessário fazer frente à herança de destruição deixada pelo furacão Michelle do ano anterior e além disso enfrentar Isidore e Lily. Michelle afectou 179 814 habitações e destruiu por completo 18 243 delas, enquanto Isidore e Lily afectaram 92 291 habitações, das quais foram destruídas 17 841.

No caso de Michelle cumpriu-se o compromisso de reparar os danos em habitações destruídas em menos de um ano, com grande esforço da Indústria de Materiais de Construção, dos transportadores e do trabalho decisivo das pessoas directamente afectadas. Nestas emergências provocadas pelos furacões se pôs mais uma vez em prática o sentido solidário da Revolução e ratificou-se o princípio de que ninguém é esquecido nem abandonado.

Foi de grande importância o aumento de 26% na produção de petróleo nacional, o que permite, em união com o gás natural, alcançar uma produção de 4,1 milhões de toneladas de petróleo equivalente e superar os 3,4 milhões de toneladas produzidas no ano anterior.

Com a adaptação da Termoeléctrica Antonio Guiteras para operar com petróleo bruto nacional o país tem capacidade para gerar não menos de 90% da electricidade com petróleo nosso, o que tem um grande valor em termos de segurança do país e garantia de abastecimento para a nossa energia eléctrica.

A adaptação e modernização das termoeléctricas para consumir petróleo bruto nacional exigiu investimentos de mais de mil milhões de pesos em difíceis circunstâncias de período especial, mas trata-se de um investimento estratégico que permitirá uma melhor operação do sistema energético no próximo ano.

A reestruturação da indústria açucareira tem sido outro complexo e transcendente processo de transformação enfrentado nas difíceis condições deste ano. A envergadura deste complexo produtivo, a quantidade de pessoas dele dependentes e o relevante papel da indústria açucareira na história do país, tornam especialmente importante conduzir este processo na forma ordenada e com alta sensibilidade em relação às pessoas envolvidas, que se tem estado a aplicar.

Os preços em declínio e incapazes de cobrir os custos, salvo nas fábricas de maior eficiência, levaram à decisão de reduzir os gastos em divisas para produzir açúcar, concentrar a produção nos centros e nas terras mais eficientes e destinar os recursos libertados a outras produções necessárias como alimentos, ganadaria, derivados do açúcar, desenvolvimento florestal, organopónicos e hortos intensivos.

Esta estruturação que implica a desactivação de 70 centros açucareiros e a racionalização da indústria de apoio ao MINAZ, das instalações e do parque de equipamentos, tem vindo a fazer-se com características bem diferentes das de catástrofe laboral, familiar e comunitária que teria um processo desta amplitude em sociedades regidas por estreitas razões de mercado.

Nessas sociedades abundam exemplos históricos em que transformações tecnológicas ou outras razões provocaram o encerramento de indústrias que haviam sido fontes de emprego e de vida para muitos. O desenlace foi muitas vezes de desemprego em massa, povoações fantasmas congeladas no abandono, miséria e desamparo.

É muito diferente a reestruturação da indústria açucareira cubana em tempos de Revolução.

Ninguém ficou desempregado nem desamparado, ninguém perdeu as suas receitas e abriram-se amplas possibilidades de estudo, depois de efectuado um democrático processo de assembleias com a participação de mais de 900 mil pessoas vinculadas ao açúcar.

O níquel manteve uma produção de 75 600 toneladas, análoga à do ano anterior, e a empresa de Moa superou novamente o seu recorde histórico de produção.

O turismo foi duramente afectado pela acção combinada do temor gerado a partir dos acontecimentos do 11 de Setembro e da recessão económica global, contudo manifestou-se uma tendência para a recuperação nos meses finais do ano. Dispomos já de 40 mil alojamentos para o turismo, de um lugar conquistado neste mercado e de mais experiência e preparação para retomar o crescimento assim que se alterarem as circunstâncias externas que o afectaram.

O sector científico-tecnológico desenvolvido tenazmente por iniciativa do Comandante em Chefe desde há décadas, sob o olhar céptico de muitos que de fora não acreditavam na capacidade de um pequeno e economicamente pobre país como Cuba para desenvolver a ciência a altos níveis, é já hoje um pilar na batalha pela saúde da população e também um produtor de dezenas de valiosos produtos. Conta este sector com 500 patentes solicitadas em diversos países, 200 registos sanitários aprovados em dezenas de países e faz exportações em quantidades crescentes de ano para ano.

Na agricultura o efeito combinado dos fenómenos climáticos e a limitação do combustível fez cair em 27% a produção de bananas e cerca de 50% a de citrinos. Em contrapartida, cresceram outras produções como as hortaliças 16,5%, a carne de porco 26,6% e a produção de ovos 15,8%.

O processo de aperfeiçoamento empresarial continua a avançar sem que a difícil conjuntura reduza o necessário rigor na aprovação das empresas que entram e permanecem no processo.

No ano que termina e entre fortes limitações na disponibilidade de materiais de construção foram concluídas cerca de 28,400 habitações destinadas em mais de 80% a cobrir os danos ocasionados por fenómenos naturais.

O rendimento médio cresceu até atingir 353 pesos e a taxa de câmbio de pesos cubanos em CADECA manteve-se estável pelos 26 pesos.

O ano de 2002 – como exprimi antes – é de baixo crescimento e de alto desenvolvimento e isto não é um simples jogo de palavras. O Ministério de Economia e Planificação fez um sério estudo sobre a medição do PIB em Cuba e nele se demonstra que o crescimento do PIB não equivale necessariamente a maior bem-estar económico nem a um verdadeiro desenvolvimento integral e que em não poucas experiências internacionais pode crescer o PIB enquanto pioram os indicadores sociais ou se degradam os recursos naturais e o meio ambiente ou aumenta a desigualdade social. Pode crescer o PIB enquanto retrocede o desenvolvimento.

A crítica à metodologia de cálculo do PIB não a fazemos em Cuba devido a pobres resultados no crescimento, pois mesmo omitindo ou subavaliando serviços sociais gratuitos ou subsidiados, o crescimento médio do PIB de Cuba entre 1994 e 2001 foi de 4,1%, enquanto na América Latina foi de 1,3%. Nesse período e em termos per capita Cuba cresceu 3,7% e a América Latina decresceu 0,5%.

No mencionado estudo aplica-se a técnica chamada «paridade de poder compra», muito utilizada internacionalmente e calcula-se de forma indirecta o PIB de nosso país em dólares, obtendo um resultado que mostra o poder de compra real da nossa moeda ao comparar um cabaz de produtos análogos em diferentes países. Este resultado estabelece um nível de PIB por habitante de cerca de 5200 dólares, um pouco mais do dobro da capitação em pesos até agora calculada, o que coloca Cuba nas comparações internacionais numa posição mais congruente com o seu desenvolvimento alcançado.

No estudo também se propõe um método que deverá ser aplicado no próximo ano para avaliar adequadamente os serviços sociais por meio de tarifas usadas noutros países que exprimam o facto básico de os valores criados, embora não se cobrem, serem superiores ao que até agora se regista e se reduz ao pagamento de salários e à amortização do capital fixo.

O Orçamento do Estado enfrentou também as complexas circunstâncias do ano de 2002. Os gastos orçamentados aumentaram em mais de mil milhões de pesos em relação ao ano de 2001, incluindo aumentos na educação de 420 milhões, na saúde em 140 milhões e 100 milhões adicionais para pagamentos a reformados e pensionistas. Ao desenvolvimento da cultura, desporto e ciência destinaram-se mais 50 milhões de pesos do que no ano anterior.

O Orçamento teve de cobrir os danos provocados por furacões e chuvas e pelas perdas empresariais que se incrementaram nas complicadas condições financeiras e de abastecimento de matérias-primas em que funcionaram as empresas.

Como resultado final, o Orçamento concluiria o ano fiscal a 31 de Dezembro com um défice previsível de cerca de 125 milhões de pesos acima do limite estabelecido na Lei do Orçamento aprovada por esta Assembleia no passado mês de Dezembro. Tendo em conta as difíceis condições do ano de 2002 e prevendo que o défice orçamental ultrapasse em 125 milhões de pesos, o limite aprovado por esta Assembleia, a Comissão de Assuntos Económicos recomenda à Assembleia Nacional autorizar esse excesso.

Preparamo-nos para iniciar o ano de 2003 com a decisão de continuar lutando no cenário de uma economia mundial cujos signos vitais apontam para uma continuidade da recessão global, e de continuar e aprofundar a Batalha das Ideias e os programas sociais de significado estratégico.

Embora alguns prognósticos afirmem que em 2003 a economia dos Estados Unidos voltará a actuar como locomotiva, são muitas as incertezas sobre a sua recuperação e a única coisa que parece estabelecida é a vocação belicista do seu governo actual. Continua a preparar-se o ataque ao Iraque, que a desencadear-se poderá fazer subir ainda mais os preços do petróleo.

O inicio de uma guerra de agressão num meio geográfico tão volátil como o mundo islâmico pode ter efeitos muito profundos sobre as finanças e o comércio internacionais. Assim, o início de uma guerra pode ser planificado, mas não pode sê-lo o seu desenlace.

Na economia dos Estados Unidos rebentou parcialmente a gigantesca bolha especulativa criada nos anos de bonança. O desemprego elevou-se até aos 6% e vem a produzir-se uma cadeia de falências de corporações gigantescas e de quebra da elementar ética empresarial no meio de escândalos de corrupção e fraude contabilística transformados em sistema.

Os prognósticos indicam também uma provável continuidade da recessão na Europa e Japão e obscuras perspectivas para a América Latina.

Neste complicado cenário é acertado prevermos um crescimento de 1,5% no próximo ano e um défice orçamental de 3,4% do PIB, contudo mais importante que o crescimento é elevar a eficiência, reduzir gastos, racionalizar os investimentos de modo a financiar com fundos próprios só os de maior prioridade e fazer outros quando contarmos com crédito, substituir importações, gerir novas fontes de crédito em melhores condições, melhorar a gestão de cobrança, prosseguir com o aperfeiçoamento empresarial, poupar em todas as actividades, assegurar a alimentação normal da população, o consumo social prioritário e a assistência aos sectores mais vulneráveis de nosso povo, garantir os medicamentos sem faltas, melhorar os serviços sociais e em especial, assegurar o alargamento dos programas sociais no âmbito da Batalha das Ideias.

A Comissão dos Assuntos Económicos recomenda à Assembleia Nacional a aprovação dos Delineamentos do Plano da Economia Nacional e o Orçamento do Estado para o ano de 2003.

Nós cubanos superámos com êxito este ano a dura prova de resistir aos impactos concentrados da recessão económica global nos seus efeitos sobre o turismo, dos preços do petróleo e do açúcar e da guerra económica, diplomática e mediática aplicada pelo governo dos Estados Unidos. Nestas condições mantivemos a estabilidade do país, melhorámos os nossos indicadores sociais mais importantes e executámos um impressionante conjunto de acções de transformação social, promoção cultural, atenção aos mais desfavorecidos, acesso à educação e elevação substancial da sua qualidade.

Vivemos imersos numa quase silenciosa revolução social dentro da Revolução, porque ela prefere dar a conhecer as suas acções depois de serem realidades. E como se ainda fosse pouco, o país sob a direcção do Comandante em Chefe, foi capaz de abrir brechas mais profundas que nunca no bloqueio estabelecendo vínculos directos e crescentes com empresários, personalidades políticas, estudantes, artistas e turistas estado-unidenses.

Somos no mundo a brilhante excepção que não aceitou o neoliberalismo quando nos garantiam que não havia outro caminho e hoje verificamos a agonia dessa política e doi-nos o triste preço de pobreza, ignorância, doença e morte que se está a cobrar aos latino-americanos.

Somos o país acusado de antidemocrático que se prepara para celebrar no próximo mês de Janeiro umas verdadeiras eleições de participação popular que são exactamente o contrário dos processos de despotismo de mercado com aparência democrática que permanecem congelados nos ritos eleitorais, que permitem votar para que tudo continue igual e em que se impõe por ampla maioria o partido da abstenção.

Começaremos o ano enriquecidos com a severa e valiosa escola do período especial, convencidos de que lutamos para conquistar toda a justiça como pedia Céspedes, para alcançar a dignidade plena do homem proclamada por Martí, para tornar realidade o reino da liberdade esboçado por Marx, para construir a Pátria Grande sonhada por Bolívar, para ver crescer junto de nós o homem novo personificado pelo Che, para prosseguir com Fidel até à vitória sempre.

[*] Deputado, presidente da Comissão de Assuntos Económicos do Parlamento Cubano. Intervenção efectuada no órgão legislativo sobre o Plano da Economia Nacional e o Orçamento do Estado.

21/Dez/2002

O original desta intervenção encontra-se em http://www.eleconomista.cubaweb.cu/2002/nro188/188_406.html .
© Copyright 1997-2002 El Economista de Cuba.
Tradução de José Colaço Barreiros.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info
29/Dez/02