Acabem com o jogo europeu da culpa!
Discurso na British Foreign Press Association, 2011 Awards Night
por Yannis Varoufakis
A
Foreign Press Association
, de Londres, homenageou-me com o convite para fazer o discurso da sua Noite Anual
de Prémios 2011. Eis o texto da minha
palestra (gentilmente transcrito por um jornalista que tenciona permanecer
anónimo).
Senhores e Senhoras,
Podem depreender do meu vasto sorriso que é uma honra e um grande prazer
tomar parte nesta celebração do melhor jornalismo ainda
que o meu papel nesta noite seja servir de recordação viva da
inexorável descida do nosso mundo na austeridade generalizada.
Soube que este seria o meu triste papel a partir do momento em que li a lista
dos últimos oradores após o jantar:
O príncipe das Astúrias
O príncipe de Gales
O mayor de Londres
Um economista grego!!!
Uma queda drástica de padrões, que um cínico interpretaria
como perda de graça da Foreign Press Association. Contudo, estou
convencido de que o convite que me fizeram para ser o orador principal desta
noite é uma táctica deliberada da Foreign Press Association para
educar o público, e recordar aos seus membros, o estado triste e em
deterioração do nosso mundo.
Até há dois anos atrás, senhores e senhoras, fui apenas um
economista de segunda classe. Agora, sou considerado um economista grego de
primeira classe. Uma promoção sobretudo dúbia, deixem-me
dizer.
No entanto, devo contar-lhes que não pretendo de todo aparecer frente a
vós como a personificação do fracasso. Afinal de conta o
vosso país sabe como apreciar o grande fracasso uma
nação que amou
Eddie the Eagle
, cultivou uma fraqueza por
Paul Gascoigne
, tolerou mesmo
Nick Clegg
era bastante provável que me desse atenção.
A verdade deve ser dita. Eu não estaria aqui agora se o meu país,
a Grécia, não houvesse implodido e se a Europa não se
houvesse entregue à sua actual alquimia inversa, transformando ouro em
chumbo todos os dias.
A coisa curiosa acerca das Crises, especialmente quando afligem estrangeiros,
é que elas podem ser um grande boon para aqueles que têm
necessidade de auto-confirmação.
Quando a City de Londres implodiu, juntamente com a Wall Street, nós
no continente sorrimos presunçosamente. Os anglo-celtas obtiveram a sua
merecida punição, pensámos.
Quando a Grécia foi à bancarrota, seguida logo por disparos
como pipocas da Irlanda, Portugal e a seguir Itália e Espanha,
vocês britânicos congratularam-se entre si por terem mantido a
Rainha no seu papel-moeda, ao invés de trocá-lo pelas pontes e
portões não existentes das nossas notas de euro.
Economistas de esquerda viram a derrocada total como
confirmação de que o capitalismo de livre mercado não pode
ser civilizado e, na verdade, que ele não funciona.
Com base precisamente nos mesmos factos, adeptos do livre mercado
concluíram que foi tudo falha do governo por não avançar
nos caminhos normalmente brilhantes do mercado.
Em suma,
as Crises confirmam os preconceitos de toda a gente, trancando-nos cada vez
mais firmemente na mesma mentalidade que as provocaram.
Enquanto isso, o custo humano acumula-se.
O resultado é que na minha Atenas nativa, em Dublim e em Cork, no Porto
e em Valência, na poderosa Alemanha e na encantadora Itália,
incontáveis pessoas esta noite irão para a cama ansiosas,
terrificadas preocupadas em como conseguirão sustentar-se na
manhã seguinte. Falando acerca da Grécia, o epicentro do
terramoto, não os aborrecerei com as estatísticas
macroeconómicas padrão. Basta mencionar de passagem o aumento de
50% no suicídios, a quadruplicação do número de
bebés deixados em orfanatos por pais desesperados, as histórias
de jovens que tentam infecta-se com HIV a fim de qualificarem-se para um
pequeno benefício da segurança social, os pensionistas idosos que
afluem à companhia de electricidade não para pagarem as suas
contas mas sim para pedirem que o seu abastecimento de electricidade seja
terminado, por incapacidade de pagá-lo.
Em suma, senhoras e senhores, as luzes estão literalmente a extinguir-se
nas nossas cidades.
E aqueles que inicialmente pensaram que isto era um problema grego agora
estão a perceber que não é assim. Que todos nós
estamos envoltos numa crise sistémica que começou em 2008, a qual
tem estado em mutação e a migrar desde então, escolhendo
primeiro os elos fracos antes de avançar para os mais fortes.
Este naturalmente não é o momento para insistir sobre causas e
remédios. Estou aliviado por, esta noite, poder fazer uma pausa nas
propostas que tenho delineado para tratar da Crise. E por ser capaz de relatar
minha experiência com os incontáveis jornalistas com quem tenho
falado ao longo dos últimos dois anos visitantes da Grécia
que tentavam perceber, no interesse do seu público, a confusão em
que se transformou um orgulhoso país.
Para começar, deixem-me dizer que a qualidade da maior parte dos
jornalistas estrangeiros que encontrei ultrapassou as minhas, confessadamente,
baixas expectativas. Em agudo contraste com jornalistas gregos, vocês
eram ponderados, sensíveis e tinham um olhar agudo sobre a realidade no
terreno. Nós gregos podemos merecer nossos políticos mas, ao
mesmo tempo, não merecemos nosso pavoroso jornalismo.
Tendo-vos louvado, gostaria apresentar-lhes, se puder, dois conselhos. Quando
tentarem perceber o sentido desta Crise, especialmente quando no estrangeiro,
devem evitar a
falácia da agregação
e o
erro da generalização.
.
Primeiro, a
falácia da agregação:
As coisas raramente podem ser somadas! O que pode funcionar para uma
família, uma firma, um sector, habitualmente não funciona para
uma grande economia. Se eu aperto o meu cinto durante tempos difíceis,
eu os ultrapassarei. Se todos nós fizermos o mesmo, por toda a Europa,
todos nós desceremos para uma maior dívida e miséria mais
profunda.
Segundo, o
erro da generalização:
Não há, senhoras e senhores, uma coisa tal como Os gregos ou Os
alemães ou, aliás, Os britânicos. Todos nós somos
indivíduos, como Brian de forma memorável lutou para convencer
seus auto-designados discípulos. E temos mais diversidade entre o nosso
povo do que diferenças entre nações.
O ano de 1929 deveria ensinar-nos duas coisas:
Primeiro: a menos que governos coordenem efectivamente a acção
e criem novas instituições para promover a
integração das suas sociedades, uma crise da
banca-com-dívida-com-economia real destrói a divisa comum da era.
O Padrão Ouro outrora, o euro hoje.
Segundo: que uma crise tão profunda engendra uma guerra Hobbesiana de
todos contra todos que começa quando emitimos sentenças absolutas
do género "Os gregos fizeram isto" ou "Os alemães
pensam aquilo".
Nossa própria crise, que começou em 2008 e está a
continuar como uma vingança, deve ensinar-nos uma lição
recente:
Ao invés de jogar o jogo da culpa, podemos muito bem aceitar que toda a
gente deve ser culpada. Se quiserem, é tempo de reconhecer que
Agora todos nós somos gregos.
Incluindo os alemães!
Isto não quer dizer que alguns de nós não arquem com uma
maior porção de responsabilidade do que outros. Nós gregos
gastámos mais do que podíamos. Tentámos evitar pagar
impostos. Tomámos demasiados empréstimos. E produzimos pouco para
aguentar nosso estilo de vida. Toda uma nação tentou comportar-se
como os banqueiros da City de Londres! Só que o estado grego não
podia dar cavalheirismo aos seus cidadãos e não podia impedi-los
de se moverem realmente para o maior paraíso fiscal que existe: Londres.
Agora seriamente, o jogo da culpa é a pior herança desta crise.
Ele embota nosso raciocínio e faz-nos o mesmo que a hiper-actividade
inflige àqueles presos na areia movediça.
Finalmente, noto com satisfação que os organizadores convidaram
esta noite um grego e um alemão. Considerem que se conseguirmos
abandonar a inclinação para o jogo da culpa, e ao invés
disso lançarmos a luz brilhante da razão sobre as causas
verdadeiras da nossa crise, logo verão que a problemática da
moeda euro tem dois lados que são igualmente problemáticos. Um
lado grego mas também um lado alemão. Pois da mesma forma que a
Grécia não pode seriamente esperar estar em défice
perpétuo, a Alemanha não pode acreditar seriamente que possa
escapar à crise global através da expansão dos seus
excedentes em relação a países em défice enquanto
insiste em que os países em défice os eliminem.
Já é tempo, senhoras e senhores, de fazer algo que os europeus
nunca fizeram antes e incluo vocês britânicos nisto. Olhar
nos olhos uns dos outros no meio de uma crise continental, global, e cessar de
procurar alguém para culpar, subestimar, desprezar. Olhar nos olhos uns
dos outros e, subitamente, reconhecer um parceiro com o qual traçar uma
rota de saída da nossa confusão colectiva.
Esperançosamente, vocês estarão por perto quando isto
acontecer para relatar em pleno technicolour com palavras que aquecem o
coração e inspiram a mente.
Obrigado.
24/Novembro/2011
O original encontra-se em
/yanisvaroufakis.eu/...
Este discurso encontra-se em
http://resistir.info/
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