Desde a criação do US Federal Reserve, há mais de um século, todo grande colapso do mercado financeiro foi deliberadamente disparado por motivos políticos pelo banco central. A situação hoje não é diferente, pois o US Fed está a atuar claramente, com a sua arma da taxa de juro, para estourar a maior bolha especulativa da história humana, uma bolha criada por ele. Eventos como crashes globais começam sempre na periferia, tal como com Creditanstalt austríaco em 1931 ou a falência do Lehman Bros. em Setembro de 2008. A decisão de 15 de Junho do Fed de impor a maior alta de taxa em quase 30 anos quando os mercados financeiros já estão num colapso, agora garante uma depressão global ainda pior.
A extensão da bolha do "crédito barato" que o Fed, o BCE e o Banco do Japão engendraram com a compra de obrigações e a manutenção de taxas de juro quase nulas ou mesmo negativas sem precedentes durante 14 anos, está para além da imaginação. Os media financeiros cobrem-na com reportagens diárias sem sentido, enquanto a economia mundial está a ser preparada, não para a chamada "estagflação" ou recessão. O que está para vir agora, nos próximos meses, salvo uma dramática inversão política, é a pior depressão económica da história até à data. Obrigado, globalização e Davos.
Globalização
As pressões políticas por trás da globalização e da criação da Organização Mundial do Comércio a partir das regras comerciais do GATT de Bretton Woods, com o Acordo de Marraquexe de 1994, asseguraram que a produção industrial avançada do Ocidente, muito especialmente dos EUA, pudesse escapar para o exterior, "externalizando" para criar produção em países com salários extremamente baixos. Nenhum país oferecia mais benefícios no final dos anos 90 do que a China. A China aderiu à OMC em 2001 e, desde então, os fluxos de capital do Ocidente para a manufatura na China, têm sido espantosos. Assim também tem sido a acumulação da dívida da China em dólares. Agora a estrutura financeira mundial global baseada em dívida recorde começa a desmoronar-se.
Quando Washington deliberadamente permitiu o colapso financeiro do Lehman Bros em Setembro de 2008, a liderança chinesa respondeu com pânico e concedeu crédito sem precedentes a governos locais para a construção de infraestrutura. Uma parte dele foi útil, tal como uma rede de ferrovias de alta velocidade. Outra parte foi claramente desperdiçada, tal como a construção de “cidades fantasma” vazias. Para o resto do mundo, a procura sem precedentes da China por aço de construção, carvão, petróleo, cobre e outros ítens era bem vinda, pois os temores de uma depressão global recuaram. Mas as ações do US Fed e do BCE depois de 2008, e dos seus respetivos governos, nada fizeram para corrigir o abuso financeiro sistémico dos maiores bancos privados do mundo na Wall Street e na Europa, assim como em Hong Kong.
A decisão de Nixon em Agosto de 1971 de desligar do ouro o US dólar, a divisa de reserva mundial, abriu as comportas para inundações de moeda global. Leis cada vez mais permissivas favorecendo a especulação financeira descontrolada nos EUA e no estrangeiro foram impostas a cada momento, a partir da revogação de Clinton do Glass-Steagal, em Novembro de 1999, a mando da Wall Street. Isso permitiu a criação de megabancos tão grandes que o governo os declarou “demasiado grandes para falirem”. Aquilo foi uma farsa, mas a população acreditou e pagou o salvamento com centenas de milhares de milhões em dinheiro do contribuinte.
Desde a crise de 2008 o Fed e outros grandes bancos centrais globais criaram crédito sem precedentes, o chamado “dinheiro de helicóptero”, para salvar as principais instituições financeiras. A saúde da economia real não era um objetivo. No caso do Fed, Banco de Japão, BCE e Banco da Inglaterra, uma soma de US$25 milhões de milhões (trillion) foi injetada no sistema bancário através da compra de títulos, o “quantitative easing”, bem como de ativos duvidosos como títulos lastreados em hipotecas ao longo dos últimos 14 anos.
Loucura quantitativa
Aqui é que as coisas começaram a ficar realmente más. Os maiores bancos da Wall Street, tais como JP MorganChase, Wells Fargo, Citigroup ou, em Londres, o HSBC e Barclays, emprestaram milhares de milhões aos seus principais clientes corporativos. Os tomadores dos empréstimos por sua vez usaram a liquidez, não para investir em novas manufaturas ou tecnologia mineira, mas sim para inchar o valor das ações das suas companhias, os chamados “stock buy-backs”, designados como “maximização do valor para o acionista”.
A BlackRock, Fidelity, bancos e outros investidores amam os almoços gratuitos. Desde o início da facilidade do Fed em 2008 até Julho de 2020, uns US$5 milhões de milhões foram investidos em tais stock buybacks, criando a maior corrida ao mercado de ações da história. Tudo se tornou financiarizado neste processo. Corporações pagaram US$3,8 milhões de milhões em dividendos no período 2010-2019. Companhias como a Tesla que nunca haviam obtido lucro, tornaram-se mais valiosas do que a Ford e a GM somadas. Criptomoedas como o Bitcoin alcançaram valores de capitalização de mercado (market cap) de mais de US$1 milhão de milhões no fim de 2021. Com a moeda do Fed a fluir livremente, bancos e fundos de investimento fizeram investimentos de alto risco, em áreas de alto lucro como títulos lixo ou dívida de mercados emergentes em lugares como a Turquia, Indonésia ou, sim, a China.
A era pós-2008 de Quantitative Easing e taxas de juro zero do Fed levou à absurda expansão da dívida do governo dos EUA. Desde Janeiro de 2020 o Fed, Banco da Inglaterra, Banco Central Europeu e Banco do Japão injetaram um valor somado de US$9 milhões de milhões de crédito à taxa de quase zero no sistema bancário mundial. Uma mudança de política do Fed em Setembro de 2019 permitiu desde então Washington aumentar a dívida pública nuns estarrecedores US$10 milhões de milhões em menos de três anos. A seguir o Fed mais uma vez salvou veladamente a Wall Street através da compra de US$120 mil milhões por mês de títulos do Tesouro dos EUA e de Mortgage-Backed Securities, criando assim uma enorme bolha de títulos.
Uma temerária administração Biden começou a doar milhões de milhões do chamado dinheiro de estímulo para combater confinamentos desnecessários da economia. A dívida Federal dos EUA saltou de uns administráveis 35% do PIB em 1980 para mais de 129% do PIB atualmente. Só a Quantitative Easing do Fed, ao comprar milhões de milhões do governo estado-unidense e de dívida hipotecária e a taxas quase zero tornou isso possível. Agora o Fed começou a desfazer isso e a retirar liquidez da economia com QT ou quantitative tightening (endurecimento quantitativo), mais altas de taxas. Isto é deliberado. Não se trata de um tropeço do Fed a julgar mal a inflação.
A energia impulsiona o colapso
Infelizmente, o Fed e outros banqueiros centrais mentem. Elevar taxas de juro não é cura para inflação. É para forçar uma reinicialização global (global reset) no controle dos ativos do mundo, a sua riqueza, seja imobiliária, terra agrícola, produção de mercadorias, indústria, mesmo água. O Fed sabe muito bem que a inflação está apenas a começar a rasgar a economia global. O que é único é que agora mandatos de Energia Verde por todo o mundo industrial estão a conduzir esta crise inflacionária pela primeira vez, algo deliberadamente ignorado por Washington ou Bruxelas ou Berlim.
A escassez global de fertilizantes, preços em alta do gás natural e perdas de abastecimento de cereais devido à seca global ou explosão de custos de fertilizantes e combustível ou à guerra na Ucrânia, garantem que, pelo menos nesta colheita de Setembro-Outuro, sofreremos uma explosão de preços adicional nos alimentos e energia. Esta escassez resulta totalmetne de políticas deliberadas.
Além disso, é certo que haverá muito mais inflação devido à insistência patológica das principais economias industriais dirigidas pela agenda anti-hidrocarbonetos da administração de Biden. Esta agenda é tipificada pela espantosa insensatez do secretário da Energia dos EUA que declara a “compra de E-veículos em alternativa” como a resposta para a explosão dos preços da gasolina.
Analogamente, a União Europeia decidiu eliminar gradualmente o petróleo e gás russos sem nenhum substituto viável pois a sua principal economia, a Alemanha, está a encerrar seu último reator nuclear e fechar instalações de carvão. A Alemanha e outras economias da UE verão em consequência apagões neste inverno e os preços do gás natural continuarão a ascender. Na segunda semana de Junho na Alemanha os preços do gás subiram mais 60%. Tanto o governo alemão controlado pelos Verdes como a Agenda Verde do “ Fit for 55” da Comissão da UE continuam a pressionar pelas inconfiáveis energias eólica e solar a expensas dos muito mais baratos e confiáveis hidrocarbonetos, assegurando uma inflação sem precedentes liderada pela energia.
O Fed desligou a tomada
Com o aumento da taxa do Fed de 0,75%, o maior em quase 30 anos, e a promessa de mais para vir, o banco central do EUA agora garantiu um colapso não meramente da bolha da dívida estado-unidense, mas também de grande parte da dívida global pós-2008 de US$303 milhões de milhões (trillion). Elevar taxas de juro após quase 15 anos significa levar ao colapso os valores dos títulos. Os títulos, não as ações, constituem o cerne do sistema financeiro global.
As taxas hipotecárias dos EUA agora duplicaram, em apenas cinco meses, para mais de 6% – e as vendas de casas já estavam a cair antes da alta mais recente. As corporações dos EUA assumiram uma dívida recorde devido aos anos de taxas ultra-baixas. Cerca de 70% desta dívida é classificada como pouco acima do status “lixo”. Essa dívida corporativa não financeira totalizava US$9 milhões de milhões em 2005. Hoje ela excede os US$18 milhões de milhões. Agora um grande número daquelas companhias marginais são serão capazes de renovar (rollover) a dívida velha com nova e seguir-se-ão bancarrotas nos próximos meses. A Revlon, gigante dos cosméticos, acaba de declarar bancarrota.
O altamente especulativo e desregulamento criptomercado, liderado pelo Bitcoin, está a entrar em colapso pois os investidores percebem que não há salvamento ali. Em Novembro último o mundo cripto tinha uma valorização de US$3 milhões de milhões. Hoje é de menos a metade e com mais colapso a caminho. Mesmo antes da mais recente alta de taxa do Fed o valor das ações dos megabancos estado-unidenses havia perdido uns US$300 mil milhões. Agora com o mercado de ações a vender ainda mais em pânico à medida que o colapso global avança, aqueles bancos estão pré-programados para uma nova grave crise bancárias ao longo dos próximos meses.
Como o economista americano Doug Noland observou recentemente, "Hoje, existe uma enorme "periferia" carregada de títulos lixo "subprime", empréstimos alavancados, compre-agora-pague-depois, automóvel, cartão de crédito, habitação, e securitizações solares, empréstimos de franquia, crédito privado, crédito cripto, DeFi e assim por diante. Uma infraestrutura maciça evoluiu ao longo deste longo ciclo para estimular o consumo de dezenas de milhões, ao mesmo tempo que financiava milhares de empresas não económicas. A "periferia" tornou-se tão sistémica como nunca. E as coisas começaram a romper-se".
O Governo Federal vai agora considerar muito mais custoso arcar com o seu custo de juros de US$30 mil milhões da dívida federal. Ao contrário da Grande Depressão dos anos 30, quando a dívida federal era quase nada, hoje o Governo, especialmente desde as medidas orçamentais de Biden, está nos limites. Os EUA estão a tornar-se uma economia do Terceiro Mundo. Se o Fed deixar de comprar milhões de milhões da dívida dos EUA, quem o fará? A China? o Japão? Não é provável.
Desalavancar a bolha
Com o Fed a impor agora um Endurecimento Quantitativo (Quantitative Tightening), retirando mensalmente dezenas de milhares de milhões em obrigações e outros ativos, bem como aumentando as taxas de juro chave, os mercados financeiros iniciaram uma desalavancagem. Provavelmente, será irregular, uma vez que jogadores chave como BlackRock e Fidelity procuram controlar o colapso para os seus propósitos. Mas a direcção é clara.
No final do ano passado, os investidores haviam tomado emprestado quase US$1 milhão de milhões em dívida suplementar (margin debt) para comprar ações. Isso aconteceu num mercado em ascensão. Agora verifica-se o oposto e os devedores à margem são forçados a dar mais garantias ou a venderem as suas ações para evitar o incumprimento. Isto alimenta o colapso que está para vir. Com o colapso tanto das ações como dos títulos nos próximos meses, vão-se as poupanças privadas de reforma de dezenas de milhões de americanos em programas como o 401-k. Os empréstimos para automóveis com cartão de crédito e outras dívidas dos consumidores nos EUA atingiram na última década um recorde de US$4,3 milhões de milhões no final de 2021. Agora as taxas de juro dessa dívida, especialmente do cartão de crédito, saltarão de um valor já elevado de 16%. Os incumprimentos desses empréstimos de crédito irão disparar.
Fora dos EUA o que veremos agora, uma vez que o Banco Nacional Suíço, o Banco de Inglaterra e mesmo o BCE são forçados a seguir o aumento de taxas do Fed, é a bola de neve global de incumprimentos, bancarrotas, em meio a uma inflação ascendente que as taxas de juro do banco central não têm poder para controlar. Cerca de 27% da dívida global das empresas não financeiras é detida por empresas chinesas, estimada em US$23 milhões de milhões. Outra dívida corporativa de US$32 milhões de milhões é detida por empresas dos EUA e da UE. Agora a China está no meio da sua pior crise económica desde há 30 anos e com poucos sinais de recuperação. Com os EUA, o maior cliente da China, a entrar numa depressão económica, a crise da China só pode agravar-se. Isso não será bom para a economia mundial.
A Itália, com uma dívida nacional de US$3,2 milhões de milhões, tem um rácio dívida/PIB de 150%. Só as taxas de juro negativas do BCE impediram que isso explodisse numa nova crise bancária. Agora essa explosão está pré-programada apesar das palavras tranquilizantes de Lagarde do BCE. O Japão, com um nível de dívida de 260% é a pior de todas as nações industriais, e está numa armadilha de taxas zero com mais de US$7,5 milhões de milhões de dívida pública. O iene está agora a cair seriamente e a desestabilizar toda a Ásia.
Ao contrário da crença popular, o cerne do sistema financeiro mundial não são os mercados de ações. São os mercados obrigacionistas – títulos governamentais, corporativos e de agências. Este mercado de títulos tem perdido valor à medida que a inflação tem subido e as taxas de juro têm ascendido desde 2021 nos EUA e na UE. Globalmente, isto compreende cerca de US$250 milhões de milhões em valor patrimonial, uma soma que, a cada aumento de juros do Fed perde mais valor. A última vez que tivemos uma inversão tão grande no valor das obrigações foi há quarenta anos atrás na era Paul Volcker com taxas de juro de 20% para "esmagar a inflação".
À medida que os preços das obrigações caem, o valor do capital dos bancos cai. Os mais expostos a tais perdas de valor são os grandes bancos franceses juntamente com o Deutsche Bank na UE, bem como os maiores bancos japoneses. Acredita-se que bancos americanos como o JP MorganChase estejam apenas ligeiramente menos expostos a um grande crash de obrigações. Grande parte do seu risco está oculto em derivativos fora do balanço e outros. No entanto, ao contrário de 2008, hoje em dia os bancos centrais não podem voltar a correr mais uma década de taxas de juro zero e QE. Desta vez, como observou três anos atrás o ex-governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, a crise será utilizada para forçar o mundo a aceitar uma nova Divisa Digital do Banco Central, um mundo onde todo o dinheiro será emitido e controlado centralmente. Isto é também o que a gente do WEF de Davos quer dizer com a sua Grande Reinicialização (Great Reset). Não será bom. Um Tsunami Financeiro Planeado Global Acaba de Começar.