Revisão dos desenvolvimentos macro e financeiros desta semana e meu último artigo para o Project Syndicate

por Nouriel Roubini [*]

A tempestade. Minha coluna mais recente para o Project Syndicate acaba de ser publicada e é republicada abaixo. Esta coluna foi escrita na semana passada no pico das perturbações do mercado e quando o G7 havia acabado de anunciar seu plano para evitar um colapso financeiro sistémico. Então, como é que as coisas se alteraram no espaço de uma semana desde que esta coluna foi escrita? No lado positivo, o G7, a UE e outras economias comprometeram-se a fazer o que fosse preciso (não permitir que qualquer banco sistemicamente importante falisse, recapitalizar bancos com capital público, proporcionar liquidez ilimitada ao sistema financeiro, proporcionar crédito directo ao sector corporativo, proporcionar garantias aos passivos da maior parte dos bancos, e quaisquer outras acções políticas necessárias) a fim de impedir um colapso financeiro sistémico. A maior parte destas acções é sensata e segue estreitamente aquelas que sugeri serem necessárias para impedir o colapso de que o sistema financeiro se aproximou no fim da semana passada. Muito mais precisa ser feita incluindo nova facilitação de política monetária, um grande programa de estímulo fiscal para incrementar a procura no momento em que a procura privada agregada (consumo e investimento) estão em queda drástica; e um plano para reduzir o fardo de dívida hipotecária de milhões de famílias aflitas. Mas pelo menos a política está a ir na direcção certa e a probabilidade de um colapso sistémico – que atingiu um pico há uma semana – agora é significativamente mais baixa.

Mas será que agora estamos no fim do túnel? Na verdade não, devido a um certo número de razões que pormenorizarei agora...

Primeiro, como previ segunda-feira passada , não estamos em nenhum lugar próximo do fim do túnel da crise, na economia real e nos mercados financeiros. Destaquei então que o fluxo de notícias macro seria terrível a partir de agora e derrubará as acções. E na verdade tal fluxo de notícias foi ainda pior esta semana: vendas a retalho em queda livre a confirmar uma recessão do consumo que começou em Junho; notícias terríveis acerca da habitação (arranques, permissões, preços, sentimento dos construtores); confiança do consumidor a descer pelo cano; terríveis indicadores importantes da oferta segundo relatórios regionais do Fed (Empire State e Philly); continuação elevada de inícios de processos judiciais; queda livre na produção industrial (apenas em parte conduzida por factores temporários).

Após a jornada de segunda-feira a seguir às acções do G7 e da UE para evitar o colapso, a terça-feira foi fraca e os mercados estavam assustados na quarta-feira com os terríveis relatórios das vendas a retalho; a quinta-feira, depois de abomináveis notícias macro, foi resgatada à última hora por um rumor de que as [seguradoras] monolines possivelmente também seria salvas. E hoje sexta-feira o assalto das mais odiosas notícias macro (confiança do consumidor e habitação) dominaram o poderoso conselho de Warren Buffet no sentido de comprar acções com mercados mais baixos . Assim, se mesmo o memorável Sábio de Omaha é incapaz de levantar o mercado, quem o será?

De modo que agora há um coro crescente a dizer que o mercado de acções atingiu o fundo, que está oversold e este é o momento para comprar. O problema é que todas as possíveis boas notícias acerca de decisores políticos a fazerem tudo o que é necessário para evitar um colapso foram já reflectidas no salto de preços de 10% de segunda-feira nas acções globais enquanto, a partir de agora no plano das notícias macro, novos ganhos para firmas financeiras e não financeiras e surpresas adicionais de componentes sistemicamente importantes, irão surpreender principalmente do lado negativo com consideráveis novos riscos de declínio para os mercados financeiros. Estes riscos financeiros sistémicos incluem: um grande salto em taxas de incumprimento das corporações e queda nas taxas de recuperação quando a recessão se tornar severa levando portanto a uma nova ampliação dos spreads do crédito; o risco de uma explosão do mercado CDS quando incumprimentos corporativos começarem a aumentar; o colapso de centenas de hedge funs que, apesar de serem individualmente serem pequenos, terão efeitos sistémicos pois centenas de pequenos fundos equivalem à dimensão de umas poucas LTCMs (Long Term Capital Management) em termos do seu desalavancamento comum e venda de activos em mercados ilíquidos (como mostrou o colapso das acções nesta quarta-feira); as perturbações crescentes de muitas companhias de seguros; um movimento de refinanciamento lento e crises de insolvência para muitos LBOs (Leverage buyouts) tóxicos uma vez desaparecidas cláusulas com compromissos ligeiros e efeitos de disposições PIK (Payment in Kind); o risco de que outras instituições financeiras sistemicamente importantes estejam insolventes e na necessidade de dispendiosos programas de resgate enquanto os US$250 mil milhões de recapitalização de bancos seja insuficiente para as suas necessidades; o processo em curso de desalavancamento de mercados financeiros ilíquidos que continuarão o círculo vicioso de preços de activos em queda, margin calls, novas desalavancagens e novas vendas em mercados ilíquidos cujos preços dos activos continuam a cair em cascata; novos riscos de declínio na habitação e nos preços das casas levando mais de 20 milhões de famílias a uma situação líquida negativa em 2009; o risco de que algumas economias emergentes significativas e também algumas avançadas (Islândia) venham a experimentar uma severa crise financeira.

Este último factor é de uma importância crucial: agora há cerca de uma dúzia de economias de mercado emergentes que estão em sérias perturbações financeiras. Dentre elas, Estónia, Letónia, Hungria, Bulgária, Turquia, Paquistão, Coreia, Indonésia, umas poucas na Europa Central e do Sul e várias centro-americanas. Agora há um significativo e crescente risco de que várias delas experimentem uma verdadeira crise financeira (e escrevi um livro inteiro acerca de crises financeiras em economias de mercado emergentes). Mesmo um minúsculo país de 300 mil almas como a Islândia está agora a ter efeitos sistémicos sobre os mercados financeiros globais: uma vez que o país era como um enorme hedge fund com bancos tendo passivos que eram 12 vezes o PIB do país, o colapso destes bancos pode agora levar a uma venda desordenada dos seus activos em mercados já ilíquidos. Agora o risco de uma crise financeira numa vintena de países na região que vai do Báltico à Turquia está a crescer pois todos eles têm défices de transacções correntes muito grandes e outras vulnerabilidades macro e financeiras.

Aqui no RGE analisámos tais vulnerabilidades macro e financeiras na região da Europa Emergente e na Hungria com muita antecipação em duas pormenorizadas apresentações em meados de 2006. E agora, dados os choques globais provenientes da crise financeira dos EUA, há um esmagamento de liquidez e um esmagamento do crédito naquela região juntamente com o risco de uma súbita cessação de capital e uma aguda reversão de influxos de capital. A crise de um par de países naquela região poderia ter um efeito dominó sobre todas a região (do mesmo modo que a crise na Tailândia em 1997 levou – rapidamente – a crises na Malásia, Indonésia e Coreia) uma vez que estes países partilham muitas vulnerabilidades (défices externos, défices fiscais, divisas e maturidades mal geridas, pequenas reservas de divisas externas em relação à dívida em divisa externa a curto prazo). Estou neste momento em Budapet, Hungria, onde a confusão financeira é particularmente severa (ver a excelente análise de hoje de Mary Stokes, do RGE, sobre vulnerabilidades húngaras ). O país ainda pode evitar uma crise – e escreverei acerca da resposta política adequada com mais pormenor durante o fim de semana – mas as condições financeiras são extremamente instáveis. E uma crise na Hungria teria severos efeitos dominó sobre todas a região da Europa Emergente. É portanto essencial que o governo tome as medidas fiscais adequadas e outros passos para restaurar a confiança enquanto o swap do BCE (US$5 mil milhões) e um extremamente necessário programa do FMI – juntamente um adequado salvamento de bancos estrangeiros – será preciso para proporcionar a liquidez em divisas externas que agora são escassas.

De modo que os riscos de vulnerabilidades permanecem e os riscos de declínio para dos mercados financeiros (piores do que as esperadas notícias macro, notícias de ganhos e de desenvolvimentos partes sistemicamente importantes do sistema financeiro global) dominarão ao longo dos próximos poucos meses as notícias positivas (políticas do G7 para evitar um colapso sistémico e outras políticas que – em devido tempo – podem reduzir spread interbancários e spreads do crédito). Por isso, cautela com aqueles que lhe dizem que já atingimos o fundo quanto a activos financeiros de risco. Os mesmos optimistas contaram-lhe que havíamos atingido o fundo e o pior estava ultrapassado após o resgate dos credores do Bear Stearns em Julho, após o salvamento real da Fannie e do Freddie em Setembro, após o salvamento da AIG em meados de Setembro, após a apresentação da legislação TARP, após a acção mais recente do G7 e da UE. Em cada caso os optimistas argumentaram que a última crise e a política de resgate era o acontecimento "PURGATIVO" que assinalava o fim da crise e a recuperação de mercados. Eles estiveram literalmente errados pelo menos seis vezes seguida enquanto a crise – como sistematicamente previ aqui ao longo do último ano – se tornava cada vez pior.

Assim, basta de optimismo excessivo que se demonstrou errado pelo menos seis vezes só nos últimos oito meses. É necessário uma verificação da realidade para avaliar os riscos correctamente e tomar as acções apropriadas. E a realidade diz-nos que literalmente mal evitámos um colapso financeiros sistémico total há apenas uma semana, que as acções políticas agora finalmente são mais agressivas e sistemáticas e mais adequadas; que levará um longo tempo para os mercados interbancários e os mercados de crédito retomarem; que novas acções políticas importantes são necessárias para evitar o colapso e uma recessão ainda mais severa; que os bancos centrais ao invés de serem os prestamistas de último recurso serão agora os prestamistas de primeiro e único recurso; que mesmo se evitarmos um colapso experimentaremos uma severa recessão nos EUA, nas economias avançadas e mais provavelmente a nível global , a pior em décadas; que estamos a meio de uma severa crise financeira e bancária global, a pior desde a Grande Depressão; e que o fluxo de notícias macro, de ganhos e financeiras surpreenderá significativamente (como na semana passada) sob o aspecto negativo com novos riscos significantes para os mercados financeiros.

E aqui está minha coluna no Project Syndicate :

Todas as bolhas estão a estourar

O sistema financeiro mundial risco encaminha-se para o colapso. Os mercados de acções têm estado a cair a maior parte dos dias, os mercados monetários e os mercados de crédito encerraram-se pois os spreads das suas taxas de juro dispararam, e ainda é demasiado cedo para dizer se a série de medias adoptadas pelos EUA e a Europa deterão a sangria em bases prolongadas.

Pela primeira vez em sete décadas, uma corrida generalizada sobre o sistema bancária provocou o medo, ao passo que o sistema bancário sombra — correctores, prestamistas não bancários, veículos de investimento estruturado e conduits, hedge funds, fundos do mercado monetário e firma de private equity – estão em risco de uma corrida sobre os seus passivos a curto prazo. No lado económico real, todas as economias avançadas — que representam 55 por cento do PIB global — entraram numa recessão mesmo antes dos choques financeiros maciços que começaram no último Verão. De modo que nas economias avançadas temos agora a recessão, uma crise financeira severa e uma crise bancária severa.

Inicialmente os mercados emergentes foram ligados a esta agonia só quando investidores estrangeiros começaram a retirar o seu dinheiro. Então o pânico difundiu-se aos mercados de crédito, mercados de dinheiro e mercados de divisas, sublinhando as vulnerabilidades dos sistemas financeiros de muitos países em desenvolvimento e de sectores corporativos, os quais haviam experimentado booms de crédito e tomado emprestado a curto prazo em divisas estrangeiras. Os países com grandes défices de transacções correntes e/ou grandes défices fiscais e com grandes passivos a curto prazo de divisas estrangeiras foram os mais frágeis. Mas mesmo aqueles com melhor desempenho — como Brasil, Rússia, Índia e China — estão agora em risco de uma aterragem desastrosa. Muitos mercados emergentes estão agora em risco de uma severa crise financeira.

A crise foi provocada pela maior bolha alavancada de activos e pela bolha de crédito da história. O alavancamento e as bolhas não se limitaram ao mercado habitacional dos EUA, mas caracterizaram também mercados habitacionais em outros países. Além disso, para além do mercado habitacional, em muitas economias verificou-se a excessiva tomada de empréstimos por instituições financeiras e alguns segmentos dos sectores corporativo e público. Em consequência, uma bolha habitacional, uma bolha hipotecária, uma bolha na acções, uma bolha nos títulos, uma bolha de crédito, uma bolha das commodities, uma bolha do private equity e uma bolha dos hedge funds estão agora a estourar em simultâneo.

A ilusão de que a contracção económica nos EUA e outras economias avançadas seria curta e pouco profunda — uma recessão de seis meses em feitio de V — foi substituída pela certeza de que esta será uma recessão longa e prolongada em feitio de U, possivelmente perdurando pelo menos dois anos nos EUA e próxima dos dois anos na maior parte do resto do mundo. E, dado o risco crescente de um colapso financeiro sistémico global, a perspectiva de uma recessão de uma década em feitio de L — como aquela experimentada pelo Japão após o colapso do seu imobiliário e da bolha de acções — não pode ser descartada.

Na verdade, a crescente desconexão entre acções políticas cada vez mais agressivas e as tensões no mercado financeiro é assustadora. Quando os credores do Bear Stearns foram salvos ao custo de US$30 mil milhões em Março último, a reacção nos mercados de acções, dinheiro e crédito perdurou oito meses. Quando o Tesouro dos EUA anunciou em Julho o salvamento dos gigantes hipotecários Fannie Mae e Freddie Mac, a reacção perdurou apenas quatro semanas. Quando o resgate de US$200 mil milhões destas firmas foi efectuado e os seus US$6 milhões de milhões (trillion) de passivos assumidos pelo governo dos EUA, a reacção perdurou um dia.

Quando foram anunciadas as recentes medidas dos EUA e europeias, não houve reacções de todo. Quando a AIG foi salva ao custo de US$85 mil milhões, o mercado caiu 5 por cento. Então, quando foi anunciado os US$700 mil milhões do pacote de resgate estado-unidense, os mercados caíram mais 7 por cento em dois dias. Quando autoridades nos EUA e no exterior tomaram passos políticos ainda mais radicais na semana passada, os mercados de acções, crédito e de dinheiro caíram ainda mais, dia após dia.

Será que as medidas recentes serão suficientes? Quando acções políticas não proporcionam alívio real aos participantes do mercado, você sabe que está a um passo de distância de um colapso sistémico dos sectores financeiro e corporativo. Um círculo vicioso de desalavancamento, mergulho de preços de activos e de margin calls está a caminho.

Assim, não podemos descartar um fracasso sistémico e uma depressão global. Como vimos nos últimos dias, será preciso uma grande mudança na política económica e uma acção muito radical e coordenada entre todas as economias avançadas e emergentes para evitar o desastre. Isto inclui:

  • outra rodada rápida de cortes nas taxas de juro de pelo menos 150 pontos base em média, globalmente;

  • uma garantia de cobertura temporária de todos os depósitos enquanto as instituições insolventes que devem ser encerradas são distinguidas das instituições aflitas mas solventes que devem ser parcialmente nacionalizadas e receber injecções de capital público;

  • uma redução rápida do fardo da dívida de famílias insolventes, antecedida por um congelamento temporário de todos os arrestos;

  • provisão maciça e ilimitada de liquidez para instituições financeiras solventes;

  • provisão de crédito público para partes solventes do sector corporativo a fim de evitar crises de refinanciamento da dívida a curto prazo para corporações solventes mas sem liquidez e para pequenos negócios;

  • um maciça estímulo fiscal directo do governo que inclua trabalhos públicos, gastos em infraestrutura, benefícios de desemprego, abatimentos fiscais para famílias de rendimentos mais baixos e provisão de garantias para governos locais carentes de dinheiro;

  • acordo entre países credores que dispõem de excedentes de transacções correntes e países devedores que incidem em défices de transacções correntes a fim de manter um financiamento ordenado de défices e uma reciclagem de excedentes de credores para evitar o ajustamento desordenado de tais desequilíbrios.

Qualquer coisa aquém destas acções radicais e coordenadas pode levar a um crash do mercado, a um colapso financeiro global e a uma depressão mundial. As medidas adoptadas pelos EUA e pela Europa estão a começar. Agora eles devem concluir a tarefa.

18/Outubro/2008

[*] Professor de Ciências Económicas na Stern School of Business da New York University e presidente de RGE Monitor

O original encontra-se em www.rgemonitor.com/roubini-monitor/


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18/Out/08