Calma, o Gabinete de Supervisão Federal de Empresas Habitacionais
(Office of Federal Housing Enterprise Oversight, OFHEO), o regulador destas
GSEs, declarou-as adequadamente capitalizadas nos termos regulamentares. As
autorizações existentes do Congresso para as companhias
dão ao Tesouro autoridade para comprar até US$2,25 mil
milhões em cada um dos seus títulos no caso de um possível
incumprimento, contra um passivo total de mais de US$5 milhões de
milhões. Isto equivale a uma injecção de saldo
líquido de menos de meio centavo por cada dólar de passivo.
Os credit-default swaps atados à dívida principal da Fannie Mae e
do Freddie Mac ascenderam de 35 pontos base para 70 pontos base desde 1 de Maio
de 2008. Um ponto base é uma percentagem de 0,01. O custo para
proteger a dívida subordinada das companhias do incumprimento cresceu a
uma taxa mais rápida. Aquela dívida é classificada como
Aa2 pelo Moody's. Os credit-default swaps nas notas subordinadas à
Fannie Mae saltaram de 103 pontos base para 190 pontos base desde 1 de Maio, ao
passo que contratos nas notas subordinadas ao Freddie Mac ascenderam de 103
pontos base para 190 pontos base.
A mediana do credit-default swap em dívida classificada como Aaa pelo
Moody's era 26 pontos base em 8 de Julho. Ela estava a 76 pontos base da
dívida classificada como A2 e a 180 pontos base da dívida
classificada como Baa3, o mais baixo grau na classificação de
investimento. Os custos provavelmente reflectem riscos de terceiros, ou o
risco de que o banco ou a firma de títulos fracassem no outro extremo do
contrato. Para a maior parte das companhias, o risco de terceiros incorporado
nos custos em credit-default swap não será tão pronunciado
porque o risco de um incumprimento sobre a dívida subjacente seria maior
do que do banco concedendo a protecção. No caso do Fannie Mae,
do Freddie Mac e de outras companhias com classificações Aas,
é maior o risco de incumprimento por bancos classificados mais baixo.
Os credit-default swaps são instrumentos financeiros baseados em
títulos e empréstimos que são utilizados para especular
sobre a capacidade de uma companhia para repagar dívida. Eles pagam o
valor facial do comprador em troca dos títulos subjacentes ou o cash
equivalente se um tomador de empréstimo falhar no respeito aos seus
acordos de dívida. Uma ascensão indica
deterioração na percepção da qualidade do
crédito; um declínio, o oposto. Um ponto base num contrato que
protege uma dívida de US$10 milhões durante cinco anos é o
equivalente a US$1000 por ano.
Em 11 de Janeiro de 2006, no
Asia Times Online,
escrevi em
Of debt, deflation and rotten apples
:
Nos EUA, onde a titularização de empréstimos é
generalizada, os bancos são tentados a empurrar empréstimos
arriscados passando-os no risco de longo prazo para investidores não
bancários através da titularização de
dívida. Os credit-default swaps, uma forma relativamente nova de
contrato derivativo, permite aos investidores protegerem-se
(hedge)
contra pools de hipotecas titularizadas. Este tipo de contrato, conhecido
como títulos apoiados por activos
(asset-back securities),
tem sido limitado ao mercado de títulos corporativos, de hipotecas
convencionais de casas e empréstimos para automóvel e
cartões de crédito. Em Junho último [de 2005], um novo
padrão de contrato começou a ser comerciado por hedge funds que
apostam sobre títulos de situação líquida de casas
apoiados por empréstimos a taxa ajustável para tomadores
subprime, não como estratégia de hedge mas como centro de lucro.
Quando negócios na baixa
(bearish trades)
são lucrativos, suas apostas podem facilmente tornar-se profecias
auto-cumpridoras ao disparar um ciclo vicioso declinante.
A autorização dos EUA e o papel das GSEs em garantir cerca de 46%
dos US$12 milhões de milhões de hipotecas ainda não pagas
leva a expectativas de que o governo sustentaria a dívida das
agências. A Standard & Poor's assinalou a dívida nas
classificações de topo, citando o "explícito e
implícito apoio" do governo às agências.
O efeito do perigo moral
A salvação do Bear Stearns Co. arranjada pelo Federal Reserve em
Março indicou ao mercado que o governo não permitiria às
GSEs fracassarem ou não cumprirem as suas dívidas. É
prova clara do efeito do perigo moral (moral hazard) sobre mercado financeiro
com a salvação de uma instituição. Com toda a
exposição que todas as instituições
bancárias e não bancárias e os bancos centrais têm
ao incumprimento da dívida da Fannie e do Freddie, o efeito propagador
através de todo o sistema financeiro seria inacreditável se lhes
fosse permitido fracassarem. Foi também prova clara da doutrina do
"demasiado grande para fracassar".
O risco que cerca a Fannie Mae foi reflectido na mais recente venda das GSEs de
US$3 mil milhões de notas de referência
(benchmark notes)
a dois anos a rendas mais elevadas do que nas taxas de referência em
ofertas anteriores. As notas a 3,25%, que vencem a 12 de Agosto de 2010, com
preço para render 3,27%, ou 74 pontos base mais do que Títulos do
Tesouro comparáveis. A companhia vendeu em Junho de 2008 US$4 mil
milhões de notas a 3% com vencimento a 12 de Julho de 2010, com
preço para render 3,036%, ou 65 pontos base mais do que os
Títulos do Tesouro.
O governo tem estado a contar com a GSEs para ajudar a reviver o mercado
hipotecário da habitação. O Congresso levantou
restrições ao crescimento sobre as companhias, facilitou suas
exigências de capital e permitiu-lhes comprar as maiores, as chamadas
hipotecas jumbo, para estimular a procura por empréstimos habitacionais
quando os prestamistas privados fogem do mercado. A decisão de utilizar
a Fannie Mae e o Freddie Mac como parte de um plano de estímulo
habitacional de US$300 mil milhões fortaleceu as
percepções do apoio do governo às GSEs. Sua fatia nas
novas hipotecas conformadas, ou empréstimos de US$417 mil ou menos,
quase duplicou para 81% no primeiro trimestre de 2008, segundo o Office of
Federal Housing Enterprise Oversight (OFHEO), o regulador. Parece que os
carros de bombeiros apanharam um incêndio no seu caminho para o local do
incêndio.
Kenneth Bruce, analista da Merrill Lynch, disse um relatório que as
"instituições financeiras altamente alavancadas" teriam
crédito antes de impostos em relação às perdas de
US$45 mil milhões, sugerindo que a Fannie e o Freddie estão em
vis de ter de levantar mais capital, mas o mercado não pensa que eles
sejam capazes de levantar capital quando necessitarem a um custo com o qual
possam conviver. O
New York Times
relatou na noite de 13 de Julho de 2008 (domingo) haviam aquecido quanto aos
EUA assumirem o comando do Freddie Mac e da Fannie Mae antes da abertura de
mercados na Ásia. A estrutura que está a ser contemplada
é "conservadora", o que é permitido sob uma lei de 1992
que essencialmente limparia a situação líquida das duas
GSEs permitindo que os seus empréstimos sejam geridos.
Conservadorismo é outro termo imaginoso para
nacionalização. O esquema permite ao governo pretender que os
passivos das GSEs não são seus mesmo depois de assumi-los. Seria
necessário um veredicto do Office of Federal Housing Enterprise
Oversight, o regulador das empresas, de que as GSEs estão
"criticamente subcapitalizadas" para a aplicação
conservadora. Até agora, o OFHEO tem enviado mensagens opostas ao
público. Ele terá de anunciar uma
"correcção" de 180 graus para mudar rapidamente do
"adequadamente capitalizado" para "criticamente
subcapitalizado" a fim de a proposta do governo funcionar.
Mas ao contrário de 1933, nos dias do New Deal quando o financiamento do
défice era uma opção para ressuscitar a economia porque o
governo estava relativamente livre de dívida, os EUA em 2008 já
estão profundamente endividados, tendo operado com défice de
financiamento num tempo de boom durante mais de duas décadas.
Estimativas sugerem que por cada 10% de declínio no valor dos activos do
Freddie/Fannie, resultaria uma perda de US$150 mil milhões, o
equivalente do custo da Guerra do Iraque até à data. E a Fannie
perdeu 80% da capitalização de mercado e o Freddie perdeu 70%
até à data.
Ascensão das obrigações governamentais
Ao assumir os passivos conjuntos de US$5 milhões de milhões das
GSEs, o total das obrigações do governo dos EUA dispararia de
US$9,5 milhões de milhões para US$14,5 milhões de
milhões. Isto elevará a dívida nacional per capita de
US$31250 para US$47650. A dívida acrescida é uma vez e meia o
orçamento fiscal de 2008 proposto pela administração Bush,
de US$3,1 milhões de milhões. Se bem que as agências
possuam activos relativos à habitação que grosso modo
atinge seus passivos, o mercado habitacional ainda em colapso torna o seu valor
incerto. Isto inevitavelmente forçará o dólar a cair e as
taxas de juros do dólar a aumentar. Enquanto isso, a tempestade
está a impedir ou mesmo paralisar as GSEs no seu papel crucial de
bóia de salvação do mercado habitacional.
Um relatório do princípio de Julho de um analista do Lehman
Brothers, um banco de investimento que está ele próprio à
beira do colapso, provocou o pânico do mercado acerca das GSEs. A
Lehman, um grande actor no mercado de títulos apoiados por hipotecas,
perdeu até 20% num mesmo dia comercial com a conversa de que a PIMCO, o
maior comercializador do mundo de títulos, não estava mais a
efectuar negócios com a firma da Wall Street. A seguir, William Poole,
um respeitando ex-chefe do St. Louis Federal Reserve, que passou a conselheiro
privado de investimento a partir de 1 de Julho de 2008, observou que a Fannie e
o Freddie estava tecnicamente insolventes no primeiro trimestre deste ano numa
base marcação a mercado
(mark-to-market).
Tal informação não era novidade num discurso em
2006, Emil Henry, então secretário do Tesouro assistente,
comparou um fracasso de uma das companhias GSE a "um tiro único que
desencadeia uma avalanche" e não tinha influência
sobre a solvência das GSEs em termos regulamentares. Mas a nova
inquietante atenção sobre dois líderes do mercado em
escala esmagadora num clima incerto lançou os mercados financeiros numa
rotação descendente.
A Fannie e o Freddie foram os inventores originais do título apoiado por
hipoteca, uma causa chave da bolha habitacional e da sua deflação
subsequente. Estas GSEs receberam crédito e reconhecimento por sua
engenhosidade em fragmentar o risco e em revender títulos apoiados por
hipotecas a compradores com variados apetites para o risco no mercado global.
Este foi o segredo por trás do boom habitacional nos EUA e a ideia que
permitiu o mercado das finanças estruturadas. Alan Greenspan, antigo
presidente do Federal Reserve, louvou-o incessantemente como um feito engenhoso
que muito fez para ampliar a propriedade de lares. Mas o desenvolvimento
enfraqueceu a vigilância da qualidade dos empréstimos por parte
dos originadores das hipotecas.
Greenspan aceitava o risco como parte do fenómeno natural de "maus
empréstimos serem feitos em bons tempos". O apoio das GSEs
permitiu a titularização de hipotecas "ninja"
(no
income, no job or assets),
empréstimos que ninguém compraria se
não fossem garantidos pelo governo. Portanto a falha não jaz nos
originadores das hipotecas, pois eles não seriam capazes de emitir
hipotecas duvidosas a menos que houvesse um mercado para elas. O abuso das
GSEs da sua alegada garantia governamental tornou a disciplina do mercado
inoperante, permitindo ao sistema conduzir-se como um motorista bêbado
destinado a chocar-se com um penedo. Devido à sua complexidade e
distribuição ampla, quando dívidas tituladas deixam de ser
cumpridas, a reestruturação é quase impossível.
Não há extintor de incêndio efectivo uma vez que o fogo
começa e rapidamente engolfa todo o mercado.
Quanto mais cedo a necessidade de uma reestruturação
sistémica for reconhecida e efectuada, melhor seria para a saúde
a longo prazo da economia, ou o futuro do próprio capitalismo de mercado
regulamentado. Contudo, soluções híbridas desde
paliativos a documentos sobre falhas financeiras sísmicas estão a
ser propostas para permitir a evasão de responsabilidade e para
vantagens políticas num ano eleitoral.
O secretário do Tesouro, Henry Paulson, em 6 de Julho deste ano disse
que o
governo apoiaria as GSEs "na sua forma actual na medida em que executem a
sua importante missão". No domingo, o Tesouro emitiu uma
declaração a indicar que
seu foco principal era ainda o apoio à Fannie e ao Freddie na sua forma
actual. A Fannie Mae e o Freddie Mac desempenham um papel central no nosso
sistema financeiro da habitação e devem continuar a assim
fazê-lo na sua actual forma como companhias possuídas por
accionistas. Seu apoio ao mercado habitacional é particularmente
importante quando trabalhamos na actual correcção da
habitação. A dívida das GSE é possuída por
instituições financeiras de todo o mundo. Seu fortalecimento
contínuo é importante para manter a confiança e a
estabilidade no nosso sistema financeiro e nos nossos mercados financeiros.
Portanto devemos dar passos para corrigir a actual situação
quando nos movemos para uma estrutura regulatória mais forte.
A reforma regulatória, se bem que necessária, não pode ser
retroactiva. Há US$5 milhões de milhões de instrumentos
de dívida activos subscritos sob uma supervisão
regulatória problemática que precisam ser tratados.
Expressões de apoio à "forma actual" que se provaram
insatisfatórias em grande medida, uma nova linha de crédito para
apoiar empréstimos maus e uma proposta injecção ilimitada
de capital pelo governo que certamente enfrentaria oposição do
Congresso é uma receita para sair da situação de qualquer
forma através de uma grande ruptura estrutural.
Apoio governamental
A capacidade das GSEs para levantarem novo capital e crédito de fontes
privadas está totalmente dependente do apoio governamental. Portanto o
plano para apoiar estas GSEs em aflição será muito mais
custoso se tiver de ser feito através de incentivos ao lucro privado. O
resultado provavelmente será uma nova contracção na
oferta, e aumento no custo, das finanças hipotecárias mais
uma vez diminuindo as oportunidades de uma recuperação precoce no
mercado habitacional e na economia em geral. O incentivo ao lucro privado a
esmagar o interesse público pôs as GSEs em dificuldades. Como se
pode esperar que mais incentivos ao lucro privado as tire das dificuldades?
O Fed anunciou que permitirá à Fannie Mae e ao Freddy Mac tomarem
emprestado no seu guichet de desconto, aberto normalmente apenas para bancos
comerciais e desde Março de 2008 também para bancos de
investimento como parte da salvação do Bear Stearns. De acordo
com uma proposta em três partes do Tesouro, também será
dado ao Fed um papel consultivo no estabelecimento de requisitos de capital e
de outros padrões regulatórios para a Fannie e o Freddie, como
parte de uma evolução destinada a torná-lo o principal
regulador e fiscalizador do sistema financeiro do país.
O antigo presidente do Fed, Paul Volcker, exprimiu a preocupação
de que ao expandir o seu papel de prestamista de último recurso a
instituições além dos bancos comerciais o Fed possa ter
aberto para si próprio perigos de risco moral
(moral hazard)
uma vez que grandes instituições podem acreditar que o seu
comportamento aventureiro será caucionado pelo Fed.
Com o Fed, cuja perspectiva tende a alinhar-se com a dos seus bancos membros,
assumir o comando de muitos dos poderes regulatórios da Security Exchange
Commission, cujo mandato original era proteger o interesse de pequenos
investidores, o interesse público pode deparar-se mais uma vez com uma
protecção mais diminuída.
Mas o mercado financeiro mudou irreversivelmente com a emergência das
finanças estruturadas nas quais a titularização de
empréstimos veio a tomar empréstimos que outrora tinha de
permanecer nos
balanços dos bancos emissores mas agora são titularizados e
vendidos por correctores a investidores institucionais de todo o mundo. O
incumprimento de um grande corrector, tal como a Fannie e o Freddie,
será tão danoso quanto o fracasso de um grande banco e
provocará um colapso catastrófico do mercado de crédito.
Em 1968, o então presidente Lyndon Johnson, como parte do seu programa
Grande Sociedade, transformou a Fannie numa companhia possuída por
accionistas no âmbito de uma política nacional de
habitação para fazer o capitalismo financeiro financiar a
nacionalização da habitação. Era o
princípio de um socialismo corporativo de mercado em nome da democracia
económica populista. O público só podia beneficiar-se se
os interesses institucionais corporativos e financeiros pudessem antes lucrar.
E o público deve pagar se o capitalismo de mercado fracassar de modo
sistémico, absolvendo as perdas de corporações e
instituições financeiras instáveis.
Em 1970, a indústria das caixas económicas, invejando o enorme
lucro obtido pelos bancos comerciais e de investimento com a Fannie Mae, pediu
e recebeu aprovação do Congresso para uma GSE sua e o Congresso
criou o Freddie Mac. Tal como o programa de Renovação Urbana da
década de 1950, as GSEs serviram uma coligação de
interesses que incluíam liberais que pretendiam ajudar famílias
de baixo rendimento, promotores imobiliários que queriam procura
garantida, construtores de casas que queriam um mercado garantido,
políticos locais que queriam receitas fiscais, bancos que queriam
empréstimos lucrativos livres de risco e congressistas que queriam
contribuições de campanha dos prestamistas hipotecários.
Demasiado bom para ser verdade
Os eleitores de baixo rendimento inicialmente ficaram deslumbrados com as novas
casas que podiam adquirir sem dinheiro de entrada e com pagamentos mensais
financiados com empréstimos imobiliários quando os preços
das casas subia. Eles actuaram como o Pinóquio numa Ilha do Prazer
que logo seriam transformados em asnos a serem vendidos para trabalhar
em minas de sal. As instituições financeiras estavam a confortar
as suas dores de consciência quanto a retirar empréstimos dos seus
balanços já que o faziam desculpando-se com a ideia de que
estavam a tornar hipotecas de baixo custo disponíveis para
milhões de compradores de casas. Economistas neoliberais estavam a
celebrar o milagre estado-unidense do capitalismo em massa que não
precisa de capital.
O programa de transferir empréstimos insustentáveis para
investidores sem rosto beneficiou também especuladores de terra,
construtores de casas, agentes imobiliários, banqueiros de investimento,
financeiros estruturados e fornecedores de mobiliário. Uma vez que o
propósito principal do programa GSE era ajudar compradores de casas de
rendimento baixo e moderado, a oposição era considerada
não democrática.
Mas toda a gente sabe que as GSEs enfrentam um risco de taxa de juros nas suas
hipotecas a longo prazo se as taxas ascenderem durante o período do
empréstimo. Para protegerem-se dos riscos das taxas de juros, as GSEs
utilizaram derivativos para proteger-se contra esse risco.
O OFHEO foi criado em 1992 pelo House Banking Committee presidido pelo
populista Henry Gonzalez com poder mínimo para regular as duas GSEs
gigantes com o argumento de que estas GSEs eram instituições
destinadas a apoiar a política nacional de um país de
proprietários de casas através de empréstimos
habitacionais acessíveis e deveriam ser isentas da
regulação das instituições comerciais.
O problema desta boa intenção política era que durante a
era de ascendência neoliberal, a ligeiro ambiente regulatório era
utilizado para negar uma lei económica mais fundamental: a necessidade
de aumentar o rendimento do trabalhador para cumprir os pagamentos da hipoteca,
subsidiados ou não.
As GSEs tiveram êxito financeiramente porque elas combinavam o apetite do
sector privado pelo lucro com o acesso ao crédito apoiado pelo governo a
baixas taxas de mercado. Era um meio de nacionalizar a habitação
através do capitalismo de livre mercado. O problema era que a
manipulação financeira não podia substituir a necessidade
de adequado crescimento do rendimento. A divergência entre o rendimento
e o preço do activo é a definição de uma bolha
financeira. As pessoas estavam a comprar casas com crédito barato a
preços que o seu rendimento não podia permitir. Quanto mais os
preços das casas subiam devido ao crédito barato, mais os seus
proprietários caíam na armadilha da dívida.
Mas em todas as actuais conversas acerca da descoberta de caminhos para lidar
com a crise, não se ouve nem uma única voz nos círculos
oficiais acerca da necessidade de aumentar o rendimento do trabalhador. Ao
invés disso, falsas esperanças de estimulantes através de
descontos em impostos efectuados uma única vez são saudados como
a grande mágica.
Subitamente neste Verão, o capital relativamente anémico da
Fannie e do Freddie tornou-se uma séria preocupação para o
mercado. Numa semana em Julho, as acções da Fannie mergulharam
para US$10,25, uma baixa de 74% em 2008. As acções do Freddie
também afundaram, fechando a US$7,575, uma perda de 77% este ano.
Mesmo quando os investidores debandam destas acções sovadas, os
sicofantas do capitalismo de livre mercado em Washington, conduzido pelo
secretário do Tesouro Paulson e pelo presidente do Federal Reserve Ben
Bernanke, apressam-se a tranquilizar o mercado, destacando que os reguladores
dos gigantes das hipotecas haviam confirmado que as companhias estavam
"adequadamente capitalizadas", tentando dar a impressão de que
os reguladores seguravam o problema firmemente nas mãos e que nenhum
novo capital era preciso para estas GSEs.
Mas estes dois líderes perderam muita credibilidade desde Agosto de 2007
quando apregoaram uma lenga-lenga semelhante a dizer que os problemas no
mercado hipotecário estavam "contidos" nos empréstimos
subprime e não se difundiriam mais além. O presidente da SEC,
Christopher Cox, tentou acalmar investidores dizendo-lhes que o Bear Stearns
passara numa revisão financeira, poucos dias antes pedira um plano de
salvação arquitectado pelo Fed junto ao JP Morgan Chase com
empréstimos do Fed.
O que está em risco é mais do que a adequação do
capital. A credibilidade da equipe com a responsabilidade pelo sistema
monetário do país e do seu mercado financeiro está a rumar
para o colapso. Infelizmente, é muito mais fácil perder
credibilidade do que recuperá-la. (Ver
America's Untested Management Team
Asia Times Online,
June 17, 2006.)
Ansiedade recorrente
A ansiedade acerca dos passivos da Fannie e do Freddie de mais de US$5
milhões de milhões a ficar demasiado grande para a autoridade de
financiamento do Federal Reserve, uma linha de crédito de uns
miseráveis US$2,5 mil milhões, tem sido uma
preocupação recorrente em muitos lados nestes últimos
anos. Mesmo depois que ambas as GSEs foram descobertas infestadas com
irregularidades contabilísticas (o Freddie Mac em 2003 e a Fannie Mae em
2004), o Congresso fracassou na sua actuação excepto para
fazer com que o regulador requeresse às GSEs possuírem mais 30%
de capital do que o mínimo anteriormente requerido, limitando com efeito
a sua capacidade para comprar hipotecas quando a bolha habitacional
aproximava-se do pico.
Calma, foi permitido à Fannie e ao Freddie posarem como companhias de
alto crescimento cujas acções eram bastante seguras para
viúvas e órfãos. A fatia de mercado das GSE caiu para 45%
no pico da bolha habitacional. Após o estouro da bolha, ascendeu a 68%
no primeiro trimestre de 2008.
Depois de as vazias tranquilizações oficiais terem deixado de
convencer o mercado porque estava claro para todos verem que os passivos
directos e garantidos das duas GSEs eram quase 65 vezes o seu capital
regulamentar no fim do primeiro trimestre de 2008, a prioridade a curto prazo
era restaurar a confiança evanescente dos compradores da dívida
da Fannie e do Freddie, muitos dos quais são estrangeiros. Ao aumentar
a linha de crédito das GSEs e pressionar por autoridade para injectar
capital fresco se necessário, o proposto plano do Tesouro parece ser
destinado a acalmar temores de incumprimento generalizado de terceiros e
fracasso de mercado. O Freddie não parecia ter problemas sérios
ao descarregar US$3 mil milhões de papel novo na segunda-feira 14 de
Julho, embora corresse o rumor de ter sido preciso persuadir bancos a
comprá-lo.
O maior problema para Washington é que simplesmente estabilizar a Fannie
e o Freddie não é suficiente. Com os bancos americanos
seriamente combalidos pela crise de crédito, as GSEs, que possuem ou
garantem 22% dos US$24,3 milhões de milhões de dívidas
activas tomadas como empréstimo pelas famílias americanas e pelo
sector não financeiro, são uma fonte importante de
crédito. Mas o mercado está claramente inconfortável com
a incapacidade das GSEs para manter seus balanços super intumescidos.
As opções são ou contrair os balanços
drasticamente, e assim exacerbar a crise de crédito, ou procurar uma
injecção maciça de capital novo, tanto uma como outra
exigindo acção do governo numa escala sem precedentes.
Apesar destas medidas ad hoc, as quais podem ou não recebe
aprovação do Congresso, todo o mundo sabe que a capacidade de
crédito está a encolher drasticamente no mercado. Há
rumores de que os EUA estão a pressionar bancos centrais estrangeiros a
adquirirem mais dívida GSE, mas o mercado está inundado com
temores de novas crise antes que o mercado habitacional se recupere. E o
mercado habitacional jaz em estado de coma, em cuidados intensivos com um
tanque de oxigénio de novo crédito prestes a esvaziar-se.
Quando o mercado habitacional entra em colapso, ambas as companhias GSE
estão a relatar perdas pronunciadas. Mas o colapso das hipotecas
subprime também tornou as GSEs mais importantes do que nunca para a
manutenção do sector financeiro da habitação. Uma
vez que os mercados de crédito estão presos, a Fannie e o Freddie
recuperaram seu papel central nas finanças hipotecárias depois de
perderem uma fatia significativa de mercado para bancos de investimento durante
o boom habitacional. Eles emitiram a vasta maioria dos títulos
hipotecários vendidos nos últimos seis meses porque os
investidores perderam a confiança em negócios colocados juntos
por grandes bancos de investimento.
Em Fevereiro de 2008, espicaçado pelo Tesouro, reguladores federais
anunciaram estarem a facilitar restrições sobre a
concessão de empréstimos pela Fannie e o Freddie. Então,
em 19 de Março, o governo federal anunciou que estava a facilitar
aquelas restrições num esforço para acalmar a tempestade
que afligia os mercados hipotecários. Responsáveis disseram que
a mudança podia permitir às duas GSEs investirem mais US$200 mil
milhões em hipotecas.
Alarmada pela erosão aguda da confiança do mercado nas duas GSEs
do país, as maiores companhias financeiras de hipotecas, no domingo 13
de Julho a administração Bush anunciou planos para pedir ao
Congresso que aprovasse um pacote de resgate completo que daria aos
responsáveis o poder de injectar fundos ilimitados nas companhias
sitiadas através de investimentos e empréstimos.
Num anúncio separado, o Federal Reserve disse que a pedido do Tesouro
disponibilizaria um dos seus programas de empréstimos temporários
a curto prazo no guichet de desconto para as duas GSEs, "para promover a
disponibilidade de crédito hipotecário habitacional durante um
período de stress em mercados financeiros". O programa para as
GSEs finalizaria quando o Congresso aprovasse o proposto plano do Tesouro.
No domingo o secretário do Tesouro Paulson anunciou dramaticamente os
passos a serem dados pelo Tesouro: "O presidente pediu-me para trabalhar
com o Congresso para activar este plano imediatamente. A Fannie Mae e o
Freddie Mac desempenham um papel central no nosso sistema financeiro
habitacional e devem continuar assim na sua forma actual como companhias
possuídas por accionistas. Seu apoio ao mercado habitacional é
particularmente importante quando trabalhamos para a correcção da
actual situação habitacional".
O paradoxo de Paulson
Se bem que responsáveis em sucessivas administrações,
tanto republicanas como democratas, tenham durante muitos anos negado
reiteradamente que os milhões de milhões de dólares de
dívida emitidos pela Fannie e pelo Freddies fossem garantidos pelo
governo, o pacote de Paulson, se adoptado, traria o Tesouro mais perto do que
nunca de expor os contribuintes a novos passivos potencialmente enormes.
Espera-se que as duas GSE enfrentem novos perdas significativas este ano pois a
onda de arrestos de habitações continua e aumenta. Paulson
parecia sugerir que não há escolha excepto a
intervenção do governo. O plano proposto, exigindo que o
Congresso desse autoridade ao Tesouro para comandar fundos ilimitados para
estabilizar as GSEs, está baseado na esperança de que a
própria disponibilidade de fundos ilimitados tornaria
desnecessário utilizá-los. O investimento os elementos de
concessão de empréstimos do plano proposta são para dois
anos.
Durante o fim de semana, responsáveis do Tesouro procuraram garantias de
firmas da Wall Street de que o leilão de segunda-feira do Freddie Mac de
US$3 mil milhões de dívida a curto prazo decorreria sem
obstáculos. Apesar de US$3 mil milhões ser uma quantia
relativamente pequena para uma instituição do porte do Freddie,
responsáveis disseram que não queriam arriscar-se nem mesmo a um
pequeno passo em falso que poderia disparar um novo round de problemas. Apesar
de garantias repetidas por altos responsáveis de que as companhias
tinham cash adequado para aguentar a actual tempestade financeira, a Fannie e o
Freddies sofreram uma contundente estouro de confiança na semana
anterior. Em resultado, o Freddie foi confrontado com uma oferta de
dívida incerta na segunda-feira. Se a Fannie e o Freddie falhassem,
US$5,3 milhões de milhões em dívida hipotecária
ficariam comprometidos. Como isto aconteceu, a oferta correu suavemente mas
todos sabiam que não era um mercado normal.
O Freddie Mac continuou a tentar levantar capital junto a investidores privados
mesmo após um plano de resgate do governo, dele e da sua companhia
irmã Fannie Mae, ter sido anunciado na semana anterior, indicando a
preocupação de que o plano do governo possa ser atrasado no
Congresso. Na sexta-feira, 18 de Julho, o Freddie Mac arrumou um dos
últimos obstáculos para levantar novo capital através de
uma planeada oferta de acções de US$5,5 mil milhões quando
recebeu aprovação para registar-se com reguladores de
títulos estado-unidenses. Contudo, a capacidade do Freddie Mac para
atrair capital muito necessário de novos e existentes accionistas tem
sido potencialmente diminuída pela possibilidade de um futuro interesse
do governo que possa colocar restrições ao negócio.
Também há pouca clareza respeitante ao lugar na estrutura de
capital que governo pode investir, e quão diluente seria um tal
movimento para os accionistas existentes.
O plano de resgate do governo, que daria ao Tesouro poderes ilimitados
até o fim de 2009 para aumentar sua linha de crédito à
Fannie Mae e ao Freddie Mac e investir nas suas acções, encontrou
algumas fortes resistências vocais em audiências no Congresso
durante a semana anterior a 18 de Julho.
Enquanto muitos esperam que o Congresso não tenha opção
excepto aprovar o plano Paulson, uns poucos cépticos exprimem a sua
oposição em audiências públicas. O senador Jim
Bunnig, republicano do Kentucky, descreveu Paulson como "a pedir um cheque
em branco ... para esta intervenção sem precedentes nos nosso
mercados livres". Ele também prometeu tentar tudo para travar uma
proposta que daria ao Federal Reserve novos poderes abrangentes destinados a
proteger o abalado sistema financeiro do país. Bunning afirmou que o
Federal Reserve "não pode ser confiado com o poder que já
tem". Afirma ele que as políticas do Fed nos últimos anos
contribuíram para desgraças económicas, incluindo
inflação crescente, dólar declinante e a quebra
habitacional.
"Ontem quando vi meu jornal, pensei ter acordado em França. Mas
não, verifica-se que o socialismo está vivo e bem na
América. O secretário do Tesouro está a pedir um cheque
em branco para comprar tanto quanto a dívida da Fannie e do Freddie ou
quanto de acções quiser. A compra do Fed dos activos do Bear
Stearns era socialismo amador comparado com isto", trovejou o senador
republicano contra o secretário do Tesouro do seu próprio
partido. No discurso político estado-unidense, socialismo é uma
palavra suja, embora o que Paulson proponha não seja de modo algum
próximo do socialismo como é habitualmente entendido no resto do
mundo, mas um esquema para utilizar fundos públicos para salvar o
capitalismo da dívida ao frustrar o direito de fracassar no capitalismo
de mercado.
Concessão de empréstimos predatórios
Ron Paul, congressista republicano do Texas, disse a Bernanke que o Federal
Reserve é um "prestamista predatório". Mas ele
não mencionou que por lei prestamistas predatórios perdem
qualquer direito de cobrança.
A passibilidade do prestamista está corporificada numa lei comum e
estatutária que cobre um vasto espectro de alegações
respeitantes à concessão de empréstimos
predatórios. Se um prestamista reconhecidamente empresta a um tomador
que obviamente é incapaz de efectuar utilização
benéfica razoável dos fundos, ou leva o tomador a assumir
responsabilidades que obviamente estão para além da capacidade do
tomador, o prestamista não só arrisca-se a perder o
empréstimo sem recurso como também é passível pelo
dano financeiro ao tomador provocado por tais empréstimos. Por exemplo:
se um banco empresta a um cliente de conta poupança
(trust account)
que é menor, ou alguém que não tem experiência em
negócios para começar um empreendimento arriscado que resultou na
perda não só do empréstimo como da conta poupança,
o banco pode ser obrigado pelo tribunal a devolver tudo ao cliente.
Nos Estados Unidos, embora o empréstimo predatório não
seja definido por lei federal, e vários estados definam o
empréstimo abusivo de diferentes formas, ele habitualmente envolve
práticas que espoliam a situação líquida do
possuidor da casa, ou a situação líquida de uma companhia,
ou condenam o devedor a uma servidão perpétua. As
práticas de concessão de empréstimos predatórios ou
abusivos podem incluir efectuar um empréstimo a um tomador sem
considerar a capacidade do tomador para repagá-lo, refinanciar
repetidamente um empréstimo dentro de um curto período de tempo e
cobrar altos pontos e comissões a cada refinanciamento, cobrar taxas e
comissões excessivas a um tomador que se qualifica para taxas e/ou
comissões mais baixas ofertadas pelo prestamista, ou impor novos termos
injustificavelmente duros para girar
(rolling over)
uma dívida existente. A predação rompe as
ligações entre a dotação de recursos agregados de
uma economia e o consumo agregado, bem como entre a distribuição
interpessoal de dotações e a distribuição
interpessoal de consumo.
A opção de alguns em se tornarem predadores diminui o consumo
agregado, tanto porque os recursos dos predadores são
desperdiçados como porque os produtores sacrificam a
produção ao reservarem recursos para se defenderem contra
predadores. Grande parte da teoria económica do bem estar
(welfare economics)
baseia-se no conceito do Óptimo de Pareto, o qual assevera que os
recursos são distribuídos de forma óptima quando um
indivíduo não pode mover-se para uma posição melhor
sem colocar algum outro numa posição pior. Numa sociedade global
injusta, o Óptimo de Pareto perpetuará a injustiça.
Agora, há um estreito paralelo da maior parte das dívidas do
Terceiro Mundo e dos pacotes de resgate do Fundo Monetário Internacional
(FMI) com os exemplos acima de actividade predatória, onde refinados
banqueiros internacionais concedem empréstimos para esquemas
dúbios em países em desenvolvimento meramente para obterem as
suas comissões
(fees)
e juros elevados, sabendo que "países não podem ir à
bancarrota", como Walter Wriston, antigo presidente do Citibank, outrora
proclamou.
A argumentação para o esquecimento da dívida do Terceiro
Mundo contem grandes doses da passividade dos prestamistas e a concessão
de empréstimos predatórios. A titularização da
dívida permite a banqueiros predatórios transferirem o risco para
mercados globais de crédito, socializando o dano potencial depois de
desnatarem os lucros privatizados. A bolha habitacional foi criada em grande
medida pela concessão de empréstimos predatórios sem
qualquer responsabilidade do prestamista. A argumentação para o
esquecimento da dívida ao Terceiro Mundo também é
aplicável a tomadores de hipotecas de rendimento baixo e moderado nos
EUA. Deixem-nos ouvir alguns compromissos proactivos dos presumidos candidatos
de ambos os partidos políticos ao invés de retórica vazia
de campanha populista.
22/Julho/2008
A primeira parte deste artigo encontra-se em
http://resistir.info/crise/liu_22jul08_parte_1.html
[*]
Presidente de um grupo de investimento privado com sede em Nova York. Seu
sítio web encontra-se em
http://www.henryckliu.com
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O original encontra-se em
http://atimes.com/atimes/Global_Economy/JG22Dj06.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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