A crise financeira um esboço
A crise financeira global que agora se desdobra era previsível e foi
prevista. Ela poderia ter acontecido antes de o colapso das hipotecas subprime
nos Estados Unidos tê-la desencadeado, mas é importante sublinhar
que era aguardada. "Um acidente à espera de acontecer", como
disse Alan Greenspan, antigo presidente do Federal Reserve. E agora
está a apossar-se de bancos, casas de investimento, hedge funds e
especuladores alguns estão apenas a perder enormes somas de
dinheiro, outros estão indo para a bancarrota ou estão escalados
para a venda a saldo. Onde e como esta crise termina é absolutamente
imprevisível, mas ela já é muito séria.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Bank for International
Settlements, a British Financial Services Authorityh, o Financial Times, e
inúmeros comentadores dos media "de referência"
estão cada vez mais preocupados e advertiram publicamente contra muitas
das inovações financeiras que agora implodiram. Warren Buffett,
um dos homens mais ricos do mundo, no ano passado denominou os créditos
derivativos apenas uma das muitas novas invenções
bancárias "armas financeiras de destruição
maciça". Instituições e pessoas muito conservadoras
previram a reviravolta nas finanças globais que estamos hoje a
experimentar.
O FMI tomou a liderança na crítica à nova estrutura
financeira internacional, e ao longo dos últimos três anos tem
publicado com pormenores as numerosas razões porque ela se tornou
tão perigosa para a estabilidade económica do mundo. Os
acontecimentos confirmaram o seu prognóstico de que a complexidade e a
falta de transparência, a obscuridade dos riscos e a incerteza universal,
especialmente quanto à dívida colaterizada e
obrigações de empréstimos, provocarão uma fuga para
a segurança que secará grande parte da liquidez da banca.
"...a própria inovação financeira", como disse
um colunista do
Financial Times,
"é o problema". O sistema ultra-criativo está a ficar
emperrado porque ninguém entende onde estão localizados os riscos
ou como funciona. começou a paralizar este Verão e o seu
conserto é cada vez mais improvável.
Ninguém pode medir a extensão das perdas porque não
há qualquer acordo sobre o valor destas numerosas
inovações. A maior parte dos jogadores que têm interesses
nos incontáveis instrumentos de investimento esotéricos
são absolutamente ignorantes. Mas as quantias são enormes.
Apenas umas poucas das muitas grandes derrocadas financeiras dão-nos uma
estimativa grosseira.
A presente crise começou mas dificilmente aí terminou
com empréstimos hipotercários subprime nos EUA, os quais
foram avaliados em mais de US$1,3 milhão de milhões (10
12
) mas que, para finalidades práticas, hoje valem menos, muito menos.
Podemos ignorar o impacto desta crise sobre os preços da
habitação nos EUA, mas algumas projecções
são de um declínio de dez por cento mais uns dois
milhões de milhões pouco mais ou menos. Indirectamente,
naturalmente, a crise hipotecária também trouxe muitos
milhões de pessoas por todos os EUA e cada vez na Europa para dentro de
um mais complexo e mais vasto mundo financeiro. Muitos sairão
seriamente feridos.
O que o mercado subprime fez foi desencadear um turbilhão muito maior
envolvendo bancos na Inglaterra, Alemanha, França, Ásia e por
todo o mundo, pondo em causa grande parte do sistema financeiro global tal como
ele se desenvolveu ao longo da última década.
Os bancos de investimento possuem cerca de 500 mil milhões em
dívidas equity privadas que planeavam colocar sobretudo em
compras alavancadas
(leveraged buy-outs).
Eles agora são forçados a vende-las com descontos ou a
mantê-las nos seus balanços em qualquer dos casos
perderão.
A quase falência do banco alemão Sachsen LB, o qual teve de ser
salvo da bancarrota com um crédito 17,3 mil milhões de euros,
revelou que os bancos europeus possuem mais 500 mil
milhões de dólares nos chamados activos apoiados por papel
comercial, grande parte dos quais nos EUA em hipotecas subprime. O Northern
Rock britânico, o qual em meados de Setembro viu os depositantes
retiraram dois mil milhões de libras em poucos dias e forçou-o
à bancarrota virtual, é apenas outro de muitos exemplos. Um
fracasso na América também levou a Europa a enfrentar uma crise.
O problema não está isolado.
A vítima principal desta reviravolta são os hedge funds. O que
são hedge funds? Existem cerca de 10 mil e, todos dizem, eles fazem de
tudo. Alguns hedge funds, no entanto, fornecem capital a companhias e competem
com êxito com bancos comerciais porque assumem riscos muito maiores. Uma
proporção substancial é de simples jogadores; alguns
apostam até mesmo nas previsões do tempo. Muitos olham para os
seus computadores e a matemática dos modelos para guiar os seus
investimentos, e estes perderam a maior parte do dinheiro, mas fundos baseados
em outras estratégias também perderam durante o mês de
Agosto. O fracasso espectacular do Long-Term Capital Management em 1998
também se deveu à sua confiança em engenhosas
proposições matemáticas, mas ninguém aprendeu
quaisquer lições disto, o que prova que os apelos à
razão e a experiência caem em orelhas moucas se houver dinheiro a
fazer.
Alguns ganharam durante a crise de Agosto mas muitos mais perderam e, no
conjunto, os hedge funds perderam um grande negócio seu
fascínio pela riqueza rápida foi-se. Houve entre eles algumas
bancarrotas e salvações
(bailouts)
espectaculares, incluindo algumas das maiores firmas de investimento.
Investidores que ficaram os pés frios descobriram que a retirada de
dinheiro dos hedge funds estava próximo do impossível. O valor
real dos seus haveres é raivosamente contestado e a
avaliações variam desenfreadamente. Na realidade, não
qualquer meio de avaliá-las com realismo todas elas dependem
amplamente daquilo que as pessoas querem acreditar e comprarão, ou do
mercado.
Estamos no fim de uma era, a atravessar o pior pânico financeiro em
muitas décadas. Agora principia a instabilidade financeira. Na
opinião de muitos observadores informados, especialmente, o
Financial Times,
todo o sistema financeiro e o modo como opera terá de ser
reconstruído radicalmente e é improvável que
isto ocorra. É impossível especular sobre até quando
perdurará a confusão mas agora existe uma incerteza e
falta de confiança sem paralelo desde a década de 1930 e
esta ignorância e medo é em si própria um factor crucial.
O que é muito claro é que as perdas são maciças e
todo o mundo desenvolvido agora está a experimentar a pior crise
económica desde 1945, uma crise em que as perturbações num
país combinam-se com as de outros.
Todos os bancos centrais estão dilacerados por dilemas. Eles não
têm nem os recursos nem o conhecimento, incluindo poderes legais, para
remediar o presente turbilhão. Embora haja um clamor de financeiros e
operadores variados para que lhes prestem ajuda, o Federal Reserve
também deve ponderar as consequências dos seus movimentos, acima
de tudo a inflação. E depois há a questão dos
"riscos morais". Será da responsabilidade do Federal reserve
salvar aventureiros financeiros das suas próprias loucuras? O seu
dilema é que se eles não tentarem salvar estes especuladores
politicamente poderosos todo o sistema financeiro pode capotar, e assim eles
sido cada vez mais forçados a tentar caucioná-los portanto
a possibilitar-lhes que sobrevivam e no futuro ponham em perigo todo o sistema.
Durante o mês de Agosto os bancos centrais americano e europeu despejaram
cerca de 500 mil milhões de dólares no sistema bancário
numa tentativa de descongelar os créditos e empréstimos
bloqueados que se seguiram à crise subprime um evento que
disparou uma "fuga para a segurança" a qual reduziu muito a
disposição dos bancos para conceder empréstimos. Com
efeito, o Federal Reserve confiou nos bancos para restaurar a confiança
no sistema financeiro, subsidiando os seus esforços.
Só muito parcialmente tiveram êxito os esforços dos bancos
centrais mas, no conjunto, eles fracassaram: bancos e investidores agora
procuram segurança ao invés de risco, e eles sentarão
sobre o seu dinheiro. O Federal Reserve reconhece em privado a sua
incapacidade para estar à altura de uma estrutura financeira
desordenadamente complexa. Os banqueiros centrais europeus enfrentam
exactamente o mesmo dilema: eles simplesmente não sabem o que fazer.
Mas isto mal toca o problema real, o qual é estrutural e choca-se
totalmente com o modo como a estrutura do mundo financeiro evoluiu ao longo das
últimas duas décadas. Tal como no passado, há uma brecha
crítica no mundo da banca e da finança e cada um tem
influência política bem como choques de interesses. Ainda mais
importante, os bancos centrais não foram concebidos para enfrentar as
realidades de hoje e não têm nem poderes legais nem conhecimento
para controlá-las.
Neste contexto, os bancos centrais terão problemas crescentes e as
soluções que propõem, como no passado, serão
absolutamente inadequadas, não porque as suas intenções
sejam erradas mas porque é impossível regular uma economia
complexa tão vasta ainda menos hoje do que no passado porque
não há mecanismo internacional para assim fazer. A
internacionalização das finanças significou menos
regulação do que nunca, e a regulação era muito
pouco efectiva mesmo a nível nacional.
O sistema financeira global agora está fora de controle. A
cobiça é desenfreada. As instituições
internacionais existentes não podem mudar esta realidade. Estamos
à beira de uma crise séria se não for agora,
será no futuro próximo.
16/Outubro/2007
Artigos do mesmo autor:
Porque vem aí um dilúvio económico global
Chegou a tempestade financeira prevista
[*]
Historiador
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O original encontra-se em
http://www.zmag.org/sustainers/content/2007-10/16kolko.cfm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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